A ESPIRITUALIDADE COMO RESPOSTA À IMPOTÊNCIA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17419399


Jesus de Aguiar Silva1


RESUMO
Este trabalho visa demonstrar o quanto a espiritualidade se torna um caminho de auxílio na superação da impotência, tendo em vista que aquela faz parte do núcleo mais profundo do ser humano, o qual Jung chamou de Self. Neste caminho, há uma redescoberta das potencialidades adormecidas no sujeito, uma vez que, à luz da espiritualidade, é possível recapitular a vida, os traumas, que conduz ao perdão, ao amor e a paz mais profunda. A espiritualidade contribui para que haja um reacreditar. No núcleo da impotência está o medo e a ansiedade, provenientes de traumas vividos. Dessa maneira, a escolha do caminho da espiritualidade, é também uma escolha pelo transcender, pelo mudar as situações interiores, para se chegar a uma realidade melhor. Assim, espiritualidade dentro do processo de individuação proposto por Jung, move a saída de uma ambiência (impotência) para outra (potência). Ao longo deste trabalho iremos caminhando neste sentido, entendendo sobre o que ultimamente tem sido publicado sobre o assunto, o que é potência e impotência, a estrutura psíquica ferida e suas implicações como demonstrou Freud e ao final a espiritualidade como proposta, dentro do estudo Junguiano como resposta e auxílio na superação da impotência.
Palavras-chave: psicanálise, impotência, espiritualidade, individuação

ABSTRACT
This work aims to demonstrate how spirituality becomes a path of assistance in overcoming impotence. Considering that spirituality is part of the deepest core of the human being, which Jung referred to as the Self. On this path, there is a rediscovery of the dormant potentialities within the individual. Through spirituality, it is possible to revisit life and traumas in the light of spirituality, which leads to forgiveness, love, and deeper peace. Spirituality contributes to a renewed belief. At the core of impotence lies fear and anxiety, stemming from lived traumas. Thus, choosing the path of spirituality is also a choice to transcend, to change inner situations, in order to reach a better reality. Therefore, spirituality within the individuation process proposed by Jung moves one from an environment of impotence to one of potency. Throughout this work, we will progress in this direction, understanding what has recently been published on the subject, what potency and impotence are, the wounded psychic structure and its implications as demonstrated by Freud, and finally, spirituality as a proposal within Jungian study as a response and assistance in overcoming impotence.
Keywords: psychoanalysis, impotence, spirituality, individuation

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo demonstrar, por meio de uma revisão bibliográfica, e, simultaneamente, propor como tese, a importância da espiritualidade no auxílio da superação da impotência, por meio do caminho da individuação. Teremos como pilares desta tese os pensamentos de Freud e Jung. De acordo com Jung (2008), nos primórdios, a espiritualidade sempre foi vista como força interior do ser humano, chamada de mana, o olhar do ser humano para o Sagrado. Com o passar do tempo, principalmente com o “período das luzes”, houve uma letargia em relação a esta questão, ficando o homem apenas à mercê de sua razão. Neste período, seu foco restringiu-se à capacidade racional, esquecendo-se de sua natureza – alma - que também possui propriedades metafísicas. Desse modo, tornou-se o homem fraco, e esta fraqueza o fez somatizar seus sofrimentos, suas dores, suas perdas, chegando a sua condição de impotência. A espiritualidade e a religiosidade, que nos tempos mais remotos eram sinal de força e coragem, ajudavam o ser humano na superação de suas dificuldades, nos tempos modernos, foram esquecidas.

Os escritos clínicos de Freud e Jung nos mostram como padrões ditos mitológicos continuam a moldar as manifestações humanas individuais e coletivas. A força do mito, que deita profundas raízes na alma humana, exterioriza-se em sonhos, devaneios, delírios, religiões, artes, imaginário e em todo tipo de invenções criativas que insurgem do mais profundo lugar do ser. O linguajar do inconsciente é o mito, ou seja, o inconsciente estrutura-se numa dimensão mítica e força nossa consciência a acolher imagens manifestas desse inconsciente. O mito tem a função de dizer o indizível através de um sentido metafórico, no qual uma coisa representa outra2.

