O PAPEL DO BRINCAR NA CONSTRUÇÃO DE SABERES E SUBJETIVIDADES NA EDUCAÇÃO INFANTIL

PDF: Clique aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15543837


Ana Julia Portella1
Atila Barros2


RESUMO
Este estudo discute a introdução dos espaços naturais como territórios pedagógicos fundamentais para o desenvolvimento integral na educação infantil. Fundamentado na LDB (1996), nas Diretrizes Curriculares Nacionais (2009) e na BNCC (2017), o trabalho defende que o contato direto com a natureza favorece experiências formativas que articulam dimensões físicas, cognitivas, afetivas e éticas. Articulando os referenciais teóricos de Piaget, Vygotsky e Paulo Freire, argumenta-se que o brincar, ao ar livre e em ambientes não artificializados, constitui prática estruturante da infância, promovendo autonomia, imaginação e consciência ecológica. Com base em autores como Kishimoto, Kramer e Maluf, evidencia-se que tais espaços ampliam as possibilidades expressivas e simbólicas das crianças, contribuindo para a constituição de sujeitos críticos e sensíveis.
Palavras-chave: Educação Infantil; Brincar; Natureza; Desenvolvimento Integral; Paulo Freire; Espaços Educativos; Práxis Pedagógica.

ABSTRACT
This study discusses the incorporation of natural environments as fundamental pedagogical territories for the integral development of early childhood education. Grounded in the LDB (1996), the National Curriculum Guidelines (2009), and the BNCC (2017), the research argues that direct contact with nature fosters formative experiences that integrate physical, cognitive, affective, and ethical dimensions. Based on the theoretical contributions of Piaget, Vygotsky, and Paulo Freire, it contends that play—particularly outdoors and in non-artificialized environments—constitutes a foundational practice of childhood, promoting autonomy, imagination, and ecological awareness. Drawing on authors such as Kishimoto, Kramer, and Maluf, the study demonstrates that natural spaces expand children’s symbolic and expressive capabilities, contributing to the formation of critical and sensitive subjects.
Keywords: Early Childhood Education; Play; Nature; Integral Development; Paulo Freire; Educational Spaces; Pedagogical Praxis.

INTRODUÇÃO

A educação infantil, compreendida como a primeira etapa da educação básica, deve estar orientada para o desenvolvimento integral das crianças de zero a cinco anos, conforme explicitado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009). Tal desenvolvimento, que abrange as dimensões física, afetiva, cognitiva, social e simbólica, demanda um ambiente educativo que respeite a singularidade da infância, propicie experiências significativas e reconheça as múltiplas formas de interação da criança com o mundo. Nesse contexto, os espaços naturais assumem um papel pedagógico de especial relevo.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta que é fundamental que as propostas pedagógicas na educação infantil estejam pautadas pela "escuta, pelo respeito à singularidade das crianças e por experiências que promovam o contato com a natureza e com diferentes manifestações culturais" (Brasil, 2017). Os espaços naturais, compreendidos como ambientes externos pouco ou nada artificializados, possibilitam que as crianças explorem o mundo com o corpo inteiro, desenvolvendo habilidades motoras, sensoriais, cognitivas e emocionais em interação com o meio.

Paulo Freire (1996) afirma que "a educação autêntica se faz no ato de conhecer o mundo". Sob essa perspectiva, os espaços naturais podem ser compreendidos como territórios de experiência e de formação. O contato direto com a natureza, árvores, terra, água, vento, animais, não apenas estimula a curiosidade e a imaginação, como também favorece a construção de uma relação ética com o ambiente. Freire, ao tratar da dimensão da conscientização, aponta a necessidade de desenvolver uma percepção crítica e sensível do mundo. Nesse sentido, permitir que as crianças aprendam com e na natureza é também um ato político e humanizador. A interação com os espaços naturais contribui diretamente para o desenvolvimento integral por meio do brincar, elemento estruturante da infância. Para Kishimoto (2011), o brincar é compreendido como uma atividade humana essencial, dotada de valor em si mesma, e que viabiliza a expressão do pensamento, da linguagem, da emoção e da corporeidade. Ao brincar ao ar livre, em contato com elementos naturais, a criança constrói experiências autênticas, elabora simbolicamente o mundo e desenvolve suas potencialidades.

A psicologia do desenvolvimento infantil, representada por autores como Jean Piaget e Lev Vygotsky, também reconhece a importância das interações ambientais no processo de aprendizagem. Piaget (1971) defende que o conhecimento é construído pela ação da criança sobre o meio. O contato com espaços naturais possibilita que a criança estabeleça esquemas sensório-motores, organize e equilibre estruturas cognitivas e construa representações simbólicas. Como afirma Piaget (1976), o equilíbrio cognitivo depende da constante interação entre o sujeito e os objetos do mundo.

Vygotsky (1991), por sua vez, argumenta que o desenvolvimento infantil é um processo mediado pela cultura e pelas interações sociais. Contudo, não exclui a natureza do processo, pois compreende que os espaços também são produtores de significados. O brincar simbólico, por exemplo, é favorecido pela diversidade de materiais e experiências que os ambientes naturais oferecem. No espaço aberto, as crianças se apropriam de elementos naturais como folhas, pedras, galhos, areia, construindo jogos que envolvem imaginação, linguagem e interação.

