PSIQUE & PNEUMA – REFLEXOS DE UMA METANOIA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17419335
Jesus de Aguiar Silva1
RESUMO
O objetivo deste trabalho é demonstrar que na psique humana, em que o aparelho psíquico atua e influência os comportamentos humanos, através do id, ego e superego, e quando este aparelho vive uma desconfiguração, causada por meio de traumas, conflitos, fobias há um prejudicar a saúde emocional, e que reflete principalmente na questão fisiológica. Por meio da espiritualidade este trabalho propõe, de maneira explícita, embasado na fé cristã, demonstrar a atuação do Pneuma = Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, como proposta na reconfiguração da psique, o que São Paulo chamou de metanoia, palavra grega que denota transformação, ou seja, um sujeito que se abre a graça de Deus, recebe pelo sobrenatural a força para viver um processo de mudança, através da via da espiritualidade que auxilia a restauração da psique.
Palavras-chave: psique, pneuma, espiritualidade, individuação, metanoia
ABSTRACT
The objective of this work is to demonstrate that in the human psyche, where the psychic apparatus acts and influences human behaviors through the id, ego, and superego, when this apparatus experiences a disconfiguration caused by traumas, conflicts, and phobias, it adversely affects emotional health, which primarily reflects on physiological issues. Through spirituality, this work explicitly proposes, based on Christian faith, to demonstrate the action of Pneuma = Holy Spirit, the third person of the Holy Trinity, as a means of reconfiguring the psyche, which Saint Paul referred to as metanoia, a Greek word that denotes transformation. That is, a subject who opens themselves to God's grace receives supernatural strength to undergo a process of change through the path of spirituality that aids in the restoration of the psyche.
Keywords: psyche, pneuma, spirituality, individuation, metanoia
1. INTRODUÇÃO
Ao longo da história da humanidade, a dimensão emocional e espiritual sempre estiveram presentes de maneira harmônica e isso denota uma completude. Havia uma simbiose entre o momento presente, mas respeitando o tempo passado e, de maneira especial, um projetar-se para o futuro. Com o passar do tempo, a parte espiritual foi sendo deixada de lado. A mente humana, visto sob o prisma dos filósofos antigos, era preenchida por questões ligadas à polis, à mitologia (que trazia em seus contos princípios éticos e morais), o homem virtuoso e a reflexão sobre a metafísica (o transcender, o ir além).
No começo, antes de se iniciar a jornada da neurociência, o cérebro era um nada. No Egito Antigo, por exemplo, ele praticamente não existia. É claro que de fato, biologicamente, ele já estava lá desempenhando suas maravilhosas funções, mas ninguém sabia de sua existência. A sede do saber e da inteligência era considerada o coração, tanto que após a morte, era mantido intacto no corpo do morto durante a mumificação para que fosse preservado e carregado para outra vida. Já o cérebro, visto como inútil, era descartado. Tal era o desprezo por aquela massa disforme de consistência estranha, que ela era simplesmente jogada fora2.
No decorrer dos séculos, vivenciou-se as várias vertentes do pensamento: o olhar sobre os elementos da natureza, a vivência de uma vida austera ou uma vida hedonista, o período que a teologia era a detentora das respostas para humanidade, o antropocentrismo, o empirismo, o período das luzes, ligado ao nihilismo, em outras palavras, com o desenvolvimento da humanidade, os olhares foram se modificando até que fosse então, a razão a senhora de todos os destinos.
Na Grécia Antiga, até o século V a.C., a ideia era de que a mente humana estava dividida em diferentes partes do corpo, como revela a tradição oral preservada pelos poemas de Homero. Mas depois do século V a.C., no entanto, o pensamento grego se dividiu em duas correntes, que percorrem caminhos distintos na escalada para desvendar a mente humana. Uma que colocou a mente no coração e a outra que alocou no cérebro. E aí sim temos o ponto de partida para a neurociência, que obviamente ainda não tinha esse nome3.
Em 1900, com a publicação do livro “A Interpretação dos Sonhos”, Freud demonstrou, por meio de sua teoria, que havia dentro de nós uma força que não tínhamos consciência sobre ela, a qual ele denominou de inconsciente. A partir desta descoberta, bem como tendo como um dos principais pesquisadores, nesta área, Jung, ambos aprofundaram seus estudos sobre a simbologia. Para isso, pesquisaram as diversas culturas que nos trouxeram informações importantes, as quais convergiram para um amadurecimento da consciência humana.
Por outro lado, nossas lembranças — sem excetuar as que estão mais profundamente gravadas em nossa psique — são inconscientes em si mesmas. Podem tornar-se conscientes, mas não há dúvida de que podem produzir todos os seus efeitos mesmo em estado inconsciente4
Dentro deste rol de pesquisas, a presente descoberta do inconsciente, de maneira mais específica, Jung percebe que a religião é um aspecto importante na vida humana. De maneira mais profunda, observou que nos sonhos (mesmo daqueles que não professam alguma fé), haviam elementos religiosos. Isso devido à dimensão filogenética, daquilo que nos chegou geneticamente, por meio de nossos antepassados. Em outras palavras, havia algo que herdamos em nível inconsciente, e que fazia parte da estrutura humana que, quando negada, buscava um caminho para a externalização, seja por meio dos sonhos, das emoções, pois seu sentido final é o desvelar-se.
Ante o exposto, compreendendo toda a questão da psique apresentada, a fé cristã, por meio da Revelação (em que o Filho de Deus veio até nós, a fim de nos conduzir a uma vida nova, por meio de seu Santo Espírito) sintetiza tudo isso que por meio dos estudos da Psicanálise e da Psicologia Analítica, encontramos.
Nosso desejo mais profundo é sermos reconciliados, nossa mente nos impele ao apaziguamento entre id, ego e superego. E é sabido que, muitas vezes, os traumas exigem do paciente um longo tempo de análise, até que este enxergue os acontecimentos de uma forma diferente, a fim de se esvaziar dos conteúdos reprimidos.
Portanto, é provável que sempre existira os dois aspectos deste centro íntimo e final da psique: um deles completamente transcendente, que se manifesta em um pouco tão remoto como o fogo ou a água, e outro que às vezes se manifesta em forma humana, o qual significaria que se aproxima de uma forma com a qual poderíamos nos relacionar5.
No âmbito da espiritualidade, a experiência com o Espírito Santo atua por meio daquilo que o Espírito nos leva a viver: a uma metanoia (transformação). Assim, como afirmamos, ao se tratar da psique, existe uma força que nos move, como Freud muito bem pontuou ao tratar da libido, força de prazer e desprazer. No âmbito espiritual, o Espírito Santo é uma força que vem do alto e, ao encontrar uma alma aberta a esta ação, Ele adentra o mais profundo do ser, e ali age, dando ao sujeito uma força e, ao mesmo tempo, um olhar sobre a situação que o aprisionava, levando-o à liberdade.
Ao longo das Escrituras, vamos observando a ação do Espírito Santo sobre a vida do povo de Deus. No entanto, de maneira plena, o Espírito Santo nos foi dado pelo Filho de Deus, que nos amando ofereceu-nos o Seu Espírito Santificador. Por isso, ao falarmos sobre conversão, explicita-se o anseio de viver de uma forma renovada, de uma maneira que nos leve à vida e nos afaste da morte.
Este mergulho da alma nas profundezas do Espírito de Deus, olhando para a teoria Junguiana, é voltarmos às nossas origens. O Espírito Santo é também chamado Espírito Criador, no início Ele pairava sobre o vazio e sobre o nada e dava forma a todas as coisas. Chamado também de sopro divino, é Ele quem renova a face da terra, à medida que abrimos nossa alma à sua ação.
O Espírito Santo, como terceira Pessoa da Santíssima Trindade, também chamado de amor do Pai e do Filho, enriquece a Igreja, que somos todos nós, peregrinos neste mundo, rumo à nossa origem apropriada, a pátria celeste, que os gregos chamavam de transcendência, o aspecto teleológico, a finalidade para onde caminhamos.
Portanto, ao longo desta pesquisa, enxergamos a integração entre mente e a ação pneumatológica, o quanto é possível sermos renovados e transfigurados pela força divina. Aquele que nos criou e que conhece o mais profundo de cada um de nós, é capaz de transfigurar as nossas realidades, possibilitando-nos chegar ao nosso melhor, reintegrar o que está ferido, capaz de nos fazer compreender que o desejo profundo do Criador é a nossa salvação, por isso, enviou-nos seu Filho que comunicou-nos o Seu Espírito, para que pudéssemos viver, não mais como escravos, mas livres.
2. SOBRE A PSIQUE
Freud, por meio da criação da Psicanálise, sendo médico neurologista, pesquisou profundamente a relação daquilo que está além do cérebro como aparelho físico, em suas descobertas, por meio do inconsciente. O autor observa que existe um aparelho psíquico, e esta integração é o que conduz as relações psicofísicas. Ainda observa aqui e de acordo com o que está sendo vivenciado na mente, ocorrem os processos de descargas no corpo, aos quais denominamos somatização.
A psicanálise faz uma suposição básica cuja discussão fica reservada ao pensamento filosófico e cuja justificação se encontra em seus resultados. Daquilo que chamamos de nossa psique (vida psíquica), conhecemos duas coisas: em primeiro lugar, o órgão físico e cenário dela, o cérebro (sistema nervoso); por outro lado, nossos atos de consciência, que são dados imediatamente e não nos podem ser esclarecidos por nenhuma descrição. Tudo o que está entre os dois nos é desconhecido; não há uma relação direta entre os dois pontos terminais de nosso conhecimento. Se ela existisse, no máximo forneceria uma localização exata dos processos da consciência e nada faria por sua compreensão6.
Para Sigmund Freud, os processos ocorridos na mente exercem tamanha importância, que são capazes de influenciar negativamente o próprio fisiológico. Suas observações com seus pacientes, e seu método criado, a associação livre, (por meio da fala havia um esvaziamento dos conteúdos reprimidos) possibilitou a compreensão da simbiose (mente e cérebro) e suas implicações no corpo.
Para evidenciar a valorização que Freud sempre atribuiu às íntimas conexões que existem entre o psique e o soma, cabe consignar a sua visão profética quando, em 1938, preconizou que o futuro poderá ensinar-nos a influir diretamente no psiquismo mediante substâncias químicas particulares. Essa profecia de que substâncias químicas seriam utilizadas para compensar a patologia da química celular encontra plena confirmação na moderna psicofarmacologia, como são os excelentes resultados clínicos que os medicamentos propiciam em casos de doenças afetivas ou nos de transtorno do pânico, por exemplo7.
Dentro dos processos no aparelho psíquico, tanto Freud como Jung observaram os traumas, ou sombras, que são acontecimentos registrados na mente que eram tortuosos para os pacientes lembrarem, e eram tais recordações que implicavam de forma negativa, gerando doenças psicossomáticas, atrapalhando o prosseguimento saudável da vida.
O conceito de sombra deriva das descobertas feitas por Sigmund Freud e Carl Jung, Guardando o devido respeito ao seu antigo mestre, Jung reconheceu que o trabalho revolucionário de Freud foi a análise mais detalhada e profunda da cisão que existe entre o lado da luz e o lado da sombra na psique humana. De acordo com Liliane Frey-Rohn, antiga aluna e colega de Jung, "Já em 1912, enquanto ainda sob a influência das teorias de Freud, Jung usava a expressão 'o lado da sombra na psique humana’ para caracterizar 'desejos não reconhecidos' e 'porções reprimidas da personalidade' "8.
Tais elementos negativos, presentes na psique dos pacientes, eram elementos tão fortes em sua representação negativa que aparentemente, pareciam ir além da natureza humana. A partir disso, Freud intitula seu trabalho como metapsicologia, ou seja, que vai além do psíquico, e Jung viu como uma energia além da individualidade do sujeito, para ele, muitas vezes, influenciada pelos arquétipos e elementos coletivos, remetendo ao arcaico ou ao primevo.
Já que psique e matéria estão contidas num único e mesmo mundo e, além disso, estão em contato contínuo uma com a outra e dependem, em última análise, de fatores transcendentais irrepresentáveis, não apenas é possível como também razoavelmente provável que psique e matéria sejam dois aspectos diferentes de uma única e mesma coisa9.
O objetivo deste artigo é possibilitar, justamente, esta visão da perspectiva cristã sobre a mente. Compreendendo que há muitas realidades presentes na mente que são difíceis de serem superadas apenas pela terapia, postulamos que, por meio da religião, da espiritualidade, encontramos um respaldo totalmente amplo, à medida que trata-se de algo transcendente, assim como em muitos casos a dor vivida num trauma transcende a compreensão humana.
O processo real de curar e transformar as erupções do lado escuro pode ser bastante complicado. Como esses complexos escuros foram escritos na psique durante a nossa infância, argumentar com o "lado escuro" não tem efeito algum. Por outro lado, rituais, regimes de purificação, curas, objetos de energia protetora e exercícios especiais de meditação e de embasamento podem ser benéficos quando usados na hora certa e no lugar certo. A energia da natureza escura precisa ser freqüentemente liberada e expressada e isso deve ser feito conscientemente, usando arte ou ritual, para evitar que um fluxo excessivo de energia psíquica afete a família e os amigos10.
A Psicanálise procura nos mostrar que existem elementos em nossa psique que não queremos olhar, que não queremos regressar a eles por meio das lembranças, e isso se trata, justamente, daquilo que foi ferido em nós em nossa animalidade, e pelo aspecto espiritual, o ser humano se vê em sua completude, não apenas com seus acertos, mas também é convidado a se enxergar em sua natureza humana ferida, e este olhar transcendente que ajuda a rever a própria história é o que traz a compreensão e a reconciliação interior.
O que há de maravilhoso na teoria psicanalítica é que ela tomou afirmações simples sobre a condição humana — tais como a negação, pelo homem, de sua própria animalidade — e mostrou como essa negação estava enraizada na psique desde a primeira infância. É por isso que os psicanalistas falam de objetos "bons" e objetos "maus", de estágios "paranóicos" de desenvolvimento, de "negações", de segmentos "fragmentados" da psique que incluem um "enclave da morte", etc11.