Freud ao trabalhar com o complexo de Édipo (a competição do pai e do filho pelo mesmo objeto - mãe), viu que a superação do homem estava em matar simbolicamente o pai ideal que lhe perturbava, ao mesmo tempo, deixando morrer as dificuldades com o pai real. Cabe ressaltar que ele se referia ao filho e ao pai enquanto representação, conforme nos explica Pachiega (2021). Em se tratando de nossa humanidade, isso é fundamental para a superação e equilíbrio do ego. A imagem do Pai do céu, trata-se daquilo que há de mais perfeito e que não conseguimos ser, em virtude de nossa limitação. Essa busca, que ocorre por meio da espiritualidade, fortalece o sujeito, uma vez que ele tem na imagem do Pai do céu atributos que o ajudam a superar os seus medos e anseios. Na tradição judaico-cristã, Deus enquanto a figura do Pai, é visto como justo, verdadeiro e bom e se alegra com um coração sincero.

Sobre as relações entre religiosidade, espiritualidade e comportamentos saudáveis, Koenig diz que as doutrinas religiosas influenciam as decisões sobre a saúde por meio da prática encorajada de comportamentos saudáveis. “Nas escrituras judaicas-cristãs, por exemplo, é enfatizado o cuidado com o corpo pois este é a morada do espírito sagrado (...). Comportamentos potencialmente danosos são frequentemente desencorajados3.

Essa busca que vai ocorrendo ao longo da vida humana, quando é permitida, concede ao sujeito se nivelar pelos atributos deste pai. De acordo com Molina (2025) é esta busca que o ajuda a vencer as suas ansiedades, medos, sofrimentos, e o devolve a sua potencialidade. Freud assim observou e chamou de aparelho intrapsíquico, o mecanismo como id (ligado às coisas do passado, a dimensão impulsiva do sujeito e instintos), o ego (equidade entre passado e futuro, entre cognição e suas exterioridades), superego (juiz da nossa razão que se sustenta em nós valores, regras, conceitos éticos e morais). Dessa maneira, ao tratarmos da nossa psique, para entendermos sobre o que estamos vivendo, Freud concluiu que os efeitos da convivência de id, ego, e superego podem nos levar a vivermos movimentos inconscientes como: eros (vida) ou thanatos (morte).

Quando estamos tratando sobre a questão da impotência, estamos dentro do âmbito do fracasso (thanatos), é um sentimento que toma conta da estrutura psíquica do sujeito e o faz se ver totalmente sem forças, derrotado, vencido, sem novas oportunidades. Os sentimentos de culpa vindos do passado, aliados aos sentimentos de repressão, de julgamento, de desprezo, o fazem enxergar a si mesmo de maneira totalmente frágil. Os embates da adolescência, em relação ao que veio do período infantil geram uma fase de rebeldia, raiva, irritabilidade, tudo em vista de que a psique quer se equilibrar, transformar tudo o que tem vindo de suas memórias genômicas, em embate com as repressões que a consciência traz. Somado tudo isso à vida adulta, em que muitos vivem um relacionamento conjugal, o tratamento com filhos, temos os vários embates que são provocados pelo relacionamento cotidiano, adicionados aos problemas no trabalho. Esse emaranhado de situações acaba retirando a força do sujeito, sugando suas potencialidades, permitindo que ele se veja de uma maneira totalmente inferior, culposa, movido por traumas e desesperanças, levando-o, muitas vezes, ao sentimento de impotência, proveniente das castrações vividas.

Tais animações de desejos do ponto de vista perceptivo resultem em alucinação, tanto em estado de vigília como em sonhos. Quando não realizada, vai criar uma falta, ou seja, desilusão. Momentos, diante da satisfação não resolvida, impeditivos de repressão ou proibições, estabelece estágios de ansiedades de profundas contrações, provocando assim, depressões, pânicos, cada situação de acordo com o organismo e suas expectativas, muitas vezes, gatilhos de desistência, na busca de thanatos como solução4.

O caminho proposto por meio da espiritualidade que está no contexto da individuação, visa reintegrar o homem com o seu Eu mais profundo que Jung chamou de Self. Para este caminho, faz-se necessário uma reconciliação profunda entre id, ego e superego, estas três instâncias harmonizadas (princípio da socialização), levam-no a um quarto passo, que os filósofos antigos chamaram de transcendência e que, hoje, a neurociência tem apontado, essas atividades ligadas à metafísica como orações, meditações, música, como capazes de ajudar o sujeito a trazer para dentro a força que há muito tempo estava fora, em decorrência das ansiedades e medos vividos.