Angela Maluf (2011) salienta que os espaços educativos não se limitam aos ambientes fechados e controlados. Pelo contrário, é fundamental que as crianças tenham oportunidade de experienciar o mundo em sua pluralidade, incluindo os espaços exteriores. A relação com o ambiente natural promove autonomia, autoestima e amplia repertórios de aprendizagem. Sonia Kramer (2003) complementa que a singularidade da infância exige que a educação infantil seja permeada pela escuta, pela liberdade de movimentos e pela interação sensível com o mundo.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2009), é dever das instituições de educação infantil garantir espaços e tempos de qualidade para o brincar, a convivência, a exploração e a expressão. Nesse escopo, os espaços naturais não devem ser tratados como complemento ou espaço de recreio, mas como ambientes de aprendizagem complexos e integrados às propostas pedagógicas. O Dicionário Aurélio (Ferreira, 2003) define natureza como o "conjunto de seres e coisas do universo, obra da criação". Ao considerar a criança como parte constituinte dessa natureza, e não como um ente separado, a educação infantil ganha a dimensão de uma educação ecológica, sensível e comprometida com a vida. Em consonância, a BNCC (Brasil, 2017) reforça que o desenvolvimento infantil pressupõe experiências que favoreçam a interação com diferentes espaços, tempos, materiais e linguagens. Sob a ótica freireana, oferecer à criança o contato com a natureza é também um gesto de resistência contra a domesticadora lógica tecnocrática. Freire (2003) denuncia os processos de desumanização que ocorrem quando a educação desconsidera a experiência concreta dos sujeitos. Assim, permitir que a criança viva a natureza com plenitude, sem redução ou controle excessivo, é valorizar sua liberdade criadora e seu direito de ser mais.

A contribuição dos espaços naturais para o desenvolvimento integral na educação infantil é ampla e irrefutável. Ao favorecer o brincar espontâneo, a autonomia, a linguagem simbólica, a formação ética e o fortalecimento dos vínculos afetivos, esses espaços se configuram como verdadeiros territórios de aprendizagem, expressão e emancipação. Integrar os espaços naturais à práxis pedagógica é reafirmar o compromisso com uma educação humanizadora, dialógica e contextualizada, em consonância com os princípios de Paulo Freire, Piaget, Vygotsky e os marcos legais da educação Brasileira. Assim, a natureza, longe de ser apenas um pano de fundo, é protagonista de processos educativos que formam sujeitos sensíveis, críticos e integrados ao mundo em sua complexidade.

MÉTODO

A presente investigação adota uma abordagem qualitativa de natureza teórico-bibliográfica, alicerçada na análise crítica de referenciais clássicos e contemporâneos que problematizam os processos de desenvolvimento infantil, a centralidade do brincar, os fundamentos da pedagogia humanizadora e a complexa relação entre infância e natureza. O corpus documental contempla um conjunto representativo de produções teóricas de autores como Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Kishimoto, Kramer, Oliveira e Maluf, articulado com os marcos normativos que orientam a educação infantil no Brasil, notadamente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI, 2009).

A escolha da abordagem qualitativa decorre da necessidade epistemológica de apreender os sentidos produzidos pelas crianças em suas experiências com os espaços naturais, considerando-se que tais interações não se circunscrevem à dimensão objetiva ou técnica, mas envolvem aspectos simbólicos, sensoriais, emocionais, ético-estéticos e políticos que atravessam a constituição da subjetividade infantil. A opção pela pesquisa bibliográfica, neste escopo, se justifica não como uma forma de exaustão documental, mas como um exercício de leitura dialógica entre os textos e o mundo, conforme propõe Freire (1996), para quem todo ato de conhecer implica uma prática de reinterpretação crítica da realidade.

Inspirada no princípio freireano da dialogicidade e na recusa ao reducionismo tecnocrático, esta pesquisa se estrutura em eixos analíticos formulados a partir da recorrência de núcleos conceituais nas obras examinadas, a saber: a) a natureza como território educativo e epistêmico; b) o brincar como prática fundante do desenvolvimento integral; c) a mediação simbólica como condição da formação da consciência; e d) a dimensão ético-política da relação entre sujeito e ambiente. Tais categorias não se apresentam como compartimentos estanques, mas como campos interdependentes que tensionam e ampliam a compreensão do fenômeno investigado. A interpretação dos dados pautou-se por uma hermenêutica crítica, orientada por uma postura problematizadora diante dos discursos pedagógicos e normativos, à luz das contribuições filosóficas e pedagógicas de Paulo Freire. Como defende o autor, “estudar não é um ato de consumir ideias, mas de criá-las e recriá-las” (Freire, 1996, p. 22), o que implica compreender os espaços naturais não como meros cenários da infância, mas como instâncias geradoras de saberes, de experiências de mundo e de práticas emancipatórias.

O BRINCAR E OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO INTEGRAL NA INFÂNCIA

As contribuições do brincar para a formação da criança são diversas e atravessam dimensões indissociáveis do desenvolvimento humano: a motricidade, a cognição e a constituição socioafetiva. Tais dimensões, frequentemente negligenciadas nos contextos educativos que privilegiam o acúmulo de saberes academicistas, devem ser compreendidas não como acessórias, mas como pilares estruturantes de um processo de ensino-aprendizagem comprometido com a formação integral dos sujeitos. Paulo Freire (1996) insiste que educar é um ato de implicação ético-política, em que a escuta, o respeito e o reconhecimento da singularidade do educando constituem condições primordiais da prática docente.