No clássico caso do menino Hans, temos o menino movido por uma fobia profunda, por uma “energia autodestrutiva”, com o medo que possuía ante suas fantasias, as quais havia criado por meio das ameaças do pai, em relação à castração. Estas, fizeram com que a criança se deparasse com algo além de suas capacidades, fazendo-a se ver impotente diante da resolução do medo que havia vivenciado. A espiritualidade, sentido da religião que significa religar, diante do exemplo a ser descrito, seria um suporte benéfico na resolução do menino.
Na investigação das relações entre inibição e formação de sintomas, Freud retoma os casos clínicos do Pequeno Hans e do Homem dos Lobos, reforçando o caráter fundamental das defesas psíquicas tanto nas fobias quanto na neurose obsessiva. Mais importante, ainda, é a relação estabelecida por Freud entre a formação de sintomas e a angústia. Por piores que sejam, os sintomas – mesmo na forma dos atos compulsivos mais incômodos para os obsessivos – obtêm como resultado a eliminação da situação de perigo interno, ligada ao recalque, que a angústia sinaliza. Afinal, quando Hans situa, por assim dizer, os sentimentos negativos que nutre por seu pai, no contexto do complexo de Édipo, no medo de cavalos, é possível evitar o confronto com a fobia deixando de sair de casa. Nesse caso, o menino conseguiu, de modo inconsciente, fazer algo em relação a um medo muito mais profundo, do qual não se pode escapar por ações específicas: o medo da castração ou, no limite, do Supereu, da instância crítica do aparelho psíquico12.
O desfecho do tratamento do menino Hans, permitiu a diminuição de sua ansiedade, por meio da análise dos sonhos e da associação livre – técnica utilizada por Freud para ouvir sem julgamento o paciente -, que possibilitou ao menino trabalhar seus conflitos familiares, especialmente, seu medo por cavalos. Sua fobia tinha uma ligação direta com os conflitos e seu ciúmes em relação ao pai, uma referência na teoria freudiana ao complexo de Édipo.
2.1. Sobre o Desenvolvimento da Compreensão de Psique Ao Longo da História
Queremos, neste subcapítulo, apresentar o desenvolvimento da compreensão do termo psique ao longo da história humana, tendo presente que, desde os primeiros conceitos e percepções a psique não se referia apenas a algo relativamente humano, cronológico, mas possuía um viés sobrenatural e metafísico, o que levava o ser humano a ser ver de forma completa, sua humanidade ligada à divindade.
O termo psicologia (Ψυχολογια) aparece pela primeira vez como título de uma obra publicada em 1590. Tratava-se de um livro escrito por Rudolf Goclenius (1547-1628), um professor da Universidade de Marburgo reconhecido por suas contribuições à terminologia filosófica (Ferrater Mora, 1988). Literalmente, o termo psicologia referia-se ao estudo da ciência da alma, ou da psique ou da mente. Entre os antigos, o termo alma possuía vários sentidos. Podia significar sopro (respiração), fogo (calor vital que se apaga com a morte) e sombra ou simulacro (o que está sempre ao seu lado). Na verdade, as línguas antigas usam termos diferentes para referir-se a alma como sopro ou fôlego vivente e alma como referindo a uma instância imortal que habita mas não pertence o corpo13.
A conotação que as civilizações antigas possuíam em relação a psique manifestava que o fluir da vida, com seus acertos e desacertos estavam vinculados às forças não apenas internas do ser humano, mas forças advindas do mundo sobrenatural. Tal concepção possibilitava a reflexão por exemplo da conduta, ligada a um conceito ético como certo e errado, bem e mal.
As primeiras manifestações de vida mental estavam relacionadas às preocupações com as forças responsáveis pelo sucesso ou fracasso, individual ou coletivo. Para os antigos, as vitórias e os fracassos eram decorrentes do poder de forças onipresentes e misteriosas, capazes de modificar o curso das coisas. A crença na existência destas forças e o desejo de domesticá-las através de práticas religiosas marcou as primeirasnoções da vida inteligente14.
A religiosidade foi um elemento sempre presente na vida humana. Por meio dela, através dos ritos, estabelece-se por, meio da espiritualidade, a conexão com o mundo invisível, sobrenatural, que atuava na mente como aspecto unitivo com o divino, e, ao mesmo tempo, reconciliador, propiciando que as coisas voltassem à normalidade.
Como se sabe, práticas religiosas são crenças e cultos praticados por um grupo social, em que uma força sobrenatural é objeto de devoção e temor. Características comuns a maioria das religiões são: reconhecimento de uma força sobrenatural, a mediação sacerdotal, o uso de rituais para estabelecer uma relação com o sagrado e um senso comunitário. Encontram-se exemplos de práticas religiosas em todas as civilizações antigas. Existem registros escritos de práticas religiosas que remonta a cerca de 1500 anos antes de Cristo. Para nosso estudo vamos considerar as tradições religiosas dos povos helênicos por causa de sua importância no pensamento filosófico que está na base da história das idéias do mundo ocidental15.
Os conceitos de vida e morte sempre estiveram presentes na esfera transcendente do ser humano. Perguntas sobre o sentido da vida, de onde viemos e para onde vamos, são questões existenciais, e ao mesmo tempo, transcendentais, o que desloca o ser humano de sua vida natural em busca de respostas que vão além da sua compreensão natural. Assim, a mitologia grega expunha sua interpretação em relação à dimensão teleológica.
No mundo homérico 700 a.C. acreditava-se numa alma separada do corpo. Uma alma que abandonava o corpo na hora da morte em direção ao Hades. Para eles a máxima expressão de vida era quando alma e corpo estavam unidos, dirigindo todas as atividades. Tal situação os levaria a ser como um deus na terra e a ter gosto pela vida. Mas esta explicação não esclarecia como o homem era dotado de sentimentos, desejos e pensamentos16.
A interpretação sobre o transcendente, apresentado pela filosofia Aristotélica, trazia a dimensão de unicidade entre corpo e alma, em que a alma, sendo divina, possibilitava ao corpo realidades que o fazia aprimorar-se por meio das virtudes. Nesta unicidade, quanto mais o homem vivia aberto às coisas intelectuais, mais o corpo, enquanto instintual, era lapidado.
O intelecto em Aristóteles surge da relação entre a alma e o corpo. Alma e corpo não são entidades separadas. A alma é “causa e princípio do corpo vivo”. Suas manifestações como coragem, doçura, temor, piedade, audácia, alegria, amor e ódio apresentam-se através do corpo. A alma coordena as funções vitais do organismo que são: sensações, afeições e atividades, sensibilidade e entendimento. A relação entre alma e corpo é de natureza funcional. Seu objetivo é assegurar a harmonia das funções vitais17.
Em relação à questão do aprimoramento, o deixar a vida virtuosa de lado era, ao mesmo tempo, uma forma de se empobrecer em relação à alma, que representava algo ligado à divindade, levando o homem a se perder nos vícios, em uma linguagem freudiana, podemos dizer, em psicopatias, que deprimem a alma. Jung afirma que: “A eliminação [recalque], pelo contrário, corresponde a uma decisão moral consciente, ao passo que o recalque representa uma tendência, bastante imoral, de evitar decisões desagradáveis”18. Assim, a resolução do que está nas lembranças feridas é o que possibilita a abertura para a evolução do ser humano.
Com base em seus princípios, Aristóteles oferece-nos um conjunto de sugestões e advertências. Ele antecipa uma teoria de psicopatologia quando diz que a confusão entre a memória e a imaginação produz desequilíbrios pois toma-se imagens como se fossem realidades19.
Diante desta cronologia, com o advento do Cristianismo, ocorre uma amplitude sobre o sentido de corpo e alma. A mensagem que fora apresentada por Cristo trazia diretamente ao coração dos que acreditavam nEle e o aceitavam por meio do batismo, nascer de uma forma totalmente renovada, pois Ele trouxe a nossa humanidade o Pneuma, o Santo Espírito de Deus que é capaz de aprimorar nossa consciência e a nossa alma, levando-nos a uma vida nova.
O Cristianismo foi um movimento que teve Jerusalém como centro. As principais idéias do movimento originam em crenças místicas da região da Galiléia anunciadas, principalmente, pela seita judaica dos essênios (arrependimento e batismo). Na verdade, havia na região do Mar Mediterrâneo na época do surgimento do Cristianismo uma preocupação popular com a situação da alma. As pessoas recorriam as práticas religiosas para encontrar a purificação e a salvação de sua alma. Neste clima conturbado o Cristianismo traz a mensagem de que o fim dos tempos está próximo. É chegado o momento de todos buscarem o Reino de Deus através de uma conversão radical obtida pela fé. Algumas passagens bíblicas ilustram a relação entre alma e corpo, e também o diálogo entre os primeiros cristãos e os gregos20.
A mensagem de Paulo, então, traz-nos algo totalmente novo, que a sabedoria de Deus se manifestou a nós por meio do Crucificado, em que a humilhação vista por muitos como derrota, foi o sinal de elevação da condição humana à divindade. Por meio do Filho de Deus, os que querem se assemelhar a Ele, morrem para o mundo e ressurgem para uma nova vida, que se inicia no tempo presente por ação do Pneuma.
Os primeiros cristãos são judeus que entendiam a nova doutrina não como alguma coisa completamente nova, mas como a continuidade e o cumprimento da fé judaica. Era portanto sua antítese e afirmação. O primeiro grande teólogo cristão foi São Paulo, antes chamado Saulo de Tarso, um judeu de cidadania romana e formação grega. Algumas referências de Paulo aos gregos merecem atenção pelas diferenças que vai estabelecendo entre os ensinamentos do Cristianismo e o conhecimento grego. A primeira refere-se a diferença entre a sabedoria dos gregos e a sabedoria de Deus: “Porque, como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Porém para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus” (I Cor. 1, 17-24). Em sua segunda viagem, entre os anos 49-53, Paulo visitou Atenas onde falou ao povo e debateu com os estóicos e com os epicuristas dizendo está falando em nome do Deus Desconhecido que era reverenciado em Atenas (Atos 17, 16-34)21.
Entre os séculos IV - V, para o filósofo Santo Agostinho a vontade de Deus acontece em nossa ambiência temporal, é no chronos – conceito ligado a esta vida terrena - que tem início e fim -, que fazemos a experiência do kairós – realidade que a eternidade, adentrando o nosso tempo pela ação divina, possibilita aos que creem viver de uma forma contradizendo a mentalidade deste mundo, e adentrando a lógica divina -, esta experiência para ele, leva-nos a viver no tempo de forma renovada.
Santo Agostinho esforçava-se muito para conhecer e entender a vontade de Deus. […] Ele dizia que a alma era capaz de comandar o corpo sem muitas dificuldades, por exemplo, se a alma manda o braço movimentar-se ele movimenta-se. No entanto, a maior dificuldade da alma era obedecer a si mesma. Esta obediência só era possível através da graça de Deus. O conhecimento de si mesmo através da memória foi definida como sendo constituído de uma realidade temporal e não espacial. Desta forma, entendia a vida interior como uma experiência temporal22.
Em Santo Agostinho e, posteriormente, no século XIII, com Santo Tomás, há um olhar profundo voltado para a alma, na qual habitaria a sabedoria divina, por meio de uma de suas dimensões como o intelecto, em que se fazia os estudos e reflexões. O homem eleva-se ainda mais, tendo,, como busca primeira, a vida em Deus.
Agostinho e Aquino modificam estas psicologias para ajustá-las à doutrina cristã. Agostinho, inspirado no neoplatonismo de Plotino, valoriza a autonomia da alma não como algo reencarnado, mas como dádiva do criador. Essa alma teria uma função vitalizante, sensitiva e cognoscente e seria capaz, enquanto consciência imediata, de apreender a si mesma. O conhecimento e suas produções intelectuais como a arte, a literatura, aciência e a política estariam ao alcance de todos, mas sujeitos às flutuações da dúvida e dos equívocos. A verdadeira sabedoria estaria não nas reminiscências da alma como falava Platão, mas no despreendimento das seduções do mundo dos sentidos e, principalmente, na purificação por iluminação divina (a fé substituindo a lógica)23.
Para Platão, no século IV a.C., “no Fédon a forma do corpo e alma se relacionarem é abordada de modo complexo em função das diferentes posições que se alternam ao longo dos demais diálogos, mas que propõe o fim do corpo como objetivo e a valorização extrema da alma, que apenas através dela pode-se alcançar a imortalidade”24. Para Tomás de Aquino, a alma é imortal e, unida ao corpo, ela, iluminada pelo Pneuma, tem a capacidade de fazê-la transcender, em decorrência desta união espiritual. Como diz o apóstolo Paulo: “Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, o qual recebestes de Deus e que, por isso mesmo, já não vos pertenceis?” (1 Cor 6,19). “Porém, temos este tesouro em vasos de barro, para que transpareça claramente que este poder extraordinário provém de Deus e não de nós” (2 Cor 4,7).
A construção do argumento epistemológico de Aquino reveste-se de especial interesse para essa análise, desde que seu trabalho busca a conciliação entre a filosofia naturalista de Aristóteles e a Teologia Cristã deAgostinho. Aquino conceitua a alma como imaterial, unida ao corpo sem intermediário e permanentemente orientada para o mundo natural. Resolve o problema da primazia do mundo sensível argumentando que se tratava de um mundo criado por Deus. Quanto ao conhecimento, valoriza a razão como importante para decodificar e apropriar-se das informações do mundo sensível, o que também não seria problema pois a razão enquanto poder do intelecto era uma dádiva de Deus25.
No final do século XIX, no Ocidente, ainda marcado pela corrente do iluminismo e do racionalismo, em que os séculos anteriores (período medieval) foram rotulados como período das trevas, que surgiu a Psicanálise com Sigmund Freud. Ele, como médico neurologista, observou que, para além dos tratamentos científicos apresentados em sua época, havia elementos desconhecidos no ser humano. Juntamente com Jung, médico psiquiatra, em relação à descoberta do inconsciente, ambos chegam à conclusão que não existe apenas o logos no ser humano, mas também o mythos.
A fundamentação metapsicológica dessa visão foi dada, certamente, pela teoria das pulsões, explicitamente definidas como ponto de articulação entre o psíquico e o somático, mas também por uma teoria da representação que, desde os primórdios da metapsicologia, foi pensada como uma hierarquia complexa de processos nervosos excitatórios se estendendo desde a periferia sensório-motora do corpo e das inervações somáticas internas até o nível cortical em que surgem as propriedades psíquicas, passando por sucessivas etapas intermediárias de integração e reorganização. No plano psicológico, a representação, em suas diversas modalidades, realiza a articulação entre o inconsciente – profundamente enraizado no corporal e no pulsional – e as formas mais elaboradas de consciência, passando pelo pré-consciente, no qual surgem as funções estruturantes absolutamente cruciais da linguagem26.