Considerar a religião como patologia ou adoecimento, já não é suficiente, nem tão pouco compatível com os resultados sobre a função da religiosidade na vida humana e seus benefícios. A fala desse sujeito que traz para clínica a sua religião é carregada de símbolos, ritos e crenças, muitas vezes indispensáveis para continuidade de sua vida. Ele “passa” pela clínica, mas, “permanece” em sua religião”5.

Portanto, ao longo deste trabalho abordaremos, de forma mais elucidativa, o tema proposto, amparando-nos, com base em Freud e Jung, que juntos ampliaram a visão do ser humano sobre a psique, a fim de evidenciar a possibilidade do reencontro com o Eu mais profundo, consigo mesmo, com o regresso à sua própria potencialidade.

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Entender o processo da espiritualidade como caminho de restauração para o reencontrar da força psíquica de eros, da realização, que conduz ao Eu mais profundo (self) no sentido restabelecer a potência daqueles que se encontram num processo de impotência.

2.2. Objetivos Específicos

Verificar os efeitos que a espiritualidade possui no processo de restabelecimento da psique, no reordenamento das emoções para que haja uma harmonização entre emoções feridas e o apaziguamento entre id, ego e superego para se chegar ao caminho da individuação.

Compreender que, especificamente na impotência sexual masculina, ocorre um processo de cobranças e culpas, de modo a comprometer a psique, sendo a espiritualidade, também, um caminho de auxílio, nestes casos.

3. METODOLOGIA

A pesquisa transcorreu em torno de artigos científicos, revistas, tcc’s, dissertações e teses que trabalhavam a questão da impotência em vários âmbitos e a espiritualidade/individuação. As pesquisas foram realizadas pela plataforma “Google Acadêmico”, no período de 2020 à 2025.

Levando em conta que a espiritualidade dentro da teoria Junguiana está ligada ao processo de individuação, ao encontro com o Eu mais profundo, procurou-se, nesta pesquisa, aspectos transcendentes presentes na religião, na fé, na espiritualidade, que contribuíssem para a reconstrução de uma psique ferida, em que a energia foi totalmente esvaziada.

No campo da impotência, levou-se em consideração de maneira estrita homens que passam por processos de perda de força, de sentido existencial, de fracassos, que fazem com que sua estrutura psíquica seja abalada, ocasionando um reflexo na vida cotidiana.

As palavras-chave utilizadas nesta pesquisa foram: espiritualidade, impotência, Individuação, Self, bem-estar. Compreendendo a espiritualidade como uma proposta para o restabelecimento da força psíquica.

Além das pesquisas acima mencionadas e seus resultados, o trabalho possui mais três capítulos, sendo o primeiro ligado à definição de potência e impotência (origem ou falta do desejo), no segundo, sob o olhar Freudiano sobre os conflitos psíquicos, a falta de desejo e suas causas e, no terceiro capítulo, sobre a importância da espiritualidade, a relevância dos mitos e da religião ao longo da história, e sua contribuição para o apaziguamento do Eu mais profundo (self) ao reencontro com a potencialidade.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Mediante o tema deste trabalho, nas palavras chaves “Impotência” e a “Espiritualidade/Individuação”, buscou-se neste contexto uma abordagem ligadas a estes temas, com foco e direcionamento nestes elementos para elaboração deste trabalho. Foram encontrados na pesquisa, dentro do período estabelecido para o tema Impotência as seguintes publicações: (1 Dissertação, 1 TCC, 2 Revistas), para o tema Espiritualidade/Individuação (3 Revistas, 2 TCC’s).

Quadro 1 – Trabalhos publicados no período de 2020 à 2025 - Sobre o tema: “Impotência”

Ano

Trabalho

Tipo

Palavras-chaves

Resumo retirado dos próprios trabalhos

2021

Corpo, psicossomática psicanalítica e sexualidade: um olhar sobre a impotência masculina

Dissertação

Corpo, Psicanálise, Psicossomática psicanalítica, Disfunção erétil, Sexualidade

Nas questões da sexualidade humana, a impotência psíquica pode se apresentar de várias formas, neste trabalho ela será vista como a base da impotência sexual.

2022

Problemas médico-legais relacionados a impotência sexual

TCC

Impotência sexual, Disfunção erétil, Disfunção sexual em mulheres

Quando há a manutenção do estímulo sexual e integridade do sistema efetor, deve ocorrer, como consequência, erectio penis e lubrificação genital na mulher.