Contudo, é notório que, na prática escolar contemporânea, o saber escolarizado, desvinculado da corporeidade e da afetividade, tem sido colocado em detrimento do desenvolvimento emocional, social e físico da criança. Tal dissociação reproduz a fragmentação de uma pedagogia bancária (Freire, 2003), que nega as condições reais da infância como tempo de experimentação sensível do mundo. Urge, portanto, repensar as metodologias pedagógicas com base em uma concepção de desenvolvimento que reconheça a complexidade do ser humano em sua integralidade. No campo da psicologia do desenvolvimento, Jean Piaget (1971) identifica estágios sucessivos de construção do conhecimento, dos quais destacam-se, no contexto da educação infantil, o estágio sensório-motor (0 a 2 anos) e o estágio pré-operatório (2 a 7 anos). No primeiro, a criança organiza sua inteligência por meio da ação corporal e da exploração sensorial do mundo. No segundo, emerge a capacidade representacional, a linguagem simbólica e o jogo de faz de conta, que se tornam ferramentas para a elaboração de experiências internas e de relações sociais. Assim, atividades como dramatizações, jogos simbólicos, desenho e narrações de histórias assumem papel central na consolidação de estruturas cognitivas e afetivas.

Para Vygotsky (1991), o brincar não é apenas uma atividade espontânea, mas um campo privilegiado de mediação cultural, por meio do qual a criança internaliza signos e se apropria de significados sociais. Ao afirmar que "todo aprendizado é social antes de ser individual", o autor destaca a função das interações sociais como condição para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Nessa perspectiva, o papel do educador é o de mediar tais experiências com sensibilidade, escuta ativa e intervenções intencionais, possibilitando que a criança avance daquilo que já domina para aquilo que pode vir a dominar com apoio, a chamada zona de desenvolvimento proximal.

Wallon (1975) também enfatiza a interdependência entre as dimensões motora, afetiva e cognitiva do desenvolvimento, reiterando que a ação do sujeito se dá no entrecruzamento entre os imperativos biológicos e as exigências sociais. Para o autor, o brincar é um campo de expressão da afetividade e da relação com o outro, o que torna a escola um espaço essencialmente relacional, mais do que transmissivo. O educador que compreende essa complexidade não apenas ensina, mas cria ambiências de desenvolvimento, acolhimento e escuta, afirmando a criança como sujeito de direitos, saberes e experiências.

Freire (1996) reforça que “a prática educativa deve ser um ato de intervenção no mundo”, e, nesse sentido, a inserção do brincar como eixo estruturante da educação infantil representa uma forma de resistência à lógica domesticadora que reduz a infância a um preparo funcional para a vida adulta. É no jogo, no gesto livre, na criação simbólica que a criança constrói sua visão de mundo e seu lugar no mundo. Assim, ao garantir tempos e espaços para o brincar, o educador atua como intelectual engajado na formação de sujeitos históricos e autônomos.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009) e a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) reconhecem expressamente o brincar como direito da criança e como fundamento pedagógico que atravessa os campos de experiência. Tal reconhecimento demanda do educador uma prática intencional, reflexiva e responsiva, que se comprometa com o desenvolvimento integral em todas as suas vertentes.

A inclusão do brincar nos espaços educativos não deve ser concebida como um acréscimo eventual às práticas pedagógicas, mas como condição estruturante da formação infantil. Ao permitir a integração entre os aspectos motores, afetivos, sociais e cognitivos, o brincar configura-se como mediador da aprendizagem significativa e do desenvolvimento pleno. É nesse gesto de escuta, respeito às singularidades e fomento às potências da infância que reside o verdadeiro sentido da educação libertadora, conforme nos ensinou Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 2003, p. 79). Dessa forma, a prática pedagógica comprometida com o brincar não apenas amplia as possibilidades de desenvolvimento, mas também afirma a criança como sujeito de direitos e de linguagem, capaz de significar o mundo com o corpo, com a fala e com a imaginação. O educador, ao assumir essa tarefa, contribui para uma escola que acolhe, emancipa e transforma.

AUSÊNCIA DE APOIO INSTITUCIONAL E A MARGINALIZAÇÃO DO BRINCAR COMO DISPOSITIVO PEDAGÓGICO

A instituição escolar, historicamente concebida como espaço de transmissão de saberes sistematizados, não pode ser reduzida a um mero aparato de instrução. Ela se constitui, como destaca Paulo Freire (1996), em espaço de formação humana, dialógica e libertadora, que deve reconhecer a complexidade do ser que aprende. Sob esse prisma, a negação ou desvalorizacão institucional do brincar como linguagem estruturante da infância configura-se não apenas como falha pedagógica, mas como silenciamento de um direito fundamental. O brincar, enquanto atividade fundante da experiência infantil, não é apenas expressão lúdica ou espontânea, mas um recurso epistemológico e afetivo por meio do qual a criança constrói sentido sobre si, sobre o outro e sobre o mundo. Vygotsky (1991) compreende o brincar como espaço privilegiado da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), na qual o processo de aprendizagem se realiza por meio da mediação simbólica e da interação social. Assim, a ausência de apoio da gestão escolar às práticas lúdicas configura uma barreira estrutural que compromete a dimensão formativa da escola e obstaculiza o pleno desenvolvimento da criança.