Tais implicações existentes no inconsciente, que refletem no corpo – soma -, que estão presentes na mente humana, eram capazes de levar ao pavor e ao desespero, como observou Freud, nas angústias e histerias. Porém, percebeu, também, que a libido, para onde são destinadas as pulsões, poderia ser influenciada por eros ou thanatos (pulsão de vida ou pulsão de morte). Dessa maneira, os elementos inconscientes presentes na vida humana, quando iluminados pelo aspecto da espiritualidade, conduzem o sujeito ao aprimoraramento do desejo de viver.
Em 1915, com a elaboração de uma metapsicologia* e a publicação de um ensaio sobre a guerra e a morte, no qual Freud sublinhava a necessidade para o sujeito de “organizar-se em vista da morte, a fim de melhor suportar a vida”. Dessa reformulação, centrada na dialética da vida e da morte e em uma acentuação da oposição entre o eu* e o isso*27.
Portanto, existem elementos inconscientes, em nossa psique, que nos levam a experiências profundas, as quais a razão não pode explicar, que estão no âmbito do numinoso – que nos leva a viver com o Sagrado uma experiência simbiótica de amor e espanto -, no qual a espiritualidade ocupa um papel de centralidade e direciona o ser humano para uma ambiência que transcende o tempo, que Jung chamou de processo de individuação, Self.
Os escritos clínicos de Freud e Jung nos mostram como padrões ditos mitológicos continuam a moldar as manifestações humanas individuais e coletivas. A força do mito, que deita profundas raízes na alma humana, exterioriza-se em sonhos, devaneios, delírios, religiões, artes, imaginário e em todo tipo de invenções criativas que insurgem do mais profundo lugar do ser. O linguajar do inconsciente é o mito, ou seja, o inconsciente estrutura-se numa dimensão mítica e força nossa consciência a acolher imagens manifestas desse inconsciente. O mito tem a função de dizer o indizível através de um sentido metafórico, no qual uma coisa representa outra28.
Desta forma, como vimos a psique possui suas várias nuances, de modo que o aparelho psíquico, muitas vezes, movido por elementos inconscientes, recalques, repressões, traumas, influencia de maneira negativa a dimensão do corpo. A abertura da mente à transcendência, por meio da dimensão espiritual, é um caminho no qual ocorre uma ressignificação dos acontecimentos vividos, refletindo de maneira positiva a relação corpo e mente.
2.2. Sobre a Psique & Espiritualidade
Jung, que esteve presente com Freud nos primórdios da psicanálise, elevou suas pesquisas para âmbitos antropológicos presentes nas culturas. Disso decorre seu interesse pelo estudo das diversas culturas e seus símbolos. Jung descobriu que, nas mais variadas culturas, a experiência com o Sagrado contribuiu de maneira significativa para um protecionismo emocional, em que a psique encontrava refúgio.
Para nós a experiência de Deus é maior e mais desconhecida, e por isso Oconsultamos cada vez. Não temos a idéia de que Deus já disse Sua última palavra. Esse é o grande contraste entre a psicologia e a teologia. Pensamos em Deus como uma realidade que pode falar em nossa psique. Nunca se sabe o que Deus pode pedir a um indivíduo, e por isso cada análise é uma aventura, porque nunca sabemos o que é que vai pedir Deus a essa pessoa29.
Dentre os elementos inconscientes, ligados ao sofrimento, a dor, a perda, as fobias, ao sentido existencial, estão situações que não encontramos explicações lógicas, algumas provenientes de elementos arquetípicos, outras de natureza ligados ao Sagrado, em que a mente humana não é capaz de dizer o indizível, ou que não é capaz de explicar o Mistério.
Aqui há, no objeto, uma dualidade secreta. Em forma muito aproximada podemos dizer que este escuro mundo debaixo é o inconsciente, porque é o desconhecido; é aquilo que não posso penetrar mentalmente para dizer que já sei o que é. O «inconsciente» é um conceito que se refere simplesmente àquilo que não é claro para a consciência. Isso inclui todo um conglomerado de coisas. Há dois aspectos, duas incógnitas finais, das quais se ocuparia especialmente um alquimista, e às que me referi na introdução. Ainda nos vemos frente a dois mistérios não resolvidos que, de uma maneira estranha, são interdependentes embora ainda não saibamos como. São a psique e a matéria. A ciência da física, em última instância, postula a matéria como algo inconsciente, quer dizer, algo do qual podemos chegar a ter consciência. Por definição, o inconsciente é a mesma coisa: algo psicológico do qual não podemos chegar a ter consciência, e jamais sabemos de que maneira se combinam nossas descrições do inconsciente com a matéria, o qual gera todo o conflito entre o interno e o externo30.
Há uma busca constante, presente em cada ser humano, para o caminho rumo ao Si mesmo. Este trilhar é embasado pela reconciliação, pois existe um desejo implícito, no ser humano, de sempre regressar a um bom momento. Antes que um trauma se firmasse na vida de alguém, sempre houve um momento anterior em que havia harmonia. A busca constante se baseia, justamente, neste aspecto primordial para a alma.
Antes de falar da religião, devo explicar o que entendo por este termo. Religião é — como diz o vocábulo latino religere — uma acurada e conscienciosa observação daquilo que Rudolf Otto acertadamente chamou de "numinoso", isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima do que seu criador. Qualquer que seja a sua causa, o numinoso constitui uma condição do sujeito, e é independente de sua vontade. De qualquer modo, tal como o consensus gentium, a doutrina religiosa mostra-nos invariavelmente e em toda a parte que esta condição deve estar ligada a uma causa externa ao indivíduo. O numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência31.
A dor existente na psique não pode ser captada pelos nossos mecanismos empíricos. A dor da alma é tratada pelo que é sensível, por aquilo que perpassa o corpo - soma -, e é capaz de chegar na origem de nossos sofrimentos. Neste sentido, a espiritualidade, perpassa o interior, expurga os elementos feridos interiormente e nos leva a um novo devir, direcionando-nos para uma pulsão de vida.
Temo que a concepção materialista usual da psique não nos ajuda muito nos casos de neurose. Se a alma possuísse esse corpo vaporoso sofreria de um carcinoma mais ou menos aéreo, da mesma forma que um corpo de matéria sólida é sujeito a sofrer tal enfermidade. Nesse caso, pelo menos, haveria algo de real. Talvez a Medicina sinta uma aversão tão grande contra todo sintoma de natureza psíquica: para ela ou o organismo está doente, ou não lhe falta nada, absolutamente32.
A interação entre mente e cérebro33 se faz de maneira muito real e presente. Não se trata de uma geolocalização da mente, mas de um cérebro que possui uma ambiência que, se tratada de forma adequada, atua nos neurotransmissores, permitindo que este atue de maneira mais serena, evitando os contratempos daquilo que é psicossomático. Como afirma Tieppo: “Kandel no seu livro Princípios de Neurociência, de 1995, diz que a neurociência moderna representa uma fusão da biologia molecular com a neuropsicologia, anatomia, embriologia, biologia celular e a psicologia”34.
Mas o que é a psique? Um preconceito materialista a considera apenas como um simples epifenômeno, um produto secundário do processo orgânico do cérebro. Afirma-se que todo transtorno psíquico deve ter uma causa orgânica ou física, ainda que não possamos demonstrá-lo, devido à imperfeição dos meios atuais de diagnóstico. A inegável conexão entre a psique e o cérebro confere a este ponto de vista uma certa importância, mas não de modo a erigi-lo em verdade exclusiva. Não sabemos se na neurose existe ou não um transtorno efetivo dos processos orgânicos do cérebro; quando se trata de transtornos de origem endócrina, não temos também condições de saber se elas são causa ou efeito da enfermidade35.
A psique é a estrutura central da vida humana. Nela concentra-se os elementos repressores ou recalcados, que, quando trabalhados de maneira correta, trazem o equilíbrio a vida humana. É na psique que estão nossos registros dos acontecimentos, devido ao inconsciente. E é trazendo à luz da razão tais acontecimentos que os eventos registrados são reconciliados.
A psique só não está onde uma inteligência míope a procura. Ela existe, embora não sob uma forma física, É um preconceito quase ridículo a suposição de que a existência só pode ser de natureza corpórea. Na realidade, a única forma de existência de que temos conhecimento imediato é a psíquica. Poderíamos igualmente dizer que a existência física é pura dedução uma vez que só temos alguma noção da matéria através de imagens psíquicas, transmitidas pelos sentidos36.
Podemos dizer que a religiosidade, no contexto dos povos primitivos, ocupava um lugar de centralidade, junto à psique, de maneira simbiótica, em que a vida era interpretada ao lado da religiosidade, e a religiosidade dava sentido à vida humana, expurgando os medos psíquicos, existentes neste período da história.
É verdade que nossas doutrinas religiosas falam de uma alma imortal, mas são muito poucas as palavras amáveis que dirige à psique humana real; esta iria diretamente para a perdição eterna se não houvesse uma intervenção especial da graça divina. Estes importantes fatores são responsáveis em grande medida — embora não de forma exclusiva —, pela subestima generalizada da psique humana. Muito mais antigo do que estes desenvolvimentos relativamente recentes são o medo e a aversão primitivos contra tudo o que confina com o inconsciente37.
A intuição – numa visão psicanalítica vista com insights - presente na vida humana, é um fator totalmente relevante para a psique, é como se ela estivesse entre a humanidade e a divindade, como se fosse uma orácula que norteia a vida humana. A abertura à dimensão intuitiva permite ao sujeito realmente se ouvir e, ao mesmo tempo, mover-se para o que precisa ser feito, para a resolução dos vários elementos presentes no consciente e inconsciente.
A experiência psicológica me tem mostrado invariavelmente que certos conteúdos provêm de uma psique mais ampla do que a consciência. Com freqüência, eles encerram uma análise, uma compreensão ou um saber de grau superior, que a consciência do indivíduo seria incapaz de produzir. O termo mais apropriado para designar tais acontecimentos é: intuição38.
Para Jung, por meio das leis, dogmas, doutrinas, presentes na religiosidade, o ser humano tem acesso a muitas compreensões que chegaram até ele. Isso é visto como um fator positivo, é considerado como algo de protecionismo para a mente, através do inconsciente, levando em consideração que a finalidade deste arcabouço, presente na espiritualidade, é proteger, guardar o ser humano dos caminhos maus.
Antes que os homens aprendessem a produzir pensamentos, os pensamentos vieram a eles. Os homens não pensavam, e sim recebiam sua própria função espiritual. 0 dogma é como um sonho que reflete a atividade espontânea e autônoma da psique objetiva, isto é, do inconsciente39.
Dentro da espiritualidade monoteísta, Deus é visto como aquele que é o mais forte, aquele que tudo pode. A abertura da psique a esta realidade leva à proteção, à fortaleza. A dimensão espiritual que nos leva a Deus permite-nos viver constantemente a experiência do renascimento. A cada busca por Deus, é uma busca pelo regresso às primícias, a origem de tudo, ao recomeço, a um novo reviver.
Aquele para quem “Deus morre" se torna vítima da "inflação". "Deus é a posição efetivamente mais forte da psique, quando, no sentido da palavra de Paulo, Deus é o "ventre" (Fl 1,3-19). Isto significa que o fator efetivamente mais poderoso e decisivo da psique individual provoca, forçosamente, fé ou medo, submissão ou entrega, que um deus poderia exigir do homem40.
A espiritualidade, então, de modo particular, conduzindo-nos a Deus, remete-nos àquele que tudo criou, àquele que é o Senhor de tudo. Assim, Ele acolhe o ser humano em sua forma integral, com todas as nossas boas e más ações. A mente humana interpreta essa experiência como o acolhimento do todo, levando o ser humano a perceber que, em sua forma una (perdas e vitórias), a alma é refeita naquele que tem poder para recriar sempre.
[…] o centro mais interior, o núcleo divino da psique humana, é algo além do problema do bem e do mal, sendo um fator absoluto que pode nos levar para fora da situação que esse problema nos apresenta41.
Jung utiliza o termo função transcendente da psique para nos falar do amadurecer da mente, para adentrar ao caminho de individuação, ao Eu mais profundo, e também pode ser utilizado como sentido de metanoia, no reposicionamento da mente para um caminho diferente do que vinha trilhando.
No caso do adulto este sentido de integridade é alcançado através de uma união do consciente com os conteúdos inconscientes da sua mente. Desta união surge o que Jung chamava "função transcendente da psique", através da qual o homem pode alcançar sua mais elevada finalidade: a plena realização das potencialidades do seu self" (ou ser)42.
Portanto, para Jung, além do ego (que fica entre o id e o superego), havia a dimensão do self, que seria o núcleo mais profundo do ser humano, sem a interferência do externo, uma ambiência em que somente ele e Deus teriam acesso. Seria o uno, a alma humana unida, o ser divino que o conduziria na completude. Assim fala-nos Carl: “Jung chamou a este centro o self e o descreveu como a totalidade absoluta da psique, para diferenciá-lo do ego, que constitui apenas uma pequena parte da psique”43. O Pneuma é fonte de aprimoramento da alma através dos dons, mas também o Pneuma ilumina a consciência e o Self (eu mais profundo), clareando pela iluminação e intuição as profundezas inconscientes do nosso ser.
3. SOBRE O PNEUMA AO LONGO DA HISTÓRIA
Os filósofos já intuíam sobre uma força que perpassava a vida humana. Como, por exemplo, vemos nos questionamentos mais antigos presentes na filosofia grega, nos mitos, no budismo e no judaísmo: O que nos faz estarmos vivos? De onde vimos? Para onde vamos? Eles possuíam uma percepção de que somos reflexos de algo muito maior, e na busca por este desconhecido mistério, iniciaram, por meio de suas reflexões, a tentativa de, ao menos dizer algo sobre o indizível e intocável.
