UMA ANÁLISE HISTÓRICA DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS NO ESTADO DO PARANÁ (2003 A 2010)

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10350199


André Michelato


RESUMO
O artigo apresenta uma retrospectiva histórica do desenvolvimento do Programa de Aquisição de Alimentos no Estado do Paraná, no período de 2003 a 2010, quando foi executado pelo Governo do Estado, através da Secretaria do Trabalho, Emprego e Promoção, e pela Companhia Nacional de Abastecimento. Além disto, será explicitado o processo inicial de construção do Programa no Brasil e no Estado do Paraná a partir das variáveis sociais e políticas. Com avanços e recuos, o Programa no Estado do Paraná conseguiu estar presente em 296 municípios, dos 399 existentes, ocupando presença importante no atendimento a agricultura familiar e a segurança alimentar da população atendida.
Palavras-chave
Agricultura Familiar. Programa de Aquisição de Alimentos. Desenvolvimento Rural.

ABSTRACT
The article presents a historical retrospective of the development of the Food Acquisition Program in the state of Paraná, from 2003 to 2010, when it was implemented by the state government, through the Secretariat of Labor, Employment and Promotion, and by the National Supply Company. In addition, the initial process of building the Program in Brazil and in the state of Paraná will be explained, based on social and political variables. With advances and setbacks, the Program in the state of Paraná has managed to be present in 296 municipalities, out of the 399 that exist, playing an important role in assisting family farming and the food security of the population served.
Keywords: Family Farming. Food Acquisition Program. Rural Development.

INTRODUÇÃO

Durante a campanha eleitoral de 2002, movimentos sociais e sociedade civil organizada, através do Instituto Cidadania, iniciaram um processo de elaboração de ações que fariam parte do Programa de governo do Partido dos Trabalhadores e que, numa eventual vitória do candidato Luis Inácio Lula da Silva à presidência da República, estariam ampliando o debate e propondo que estas ações fizessem parte da política nacional de segurança alimentar¹.

Nesta perspectiva, o Instituto Cidadania² (2001), através da participação de especialistas e autoridades no campo da segurança alimentar, apresentou o “Projeto Fome Zero: uma proposta de política de segurança alimentar para o Brasil”. Este documento, que foi assinado pelo então candidato à presidência da República pelo PT, Luis Inácio Lula da Silva, apresenta um projeto fundado a partir do diagnóstico da situação de segurança alimentar e nutricional da população brasileira, assim como as diretrizes que poderiam compor a política nacional, além de estratégias e mecanismos operacionais de forma a alcançar a segurança alimentar e nutricional da população brasileira.

Este projeto (Fome Zero) visa suprir uma lacuna importante na agenda política brasileira: a falta de uma política de segurança alimentar e nutricional que consiga coordenar e integrar as diversas ações nos estados, municípios e sociedade civil. O Direito à Alimentação, que está inserido no pacto internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, deve ser garantido pelo Estado. O reconhecimento desse direito implica não apenas o acesso, mas a qualidade e confiabilidade dos alimentos consumidos pela população.
(...)
Nesse sentido, ganha destaque o debate sobre a Segurança Alimentar como eixo estratégico de desenvolvimento. O problema alimentar de um país vai além da superação da pobreza e da fome. O fundamental é garantir a Segurança Alimentar. O combate à fome deve ser inserido nesta estratégia maior, pois é a face mais visível da insegurança alimentar, e não queremos conviver com ela, como temos feito há séculos. O eixo principal da proposta do Projeto Fome Zero é associar o objetivo da segurança alimentar a estratégias permanentes de desenvolvimento econômico e social com crescente equidade e inclusão social.(INSTITUTO CIDADANIA, 2001, p.9)

Com a vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002 e a partir destes pressupostos, o Projeto Fome Zero transformou-se no Programa Fome Zero. Tal Programa ganhou status de prioridade nos anos de 2003-04, e que deu os fundamentos para a criação do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar (MESA), sob o comando do professor José Graziano da Silva, responsável por coordenar as ações de segurança alimentar no âmbito do Governo Federal. Vale ressaltar, que o MESA adquiriu status de um Ministério que teria papel transversal em todos os Ministérios e políticas públicas do governo. É, então, a partir desta iniciativa, que se deu a retomada da construção de uma agenda de política nacional em torno da problemática da segurança alimentar e nutricional no Brasil³.

Esta agenda foi pautada a partir de ações emergenciais e ações estruturantes, de forma que as políticas públicas não estivessem, única e exclusivamente, com foco em ações de combate a fome na sua dimensão emergencial, mas seria necessário intervir com ações estruturais para reverter o quadro de pobreza e miséria de parte da população brasileira.