A carência de um projeto político-pedagógico que reconheça o brincar como eixo formativo revela, em última instância, a prevalência de um modelo escolar conteudista, voltado ao cumprimento de metas e cronogramas, e distante das necessidades reais da infância. Como observa Freire (2003), toda prática educativa que nega o contexto existencial do sujeito e sua capacidade de ser mais é uma forma de opressão. Desse modo, a invisibilização do brincar reflete a persistência de uma lógica escolar desumanizadora, centrada na avaliação quantitativa e na produção de resultados mensuráveis. O brincar, ao ser excluído do cotidiano escolar ou relegado a momentos marginais da rotina, impacta diretamente o desenvolvimento emocional, social e cognitivo da criança. Não se trata de um mero recurso acessório, mas de um dispositivo estruturante, como defendem Kramer (2003) e Kishimoto (2011), que ressaltam a importância de experiências lúdicas para a consolidação da autonomia, da expressão simbólica e da empatia. A ausência de oportunidades de brincar pode resultar em sintomas de estresse, irritabilidade, apatia e desengajamento, inviabilizando a construção de uma relação significativa com o saber.

O educador, nesse contexto, é convocado a assumir um papel contra-hegemônico: é ele quem pode tensionar os limites institucionais e propor uma pedagogia que inscreva o brincar como direito e como linguagem legítima do aprender. Para Vygotsky (1998), a aprendizagem é tanto mais potente quanto mais conectada aos interesses e motivações da criança. A intervenção docente, nesse sentido, deve ser responsiva, afetiva e intencional, criando situações de interação que favoreçam a mediação e a ampliação das capacidades cognitivas.

Freire (1996) adverte que não há neutralidade no ato de educar. A escolha de excluir o brincar do espaço escolar ou de não o reconhecer como parte constitutiva do currículo é uma opção política que relega a infância a uma condição de subalternidade. Por isso, a reflexão sobre a ausência de apoio institucional ao brincar deve ser feita não apenas no âmbito da gestão, mas como crítica a um modelo de escolarização que nega o corpo, o movimento, a expressão simbólica e a subjetividade infantil.

A urgência em repensar a função social da escola frente às infâncias se impõe como tarefa ética e pedagógica. O brincar, ao ser reconhecido como direito, deve ser garantido institucionalmente por meio de práticas cotidianas, formação docente continuada e proposições curriculares que articulem o lúdico às dimensões do conhecimento. A gestão escolar, nesse escopo, precisa assumir o compromisso de fomentar ambientes educativos que respeitem os tempos e os modos de ser da criança. Como afirma Freire (2003, p. 79), “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Negar o brincar é negar o mundo da criança. Portanto, uma escola que silencia o brincar está, de modo implícito, silenciando também a infância e seus direitos. Que a ação pedagógica e a gestão educacional possam ser atravessadas por essa consciência transformadora, a fim de constituir espaços onde brincar, aprender e existir se tornem experiências indissociáveis.

O BRINCAR, AO SER RECONHECIDO COMO DIREITO

O reconhecimento do brincar como um direito fundamental da criança implica uma mudança paradigmática na formação educacional e social da infância. Longe de representar apenas um intervalo entre atividades "sérias" ou uma prática secundária, o brincar assume papel central no desenvolvimento integral da criança, atravessando as dimensões cognitiva, afetiva, simbólica e social. A partir da pedagogia freireana, esta discussão adquire contornos ético-políticos, pois o reconhecimento do brincar como direito implica assumir a criança como sujeito histórico, produtor de cultura e de sentidos, cuja experiência lúdica é também experiência de mundo.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)3, em seu artigo 294, estabelece que a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (Brasil, 1996). Neste contexto, o brincar é compreendido como prática constitutiva desse desenvolvimento, sendo reiterado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BrasiL, 2009) e pela Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), que reconhecem o brincar como eixo estruturante da prática pedagógica na primeira infância. Brincar é mais do que executar gestos ou manipular objetos: é uma forma de estar no mundo e de significar a realidade. Conforme Piaget (1971), o brincar contribui diretamente para o desenvolvimento das estruturas cognitivas, sendo um dos mecanismos centrais na construção do conhecimento. Ao observar os estágios do desenvolvimento infantil, o autor demonstra como, nos períodos sensório-motor e pré-operatório, o jogo simbólico e o faz de conta são fundamentais para a aquisição de noções de causalidade, reversibilidade e representação.

Na mesma direção, Vygotsky (1991) compreende o brincar como ambiente privilegiado para a formação das funções psicológicas superiores, uma vez que permite à criança internalizar signos sociais e culturais por meio da mediação simbólica e da interação. O autor introduz a ideia de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) como espaço entre aquilo que a criança é capaz de realizar sozinha e aquilo que consegue realizar com o apoio do outro. No contexto do brincar, a ZDP é ativada na medida em que as interações com pares ou adultos ampliam o repertório expressivo e cognitivo da criança.