A primeira é estabelecida sobre as diferenciações pneumáticas — que possuem um enraizamento tanto no grego pneuma e quanto no sentido hebraico de ruach (espírito) —, que “referem-se às experiências e descobertas espirituais da tradição profética estendendo-se dos primórdios hebraicos aos desenvolvimentos cristãos” (HUGHES, 2019, p.100). A segunda é assentada no conceito de razão (nous),e sua busca pela origem divina (arché) perpassa toda a tradição filosófica, com mais ênfase, segundo Voegelin (2009), nos pré-socráticos Parmênides, Heráclito, Xenófanes, assim como em Platão e Aristóteles — não sendo exagerado incluir aqui também o próprio Hesíodo, como uma “protofilosofia”. Para Sandoz (2010, p.159), “ao concentrar-se nos filósofos, Voegelin mostra como a ascensão da filosofia clássica por causa da experiência noética de pensadores helênicos criou a nova interpretação de realidade em termos da alma bem-ordenada”. Essa alma que possui um nous limitado que tenta atingir o nous ilimitado, divino (HUGHES, 2004)44.
Para a concepção dos filósofos pré-socráticos havia a ideia de que nosso mundo não era perfeito, que existia um outro mundo, no qual habitava a perfeição, e do mundo perfeito emanava lampejos que se direcionavam para o nosso mundo imperfeito. Se houvesse um acolhimento destas fagulhas divinas, por meio do intelecto, da mente, então havia um transformar na vida de quem acolhia e, então, esta pessoa passava a pensar de uma maneira totalmente elevada. A exemplo, temos os grandes pensadores.
De Anaximandro sabemos que o elemento primordial, o princípio de todas as coisas é o Ápeiron, entidade infinita e indefinida que encerra todas as qualidades e seus contrários e que, pela ação do movimento, esta entidade sofre em seu seio uma separação destes opostos, sendo submetida em seguida a um aglutinamento que leva à formação da matéria. Em Anaximenes a dinâmica é a mesma, com a diferença de que o princípio já não é mais indeterminado como em Anaximandro, mas determinado e tendo a natureza do Ar (pneuma)45.
Para os pré-socráticos que focavam seus pensamentos nos quatro elementos da natureza, terra, água, ar e fogo, o ar possuía algo diferenciado, o vento que vem sobre a terra, sobre a água e sobre o fogo, e não é atingido por nenhum desses outros elementos, sendo caracterizado como um diferencial. Dessa maneira, as sementes divinas chegavam até o ser humano, através do ar (pneuma).
No caso do ar, (pneuma), a concentração no centro do vórtice produz sucessivas condensações do ar, transformando-o finalmente em matéria sólida ou pesada, como a terra e a água. A expansão para as regiões periféricas do turbilhão gera, pela rarefação do pneuma, os elementos celestes: o fogo e o éther, (as estrelas, o Sol e os planetas). A mesma solução dinâmica é adotada por Anaxágoras, Empédocles e também pelos atomistas, com algumas diferenciações conceituais próprias a cada teoria.No caso do sistema proposto por Anaxágoras, a substância primordial é infinita e constituída pelas sementes, (ou spermas), porém o movimento é provocado pela inteligência, ou espírito cósmico. Este espírito, Nous, cria um movimento turbilhonar que vai se multiplicando progressivamente portoda a substância primordial de sementes. A concentração das partes mais pesadas no centro do vórtice e a expansão para a periferia dos elementos mais leves se processam semelhantemente às teorias anteriores46.
Neste contexto, para a mística helênica, o ar (pneuma), foi visto como arché, ou seja, princípio de todas as coisas, de onde tudo se originou. Elemento vital e que o mundo terreno não poderia abarcar. O ar, enquanto sopro, é livre, assim como a dimensão do transcender, de ir além sem se prender a nenhuma realidade terrena.
Ora, Anaxímenes estabeleceu o ar como sujeito da arché? e da phýsis. Ele operou uma espécie de retorno a Tales, na medida em que também codificou na empiria, num elemento sutil a expressão conceitual da arché e da phýsis. Sugeriu uma nova compreensão do problema, do modo como está escrito no fragmento 2: “Assim como nossa alma, que é ar, nos governa ou sustém, do mesmo modo o sopro e o ar abraçam todo o cosmos”. Ele identificou o ar (aér) e o sopro (pneuma) com a alma (psyché), e atribuiu à arché a função de governo. Sopro e ar, segundo Aécio (fonte que conserva o fragmento), são sinônimos para Anaxímenes. Entre um e outro, no entanto, há uma gradação,como há para Tales entre a água e umidade. Esses elementos, assim como o fogo, Platão (no Timeu) curiosamente os denominou “letras do Universo”: “o fogo e os outros, aceitamo-los como princípio, como uma espécie de elementos ou letras do universo…47.
Nesta busca pelo desconhecido e, ao mesmo tempo, por tentar decifrar o mundo que considerava perfeito, e tendo como elemento o ar, que está diretamente ligado à respiração (e ao respirarmos, o ar adentra os nossos pulmões, dando-nos a percepção deste ar ir ao nosso interno), começa, então, a compreensão de que poderíamos, sim, viver uma dimensão dialogal com a divindade, através da psique, através do interior.
“Quando no processo revelatório o deus oculto por trás dos deuses intracósmicos permite a si mesmo tornar-se manifesto em experiências visionárias e auditivas, ou no ‘som de gentil tranquilidade’ ou na sondagem meditativa daquela que busca, e assim ser conhecido contra o fundo de sua incognoscibilidade, o ser humano que responde à presença torna-se consciente de sua resposta como um ato de participação na realidade divina. Ele descobre o algo em sua humanidade que é o lugar e o sensório da presença divina; e ele encontra palavras como psique, ou pneuma, ou nous para simbolizar o algo”48.
Ao se deparar com esta descoberta, o homem percebe que existe um mundo para além do externo, para além do mundo dos sentidos, e então descobre um universo que existe dentro de si, do qual ele vive uma experiência numinosa, para além da matéria, que o faz transcender. Descobre o Eu mais profundo, regressa ao mais essencial de si, e ali faz a descoberta real do que é ser.
Historicamente, segundo Hughes (2019, p.92), “a consciência que havia se descoberto como um algo divino-humano, um tipo de realidade intermediário ou do entremeio, que tentou indicar sua própria natureza através de símbolos que incluíam o termo israelita e cristão pneuma (tradução grega do hebraico ruach), significado o ‘espírito’ que é tanto humano quanto divino; o símbolo platônico-aristotélico nous, significado o ‘intelecto’ que é tanto humano quanto divino; a formulação upanishádica Atman-Brâman, em que o verdadeiro ‘eu’ do indivíduo é identificado com o misterioso fundamento de todo o ser; e finalmente, menos famoso, o termo metaxy, de Platão, significando o ‘intermediário’ da realidade espiritual ‘a meio caminho entre deus e o homem’, em que aquele que busca a verdade se move a meio caminho entre o conhecimento e a ignorância”49.
O olhar lançado sobre si vai permitir enxergar um universo para além dele mesmo, existe algo muito maior, e é esta busca que começa ser iniciada. Há, neste contexto, a compreensão de que a felicidade está em corresponder àquilo que é maior do que o próprio sujeito, que chamamos de universal, em contrapartida com o particular ou relativo. Como se, ao nos aproximarmos mais de nossa matriz, teríamos conhecimento sobre nós mesmos, é a busca da origem apropriada.
Para o Estoicismo, o homem é um microcosmo dentro do macrocosmo, sendo assim parte da natureza, como afirma Marcondes. Desta forma, seu agir ético deve estar em harmonia com o cosmo para poder propiciar felicidade. O pneuma (sopro vital) é o que movimenta o mundo e ele é a razão universal de tudo; logo, cabe aos homens viverem de acordo com esta ordem universal para alcançarem a felicidade. Assim, a noção de destino (heimarmené) passa a ser imprescindível e tudo o que vier no decorrer da vida deve ser aceito, mesmo que não se entenda o motivo50.
Portanto, a psique busca por algo que a complete, busca por sua origem, e o Pneuma, como algo divino, será capaz de iluminar o ser humano para que descubra por si mesmo e reconheça seu verdadeiro ser como nos explica Arendt, ao falar de nossa busca constante pela vida feliz.
A vida feliz encontra-se, em primeiro lugar, na memória; através dela, o homem está em relação com o seu ser mais apropriado, a sua origem. Recordando um passado anterior e toda a possibilidade da experiência terrestre humana, a criatura apresenta o limite extremo do passado humano, o a partir de onde que a constitui51.
Portanto, conforme ocorreu uma evolução no pensamento humano, por meio das descobertas, da observação e da experiência com o Sagrado, deu-se um passo ainda maior, enquanto descoberta do sentido da transcendência, do ir além, havendo um amadurecimento mais pleno sobre a visão do Pneuma, através do cristianismo.
3.1. A Ação do Espírito Santo (pneuma) Sob o Olhar do Cristianismo na Patrística
Como vimos, ao longo da história humana e filosófica do ocidente, as civilizações tentaram explicitar a ação divina na alma humana. Antes da Revelação de Jesus de Nazaré, as religiões chamadas naturais procuravam por um ser transcendente, e com a vinda do Filho de Deus no cristianismo, Ele tomou a iniciativa de nos mostrar quem é o Pai e quem é o Espírito Santo. Quando direcionamos o nosso olhar para os Pais da Igreja, nos primeiros séculos do cristianismo, encontramos de maneira clara a definição sobre a ação do Espírito Santo (Pneuma) sobre a vida humana. Ele que vem e renova todo o nosso interior, Ele atua dando-nos aquilo que a alma sempre almejou e não sabe nominar, como afirma Clemente Romano:
O Espírito Santo inspirou as Escrituras, a pregação da penitência, por meio dos profetas, outrora, pelos apóstolos, agora. Ele plenifica os fiéis de seus dons e piedade, de paz e realiza a unidade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo compõem três atividades distintas sobre o plano da economia divina52.
A mudança que o Espírito Santo causa na psique leva a uma mudança comportamental. Se por um lado as doenças psicossomáticas atuam descarregando sobre o corpo sequelas de conflitos ao interno da psique, o contrário ocorre na manifestação do Espírito. Ele age diretamente na alma, levando a mudanças reluzentes sobre o corpo e sobre as nossas ações, esvaziando-nos de tudo o que perturba a alma, como continua a nos mostrar Clemente:
Dessa forma, uma paz profunda e radiante fora dada a todos, junto com o desejo insaciável de praticar o bem, e se espalhara sobre todos abundante efusão do Espírito Santo. Repletos de santa resolução, com prontidão de ânimo para o bem, levantáveis com piedosa confiança vossas mãos ao Deus Todo-poderoso, suplicando-lhe que vos fosse propício, caso tivésseis involuntariamente cometido algum pecado. Dia e noite, sustentáveis combate em favor de toda fraternidade, a fim de conservar íntegro, por meio da misericórdia e da consciência, o número dos eleitos de Deus53.
Para Clemente de Roma, o Espírito Santo atua em nossa alma no desejo de nos fazer tomar consciência sobre a mudança. E esta mudança nós compreendemos dentro da psique. Quando alguém vive uma situação que lhe perturba, precisa mudar suas realidades para que possa encontrar uma resolução, para que possa superar o que lhe retira a força interior. O Espírito atua como um advogado em nosso favor, nos orienta, nos inspira e mostra caminhos pelos quais possamos nos tornar livres.
Os ministros da graça de Deus falaram sobre o arrependimento, por meio do Espírito Santo. E o próprio Senhor do universo falou do arrependimento, jurando: “Eu vivo, diz o Senhor, e não quero a morte do pecador, e sim que ele se arrependa.” E acrescenta também um propósito bom: “Casa de Israel, arrependei-vos de vossa iniqüidade. Dize aos filhos do meu povo: Ainda que vossos pecados cheguem da terra até o céu, e que sejam mais vermelhos que o escarlate e mais sujos que o pano de saco, se vos converterdes a mim de todo o coração, e disserdes: ‘Pai!’ — eu vos escutarei como povo santo”54.
O Espírito age por meio da humildade. A palavra humildade vem de humus, que significa, da terra, do pó. No reconhecer a nossa necessidade interior pela força divina, descobrimos nossa humanidade, que somos limitados, frágeis e que precisamos de auxílio. O Espírito Santo, também chamado de auxiliador, é Ele que vem em nosso auxílio, o reconhecer da fragilidade humana abre a possibilidade de receber ajuda, auxílio. É assim que o Espírito do Senhor age, como nos mostra Clemente:
Portanto, irmãos, sejamos humildes, depondo todos os sentimentos de jactância, de vaidade, de insensatez e de cólera, e pratiquemos o que está escrito. De fato, o Espírito Santo diz: “Que o sábio não se glorie de sua sabedoria, nem se farte de sua força, nem o rico de sua riqueza; aquele que se gloria, glorie-se no Senhor, por procurá-lo e praticar o direito e a justiça”55.
A simplicidade da alma está em sermos nós mesmos. No viés da psique o equilíbrio reside aí, não somos a opinião alheia, nem tampouco podemos, de maneira reducionista, dizer que somos nossos atos traumáticos. Em vez disso, a abertura ao Espírito Santo nos possibilita, mesmo diante de uma história de desacertos, focarmos, principalmente, naquilo que pode nos elevar e nos dar um sentido, como São Clemente afirma:
A fé em Cristo garante todas essas coisas. Com efeito, é ele que nos convida, por meio do Espírito Santo: “Vinde, filhos, escutai-me. Eu vos ensinarei o temor do Senhor. Qual é o homem que deseja a vida, querendo ver dias felizes? Guarda tua língua do mal e teus lábios de palavras enganadoras. Afasta-te do mal, e pratica o bem. Busca a paz, e persegue-a. Os olhos do Senhor estão sobre os justos, e seus ouvidos estão atentos às suas súplicas”56.
Mesmo quando tomamos consciência daquilo que nos gera inconstância, mas não tomamos atitudes, no intuito de superar tais amarguras (ou podemos, na linguagem junguiana, chamarmos de sombras) perdemo-nos, afastamo-nos de nós mesmos, e, também, fecharmo-nos ao agir de Deus. O Espírito de Deus quer habitar em nós e onde Ele está, a luz eterna vem habitar, dissipando todas as trevas. Por isso, na nossa vontade, ao querermos a presença de Deus, queremos sua ajuda para iluminar nossas sombras, como nos explica Hermas, no quinto mandamento:
A cólera, ao contrário é, em primeiro lugar, estulta, leviana e estúpida; da estupidez nasce a amargura; da amargura a irritação; da irritação, o furor, e do furor o ressentimento. Tal ressentimento, nascido de tantos males, é pecado grave e incurável. Quando todos esses espíritos vêm habitar o mesmo vaso, onde já habita o Espírito Santo, o vaso não pode mais conter tudo e transborda. Então o espírito delicado, que não tem o costume de habitar com o espírito mau, nem com a aspereza, afasta-se de tal homem e procura habitar com a doçura e a mansidão57.