2023

Alcoolismo e efeitos ligados a disfunção erétil e infertilidade

Revista

Álcool, Impotência Masculina, Infertilidade Masculina

A impotência masculina é uma incapacidade que o homem tem de conseguir uma ereção em seu órgão genital durante uma relação sexual. Além do álcool causar a impotência, o uso de drogas, problemas circulatórios e distúrbios hormonais podem causar também a impotência.

2023

Relacionamento amoroso: perspectivas de homens acusados de violência por parceiro íntimo

Revista

Relacionamento conjugal, Masculinidade, Comunicação, Resolução de conflitos, Violência conjugal

A violência conjugal é um grave problema de saúde pública. Iniciativas que busquem compreender os elementos envolvidos na violência são relevantes para sua melhor compreensão e para o desenvolvimento de ferramentas interventivas.

Quadro 2 – Trabalhos publicados no período de 2020 à 2025 - Sobre o tema: “Espiritualidade/Individuação”

Ano

Trabalho

Tipo

Palavras-chaves

Resumo retirado dos próprios trabalhos

2023

A busca pelo sentido em Psicologia Transpessoal: a espiritualidade como dimensão constitutiva humana

Revista

Psicologia Transpessoal; Espiritualidade; Transcendência; Sentido

A Psicologia Transpessoal se mostra como uma perspectiva que, através da experiência da espiritualidade, auxilia o indivíduo no alcance da autorrealização, possibilitando uma vida realizada e feliz

2022

Considerações sobre a espiritualidade e sua relação com o processo de individuação a partir da psicologia analítica

TCC

Religiosidade, Espiritualidade, Psicologia Analítica, Individuação, Psicoterapia.

A espiritualidade promove crescimento quando opera como via para a transformação da atitude consciente, refletindo, dessa forma, na individuação.

2021

Felicidade: a espiritualidade como possível caminho

Revista

Felicidade; Espiritualidade; Transcendência; Saúde Mental

Estudos científicos mostram que pessoas mais espiritualizadas apresentam relações mais fortes e positivas, autonomia, crescimento pessoal, sentimento de pertencimento, sentido na vida e, portanto, aumento da sensação de bem-estar

2023

A psicologia analítica como proposta de transformação do ser

Revista

Individuação, Psicologia analítica, Transformação

o casamento se apresenta como um espaço dinâmico, que proporciona tanto o crescimento individual quanto o casamento sagrado, enquanto união dos pares de opostos para a realização integral da personalidade, que é a meta do processo de individuação

2023

O processo de individuação através da espiritualidade

TCC

Espiritualidade, Self, Processo de Individuação, Bem Estar.

A psicologia analítica se insere no contexto de uma resposta a essa crise espiritual do homem moderno. É nesse sentido que transcorre a consolidação dos conceitos fundamentais da psicologia analítica e, em especial, o conceito teleológico de individuação enquanto “clínica da segunda metade da vida

4.1. Publicações Sobre o Tema Impotência

Os resultados e discussões sobre a pesquisa realizada sobre Impotência e sobre a Espiritualidade nos últimos cinco anos mostra-nos como os assuntos Impotência e Espiritualidade/Individuação de forma concatenadas possuem pouco material. Baseado no conteúdo encontrado, queremos trazer aqui um breve compilado sobre ambos os assuntos.

É importante termos a definição pela medicina sobre como ocorre o processo de potência, quais os caminhos que ela traça, e a partir da falha nesse processo compreendermos o que ocorre dentro do âmbito da impotência.


Primariamente, vale ressaltar que em um indivíduo que não apresente algum comprometimento no seu sistema nervoso central, caso a libido ultrapasse o limite para desencadear respostas, em casos de estímulo sexual positivo, o estimulo passará pelos centros de regulação sexual que incluem estruturas límbicas e o hipotálamo, até atingir os centros de ereção, localizados na medula sacral, dando início à fase da excitação, em que há o acúmulo de sangue (caracterizando vasocongestão) em regiões especificas do órgão genital masculino, sejam elas superficiais ou profundas, concomitantemente com a miotonia. Quando há a manutenção do estimulo sexual e integridade do sistema efetor, deve ocorrer, como consequência, erectio penis e lubrificação genital na mulher6.