Nesta perspectiva, será a partir do primeiro mandato do governo Lula que a agenda nacional em torno da segurança alimentar é retomada, mas com um direcionamento para que fosse reconhecido o direito humano à alimentação como direito básico para a cidadania. Esta retomada terá como grande marco a implantação do Cartão Alimentação, mas que viria a constituir-se no Programa Bolsa Família⁴.

Concomitantemente a estas ações emergenciais e compensatórias, foi reinstalado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), ainda no ano de 2003, com uma expressiva participação da sociedade civil, que é marca deste conselho, que tem na sua composição 2/3 de representantes de organizações da sociedade civil, e que passou a ter papel preponderante na proposição na estruturação da política nacional de segurança alimentar. E como resultado deste processo, foi à promulgação da lei da segurança alimentar, lei nº. 11.346 de 15 de setembro de 2006 (BRASIL, 2006), que dispõe sobre a institucionalidade desta política pública, seja dos princípios que dão base para as ações, as instâncias de elaboração, decisão e execução, assim como a estruturação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar (SISAN).

Mais do que certa institucionalidade, a segurança alimentar, a partir de 2003, passa a pautar a questão alimentar aliada ao debate sobre o modelo de desenvolvimento brasileiro no que se refere ao modelo de desenvolvimento rural, e não mais apenas como programas e ações compensatórias.

A concepção adotada (de segurança alimentar) filiava-se à "versão latino-americana" da definição geral de segurança alimentar da FAO, bastante distinta da noção vigente nos países centrais. Nesta versão, atribuía-se papel central à autossuficiência produtiva nacional, porém enfatizando os problemas de acesso aos alimentos por insuficiência de renda, o que levou a acrescentar a equidade (acesso universal) aos quatro atributos da disponibilidade agregada de alimentos básicos - suficiência, estabilidade, autonomia e sustentabilidade. A agricultura camponesa figurava como componente estratégico num modelo de desenvolvimento com ênfase no mercado interno, sem subestimar a diversificação das exportações e valorizando a integração regional. (MALUF, MENEZES, VALENTE, 1996)

Assim, a questão das ações emergenciais deixa de ser considerada eixo central e passa a ser vista como necessária, sendo que a pauta política em torno da segurança alimentar terá como foco a questão do desenvolvimento. Esta mudança altera os fundamentos e a compreensão do que vem a ser e o que representa a segurança e a soberania alimentar para o Estado brasileiro, e que será a partir desta concepção que permitirá à organização de políticas públicas que vão além da emergência e do combate à fome como finalidade.

O Programa de Aquisição de Alimentos

Instituído através da lei 10.696, de 02 de julho de 2003 (BRASIL, 2003), lei esta que dispunha sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, e no artigo 19 apresenta a criação do Programa de Aquisição de Alimentos, algo bastante aleatório e sem conexão alguma com a temática da lei. No ano de 2011 será aprovada a lei 12.512, de 14 de outubro, que institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, onde houve uma adequação nos objetivos do programa, mas que ainda não era uma lei específica, que será possível apenas através da aprovação da lei 14.628, de 20 de julho de 2023 (BRASIL, 2023), que é uma lei exclusiva para instituir o Programa de Aquisição de Alimentos. Mas esta, não foi apenas uma lei que passou verdadeiramente a tratar sobre o PAA, seus princípios, organização e funcionamento, mas é uma retomada do programa no Brasil, pois desde 2013 o programa foi alvo de muitas baixas orçamentárias e processos políticos para sua desmobilização e desconstrução, a exemplo da Operação Agrofantasma.

O PAA entra em funcionamento em outubro de 2003 com a perspectiva de garantir a disponibilidade de alimentos para populações em situação de insegurança alimentar, ao mesmo tempo em que objetiva promover a geração de renda para famílias de agricultores familiares. Desta forma, o Programa deixa de ser uma ação exclusivamente emergencial e passa a ter aspectos de uma ação governamental estruturante, que não deixando de preocupar-se com as famílias em situação de fome e miséria no meio urbana, articula-se e interage com famílias de agricultores com a perspectiva de gerar novas possibilidades de produção e comercialização nos espaços locais e regionais.