Para Hermas, no décimo mandamento, o que busca o bem e a alegria, recebe a força do Espírito Santo para que essa alegria transborde. A conversão é uma escolha consciente, em que se escolhe pelo agir do Sumo Bem. É a escolha entre permanecer no cárcere da alma, ou se ter a liberdade da alma. O Espírito Santo, também chamado doce hóspede da alma, quer nos ajudar constantemente na reconstrução da nossa casa interior. Diante de traumas vividos, de todos os emaranhados, vindos desta situação, podemos querer permanecer com as sequelas do mal ou podemos nos deixar guiar por uma trilha de superação das realidades vivenciadas. E como superamos? Não se acomodando a tais realidades, mas ao olhar para os efeitos negativos, buscar outra rota de superação.
Reveste-te, portanto, da alegria, que agrada a Deus e ele a aceita: faze dela as tuas delícias. De fato, todo homem alegre realiza sempre o bem, pensa no bem e despreza a tristeza. O homem triste pratica sempre o mal. Em primeiro lugar, pratica o mal porque entristece o Espírito Santo, que foi dado alegre ao homem; em seguida, entristecendo o Espírito Santo, pratica a injustiça por não suplicar a Deus, nem louvá-lo. Com efeito, a oração do homem triste jamais tem a força de subir ao altar de Deus58.
Encontramos, através de Santo Irineu de Lião, o sentido primeiro da vida humana, criada para servir ao seu Criador. Para tanto, Deus nos preenche com seu Santo Espírito, capacitando-nos, para que sejamos conduzidos pela sua vontade. Compreender isso é entender que, como criaturas, precisamos do cuidado do Criador, e isso ocorre por meio de sua vontade, do agir do Seu Santo Espírito.
O homem é ser em desenvolvimento em vista de sua maturidade. Este processo passa do ser criado à imagem de Deus para o assemelhar-se a Deus (capacidade de participar da vida divina, vendo a Deus), dado que o homem nunca será Deus: este é o criador, aquele é a criatura. Criado em vista de seu desenvolvimento, o homem é feito “receptáculo dos dons de Deus”, inclusive participando da imortalidade e da incorruptibilidade de Deus — pois para isto o Espírito de Deus atua na carne humana, pneumatificando-a progressivamente já nesta história. O tempo e a história são condições para o amadurecimento59.
Em Pentecostes, na vinda do Espírito Santo, Ele é derramado sobre os que veem Cristo na fé e o ouvem. Também no arrependimento, ou seja, na renúncia do mal e na abertura ao Sumo Bem, uma nova realidade acontece, para aquele que crê. Este caminho assumido abre as portas para que a nossa alma seja habitada pelo Espírito de Deus.
A este Jesus — continua — Deus o ressuscitou, e disto nós todos somos testemunhas. Portanto, exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o derramou, e é isto o que vedes e ouvis. Pois Davi, que não subiu aos céus, afirma: “Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu faça de teus inimigos um estrado para teus pés. Saiba, portanto, com certeza, toda a casa de Israel: Deus o constituiu Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes”. E à multidão que lhe perguntava: “Que devemos fazer?” Pedro respondeu: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristopara a remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo”60.
A Virgem Maria, escolhida por Deus como modelo de ser humano querido por Deus, foi preenchida pelo Espírito Santo de Deus, tornando-se, assim, escada, para todos aqueles que também querem seguir a vontade de Deus, e se aproximarem do Cristo. Cristo é nosso Salvador, Maria é a mulher pneumatológica, que nos ensina e nos molda, conforme o querer do Espírito. Maria mostra uma estrutura psíquica para a qual Deus quer nos conduzir.
Este dom de Deus foi confiado à Igreja, como o sopro de vida inspirado na obra modelada, para que sejam vivificados todos os membros que o recebem. É nela também que foi depositada a comunhão com o Cristo, isto é, o Espírito Santo, penhor de incorrupção, confirmação da nossa fé e escada para subir a Deus61.
A ação do Espírito Santo sobre a nossa vida nos traz vida. Proporciona-nos um renascimento para as coisas do alto, a superação dos nossos limites e o desejo de sermos lapidados por Aquele que é o perfeito. Por isso, a perfeição no campo humano corresponde ao desejo de estar unido a Deus, que transfigura por meio de Seu Santo Espírito, tornando-nos alter christus (outro cristo, no sentido de termos um coração semelhante ao dEle).
O que morreu não é diferente do que é vivificado, como não é diferente o que se perdeu do que é encontrado, e o Senhor veio procurar aquela ovelha que se perdera. O que morreu? Evidentemente a substância da carne que perdera o sopro de vida e se tornou sem sopro e morta. O Senhor veio para vivificá-la, a fim de que, como em Adão todos morremos, porque psíquicos[62], todos vivamos no Cristo, porque espirituais, após ter rejeitado não a obra plasmada por Deus, mas as concupiscências da carne e recebido o Espírito Santo63.
O poder de Deus, através do Espírito Santo, garante-nos uma vida totalmente nova, a começar pelo nosso corpo, que tem uma psique que precisa ser transformada. Na ressurreição, este corpo será glorioso, perpassado pelo Pneuma, uma ação que começa no agora de nossas vidas.
“Semeia-se na fraqueza, ressuscitará no poder”. A fraqueza da carne, sendo terra acaba na terra; o poder de Deus, porém, a ressuscita da morte. “Semeia-se um corpo psíquico, ressuscitará corpo espiritual”. Sem dúvida, nos ensina que não fala da alma, nem do espírito, mas de corpos submetidos à morte; estes corpos são psíquicos, isto é, têm a alma, mas se a perdem, morrem; em seguida, pelo Espírito ressurgem, tornando-se corpos espirituais e perseverando, sempre por obra do Espírito, possuem uma vida que dura para sempre. Porque, agora, diz, “conhecemos em parte, e profetizamos parcialmente, então será face a face”. A mesma coisa diz Pedro: “O amais sem tê-lo visto, e nele credes agora sem tê-lo visto, mas crendo exultareis com alegria inexprimível”. O nosso rosto verá o rosto de Deus e se alegrará de alegria inexprimível, pois ele verá a sua alegria64.
Para Leão Magno, o Espírito Santo nos possibilita a graça de, ao olharmos para a vida de Cristo, buscarmos nos assemelhar a Ele. Por meio dos quarenta dias presentes na liturgia da quaresma em preparação à Páscoa do Senhor, somos convidados a revivermos, com Cristo, o mesmo caminho que Ele fez, a imitá-lo, deixando-nos guiar pelo Seu Espírito, que nos sustenta.
Por isso, é muito proveitoso que o ensinamento do Espírito Santo tenha imbuído o povo cristão do costume de se preparar para a festa pascal com uma abstinência de quarenta dias. A razão desta purificação já nos convida para sua observância salutar e nos indica com que cuidado conduzir a ascese proposta. Com efeito, quanto mais santamente passamos estes dias, tanto mais estaremos mostrando que honramos aPáscoa do Senhor65.
Nesse sentido, a interioridade da alma deve estar preparada para receber o Santo Espírito de Deus. Por isso, o primeiro passo é a conversão. Neste caminho, vamos eliminando o que é desnecessário para que possamos nos abrir ao que é excelso e grandioso e que devolve a alma a ela mesma.
Caríssimos, o ensinamento apostólico nos adverte para que “desvestindo-nos do homem velho com as suas práticas” (Cl 3,9), nos renovemos a cada dia por uma santa maneira de viver. Se, na verdade, somos o templo de Deus e se o Espírito Santo habita em nossas almas, segundo nos diz o Apóstolo: “vós sois o templo do Deus vivo” (2Cor 6-16), é preciso que trabalhemos com muita vigilância para que o abrigo do nosso coração não seja indigno de tal hóspede66.
O Espírito de Deus nos apresenta o Cristo e os seus feitos, as verdades que Ele nos comunicou. Por isso, o Espírito Santo é também chamado Espírito da Verdade, pois nos revela o que vem de Deus. Ao contrário, o demônio é o que nos afasta da verdade, da presença de Deus, chamado também o Pai da Mentira. Por isso, está muito presente nas liturgias antigas a renúncia ao mal, como caminho para se abrir totalmente ao poder divino.
Lembrem-se, pois, todos aqueles que foram regenerados pela água e peloEspírito Santo, daquilo a que renunciaram e do empenhamento pelo qual sacudiram o jugo de uma dominação tirânica; que ninguém recorra ao demônio, seja na prosperidade, seja na adversidade. Porque ele é mentiroso desde o começo e é forte somente na arte de enganar, a fim de embair pela ostentação de falsa consciência a ignorância humana e ser agora maligno instigador daqueles dos quais depois será ímprobo acusador. Os anos de nossa vida e as qualidades das ações temporais não dependem da natureza dos elementos nem dos efeitos das estrelas, mas do poder do sumo e verdadeiro Deus, cujo auxílio e misericórdia devemos implorar para todas as coisas que desejamos retamente67.
A Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) age em comunhão, concedendo-nos o perdão, dando-nos uma vida renovada. E, neste novo caminho, é que recebemos a liberdade da alma. Somos livres das opressões e, de Deus, recebemos a sua alegria.
A majestade do Espírito Santo jamais se separa da onipotência do Pai e do Filho e as disposições universais do governo divino provêm da providência da Trindade toda. Uma só é a benignidade da misericórdia, uma a severidade da justiça. Nada se divide na ação, quando nada diverge na vontade. Aquilo que o Pai ilumina, ilumina-o também o Filho, ilumina o Espírito Santo. Embora seja uma a Pessoa enviada, outra a que envia e outra a que promete, simultaneamente se nos manifestam a unidade e a Trindade. Se a essência possui a igualdade, sem admitir isolamento, entenda-se ser idêntica à substância, mas distinguirem-se as Pessoas68.
Para Santo Agostinho, o Espírito Santo, como santificador, tem uma missão importante: a de nos levar ao conhecimento da verdade, mostrando que Jesus é o Cristo. Para além desta realidade, o Espírito Santo também esteve presente na preparação da nova humanidade, quando escolhida pela Pai, a bem-aventurada Virgem Maria. Maria ficou grávida por obra do Espírito Santo, o seu ventre foi preparado pelo próprio Espírito de Deus para que o Verbo Encarnado se fizesse presente entre nós.
Assim, quando diz: enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, indica com toda clareza que o Filho foi enviado ao lugar onde nasceu formado de mulher. Portanto, enquanto nasceu de Deus, encontrava-se já neste mundo; porém, enquanto nasceu de Maria chegou a este mundo como enviado. Por isso, não pôde ser enviado pelo Pai sem o Espírito Santo, não somente porque está insinuado que, quando o enviou, ou seja, quando o fez nascer de mulher, não o fez sem o Espírito Santo, mas também porque o Evangelho testemunha, manifesta e evidentemente, que à Virgem que perguntava: Como é que vai ser isso?, o anjo respondeu: O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo vai te cobrir com sua sombra (Lc 1,34.35). E Mateus escreve: Achou-se grávida pelo Espírito Santo (Mt 1,18). Além disso, no profeta Isaías, o próprio Cristo fala deste modo sobre sua futura chegada: E agora o Senhor Deus me enviou com seu Espírito (Is 48,16)69.
O Espírito Santo tem a missão de conduzir os corações ao Cristo. De apontar para o Filho que é a verdade do Pai revelada. A isso atribuímos a nomenclatura santificação, que é o fato dEle nos aproximar da verdade que nos liberta, de nos conduzir a uma vida nova, à vida que é eterna, de apartar-nos da mentalidade deste mundo.
Se, portanto, denomina-se o Filho — o Enviado —, pelo fato de se ter tornado visível numa criatura corporal aquele que sempre permanece oculto na sua natureza espiritual para os olhos dos mortais, torna-se fácil então entender por que o Espírito Santo é também denominado “enviado”. Pois ele tornou-se igualmente, no tempo, uma espécie de criatura na qual pôde se revelar visivelmente. Isso quando desceu por sobre o próprio Senhor na figura corpórea de uma pomba (Mt 3,16); ou quando dez dias após a ascensão, no dia de Pentecostes, veio, de repente, um ruído semelhante ao soprar de impetuoso vendaval e apareceram umas como línguas de fogo que foram pousar sobre cada um dos apóstolos (At 2,2.3). Essa operação visível, oferecida aos olhos dos mortais, denominou-se missão do Espírito Santo, não porque se tenha manifestado em sua essência, que é invisível e incomunicável como a do Pai e a do Filho, mas para que os corações dos homens, comovidos por tais sinais exteriores, se voltassem — através da manifestação temporal daquele que veio —, para a eternidade oculta daquele que sempre está presente70.
Também é chamado de Senhor o Espírito Santo. Uma referência que denota que as pessoas da Trindade, apesar de serem distintas, possuem a mesma natureza que é divina. À divindade, atribuímos o nome de Trindade, Una e Trina.
Em muitas passagens, Deus Pai é também chamado Senhor, como, por exemplo: O Senhor disse-me: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2,7), e em outro lugar: Disse o Senhor ao meu Senhor: “Senta-te à minha direita (Sl 109,1). O próprio Espírito Santo é também chamado Senhor, como diz o Apóstolo; pois o Senhor é o Espírito. E evitando que se pense ser uma referência ao Filho,denominado Espírito pela sua natureza incorpórea, o texto acrescenta: e onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade (2Cor 3,17). Não há dúvida de que o Espírito do Senhor seja o EspíritoSanto.1371.
Deus, ao querer se comunicar conosco, pode, em sua onipresença, manifestar-se a nossos sentidos de diversas maneiras, como lhe aprouver, independente da forma, mas no intuito de nos falar ao profundo da alma.
Contudo, a natureza ou a essência ou a substância, ou como quer que se chame o ser de Deus, pelo qual ele é o que é, não pode ser visto corporalmente. Mas por meio de uma criatura a ele sujeita, deve-se crer que não somente o Filho ou o Espírito Santo, como também o Pai podem manifestar-se aos sentidos humanos em figura ou semelhança corpórea72.