Existe para a medicina, diferentes tipos de impotência masculina, cada uma com sua vertente, e como pano de fundo podemos observar uma incapacitação relacional, que resulta no indivíduo várias complicações, inclusive dentro do Código Civil a anulação matrimonial.

Tratando-se de impotência masculina, ela pode ser subdividida em coeundi instrumental, coeundi organofuncional, coeundi psicofuncional e generandi. A impotência coeundi, seja ela feminina ou masculina, é designada diante da presença de impossibilidade da conjugação carnal, podendo inclusive resultar em anulação do casamento ou da presunção de paternidade, conforme o Código Civil prevê, já a impotência generandi diz respeito à incapacidade de procriação7.

No DSM para a classificação de algum tipo de patologia sobre o assunto, encontramos descrito a seguinte classificação para quem sofre com a impotência sexual:

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-V não usa o termo “impotência sexual ou masculina” para descrever esse fenômeno. No capítulo sobre Disfunções Sexuais, dentre outros transtornos sexuais, está o “transtorno erétil” e as tais disfunções são descritas como um “grupo heterogêneo de transtornos que, em geral, se caracterizam por uma perturbação clinicamente significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou de experimentar prazer sexual” (DSM-V, 2014, p.423)8.

Um dos fatores que influência na impotência masculina é a utilização descontrolada do álcool, pois atua além da corrente sanguínea, no fígado, causando a diminuição na produção da testosterona, hormônio masculino, além de intervir na motilidade dos espermatozoides.

O álcool é uma substância da classe psicoativa que causa dependência fazendo parte dos fatores gonadotóxicos, onde o seu consumo exacerbado acarreta a infertilidade masculina prejudicando a quantidade, qualidade e a motilidade dos espermatozoides, além de causar efeitos negativos neurológicos e comportamentais. Um desses efeitos que o álcool causa no organismo é a redução da testosterona devido ao aumento da atividade que o fígado realiza tentando retirá-lo do organismo (MAILLARD, 2021)9.

Dentro desta reflexão, o fígado quando atingido pelo excesso de álcool, pode contribuir para hepatite que é uma inflamação do fígado, que pode a vir a se tornar uma cirrose (hepatite crônica) causando efeitos negativos e profundos, atingindo a produção de testosterona, que poderá implicar a impotência do homem.

As doenças hepáticas acometem de maneira bastante negativa na sexualidade masculina. O fígado participa do sistema da regulação hormonal e se ele for prejudicado provoca uma diminuição dos níveis de testosterona. Devido essa alteração, o nosso corpo se sentirá cansado e debilitado, acometendo a excitação ou a libido (VEGA; BRUNHARA, 2022)10.

Dentro deste contexto da impotência sexual existem em muitos casos, com ou sem o uso de álcool, um desejo de punir a companheira pelo fato de não se conseguir a força que se buscava para o momento do ato sexual.

Nesta direção, emerge o tema (d) impotência masculina, que expõem o enfraquecimento das subjetividades masculinas nas relações conjugais. No relato dos homens, esses aspectos ficam evidentes nos seguintes trechos: “as exigências dentro dos padrões convencionais da sociedade fazem com que a gente não tenha voz” ou ainda “não tem espaço para falar dos nossos sentimentos”. Estas restrições são resultado de uma construção social de masculinidade limitada11.

Muitas vezes a não realização causada por meio da impotência, pode levar a uma intensificação dos sentimentos feridos, inferiorizados dentro de si, que pode inconscientemente incorrer em uma agressão física, pelo fato de não saber lidar com tais sentimentos.

Todavia, como explicado anteriormente, este contexto pode contribuir para a instauração da violência entre os cônjuges, pois produzem como resultado uma sensação de impotência e menos valia que pode ser “compensada” por meio do uso da violência (Guimarães, 2016)12.

Para Pachiega (2021), a questão da impotência tem uma grande relevância em relação às questões psíquicas, como bem fundamentou Freud ao longo de suas teorias. Para além de uma questão fisiológica, química, o fator mental implica profundamente na questão da sexualidade masculina.

Em suma, Freud refere-se à impotência como tendo uma causa psíquica, um obstáculo dentro do sujeito que dá origem à inibição de sua potência masculina. E, ao que parece, “os homens com tais sintomas se mostram incapazes de representar o obstáculo interno que interfere em seu desempenho, visto que eles são removidos da consciência”. (Grassi, 2004, pp.184-185)13.