Para a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), principal executor do PAA no país, os objetivos do Programa eram ainda mais amplos, e o PAA tinha por objetivo estimular e promover:

A remuneração da produção: o objetivo imediato do PAA é a aquisição dos produtos oriundos da agricultura familiar, na hora oportuna, por preço compensador, trazendo segurança e incentivo para o pequeno agricultor, que passa a planejar suas atividades pela perspectiva de um horizonte maior de previsibilidade.
A ocupação do espaço rural: ao promover a compra da produção familiar, há maior estabilidade à atividade agrícola e geração de trabalho e renda ao produtor em seu próprio local, com o que se incentiva a permanência e a inclusão social no campo. Com melhores condições de vida, o agricultor e sua família passam a desenvolver a atividade de forma mais ampla e sistemática, explorando com maior racionalidade o espaço rural.
A distribuição de renda: o pagamento líquido e certo, a preço justo, pela produção agrícola familiar onde antes somente havia níveis mínimos de atividade de subsistência promove maior geração de renda para os agricultores, contribuindo para atenuar a secular iniqüidade social. Ao mesmo tempo, assegura a circulação de dinheiro na economia da própria região, possibilitando aos agentes econômicos locais, principalmente o comércio, maior atividade e, por conseguinte, melhores possibilidades de investimentos na região, criando um círculo virtuoso de promoção econômica e bem estar social.
O combate à fome: os produtos adquiridos dos agricultores familiares são destinados à formação de estoques de segurança e canalizados prioritariamente para populações em situação de risco alimentar - geralmente residentes na própria região onde os alimentos foram produzidos, a exemplo dos acampados da reforma agrária, quilombolas, indígenas, atingidos por barragens e outros segmentos. São também distribuídos para programas sociais públicos, abastecendo creches, escolas, cozinhas comunitárias, restaurantes populares e entidades assistenciais e/ou beneficentes. Com isto, eleva-se o padrão nutricional e são construídos vínculos de solidariedade entre os habitantes da região.
A cultura alimentar regional: ao se adquirir produtos alimentícios de uma determinada localidade, o governo passa a valorizar produtos que muitas vezes são tipicamente regionais. Com isto, preserva-se a cultura alimentar local, enriquece-se a gastronomia - que algumas vezes é atrativo turístico - diversificando-a no nível nacional.
A preservação ambiental: o PAA vem incentivando a recuperação e preservação da agrobiodiversidade em diversas regiões do País, por meio de incentivos ao trabalho de organizações dedicadas à agricultura familiar voltadas para este fim. Neste sentido, são estimulados sistemas e manejos sustentáveis de cultivos para o desenvolvimento de espécies características das regiões.(CONAB, 2009)

Então, o que vem a ser o PAA?

É um Programa que permite ao Estado adquirir alimentos diretamente de agricultores familiares sem que seja necessário nenhum tipo de atravessador externo à lógica e dinâmica dos agricultores ou de suas organizações. Ou seja, o estado passa a adquirir alimentos diretamente dos agricultores familiares, através da nota de produtor ou de organizações de agricultores familiares sem que para isto seja necessária a realização de processos licitatórios.

Portanto, a lei que institucionalizou o PAA realizou um reordenamento do funcionamento e da dinâmica da burocracia estatal no que se refere às compras institucionais de alimentos. A partir do Programa, as compras de alimentos passaram a ser realizadas de forma descentralizada em todo território nacional, de forma a garantir que os agricultores familiares participem diretamente do processo de comercialização e que estejam o mais próximo dos locais de entregas. Mais do que a participação dos agricultores familiares, os tipos de alimentos adquiridos pelo Programa passaram a respeitar a cultura produtiva e alimentar de cada território, além de contribuir para o estímulo da produção e do consumo de alimentos “frescos”, como hortaliças, frutas, legumes, pães, massas e doces caseiros, entre outros.

Para tanto, o Programa de Aquisição de Alimentos se constitui enquanto um amplo Programa governamental que tem a perspectiva de promover ações de comercialização e abastecimento alimentar através de seis modalidades diferentes de compra institucional. Estas seis modalidades seriam: 1) Compra Direta Local da Agricultura Familiar ou Compra Antecipada da Agricultura Familiar; 2) a Compra Direta da Agricultura Familiar; 3) a Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar; 4) o Contrato de Garantia de Compra; 5) o PAA – Leite¹⁰; e a 6) Formação de Estoques para Agricultura Familiar¹¹; 7) aquisição de sementes¹².

Importante destacar que o volume de recursos que foram destinados ao programa nestes 20 anos de execução do PAA, desde 2003, que chegaram a R$8,8 bilhões de reais, sendo que houve altos e baixos no seu desenvolvimento, como mostra o gráfico abaixo.