Os desígnios de Deus são imutáveis. Por meio de Seu Santo Espírito, o Senhor age em nossa cronologia, perpassa os nossos dias e nos dá direção e sentido, pelos nossos sentidos, até percebemos algo mudar em nossas vidas. Porém, não conseguimos ver o inacessível, pois a nossa cognição é limitada para compreendermos a plenitude da divindade.
Por isso não investigamos o que há nos céus e em que gênero de coisas se encerram os seres angélicos pela sua dignidade e sua ação corporal. Firmado, porém, no Espírito de Deus, que nos foi enviado dos céus, e na sua graça derramada em nossa inteligência, ouso dizer confiadamente que nem Deus Pai, nem seu Verbo, nem o Espírito Santo, que são um só Deus, estão sujeitos à mudança e, por isso, não podem ser vistos por olhos humanos. Pois existem coisas que são mutáveis, embora não visíveis, como são os nossos pensamentos, a memória, a vontade e toda criatura não corpórea; mas tudo o que é visível está sujeito à mudança73.
No reconhecimento da miséria humana, do nosso limite, quando abrimos as portas para uma vida na graça, quando nos reconhecemos como parte incompleta, então nos abrimos para que o Perfeito faça morada em nós. E, neste encontro com o Sagrado, vivenciamos a vida feliz, em que somos preenchidos pela completude.
Aquele, porém, que inflamado pelo calor do Espírito Santo, já despertou para Deus e reconheceu no amor divino sua própria vileza, desejando encontrar o caminho para ele, e não podendo, reflete sobre si mesmo sob as divinas luzes, encontra-se a si mesmo e percebe que a própria debilidade não pode ser comparada à pureza de Deus74.
Ao sermos criados à imagem e semelhança de Deus, fomos formados na alma com o mesmo amor que as pessoas da Trindade possuem, vivem a relação do amor infinito. Por isso, nós, enquanto humanos, inquieto se encontram os nossos corações, porque, muitas vezes, nossas relações humanas estão distantes desta relação de amor da trindade.
Outras vezes, a afirmação é velada, como no Gênesis: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança (Gn 1,26). Façamos e nossa estão no plural e somente em sentido de relação é compreensível. Não quer dizer que fariam à imagem e semelhança de deuses: mas que o Pai, o Filho e do Espírito Santo fazem o homem à imagem do Pai, do Filho e do Espírito Santo, para que assim ele se tornasse imagem de Deus. Ora, Deus é Trindade. Mas pelo fato de que não foi feita aquela imagem de Deus como dele nascida, mas foi por ele criada, para mostrar esse sentido, a imagem não é para ser imagem igual, mas se aproximará dele por certa semelhança75.
A iniciativa de nos amar veio de Deus. Primeiro, por nos ter feito à sua imagem e semelhança. Depois, posteriormente, enviou-nos seu Filho que nos amou e se entregou por nós. Por último, enviou-nos o Espírito Santo. Assim, toda a iniciativa do amor procede de Deus, Ele tem pressa em nos amar, em nos preencher daquilo que Ele é.
Conseqüentemente, o Espírito Santo, que procede de Deus, quando é outorgado ao homem, inflama-o de amor por Deus e pelo próximo, sendo ele mesmo o Amor. O homem, com efeito, nada possui para amar a Deus, senão o que recebe de Deus. Por isso, o apóstolo João acrescenta: Quanto a nós, amemos, porque ele nos amou primeiro (1Jo 4,7-19). O apóstolo Paulo também diz: O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5)76.
Chamado também de Amor Dom, o Espírito Santo, leva à pessoa que se abre, a graça divina, a vivência da caridade, afinal, Deus, em sua essência, é amor. E é esse amor que preenche o coração humano de seu sentimento de incompletude. Só o que é perfeito e eterno pode completar nossa metade incompleta. Só o completo pode, através da caridade, nos levar a ações que nos façam sentir a completude.
A caridade, portanto, que vem de Deus é Deus, é propriamente o Espírito Santo, pelo qual é difundido em nossos corações o amor de Deus, mediante o qual, toda a Trindade habita em nós. Por essa razão, o Espírito Santo, sendo Deus, é chamado também, com muita razão, Dom de Deus (At 8,20). E o que será esse dom, senão a Caridade que nos conduz a Deus e sem a qual, qualquer outro dom de Deus não nos leva a Deus?77.
O Espírito Santo procede do Pai e do Filho e, como Dom Amor, Ele age em nossas vidas, transformando-nos. É pelo poder que vem do Espírito Santo que as curas acontecem e que a face da terra é renovada, pois o Espírito age levando-nos às profundezas do mistério da Trindade.
A procedência de ambos é ainda afirmada pelo próprio Filho que diz: o Espírito que procede do Pai (Jo 15,26). Depois da ressurreição dentre os mortos, aparecendo a seus discípulos, soprou sobre eles e disse: recebei o Espírito Santo (Jo 20,22), mostrando que também dele procedera. E esta é aquela força que dele saía, como se lê no Evangelho, e a todos curava (Lc 6,19)78.
A Promessa de Deus que é o Espírito Santo foi derramado sobre Jesus de Nazaré. Jesus possui duas ousias – naturezas (enquanto homem e enquanto Deus). Na cruz, segundo o Evangelista João, Ele enviou sobre todos nós o seu Espírito. Ao rezarmos por alguém, pedimos a Deus que derrame o seu Espírito. Ele não vem de nós, mas do Pai e do Filho que o Espírito Santo procede.
Além do mais, na passagem em que está escrito sobre ele, que recebeu do Pai a promessa do Espírito Santo e o derramou (At 2,33), revelam-se com evidência as duas naturezas, ou seja, a divina e a humana. Recebeu como homem e derramou como Deus. Quanto a nós, porém, podemos receber esse dom, na medida de nossa capacidade, mas não podemos derramá-lo sobre os outros. Para que os outros o recebam, invocamos sobre eles a Deus, que o comunica79.
O Espírito Santo é quem dá sentido à vida e a tudo o que nela existe. Assim, somos conduzidos a uma justiça que não é humana, mas que vem do alto. Por sermos limitados, limitada também é a nossa justiça, como diz Santo Agostinho: “quando não há intervenção do Espírito Santo, inspirando, em lugar da má cobiça, a boa cobiça, ou seja, a caridade que ele difunde em nosso coração, a mesma Lei, embora boa, aumenta o mau desejo pela proibição”80 Segundo Santo Agostinho a justiça de Deus é partilha na lei do amor. Eis o que Ele diz:
Agostinho combate, portanto, a afirmação pelagiana, segundo a qual a justificação é obra humana. Nem o livre-arbítrio, nem a prática dos mandamentos bastam para justificar: é absolutamente necessária a ajuda do Espírito Santo. Passa, então, a comparar, para estes fins, a Lei antiga e a nova, a da nova aliança profetizada por Jr 31,31-34, impressa nos corações. A Lei é idêntica na antiga e na nova aliança. Contudo, Agostinho aponta para analogias entre ambas: ambas foram escritas pelo Espírito de Deus; e diferenças: a antiga fora escrita em tábuas de pedra, a nova no interior dos corações; aquela é a lei do temor, esta a lei do amor81.
Deus, em sua essência, é amor. As Pessoas da Trindade possuem a mesma natureza divina, porém são distintas, em sua individualidade. Essa comunidade de amor, reluz em nossa busca pelo eterno. Como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica: “As pessoas divinas são realmente distintas entre Si. São distintos entre Si pelas suas relações de origem: «O Pai gera, o Filho é gerado, o Espírito Santo procede». A unidade divina é trina”82
No livro sobre o Espírito Santo, Basílio afirma que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três hypóstasis, cuja estrutura formal é a ousía e cujo rosto, cujo aspecto distintivo, é o prósopon. Assim Basílio distingue entre “essência” (ousía) e existência individual (hypóstasis) e conclui que as trêshypóstasis são iguais na essência e distintas como individualidade. Assim, em Deus, o comum é a ousía, e particular, individualizante, é a hypóstasis83.
A unidade da Trindade se faz presente nas ações santificantes do Espírito Santo. Por meio dEle, dirigimo-nos ao Filho, em adoração ao Pai. É Ele quem fortifica a nossa alma dando-nos um novo sentido ao nosso existir.
Com efeito, “ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo” (1Cor 12,3). “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho Unigênito, que está no seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1,18). Acha-se também excluído da verdadeira adoração aquele que renega o Espírito. De fato, é impossível adorar o Filho, a não ser no Espírito Santo, nem é possível invocar o Pai, a não ser no Espírito da adoção filial84.
É por obra do Espírito Santo que o poder de Deus se manifesta a nós, por meio da fé, das curas, milagres e prodígios. O próprio Deus fala conosco por meio de seu Espírito, que nos vivifica, afastando-nos das situações de morte.
“Só isso”, diz [Paulo], “quero saber de vós: foi pelas obras da Lei que recebestes o Espírito, ou pela adesão à fé?”.Responde-se: sem dúvida pela adesão à fé. Pois a fé lhes foi pregada pelo Apóstolo; nessa pregação, certamente perceberam a vinda e a presença do Espírito Santo, assim como, na novidade do convite à fé, a presença do Espírito se manifestava com milagres visíveis, conforme se lê nos Atos dos Apóstolos (cf. At 2)85.
No próximo item, abordaremos os efeitos de uma metanoia e sua consequência, com o conceito de individuação. Neste horizonte, aprofundamos o que vimos até o presente, isto é, do processo transformativo da alma, da psique, quando nos abrimos à experiência original da qual nós viemos, Pneuma, redescobrindo o sentido da nossa existência.
4. REFLEXOS DE UMA METANOIA & INDIVIDUAÇÃO
4.1. Metanoia
A palavra metanoia, no sentido bíblico, carrega em si um significado de arrependimento. É por meio de Cristo que tomamos um novo caminho, buscamos um novo sentido para as nossas vidas. Jung, ao utilizar em sua psicologia analítica o sentido de individuação, também quis mostrar que a mente pode tomar um novo rumo, a partir de uma nova escolha, em que, independente dos fatos registrados na memória, sendo eles positivos ou negativos, ambos colaboram para se chegar a um destino.
Na carta de São Paulo aos Romanos (12,2) encontramos: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito”. Paulo trabalha o aspecto daquilo que vivemos no mundo e que nos leva à degradação, mas, ao confiarmos a Deus os nossos anseios, então somos por Ele socorridos. Segundo John Mckenzie:
A fé não olha somente para o passado,mas também para o futuro; é uma crença que a obra iniciada pela morte redentora e ressurreição justificadora de Jesus será consumada na vida eterna (1Ts 4,14). A fé contem certo grau de obscuridade: ela concede total certeza e confiança, mas não permite a totalidade do conhecimento. O cristão caminha pela fé e não pela visão (2Cor 5,7). O cristão não vê a consumação da qual ele tem certeza. Para Paulo a fé também é obediência (Rm 1,5; 16,26). Assim, a aceitação de Cristo, nos evangelhos sinóticos, não é meramente uma aceitação intelectual de um corpo de verdades, mas uma rendição e uma sujeição total a uma pessoa. Esta sujeição não é feita de um único ato; também os cristãos podem ter carência de fé (1Ts 3,10) ou fraqueza na fé (Rm 14,1); eles devem crescer na fé (2 Cor 10,15). O simples ato de fé se completa numa adesão cada vez maior a Jesus Cristo, até que alcance o ponto em que o crente viva com Cristo, crucificado como ele (Gl 2,20)86.
É no mundo que vivenciamos todas as realidades que carregamos para dentro de nós. E isso impacta diretamente a nossa mente, o aspecto vivencial que nos vem do exterior pode influenciar constantemente o nosso universo interior. O que somos, como agimos. Nesse sentido, encontramos o caminho de metanoia, em relação ao mundo:
O mundo em sentido teológico é o mundo como cenário do processo da salvação; ele não é somente o cenário, mas é um dos protagonistas do drama, pois o mundo é a humanidade decaída, alienada de Deus e hostil a Deus e a Jesus Cristo. Esta concepção é frequentíssima nos escritos paulinos e em Jo, menos frequente nas cartas, quase totalmente ausente nos evangelhos sinóticos. O mundo está em oposição a Deus: o espírito do mundo é contrário ao espírito de Deus (1Cor 2,12). A sabedoria, a força e a nobreza do mundo são loucura, fraqueza e objeção para Deus (1Cor 1,20-28; 3,19). O fundamento da oposição encontra-se no pecado do mundo, o pecado que entrou nele por meio de um só homem (Rm 5,12). […] O mundo é inimigo de Deus, mas Deus não é inimigo do mundo. Em Cristo, Deus reconcilia o mundo consigo (2Cor 5,19; Rm 11,15). Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores (1Tm 1,15)87.
A maneira como podemos viver no mundo, mas tendo uma mente totalmente nas coisas do alto, ocorre por meio da fé. E essa fé nos vem pela força do Espírito Santo, que nos leva a crer no poder de Cristo, que é capaz de nos mudar no mais profundo de nossa alma, levando-nos a experienciar uma nova realidade.
O espírito no cristão é o princípio da vida e da atividade própria do cristão. O espírito torna o cristão capaz de rezar (Rm 8,15.26s; 1Cor 12,3; Gl 4,-6). O efeito característico do espírito são os “dons” como a profecia e as línguas (1 Cor 12 e 14); estas e semelhantes manifestações são um testemunho do Cristo ressuscitado e a certeza da esperança cristã (Rm 15,19; 1Cor 14,14-16; 2,4s; Gl 3,5). O espírito é uma força da fé; ele revela e perscruta “as profundezas de Deus”, seus atos salvíficos, que são conhecidos pelo cristão somente pelo espírito que ele possui (1Cor 2,10-16), por isso ele é chamado espírito de fé (2Cor 4,13). Mediante a fé, o cristão possui esperança pelo espírito (Gl 5,5). O espírito é o princípio pelo qual o cristão vive uma vida digna de cristão. Ele serve a Deus em espírito novo, não sob a letra antiga (Rm 7,6; 8.9). Os que vivem no espírito devem caminhar no espírito (Gl 5,25), e os que semeiam no espírito colherão a vida eterna do espírito (Gl 6,8). O espírito é o princípio do amor, a mais característica das virtudes cristãs; o amor de Deus é derramado no coração pelo espírito que é dado (Rm 5,5), e o espírito suscita o amor no cristão (Cl 1,8); ele é igualmente o princípio do amor mútuo dos cristãos (Gl 5,13-36; Rm 15,30) 88.