À luz do pensamento de Paulo Freire, o brincar não apenas amplia capacidades cognitivas, mas expressa uma dimensão ética da existência humana. Freire (1996) defende que educar é um ato de amor e de compromisso com a liberdade, e que a prática educativa deve respeitar a autonomia, a criatividade e a história do educando. Quando a escola reconhece o brincar como direito, ela afirma a infância como um tempo legítimo de experiência e não como uma espera pela vida adulta. Ela nega a lógica da educação bancária e abre-se ao diálogo com os saberes e linguagens da criança. A consolidação do brincar como direito no ordenamento jurídico e nas diretrizes educacionais brasileiras representa um marco importante no reconhecimento da infância como sujeito de direitos. A BNCC (Brasil, 2017) afirma que é por meio do brincar que a criança se comunica, se expressa, experimenta, constrói significados e elabora compreensões sobre a cultura, a natureza e a sociedade. As Diretrizes Curriculares (Brasil, 2009) colocam o brincar como eixo estruturante da proposta pedagógica da educação infantil, reafirmando que é dever da instituição educativa assegurar tempos, espaços e materiais que favoreçam experiências lúdicas diversas. No entanto, reconhecer o brincar como direito exige mais do que previsão legal. Implica repensar a organização do tempo escolar, a formação docente, os espaços físicos e, sobretudo, a compreensão do que é educar. Como nos ensina Freire (2003), a educação é sempre uma escolha política, e o modo como a infância é tratada reflete os valores e os projetos de sociedade que se desejam construir. Valorizar o brincar é reconhecer a linguagem da criança, sua capacidade de expressão, de criação, de resistência e de reinvenção do mundo.

Kishimoto (2011) ressalta que o brincar não é um privilégio, mas um direito que deve ser garantido com seriedade, planejamento e intencionalidade pedagógica. A negligência ou a marginalização do brincar revela um modelo escolar que ainda está preso a uma racionalidade instrumental e conteudista, incompatível com os pressupostos de uma educação emancipadora. O reconhecimento do brincar como direito é um gesto ético e político que exige da escola uma revisão profunda de suas práticas, concepções e finalidades. Quando se afirma que brincar é direito, afirma-se também que a infância é sujeito de cultura, de linguagem, de experiência e de saber. Esta afirmação está em consonância com a proposta freireana de uma educação libertadora, na qual o respeito à singularidade do educando é condição para a construção do conhecimento e da autonomia.

Promover o brincar não é apenas permitir a criança o direito ao lúdico; é garantir-lhe o direito de existir plenamente, de ser no mundo e com o mundo. É neste sentido que Paulo Freire (1996) nos convida a uma prática educativa que seja radicalmente humana e humanizadora, onde o brincar seja reconhecido como experiência de liberdade, de criação e de formação de sujeitos históricos.

COMO INTRODUZIR O BRINCAR NO DIA A DIA DAS CRIANÇAS: SUGESTÕES, MODELOS E FUNDAMENTAÇÃO FREIREANA

O brincar, ao ser reconhecido como direito, ultrapassa a condição de mero entretenimento e passa a configurar-se como elemento constitutivo da formação integral da criança. Introduzir o brincar no cotidiano educativo demanda não apenas reorganização temporal e espacial, mas sobretudo uma reformulação de paradigmas pedagógicos. Nesse sentido, Paulo Freire (1996) oferece contribuições valiosas ao defender uma educação pautada na autonomia, na escuta sensível e na relação dialógica entre educador e educando. Ao articular o brincar à prática pedagógica, não apenas se garante um direito previsto legalmente, mas se reafirma a infância como tempo de experiência, criação e construção de saberes. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), em seu Artigo 29, estabelece como finalidade da educação infantil o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social. Tal dispositivo é ampliado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009), que reconhecem o brincar como eixo estruturante da prática pedagógica. A Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) reitera essa perspectiva ao incluir o brincar como um dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento, reconhecendo-o como linguagem própria da criança e meio privilegiado de expressão, experimentação e construção de conhecimentos.

Na perspectiva freireana, “a educação não transforma o mundo. A educação transforma as pessoas. E as pessoas transformam o mundo” (Freire, 2003). Assim, toda a prática educativa que insere o brincar como experiência de mundo se torna também uma prática de emancipação. O brincar, nesse sentido, é um instrumento de mediação entre a criança e a realidade, possibilitando-lhe desenvolver-se em sua inteireza. Jean Piaget (1971), ao estudar os estágios do desenvolvimento cognitivo, destaca que o jogo simbólico é fundamental na fase pré-operatória (dos 2 aos 7 anos), pois permite à criança representar, imaginar, reproduzir situações e reorganizar experiências vividas. Piaget (1976) afirma que o jogo é uma forma de equilíbrio entre assimilação e acomodação, sendo, portanto, uma via privilegiada para o desenvolvimento das estruturas cognitivas.

Do ponto de vista sociocultural, Vygotsky (1991) destaca o brincar como espaço de mediação simbólica e de formação das funções psicológicas superiores, como a atenção voluntária, a memória lógica e o pensamento abstrato. A brincadeira, segundo o autor, é o cenário privilegiado da Zona de Desenvolvimento Proximal, pois permite à criança realizar aquilo que ainda não consegue sozinha, mas que é possível com o apoio de um par mais experiente ou de um adulto.