Outro importante instrumento de compra institucional é a aquisição de alimentos para o atendimento da alimentação escolar, com a inclusão da compra de no mínimo de 30% dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar realizadas diretamente com a agricultura familiar e suas organizações. Este mecanismo foi autorizado através da lei 11.947/09, de 16 de junho de 2009 (BRASIL, 2009) e estabelece no seu artigo 14 que

Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas.
§ 1o  A aquisição de que trata este artigo poderá ser realizada dispensando-se o procedimento licitatório, desde que os preços sejam compatíveis com os vigentes no mercado local, observando-se os princípios inscritos no art. 37 da Constituição Federal, e os alimentos atendam às exigências do controle de qualidade estabelecidas pelas normas que regulamentam a matéria.

No que se refere às formas de execução do Programa, ou seja, as compras serem realizadas diretamente com a agricultura familiar através da nota de produtor ou diretamente com suas organizações, mais do que uma definição burocrática e administrativa do Programa, são definidoras do nível de participação, empoderamento (VASSOURA, 2009) e descentralidade dos recursos públicos e da forma de participação e organização que os agricultores familiares são demandados e, consequentemente, como passam a se organizar para promover processos de comercialização de forma colegiada.

Portanto, a decisão em reconhecer as organizações de agricultores familiares como gestores e executores locais, é uma opção política, pois determina quem será o ator local que, reconhecido pelo poder público, terá o papel de coordenação e gestão desta política pública nos espaços locais e regionais, papel este que historicamente sempre foi delegado às prefeituras e governos estaduais.

É necessária a realização de pesquisas que aprofundem a análise do funcionamento operacional do PAA, de forma a detalhar os procedimentos administrativos, pois mais do que uma caracterização dos procedimentos e fluxos, a descrição do funcionamento do Programa passa a ser condição para compreender em que medida o PAA possibilita o reconhecimento social, político e econômico das organizações envolvidas.

A execução do Programa no âmbito local exige certa aproximação de diálogo e concertação entre agricultores, entidades sociais, poder público local e os órgãos de controle social e, muitas vezes, contribui de forma singular para que se estabeleçam relações políticas, econômicas e sociais, que anteriormente não se verificavam. Estas relações se darão em função de que desde a elaboração do projeto, passando pelo planejamento da execução, a realização do projeto, seu acompanhamento e avaliação, envolvem diversos atores e instituições, governamentais e não governamentais, estimulando a criação de espaços de diálogo e negociação.

O Processo de Construção Social do PAA no Brasil

O PAA tem sua motivação inicial em demandas de organizações da sociedade civil, que, diante do processo de elaboração do plano de governo do PT às eleições presidenciais de 2003, articulam-se e apresentam como proposta mecanismos e instrumentos que poderiam fazer parte da política nacional de segurança alimentar.

Com a vitória do PT à presidência, o MESA, sob forte pressão dos movimentos sociais e da mídia, para que solucionasse da “noite para o dia” as questões históricas do país relativas à fome e à miséria, passa a encaminhar “projetos de lei” para o Congresso Nacional, dentre eles, o que permitiria aos governos promover as compras institucionais de alimentos da agricultura familiar.

No entanto, vale ressaltar que o processo de apresentação do projeto de lei, sua tramitação, aprovação e sanção presidencial ocorreram de uma forma significativamente rápida e ágil, pois em menos de seis meses a lei foi sancionada. E isto em função de que esta lei (BRASIL, 2003) tinha como objeto principal a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, sendo que apenas no artigo 19, de um total de 21 artigos, constava a autorização para as compras e doação de alimentos oriundos da agricultura familiar.

Foi então, a partir deste momento, que o MESA iniciou as articulações, a normatização e as parcerias necessárias para o funcionamento do Programa. Assim, em outubro de 2003, a CONAB, parceiro primeiro e prioritário para a operacionalização do PAA, iniciou o processo de divulgação nos Estados, sendo que teria apenas dois meses para investir 400 milhões de reais.

Para muitos, a parceria entre o MESA e a CONAB transparecia como algo “estranho”, pois o parceiro considerado mais próximo para a operacionalização do PAA seria o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e não o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), na qual a CONAB estava ligada institucionalmente. No entanto, alguns fatores, tanto político, quanto técnico-burocrático e organizacionais, foram considerados para que a CONAB fosse o principal órgão governamental responsável pela execução do PAA. Dentre eles, vale ressaltar a intenção da então diretoria recém empossada no ano de 2003 (diretores estes que eram indicados pelo PT) em reestruturar e reordenar a missão e as concepções que historicamente estabeleciam a dinâmica e funcionamento da CONAB¹³. Esta diretoria, diferentemente das demais¹⁴, era formada por pessoas que tinham ligação com setores da sociedade que reafirmavam a agricultura familiar enquanto ator do processo de desenvolvimento e defendiam a ideia de que seria necessário um reordenamento e reposicionamento institucional da CONAB diante da agricultura nacional.