Ainda avançando em nossa pesquisa, encontramos o olhar que Freud tinha sobre os homens que enfrentavam impotência. Para ele, a melancolia era um fator presente na vida dos homens que enfrentavam tais dificuldades, diferente dos que apresentavam potência, que carregavam em si uma neurose de angústia. “Como vemos, as descrições freudianas relacionadas à potência e à psicossexualidade são descritas no primeiro volume de seus escritos, no qual o autor relata que a angústia se origina numa causa sexual e descreve alguns fatores heterogêneos para tal sintoma”14:

Tais causas remetem a consequências da vida do indivíduo levando-o à melancolia. No “Rascunho G”, Freud descreve que “enquanto as pessoas potentes contraem neuroses de angústia, as pessoas impotentes tendem à melancolia” (Freud, (1950 [1892-1899]), p.154). Mais a frente de sua obra, defende a ideia de que o sofrimento humano deriva de vivências psicossexuais – da sexualidade infantil ou da genitalidade –, e em 1914, em Introdução ao Narcisismo, revela que “a percepção da impotência, da própria incapacidade para amar por consequência de perturbações anímicas ou corporais, tem um efeito deprimente no sentimento de si” (Freud, 1914/1979, p.95)15.

Algumas pistas nos ajudam a compreender a dimensão da impotência, como bem assinalou Freud e outros autores, tendo como elementos principais o complexo de Édipo e a fixação incestuosa que traz, inconsciente, o medo permeado de ansiedade em relação à castração. É o que vemos na citação abaixo:

Por meio da prática clínica e da análise de pacientes homens, Klein percebeu que ao se depararem com seus medos e seus objetos introjetados como maus (fezes destrutivas, imagos más, o medo do corpo da mulher como destruidor), a capacidade sexual masculina foi sendo aprimorada e, com isso, aumentada a “potência” do paciente. De acordo com França (2001), a aquisição total da potência é decorrente do nível de ansiedade de castração que o menino é capaz de suportar, permitindo o desenvolvimento do conflito edípico16.

Ainda nesta linha de pensamento, vemos o medo, e por conseguinte, a ansiedade, naqueles que apresentam a impotência. Freud correlaciona o coito impotente ao regresso ao ventre materno. Em que temos na gestação e tudo o que lá ocorreu até o nascimento, registros fóbicos, profundos, no inconsciente e seus reflexos dentro da causa da impotência masculina.

Em Inibição, sintoma e angústia (1926[1925]/1991), Freud apresenta uma indicação sobre a causa primeva da impotência sexual masculina: “a fantasia de regresso ao ventre materno é o substituto do coito no impotente (inibido pela ameaça de castração)” (Freud, 1926[1925]/1991, p.131). É nessa obra que Freud apresenta a diferença entre sintoma e inibição. O primeiro correspondendo a um processo patológico e o segundo a uma função17.

Finalizando o resultado desta pesquisa, nos últimos cinco anos, em relação à impotência e, tendo percebido as questões fisiológicas e psíquicas, psicossomáticas, vemos a interferência da ansiedade diretamente na potência masculina, olharemos agora para a espiritualidade como proposta de regeneração da psique e ajudando o sujeito ao sentimento de bem-estar e de auxílio psíquico.

4.2. Publicações Sobre o Tema Espiritualidade

A espiritualidade oferece ao ser humano um caminho para lidar com suas dificuldades mais profundas. Como visto na dimensão da psique, a ansiedade, o medo interferem na potência do homem. A espiritualidade colabora em sentido positivo pois traz ao sujeito perdão, amor, compreensão, e recomeço. Tais elementos ajudam-no a restabelecer sua autoconfiança.

Dentro desse aspecto, a psicologia transpessoal vem nos auxiliar a encontrarmos, dentro do ser humano, para além de sua dimensão instintiva, sua dimensão transcendente. A transcendência faz o sujeito sair das situações vistas como derrotas e o faz encontrar o seu sentido por completo.

Abraham Harold Maslow acrescentou e reconheceu na Psicologia, além da pulsão de vida e de morte, a natureza transcendental, quando explicitava que esse impulso à transcendência é inerente ao ser humano, o qual, quando reprimido, adoece. Denominava-o como um aspecto “instintóide”, que é desejável, curativo, e que, sem o transcendente, ficaríamos doentes, violentos e niilistas, vazios de esperança e apáticos18.