MODELOS E SUGESTÕES PARA A INSERÇÃO DO BRINCAR NA PRÁTICA EDUCATIVA

Introduzir o brincar no cotidiano da educação infantil requer intencionalidade, escuta ativa e reestruturação curricular. Não se trata de “encaixar” momentos lúdicos em uma rotina disciplinar, mas de reorganizar os tempos, os espaços e as relações de modo a permitir à criança experimentar, criar, errar, recomeçar e significar. Entre os modelos e sugestões possíveis, destacam-se:

  1. Rodas de conversa e brincadeiras de representação simbólica: momentos de escuta, contagem de histórias e dramatizações promovem a linguagem oral, o raciocínio e a expressividade.

  2. Estações lúdicas temáticas: organização do espaço em diferentes ambientes de aprendizagem (cantinho da leitura, da construção, do faz de conta, da ciência) permite autonomia, exploração e interação.

  3. Brincadeiras ao ar livre e com elementos naturais: atividades como correr, pular, plantar, brincar com água e terra possibilitam experiências corporais, sensoriais e ecológicas.

  4. Sequências didáticas baseadas no lúdico: jogos de regras, desafios matemáticos e atividades com música e ritmo favorecem a aprendizagem formal sem abrir mão da ludicidade.

  5. Integração com as famílias: oficinas de brinquedos, brincadeiras tradicionais e momentos de interação intergeracional fortalecem os vínculos afetivos e a participação da comunidade.

Angela Maluf (2011) defende que o brincar deve atravessar o currículo como expressão da subjetividade e como experiência de conhecimento. Sonia Kramer (2003), por sua vez, reforça que respeitar a singularidade da infância exige permitir-lhe viver plenamente o tempo da infância, e não antecipar vivências adultas.

Promover o brincar no cotidiano educativo é mais do que atender a uma exigência legal: é afirmar um projeto pedagógico comprometido com a formação de sujeitos autônomos, criativos e críticos. Como nos ensina Paulo Freire (1996), a educação deve ser um ato de intervenção no mundo, e o brincar é uma dessas formas de intervenção: por meio dele, a criança explora, questiona, ressignifica e transforma a realidade. Ao inserir o brincar como eixo da prática docente, o educador se compromete com uma educação libertadora, que reconhece as múltiplas linguagens da criança e valoriza seu protagonismo. Mais do que uma atividade, o brincar é um direito inalienável e um caminho potente para a formação plena.

AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS DA INFÂNCIA E O PROTAGONISMO INFANTIL NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Ao reconhecer o brincar como linguagem fundante da infância, não se está apenas tratando de um direito assegurado legalmente, mas afirmando uma concepção de educação humanizadora, que respeita as singularidades infantis e compreende a criança como sujeito histórico e cultural. Conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), a educação infantil deve visar ao desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, afetivo, cognitivo e social, sendo o brincar uma das vias fundamentais para essa formação. A Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2009) reforçam essa perspectiva, ao reconhecerem o brincar como eixo estruturante da prática pedagógica.

A partir da pedagogia freireana, o brincar assume um caráter de resistência e emancipação. Paulo Freire (1996; 2003) denuncia as formas domesticadoras de educação, fundadas na transmissão verticalizada de saberes e na negação da experiência do educando. Nesse sentido, o brincar surge como expressão autêutentica da infância, uma forma de leitura e de intervenção no mundo, que deve ser acolhida como experiência epistemológica legítima. A inserção do brincar no cotidiano educativo não se restringe a uma dimensão lúdica, mas corresponde à construção de espaços de escuta, de autonomia e de expressão simbólica. Conforme salienta Sonia Kramer (2003), a infância não é um estágio preparatório para a vida adulta, mas uma fase plena, que demanda respeito às formas próprias de comunicação, percepção e interação com o mundo. Brincar é, portanto, um modo de ser e estar, um instrumento de representação e de subjetivação.

Kishimoto (2011) argumenta que o brincar é atividade essencial à vida humana, sendo no espaço lúdico que a criança experimenta, simula, reelabora e simboliza experiências vividas. Ao brincar, a criança se apropria de saberes, constrói narrativas e estabelece relações de sentido. Essa compreensão está profundamente alinhada ao pensamento freireano, segundo o qual “ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando” (Freire, 1996, p. 67). O brincar também é uma forma de expressar o que não se diz com palavras. É através do corpo em movimento, da imaginação ativa e do gesto espontâneo que a criança se comunica. Angela Maluf (2011) destaca que o espaço educativo deve possibilitar ao sujeito infantil essa liberdade expressiva, favorecendo experiências que integrem linguagem, corporeidade e emoção.

PIAGET, VYGOTSKY E FREIRE: CONVERGÊNCIAS EPISTEMOLÓGICAS DO BRINCAR

Jean Piaget (1971; 1976) compreende o brincar como forma privilegiada de equilíbrio entre assimilação e acomodação. O jogo simbólico é visto como condição para a construção de estruturas cognitivas mais complexas, ao permitir à criança representar, organizar e transformar o mundo. O conhecimento, para Piaget, não é uma cópia da realidade, mas uma construção ativa que se realiza na interação com o meio. Lev Vygotsky (1991), por sua vez, enfatiza o caráter social do desenvolvimento e situa o brincar como espaço de mediação simbólica. Na brincadeira, a criança internaliza signos culturais e participa de atividades que favorecem a emergência das funções psicológicas superiores. É na Zona de Desenvolvimento Proximal que o brincar ganha força como instrumento de aprendizagem, possibilitando que a criança realize aquilo que ainda não é capaz de fazer sozinha, mas consegue com apoio do outro.