Esta reestruturação tinha como pano de fundo a posição de que a CONAB se instituiu enquanto um instrumento imprescindível para a promoção, garantia e fortalecimento das relações de mercado com a agricultura brasileira, seja ela do “agronegócio” ou da agricultura familiar. Para tanto, seria fundamental estruturar ações na CONAB com foco na agricultura familiar, de forma a garantir que mecanismos e instrumentos de comercialização, gestionados pelo Estado, fossem implementados respeitando a dinâmica e características da agricultura familiar.

Para tanto, vale destacar que em 2023, a CONAB passa então a fazer parte da estrutura institucional do Ministério do Desenvolvimento Agrário, consolidando após 20 anos, uma discussão que vinha sendo pleiteada por setores e organizações da agricultura familiar, pois além da conjugação de fatores que fazem do agronegócio brasileiro um setor que já não depende exclusivamente da CONAB para sua sustentação, tem a agricultura familiar um grupo social fragilizado no que se refere a agroindustralização familiar, a comercialização direta e para a produção de alimentos para o abastecimento local e regional.

O PAA e sua trajetória no Estado do Paraná

Entre os anos de 2003 e 2007, o Programa saltou de 03 municípios para 301 municípios com a presença de projetos do PAA/Doação Simultânea em funcionamento, como pode ser observado na tabela 01. Considerando que no Paraná o Programa era operado através de 03 canais de financiamento, a CONAB/PR, o MDS e o Governo do Estado, através da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social do Paraná (SETP).

Mesmo existindo um esforço político considerável para que mais projetos fossem propostos em 2003, a desconfiança de que o Programa não sairia do papel era o fator preponderante para a não proposição de novos projetos. Esta desconfiança perdurou, em certa medida, durante o ano de 2004, pois no Governo do Estado houve sobra de 75% dos recursos disponíveis, embora houvesse grande mobilização de órgãos governamentais para o processo de divulgação.

Ainda durante o ano de 2004, além da desconfiança de que não haveria recursos suficientes para o pagamento dos projetos apresentados, seja por parte das organizações de agricultores familiares ou técnicos das organizações governamentais e não-governamentais, outro fator relevante foi à descrença de que os agricultores familiares não seriam capazes de atender a demanda de alimentos do Programa ou, no português claro e direto, os agricultores familiares não teriam capacidade para produzir alimentos para a cidade. Esta descrença era relatada em reuniões de divulgação do Programa no interior do Estado, principalmente quando da presença de técnicos de extensão rural, mas também era a “fala” de lideranças locais e prefeitos municipais. Em muitos momentos, estes sugeriam que os recursos financeiros do PAA pudessem deixar de ser restrito aos agricultores familiares e houvesse a possibilidade de ser utilizado para potencializar o comércio varejista do próprio município.

FIGURA 01 – MUNICÍPIOS PARTICIPANTES DO PAA/DOAÇÃO SIMULTÂNEA NO PARANÁ SEGUNDO A FONTE FINANCIADORA NO ANO DE 2004. ¹⁵


Fonte: MICHELATO, 2010.


 

Em 2005, a coordenação estadual do Programa no Governo do Estado do Paraná passou a adotar outras estratégias para que o Programa pudesse ganhar a confiança dos técnicos e associações de agricultores. A estratégia foi consolidar o Programa em alguns municípios e regiões, principalmente na região do sudoeste, norte pioneiro e centro do Estado do Paraná, com a perspectiva de demonstrar através de números e experiências consolidadas, que o Programa tinha capacidade de ampliação e de efetivar os compromissos divulgados.

Será, então, a partir do final do primeiro semestre de 2005 que os projetos começaram a ser apresentados com maior intensidade, mas aquém da capacidade de investimentos dos órgãos financiadores. Para tanto, ao final de 2005, os recursos disponíveis, tanto na CONAB/PR como no Governo do Estado do Paraná, foram aplicados na sua completude, de forma que para o ano de 2006 já havia uma demanda identificada no valor de aproximadamente 14 milhões de reais, ou seja, quase 03 vezes o que havia sido aplicado no ano de 2005.   

FIGURA 02 – MUNICÍPIOS PARTICIPANTES DO PAA/DOAÇÃO SIMULTÂNEA NO PARANÁ SEGUNDO A FONTE FINANCIADORA NO ANO DE 2005.¹⁶