O Espírito Santo, como agente transformador da mente, enquanto paráclito, é aquele que nos defende e nos orienta para o caminho transformador. Ele advoga em nosso favor, simbolizado como a luz que ilumina e traz sabedoria, que é capaz de sanar todo o conflito existente em nosso interior e apaziguar a nossa alma, para que estejamos, por inteiros, em Deus. Segundo Raniero Cantalamessa:
A luz, com os fenômenos que em geral a acompanham (transfiguração da pessoa e sua completa imersão interior e exterior na claridade), é o elemento mais constante entre os orientais, também na mística do Espírito Santo.[…] O homem natural (ao pé da letra: animal) é a pessoa que se deixa guiar pelos seus instintos, pensamentos e desejos. Se não se afasta este obstáculo e não se ultrapassa o estádio da “animalidade”, não se compreendera coisa alguma. Os mundos revelados pelo Espírito na mente nos ficarão inacessíveis para sempre. Deus continuará repetindo com tristeza: “Meus pensamentos não são os vossos pensamentos…” (Is 55,8)89.
O Pai confia ao Espírito Santo a missão de sempre relembrar aos nossos corações, por meio da sabedoria, o que o Filho nos revelou. Dessa maneira, a abertura que damos à fé, por meio da espiritualidade, permitindo que o agir de Deus ocorra em nossas vidas, possibilita-nos estar em comunhão com Ele e, ao mesmo tempo, que nossos pensamentos e nossas emoções sejam reconfiguradas ao agir divino. Segundo Hugues d´Ans:
A missão do Espírito é assim intimamente ligada à missão da Igreja. Consiste também na santificação dos cristãos que, pelo batismo, recebemo Espírito do seu Filho que clama: “Abba! Pai” (Ga 4,6). Assim termina a revelação do mistério de Deus: após a missão do Filho, Palavra e Sabedoria de Deus, o Espírito Santo revela-se também como uma Pessoadivina, entrando na história dos homens para transformá-la interiormente assim como o Filho a transformou durante sua vida terrestre90.
Dentro da obra da Salvação, ocupa um especial destaque a Bem Aventurada Virgem Maria. Mesmo sendo humana, preservada de toda corrupção por meio dos méritos de seu Filho (homem e Deus), ela tornou-se, para nós, modelo, arché da mente humana, modelo a ser seguido. Olhar para o seu exemplo é reencontrar forças para prosseguir a jornada existencial, lembrando o feminino que ela representa, tendo em seu Filho a imagem de masculino perfeito. Assim, nossa semelhança com Deus, desfigurada pelo pecado original, permite-nos reencontrar, em ambos, a verdadeira semelhança que nos remete a Deus, fazendo-nos recuperar a nossa verdadeira imagem. Antes do pecado original, o que sempre existiu foi o amor original. Maria foi a humana que mais viveu um amor original de Deus em sua vida. Segundo Pinto:
Jesus, antes de subir aos céus (Ascensão), envia aos discípulos o “Paráclito”, que no vocábulo da língua grega significa três títulos: o Defensor, o Consolador, o Intercessor (Jo 16,5-11). Devido à relação esponsal e íntima de Maria com o Espírito Santo, os cristãos logo associaram à pessoa de Maria os títulos, próprios ao Paráclito, venerando e clamando Maria como a Mãe Defensora, Consoladora e Intercessora dos aflitos e atribulados. No decorrer dos séculos, os cristãos também associaram à Maria outros títulos que, paralelamente, expressam igualmente essa relação “pneumatológica” (com o Espírito Santo) como, por exemplo, Maria Mestra, Advogada, Vaso Honorífico, Bálsamo para as almas e muitos outros título91.
Portanto, apontada a importância da metanoia na vida do ser humano que se abre à ação divina, que o leva a se renovar em suas atitudes e pensamentos, passaremos, agora, ao próximo item, sobre a individuação, em que a Psicologia Analítica de Jung nos ajuda a compreender o processo de transformação que ocorre na mente, ao buscar, por Si mesmo e, ao mesmo tempo, pelo transcendente, o que leva a uma mudança profunda na vida, e ao encontro humano com sua própria completude.
4.2. Individuação
Como explicitado anteriormente, metanoia, utilizada no termo bíblico como conversão, encontra um caminho semelhante na Psicologia Analítica de Jung. Para o autor, a individuação consiste em um caminho tomado pela mente para se dirigir a uma outra ambiência, a uma forma diferente do que estava se vivendo. Freud e Jung tiveram um trabalho magnífico ao demonstrar, em pleno século XIX e XX, que o ser humano possui, dentro dele, elementos que transcendem à razão e ao empirismo. Ambos fazem o resgate do sentido de mito – não no sentido fictício, mas como uma constituinte do ser humano, uma dimensão que o conduz a algo mais profundo. Segundo Rueda:
Os escritos clínicos de Freud e Jung nos mostram como padrões ditos mitológicos continuam a moldar as manifestações humanas individuais e coletivas. A força do mito, que deita profundas raízes na alma humana, exterioriza-se em sonhos, devaneios, delírios, religiões, artes, imaginário e em todo tipo de invenções criativas que insurgem do mais profundo lugar do ser. O linguajar do inconsciente é o mito, ou seja, o inconsciente estrutura-se numa dimensão mítica e força nossa consciência a acolher imagens manifestas desse inconsciente. O mito tem a função de dizer o indizível através de um sentido metafórico, no qual uma coisa representa outra92.
Nos estudos pioneiros de Jung e Freud, eles observaram muito as diversas culturas, em suas mais variadas formas de contato com o transcendente. Eles enxergaram que, nas várias culturas, havia sempre um elo, seja enquanto totem – símbolo de identidade e valores - ou enquanto ritos religiosos. Nessas culturas, isso era uma forma de conexão com o Sagrado, em que, pela força da crença, obtinha-se muitas curas que não estavam relacionadas ao corpo, mas à mente, que influenciavam, de maneira psicossomática, o sujeito.
Em sociedades xamânicas arcaicas, os mitos cosmogônicos eram recitados durante rituais de cura e iniciação. Ouvindo essas narrativas, o doente era inserido em um tempo primordial e sagrado, realizando uma volta às origens para assistir à cosmogonia e junto com ela se renovar. Uma das funções predominantes do mito é proporcionar uma renovação periódica do mundo. O retorno à origem como forma de abolição do tempo e reinício de uma nova existência é utilizado pela psicanálise no indivíduo moderno com o intuito de recuperar certas experiências originais93.
A religiosidade, a fé, a espiritualidade, ocupam um lugar de centralidade na vida humana. A isso, Jung chamou de individuação. Neste processo, o ser humano entra em contato consigo mesmo, com o seu Eu mais profundo e, assim, consegue vivenciar algo transcendente. Segundo Ribeiro de Sousa:
Considerar a religião como patologia ou adoecimento, já não é suficiente, nem tão pouco compatível com os resultados sobre a função da religiosidade na vida humana e seus benefícios. A fala desse sujeito que traz para clínica a sua religião é carregada de símbolos, ritos e crenças, muitas vezes indispensáveis para continuidade de sua vida. Ele “passa” pela clínica, mas, “permanece” em sua religião”94.
Jung considerou que a alma humana possui, intrinsecamente em si, uma natureza religiosa. O ser humano, desde seus primórdios, já se pergunta por si, por sua origem, além de se perguntar sobre alguns mistérios, como no caso da morte. Esse arquétipo presente na vida humana, o faz perceber que ele não está sozinho no tempo, mas, a todo instante, é direcionado a transcender, a ir para além das estruturas que se encontra.
É preciso salientar que mesmo na época de Freud, já se possuía outra visão sobre a função da religiosidade. Como exemplo, Jung (1984), discípulo de Freud, discordava de seu mestre, não conseguindo enxergar a religião como neurose ou infantilidade. Jung, dizia que a ausência de religião ou até mesmo o ato de reprimir a religiosidade é que causavam neurose (Sommerhalder, 2006). Ele percebia a religião como uma dimensão arquetípica da natureza humana, e toda rejeição ao reconhecimento da religiosidade traria dano psicológico (Negreiros, 2003)95.
A religiosidade, assim como a espiritualidade, influenciam muito as decisões do ser humano, principalmente no cuidado de si, do Eu mais profundo. Na visão cristã, o ser humano é visto como templo vivo do Espírito de Deus. A consciência que se pertence a algo além deste mundo permite à pessoa viver um sentimento de autocuidado, movendo-a para que sua vida encontre o sentido do existir.
Sobre as relações entre religiosidade, espiritualidade e comportamentos saudáveis, Koenig diz que as doutrinas religiosas influenciam as decisões sobre a saúde por meio da prática encorajada de comportamentos saudáveis. “Nas escrituras judaicas-cristãs, por exemplo, é enfatizado o cuidado com o corpo pois este é a morada do espírito sagrado (...). Comportamentos potencialmente danosos são frequentemente desencorajados96.
A seguir, Bergson explica que a vida dos místicos é um transcender o tempo, ao mesmo tempo que possibilita o vivente a expressar, no tempo, os reflexos deste amor transcendente, que se traduz em caridade, contribuindo, desta maneira, para uma plena harmonia entre psique e soma.
Esta abordagem é empirista porque, para Bergson, o testemunho dos grandes místicos é o meio de experiência que possibilita intuir o amor e o respeito pela humanidade. Isso leva-nos a afirmar que Bergson faz do amor um conceito filosófico verificável pela experiência. O modo de existência do herói místico revela-se fundante para a moral aberta e dinâmica. Contudo, antes da moral e do social, há a vida humana, o ser vivo consciente e psicológico, denominado pela nomenclatura de pessoa ou de personalidade97.
Bergson ainda ressalta que o elã místico que nos une ao princípio da vida e, ao mesmo tempo, nos envolve de sentimentos altruístas, conduz-nos ao sentido de solidariedade, que é estar com, sentir com. Este se mover por amor leva-nos, também, ao amor divino. Isso representa, em nossa mente, na visão de Jung, um reconciliar com nossa própria natureza psíquica, em sua representação mais profunda, que é amar. A experiência de amor nos afasta das angústias e, ao mesmo tempo, vai desfazendo os emaranhados neuróticos. O amor é a chave para se compreender o homem e a sociedade.
Pelo viés do elã místico, o amor e o respeito, no registro moral do herói místico, são dois sentimentos que se propõem como base de uma ética universal, a qual é capaz de superar uma sociedade estática e uma moral fechada, marcada pela intolerância e hostilidade, em direção a uma sociedade dinâmica e de uma moral aberta, caracterizadas pela tolerância e solidariedade98.
Assim como para os pré-socráticos o Pneuma os movia em direção às coisas excelsas, para Jung, esse mover-se se dá em direção ao processo de individuação, ao Eu mais profundo. Bergson também enxerga que, nos místicos, existe um mover que não é humano, mas que move a condição humana por ímpeto do Criador, de ver o elã do amor que envolve o amor humano.
Para Bergson, os místicos nutrem por todos os seres humanos um sentimento de respeito inflamado de entusiasmo. O entusiasmo vivido pelos grandes místicos é “o sentimento criador que agitava essas almas privilegiadas, e que era um transbordamento de vitalidade, irradiou-se em volta delas: entusiastas, elas irradiavam um entusiasmo que jamais se extinguiu completamente e que pode sempre reascender-se”99.
Jung, ao longo de suas pesquisas, para se chegar ao conceito de individuação, percebeu que o ser humano, em muitos dos seus conflitos e estagnações, estava a mercê de sua sombra. Ou seja, de elementos não trabalhados e que retiravam por demais a energia psíquica. O caminho do amor é o caminho que está ligado a eros, como pontua Freud. O eros caminha no sentido contrário de thanatos, que se aproxima da vida e se afasta da morte. Assim, o amor é essa pulsão de vida, como bem pontua, Bergson na seguinte afirmação:
Citamos Bergson na referida obra: “com o sentimento que têm certas almas de ser instrumentos de um Deus que ama a todos os homens com igual amor, e que lhes pede que se amem uns aos outros”. Os místicos amam porque, em primeiro lugar, eles se sentem amados. O amor natural e o amor sobrenatural, embora distintos em natureza, possuem a mesma potencialidade100.
Pinto, ao citar Bergson, permite-nos mergulhar no caminho de individuação, de maneira específica, em relação aos arquétipos. Os místicos, ou os santos, com seu exemplo, marcaram a vida de esperança em Cristo. E, ao segui-los, fazemos uma anamnese da capacidade de amar, que esteve presente na vida deles até nos momentos mais difíceis e considerados, por nós, insuportáveis. Por um propósito maior, estes não deram apenas parte de si, mas ofereceram a sua totalidade, em nome do amor divino. Este ir além dissolve qualquer conflito da psique.
(...) A lembrança do que eles fizeram e do que foram aninhou-se na memória da humanidade. Cada um de nós pode revivificá-la, sobretudo se a aproximarmos da imagem, que permanece viva em nós, de uma pessoa que participou dessa misticidade e a fez irradiar-se em torno dela. Mesmo que não evoquemos tal ou qual vulto, sabemos que nos seria possível evocá-lo; assim é que essa personalidade exerce sobre nós uma atração virtual101.
O sentido de se chegar ao self, ao Eu mais profundo, é um caminho de liberdade, em que a alma se vê livre de todo e qualquer aprisionamento. Ao final da liberdade está o amor. O amor é o pódio em que se encontram os que venceram os medos, superaram os conflitos, e alcançaram o verdadeiro domínio de si. Ali, a paz e a felicidade são encontradas de forma a levar a compreensão de que isso é transcendência.
O Self é a fonte de amor, sabedoria e inspiração criativa dentro do indivíduo. É o Centro Superior da personalidade, além do Ego e do Eu. Abre-se para a realidade transcendendo o Ego, além de ser uma fonte inexaurível de criação e compaixão. O Self é uma realidade ontológica universal. Transcende diferenças culturais. É possível para cada ser humano desenvolver uma relação pessoal com seu Self e exteriorizar esta relação em cada faceta de sua vida. A ligação com o Self leva à maturidade psicológica. A ligação do Eu-Self permite aos indivíduos serem fortes em Ser e flexíveis em Fazer e Ter102.