Freire converge com esses autores ao afirmar que o conhecimento não se transfere, mas se constrói na relação com o mundo. A infância, em seu pensamento, não é um sujeito a ser modelado, mas um ser em movimento, dotado de potencial criador. O brincar, sob essa ótica, é expressão legítima de saberes e deve ser valorizado como experiência cognitiva e afetiva. A pedagogia libertadora proposta por Freire (2003) exige uma educação enraizada na escuta, na problematização da realidade e na valorização dos saberes populares e cotidianos. Quando aplicada à educação infantil, essa perspectiva implica em reconhecer o brincar como práxis: uma ação intencional e reflexiva sobre o mundo. Ao brincar, a criança não apenas reproduz situações sociais, mas também as recria, ressignifica e transforma.

A Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) reafirma que a criança é sujeito de direitos e que o brincar deve ser reconhecido como linguagem essencial da primeira infância. Nessa direção, brincar não é um intervalo pedagógico, mas uma experiência que potencializa o pensamento, a criação e o pertencimento. Como destaca Paulo Freire (1996, p. 25), “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. A criança, ao brincar, educa e é educada na relação com os outros e com o ambiente. Reafirmar o brincar como dimensão constitutiva da educação libertadora é, portanto, uma tarefa ético-política. Significa rejeitar modelos escolares que desconsideram as múltiplas linguagens infantis e reduzem o processo de aprendizagem à transmissão de conteúdos. O brincar, enquanto experiência corporal, simbólica e afetiva, permite à criança constituir-se como sujeito autônomo, criativo e sensível.

A articulação entre os marcos legais da educação infantil, os fundamentos da psicologia do desenvolvimento e a pedagogia freireana oferece uma base sólida para compreendermos o brincar como linguagem pedagógica e política. Cabe à escola, nesse contexto, configurar-se como espaço de escuta, liberdade e criação, onde a infância possa ser vivida em sua plenitude e complexidade. Integrar o brincar à práxis educativa é, enfim, reconhecer o direito da criança de ser protagonista de sua história e autora de seus processos de conhecimento e transformação do mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise crítica desenvolvida ao longo deste estudo revela que a introdução do brincar no cotidiano das instituições educativas não constitui um gesto pedagógico acessório, mas um imperativo ético, político e epistemológico. Trata-se de reconhecer o brincar como linguagem fundante da infância e, sobretudo, como um direito inalienável que convoca a escola à reinvenção de suas práticas e à superação de paradigmas anacrônicos, ainda fortemente marcados por racionalidades instrumentais e conteudistas.

A LDB (brasil, 1996), ao estabelecer a educação infantil como etapa formativa voltada ao desenvolvimento integral da criança, alicerça legalmente o dever institucional de garantir experiências significativas que articulem as dimensões física, afetiva, cognitiva e social. Este compromisso é reiterado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009) e pela Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), documentos que legitimam o brincar como eixo estruturante da ação pedagógica. No entanto, é no encontro entre tais normativas e os fundamentos teóricos da pedagogia crítica que se delineia a potência emancipatória do brincar.

Jean Piaget (1971; 1976), ao situar o jogo simbólico como campo essencial à construção das estruturas cognitivas, oferece subsídios para compreender o brincar como processo ativo de assimilação e acomodação de experiências. Sua abordagem genética do desenvolvimento revela que o ato de brincar não é secundário, mas constitutivo da própria inteligência infantil. Já Vygotsky (1991), ao enfatizar o papel da mediação social e da linguagem na emergência das funções psicológicas superiores, posiciona o brincar como espaço privilegiado da Zona de Desenvolvimento Proximal, onde o outro – adulto ou par – atua como catalisador da aprendizagem e do desenvolvimento subjetivo.

Paulo Freire, em sua pedagogia da autonomia, insiste que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p. 47). Nesse sentido, o brincar torna-se não apenas um ato de liberdade, mas uma prática de afirmação ontológica da criança como sujeito epistêmico, capaz de interrogar o mundo e de intervir sobre ele. Rechaçando a lógica domesticadora da educação bancária, Freire convoca o educador a escutar as múltiplas linguagens da infância, acolhendo o lúdico como forma legítima de produção de sentidos, de narrativas e de saberes. O desafio que se impõe, portanto, às instituições escolares e aos profissionais da educação não se limita à alocação de tempos e espaços para o brincar, mas envolve uma reconfiguração profunda do projeto pedagógico e da compreensão do próprio fazer docente. Trata-se de instituir uma práxis que seja ao mesmo tempo intencional e sensível, estruturada e aberta, pautada pela escuta, pelo diálogo e pelo compromisso ético com a dignidade da criança. De tal modo, o ato de brincar, ao ser incorporado de forma consciente e planejada no cotidiano escolar, torna-se mais que expressão lúdica: transforma-se em experiência formadora, em dispositivo de subjetivação, em exercício de cidadania. O educador que se engaja nessa perspectiva assume sua tarefa histórica de “ser mais” com seus educandos, como propõe Freire (2003), reconhecendo o brincar como potência de vida, de imaginação e de reinvenção do mundo.