A dimensão da transcendência eleva o ser humano, colocando-o num patamar mais elevado, retirando-o daquilo que foi traumático, e concedendo a ele uma nova significação, a partir da realidade transcendente vivida. Por isso, a espiritualidade também é terapêutica, pois consegue fazer com que haja o despreendimento daquilo que foi impresso na psique de forma negativa.

Observa-se, assim, que há não só uma dimensão inconsciente mais primitiva, arcaica, não elaborada, mas há também uma dimensão superior, inconsciente, que abrange uma cognição mais elaborada; superior; perceptiva; sábia; adequada e transpessoal, característica de um processo superior diferenciado, a qual é passível de ser estimulada e acessada, sob certas circunstâncias, ou manifestar-se espontaneamente19.

A psicologia transpessoal colabora neste contexto para a compreensão deste resgate da sacralidade do sujeito, contribuindo para que ele possa se reencontrar com sua potência, e vivenciar sua força criativa, permitindo-o viver um processo de ascensão, em busca do seu bem estar.

É possível dizer, com isso, que o foco que a Psicologia Transpessoal dá à dimensão da transcendência, que se relaciona às experiências do Sagrado e à Espiritualidade, encontra um de seus pilares em Maslow. Mas ele não foi o único a apontar para a importância dessa visão na saúde psíquica dos indivíduos20.

Dentro deste caminho, para além do instintual, Jung fornece uma grande colaboração, no intuito de nos fazer perceber a imensidão do ser interior, que, em decorrência de nossa vida cotidiana afoita, vamos deixando de rever.

Existem dois pontos fundamentais a serem tratados aqui acerca da influência de Jung. O primeiro diz respeito à divisão das funções psíquicas em quatro. Tal divisão remete diretamente à obra Tipos Psicológicos, publicada originalmente por Jung em 1921. Nela, o pai da Psicologia Analítica apresenta sua concepção das quatro funções, de forma direta: “Segundo minha experiência, as funções básicas, ou seja, as funções que se distinguem genuína e essencialmente de outras funções, são: o pensamento, o sentimento, a sensação e a intuição21.

A própria impotência ou perda de forças, o esvanecer, tem uma ligação profunda, ao estarmos doente, como num estado febril ou infeccioso em que ficamos fracos. Jung dentro do caminho da individuação exorta que precisamos deixar ocorrer um fluir de nossa energia para a nossa totalidade, que as repressões, os medos, e tantas outras realidades psíquicas bloqueariam o fluir dessa energia.

A individuação é uma das ideias mais fundamentais elaboradas por Jung em toda a sua visão da psique humana. Trata-se de um sentido para o qual se orienta a energia psíquica, como um processo contínuo, um “caminho rumo à totalidade, trilhado naturalmente pela psique, ou seja, é um processo que faz parte da própria constituição da mente humana, que o promove desde que esteja saudável”14. Numa compreensão bem próxima à de Maslow, Jung também entende que o adoecimento se relaciona com o impedimento do livre fluir da energia psíquica em direção ao que ele chama de “totalidade”, que representa a união de partes separadas da constituição psíquica em uma instância superior, que integra os conteúdos conscientes e inconscientes, chamada por Jung de Self22.

Para Jung existe uma finalidade para qual nossa energia deve convergir, assim como um rio tem o seu percurso. Esse caminho é a Individuação, em que a energia flui para a totalidade do nosso ser e a distribui de uma maneira positiva sobre o nosso corpo.

O processo de individuação, na visão junguiana, parte do pressuposto de que nossa energia psíquica possui um télos, ou seja, uma finalidade, um caminho, um objetivo, em uma palavra: um sentido. A realização desse sentido seria um processo natural e qualquer coisa que o impeça, motivo de adoecimento. A realização desse processo se dá sob orientação do Self, o arquétipo da totalidade. Como o objetivo do processo de individuação é atingir a totalidade, isso significa, dentro da Psicologia Junguiana, que existe um “eixo ego-Self”, ou seja, uma ligação entre essas duas instâncias psíquicas, de forma que a instância superior possa guiar a inferior em direção a ela mesma, visando a autorrealização do sujeito. Essa ligação é responsável pelo trânsito da energia psíquica, ora em direção ao ego – a consciência –, ora em direção ao Self e aos conteúdos inconscientes23.