Portanto, aprofundar em busca do caminho de individuação, no caminho do self, é uma jornada para toda vida, fazendo-nos reconciliar com nosso id, ego e superego. É um caminho de metamorfose, em que a vida vai sendo transfigurada para além da materialidade, em que se descobre o belíssimo tesouro dentro de si.
5. CONCLUSÃO
Ao longo deste artigo, fomos capazes de perceber o quanto a dimensão espiritual do ser humano carrega em si toda uma estrutura potencial de ressignificação e, ao mesmo tempo, de completude. Ver a vida para além da matéria, envolver-se por si mesmo, e permitir retirar as cortinas da própria história, é um caminho de redescoberta, de se ver de uma forma renovada, interiorizada, individualizada.
Há, em todo ser humano uma potencialidade escondida, que quando se permite tocar a psique e deixar-se guiar pelo Pneuma, há um fluir, tal qual uma nascente que jorra, que empurra em direção a um percurso. A vida humana, na sua completude, abarca a dimensão humana e divina. Duas realidades distantes, mas que se completam.
Ao longo deste artigo, pudemos percorrer a história, desde os primórdios, e averiguar o entendimento que as culturas antigas tinham da própria vida e, ao mesmo tempo do Sagrado. E o quanto havia uma concatenação entre humano e divino. A própria evolução da cultura grega, enquanto pensamento, nos possibilita enxergar o quanto foram além em suas reflexões e, ainda hoje, colaboram em nosso amadurecimento.
A cultura cristã trouxe, de forma primordial e bela, a compreensão profunda entre o ser humano e o ser espiritual. Por meio da história da salvação, conhecemos que temos um Pai que nos ama, e nos enviou seu Filho e nos deixou o seu Santo Espírito, para nos ajudar em nossa caminhada existencial e teleológica.
A Psicanálise fundada por Freud, tendo, em seus primórdios, a contribuição de Jung, permitiu-nos romper com uma cultura focada apenas no racional e permitiu-nos redescobrir, enquanto seres de profundezas, que há em nós uma alma. Além disso, compreender se ela não for bem cuidada, pode inferir de maneira negativa em nossa soma, corpo.
Foi por meio dos estudos profundos que a psicanálise ofereceu que Jung foi capaz de avançar em outros aspectos do inconsciente, o que o fez descobrir as questões arquetípicas, que Freud chamou de arcaico. Nos arquétipos estão modelos que nos auxiliam a nos estruturar, e neste caminhar é onde nos deparamos com nosso Eu mais profundo, self. Caminho de individuação como nos apresenta a Psicologia Analítica, mas também caminho de metanoia, no sentido cristão, que nos leva no reconhecimento de nossos limites e, no arrependimento, a buscar uma nova direção.
A individuação é uma das ideias mais fundamentais elaboradas por Jung em toda a sua visão da psique humana. Trata-se de um sentido para o qual se orienta a energia psíquica, como um processo contínuo, um “caminho rumo à totalidade, trilhado naturalmente pela psique, ou seja, é um processo que faz parte da própria constituição da mente humana, que o promove desde que esteja saudável”. Numa compreensão bem próxima à de Maslow, Jung também entende que o adoecimento se relaciona com o impedimento do livre fluir da energia psíquica em direção ao que ele chama de “totalidade”, que representa a união de partes separadas da constituição psíquica em uma instância superior, que integra os conteúdos conscientes e inconscientes, chamada por Jung de Self103.
Portanto, foi possível, cremos, demonstrar, por meio dessa pesquisa, a importância da religiosidade, da espiritualidade. De forma mais clara, o quanto é possível a conciliação da psique com o Pneuma, o permitir-se iluminar. O espiritual não retira de nós coisa alguma, mas, ao contrário traz completude e nos conduz a um caminho novo, a partir do qual acessamos as profundezas de nosso ser. Assim, vendo-nos em nossa totalidade, como realmente somos, conduzindo-nos ao bem-estar na alma, retirando-nos toda desfragmentação que os acontecimentos nos imprimiram na alma e em nossa história de vida, levando-nos a nossa unidade e totalidade, que somente encontramos em Deus, artífice e fim de todas as coisas!
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Artigo apresentado a EBWU - Emil Brunner World University – Florida/USA para obtenção do pós-doutorado em Psicanálise com foco na Teologia Cristã.
1 Tecnólogo em Análise de Sistemas (Unilins – Universidade de Lins), Filosofia (CEUCLAR – Centro Universitário Claretiano), Teologia (Faculdade Dehoniana - Taubaté). Pós-graduação em Filosofia Clínica (INSTITUTO PACKTER), Pós-graduação em Psicologia e Sexualidade (UNIARA) e Pós-graduação em Psicologia Clínica - Psicanálise (UNIARA).Doutorado e Pós-Doutorado em Psicanálise na Emil Brunner World University. Escritor e Palestrante. E-mail: [email protected].
2 Carla Tieppo. Uma viagem pelo cérebro – a via rápida para entender neurociência. 2021, p.22.
3 Ibid., p.23.
4 Sigmund FREUD. A Interpretação dos Sonhos, 2018, p.483.
5 Marie-Louise von Franz. Alquimia: Introdução ao simbolismo, 1991, p.20.
6 Sigmund FREUD. Compêndio de Psicanálise. 2015, p.30.
7 David E. ZIMERMAN. Manual de técnica psicanalítica: uma revisão, 2008, p.327.
8 Connie ZWEIG; Jeremiah ABRAMS (orgs.). O Potencial oculto do lado escuro da natureza humana. 2014, p.27.
9 Ibid., p.108.
10 Ibid., p.158-159.
11 Connie ZWEIG; Jeremiah ABRAMS (orgs.). O Potencial oculto do lado escuro da natureza humana. 2014, p.210.
12 Michel PLON. Inibição, sintoma e angústia, 2014, p.12.
13 William B.Gomes.A psicologia na Grécia antiga I - Os pré-socráticos. 2025, p.1.
14 Ibid., p.1.
15 ,William B.Gomes.A psicologia na Grécia antiga I - Os pré-socráticos. 2025, p.1.
16 Ibid., p.2.
17 William B.Gomes.A psicologia de Platão e de Aristóteles. 2025, p.5.
18 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.80.
19 William B.Gomes.A psicologia de Platão e de Aristóteles. 2025 , p.7.
20 William B.Gomes.Os últimos filósofos da antigüidade e a psicologia dos teólogos cristãos. 2025, p.3.
21 William B.Gomes.Os últimos filósofos da antigüidade e a psicologia dos teólogos cristãos. 2025, p.3-4.
22 Ibid., p.4.
23 William B.Gomes.Os últimos filósofos da antigüidade e a psicologia dos teólogos cristãos. 2025, p.5-6.
24 Renan Ribeiro Ferreira. A alma em Platão: comentários sobre o conceito de imortalidade da alma e sua relação com o corpo, 2018, p.7.
25 William B.Gomes.Os últimos filósofos da antigüidade e a psicologia dos teólogos cristãos. 2025 , p.6.
26 Rodrigo Peres Sanches; Fátima Caropreso; Richard Theisen Simanke. A noção de representação em psicanálise: da metapsicologia à psicossomática. 2025 , p.172-173.
27 Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. Dicionário de Psicanálise, 1998, p.277
28 Carlos Velázquez Rueda; Juscineyla Moreira Bonfim. A remitologização da psique: de Freud a Jung, 2014, p.124.
29 Marie-Louise von Franz. Alquimia: Introdução ao simbolismo, 1991, p.107.
30 Ibid., p.113.
31 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.9.
32 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.13.
33 Em algumas correntes filosóficas o cérebro seria o ponto de interseção da alma
34 Carla Tieppo. Uma viagem pelo cérebro – a via rápida para entender neurociência. 2021, p.47.
35 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.13.
36 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.14.
37 Ibid., p.19.
38 Ibid, p.46.
39 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.51.
40 Ibid., p.90-91.
41 Marie-Louise Von Franz. A sombra e o mal nos contos de fada. 1985, p. 343.
42 Carl G. Jung. O homem e seus símbolos, 2008, p.149 e 151.
43 Ibid., p.161.
44 Rodrigo de Abreu Oliveira. Transcendência e Imanência em Eric Voegelin: Das formas compactas da poesia homérica ao realissimum transcendental dos pré-socráticos, 2023, p.118.
45 José Plínio Baptista. A Função do Movimento Rotacional nas Teorias dos Pré-Socráticos, 2003, p.117.
46 Ibid., p.117.
47 Miguel Spinelli. A noção de arché no contexto da filosofia dos pré-socráticos, 2002, p.83-84.
48 Rodrigo de Abreu Oliveira. Transcendência e Imanência em Eric Voegelin: Das formas compactas da poesia homérica ao realissimum transcendental dos pré-socráticos, 2023, p.115.
49 Rodrigo de Abreu Oliveira. Transcendência e Imanência em Eric Voegelin: Das formas compactas da poesia homérica ao realissimum transcendental dos pré-socráticos, 2023, nota de rodapé 21, p.116.
50 Arthur Fernandes Lopes de Andrade. Epicuro, estoicismo e a vida sábia na pandemia, 2020, p.3.
51 Hannah Arendt. O conceito de amor em Santo Agostinho, 1997, p.68.
52 PADRES APOSTÓLICOS. Clemente Romano – Inácio de Antioquia – Policarpo de Esmirna – O Pastor de Hermas – Carta de Bernabé – Pápias – Didaqué, 1995, p.13.
53 PADRES APOSTÓLICOS. Clemente Romano – Inácio de Antioquia – Policarpo de Esmirna – O Pastor de Hermas – Carta de Bernabé – Pápias – Didaqué, 1995, p.14.
54 Ibid., 1995, p.16.
55 Ibid., p.18.
56 PADRES APOSTÓLICOS. Clemente Romano – Inácio de Antioquia – Policarpo de Esmirna – O Pastor de Hermas – Carta de Bernabé – Pápias – Didaqué, 1995, p.21.
57 Ibid., p.95.
58 PADRES APOSTÓLICOS. Clemente Romano – Inácio de Antioquia – Policarpo de Esmirna – O Pastor de Hermas – Carta de Bernabé – Pápias – Didaqué, 1995, p.99.
59 PADRES APOSTÓLICOS. Irineu de Lião – Contra as heresias – Denúncia e refutação da falsa gnose, 1995, p.17.
60 PADRES APOSTÓLICOS. Irineu de Lião – Contra as heresias – Denúncia e refutação da falsa gnose, 1995, p.136.
61 Ibid., p.167.
62 Psíquicos neste contexto tem significado de conversão por obra do Espírito Santo. “Os homens psíquicos são educados com ensinamentos psíquicos, confirmados pelas obras e a fé simples e dizem que estes homens somos nós que pertencemos à Igreja e que por isso nos é indispensável boa conduta, de outro modo é impossível a salvação” (Ibid., p.28).
63 Ibid., p.260.
64 PADRES APOSTÓLICOS. Irineu de Lião – Contra as heresias – Denúncia e refutação da falsa gnose, 1995, p.255.
65 PADRES APOSTÓLICOS. Leão Magno – Sermões, 1995, p.43.
66 PADRES APOSTÓLICOS. Leão Magno – Sermões, 1995, p.48.
67 Ibid., p.77.
68 Ibid., p.100.
69 PADRES APOSTÓLICOS. Santo Agostinho – Trindade, 1994, p.44.
70 Ibid., p.45.
71 PADRES APOSTÓLICOS. Santo Agostinho – Trindade, 1994, p.49-50.
72 Ibid., p.59.
73 Ibid., p.71.
74 PADRES APOSTÓLICOS. Santo Agostinho – Trindade, 1994, p.76.
75 Ibid., p.127.
76 Ibid., p.256.
77 PADRES APOSTÓLICOS. Santo Agostinho – Trindade, 1994, p.257.
78 Ibid., p.265.
79 Ibid., p.266.
80 PADRES APOSTÓLICOS. Santo Agostinho – A graça (I) – O Espírito e a letra – A natureza e a graça – A graça de Cristo e o pecado original, 1998, p.19.
81 PADRES APOSTÓLICOS. Santo Agostinho – A graça (I) – O Espírito e a letra – A natureza e a graça – A graça de Cristo e o pecado original, 1998, p.14.
82 Catecismo da Igreja Católica, § 254.
83 PADRES APOSTÓLICOS. Basílio de Cesaréia – Homilia sobre Lucas 12 – Homilias sobre a origem do homem – Tratado sobre o Espírito Santo, 1998, p.43.
84 Ibid., p.57.
85 PADRES APOSTÓLICOS. Santo Agostinho – Explicação de algumas proposições da Carta aos Romanos – Explicação da Carta ao Gálatas – Explicação incoada da Carta aos Romanos. 2009, p.41.
86 John L Mckenzie. Dicionário Bíblico, 1983, p.313.
87 Ibid., p.582.
88 John L Mckenzie. Dicionário Bíblico, 1983, p.281.
89 Raniero Cantalamessa. O canto do Espírito. 2009, p.250 e 256.
90 Hugues d'Ans. Missiologia. Por que a missão? Sair ou ficar? 2020, p.35.
91 Edenilson Roberto Pinto. Introdução à Mariologia: do Concílio Vaticano II até os dias atuais. 2019, p.65.
92 Carlos Velázquez Rueda; Juscineyla Moreira Bonfim. A remitologização da psique: de Freud a Jung. 2014, p.124.
93 Ibid., p.127.
94 Charles Ribeiro de Sousa. Contribuições da religiosidade para qualidade de vida do idoso. 2011, p.27.
95 Ibid., p.28-29..
96 Mateus Donia Martinez. Saúde e espiritualidade: Contribuições da psicologia analítica para esse debate. 2014,p.24.
97 Edenilson Roberto Pinto. Amor e respeito pela humanidade no pensamento de Henri Bergson: uma “onto-dom-logia” das relações humanas? 2025, p.10
98 Ibid., p.5
99 Ibid., p.12
100 Edenilson Roberto Pinto. Amor e respeito pela humanidade no pensamento de Henri Bergson: uma “onto-dom-logia” das relações humanas? 2025, p.12
101 Ibid., p.66
102 Irene Pereira Gaeta Arcure. Velhice e Espiritualidade – Metanoia,“A segunda metade da vida”, segundo Carl Gustav Jung. 2012,p.90.
103 Felipe Ribeiro Cazelli. A busca pelo sentido em Psicologia Transpessoal: a espiritualidade como dimensão constitutiva humana, 2023, p.313.