Em tempos em que a infância é frequentemente submetida a pressões adultocêntricas e à lógica da produtividade precoce, reafirmar o brincar como direito e como pilar da formação humana é, mais do que nunca, um ato de resistência pedagógica e de esperança radical. Que as práticas educativas possam, enfim, constituir-se como territórios de ludicidade, liberdade e criação, lugares onde brincar e aprender não se excluem, mas se potencializam mutuamente, e onde cada criança possa experienciar-se como sujeito pleno de direitos, de linguagem e de mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso 10/05/2025

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em:<https://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 20 maio 2025.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: <https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/bncc-1>. Acesso 10/05/2025

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2009. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/>. Acesso 10/05/2025

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 4. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 41. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 2011.

KRAMER, Sonia. A infância e sua singularidade: educação infantil e desafios contemporâneos. São Paulo: Ática, 2003.

MALUF, Angela Cristina Munhoz. Atividades lúdicas para Educação Infantil: conceitos, orientações e práticas. Petrópolis: Vozes, 2011.

NEVES, Rita de Araujo; DAMIANI, Magda Floriana. Vygotsky e as teorias da aprendizagem, 2006. Disponível em:<http://Vygotsky%20e%20as%20teorias%20da%20aprendizagem>. Acesso 21/05/ 2025.

NILES, Rubia Paula; SOCHA, Kátia. A importância das atividades lúdicas na educação infantil. Ágora: Revista de Divulgação Científica, v. 19, n. 1, p. 80-94, 2014. Disponível em:<https://www.periodicos.unc.br/index.php/agora/article/view/350>. Acesso 10/05/2025

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2012.

PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. Disponível em <https://pt.scribd.com/archive/plans?doc=697707199&doc_id=697707199&metadata=%7B%22context%22%3A%22archive_view_restricted%22%2C%22page%22%3A%22read%22%2C%22action%22%3A%22download%22%2C%22logged_in%22%3Atrue%2C%22platform%22%3A%22web%22%7D>. Acesso 25/05/2025

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

PIAGET, Jean. O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1994.

PIAGET, Jean. Science of education and the psychology of the child. Trans. D. Coltman. 1970.

ROLIM, Amanda Alencar Machado; GUERRA, Siena Sales Freitas; TASSIGNY, Mônica Mota. Uma leitura de Vygotsky sobre o brincar na aprendizagem e no desenvolvimento infantil. Revista Humanidades, v. 23, n. 2, p. 176-180, 2008. Disponível em:<https://brincarbrincando.pbworks.com/f/brincar%20_vygotsky.pdf>. Acesso 10/05/2025

ROSEMBERG, Fúlvia; SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs.). Crianças pequenas, políticas públicas e educação: perspectivas críticas. Campinas: Autores Associados, 2008.

SALOMÃO, Hérica Aparecida Souza; MARTINI, Marilaine; JORDÃO, Ana Paula Martinez. A importância do lúdico na educação infantil: enfocando a brincadeira e as situações de ensino não direcionado. Portal de Psicologia, 2007. Disponível em:<https://www.academia.edu/download/45739376/A0358.pdf>. Acesso 10/05/2025

VIGOTSKY, Lev Semenovich et al. Pensamento e linguagem [em linha]. 1987.

VYGOTSKY, L. S. (1998). A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. São Paulo: Martins Fontes.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

VYGOTSKY, Lev S. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

VYGOTSKY, Lev Semenovich et al. A formação social da mente. São Paulo, v. 3, 1984.

VYGOTSKY, Lev Semenovich et al. The Vygotsky reader. Basil Blackwell, 1994.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. The collected works of LS Vygotsky: Problems of the theory and history of psychology. Springer Science & Business Media, 2012.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. The collected works of LS Vygotsky: The fundamentals of defectology. Springer Science & Business Media, 1987.

VYGOTSKY, Lev. The psychology of art. Cambridge: MIT Press, 1971. Disponível em:<https://www.marxists.org/archive/vygotsky/works/1925/index.htm>. Acesso 18/05/2025

WALLON, Henri; CARVALHO, Cristina. A evolução psicológica da criança. 2007.


1 Discente do Curso de Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis).

2 Docente dos Cursos de Pedagogia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Ciências da Computação (UNESA-RJ). Doutorando em Educação pela Universidade Nacional de Rosário (UNR-ARG). Mestrado em Educação (UNESA-RJ). MBA em Data Warehouse e Business Intelligence (FI - PR). Pós-Graduado em Engenharia de Software, Antropologia, Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Educação no Campo, Filosofia e Ciência da Religião (FAVENI-MG). Historiador pela Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP). E-mail: [email protected]

3 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), instituída pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece os princípios, fins e a organização da educação brasileira em todos os seus níveis e modalidades. Essa legislação funciona como um marco regulatório do sistema educacional do país, orientando tanto o setor público quanto o privado (Brasil, 1996).

4 Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (Brasil, 1996).