O processo de individuação permite que, além de nos descobrirmos, devemos deixar vir à tona nossa essencialidade para vivenciá-la, para nos conduzir a uma vivência do coletivo, em que nos deixamos conduzir pelo altruísmo, pelo bem e pela paz.

Como visto, o objetivo, a missão da Psicologia Transpessoal é recuperar essa dimensão da transcendência, devolvendo o sagrado a seu lugar essencial na vivência humana. Ao auxiliar que cada indivíduo opere esse resgate em sua própria vida, o terapeuta contribui para que cada um se encontre no paradoxo típico do processo de individuação: ao mesmo tempo em que o indivíduo se encontra, se integra, torna-se si mesmo, assim também ele transcende a si mesmo, entrando em contato com as dimensões mais elevadas de seu próprio ser e, a partir do fluxo desobstruído da energia psíquica rumo à sua totalidade, vê sua vida preenchida de sentido, tornando-se uma pessoa mais sábia, altruísta, empática, humana24.

A mente seria para Jung o local do numinoso, em que a espiritualidade se manifesta, onde a inspiração e a dimensão criativa do ser humano surgem. Para isso, Jung percebe que há algo de sagrado na alma humana, e é o contato com esta dimensão que há na alma que nos faz perceber que estamos para além do exterior, que há algo de mais profundo em nós, e a medida que mergulhamos neste universo, somos mais livres e encontramo-nos com nosso Eu mais profundo, em que há a liberdade, a justiça, o amor e a paz.

Diante disso, Jung (2013, p. 10) reforça tal ideia: “Minha opinião é que as religiões se acham tão próximas da alma humana, com tudo o que elas são e exprimem, que a psicologia de maneira alguma pode ignorá-las”. De acordo com Dorst (2015), ele dedicou seus esforços para desenvolver uma psicologia da experiência religiosa por considerá-la um fenômeno psíquico. Convém destacar, ainda, que Jung compreende a psique como local de experiência do numinoso, e que o contato entre Deus e o indivíduo acontece através da alma, perceptível a este como um fato psíquico (DORST, 2015)25.

Neste sentido Junguiano, a reparação do que está ferido em cada um de nós, está relacionado ao nosso regresso a nossa espiritualidade/religiosidade, pois é o que nos religa, que nos reconecta com o que está machucado e que precisa de atenção, de cuidados.

Neste sentido, a psicoterapia, assim como toda a psicologia de Jung, expressa como valores fundamentais fazer evocar o poder de cura que existe no inconsciente de cada indivíduo, assim como colaborar no caminho para a totalidade humana que somente pode ser sentida por meio da experiência religiosa (JAFFE, 1995). Ademais, uma vez que a psicoterapia é um espaço de cura e busca de soluções, através da exploração do aspecto espiritual/religioso torna-se viável a ressignificação dos conflitos, motivo por que é mister considerar a dimensão religiosa do paciente na clínica psicológica (HENNING-GERONASSO; MORÉ, 2015)26.

É necessário um cuidado profundo com a psique com o intuito de prevenir patologias que podem surgir posteriormente, principalmente quando tratamos da questão da ansiedade e depressão, que, em nosso trabalho, temos o foco na questão da impotência.

O desenvolvimento da espiritualidade e, consequentemente, da sensação de bem-estar — resultado daquela —, se destaca como um possível recurso para melhorar a vida da população, tanto como uma forma de aprimorar a qualidade de vida, quanto para prevenir e tratar transtornos de humor. Segundo dados publicados pela Organização Mundial da Saúde (2017), o Brasil é o país com mais casos de ansiedade no mundo, correspondendo a 9,3% da população, enquanto a média mundial é de 5,6%. O país encontra-se acima da média também em casos de depressão — enquanto 4,4 % da população mundial sofre com esse transtorno, no Brasil são afetados 5,8% dos seus habitantes27.

O aprofundamento que fazemos mediante a uma escuta da alma conduz-nos a realidades que nos fazem despertar para eventos transformadores e ressurgir-nos para nossa potencialidade, para o melhor que existe na alma humana.

Para Gomez e Fisher (2013), ter saúde e bem-estar espiritual é a união de relacionamentos profundos e saudáveis, por vezes transcendentes, consigo mesmo (nível pessoal), por meio do encontro com seus valores, significados, finalidade, e o desenvolvimento de um sentido para a vida; com a natureza (nível ambiental) — através do cuidado com o meio ambiente —, reconhecimento da fonte da vida, contemplação e sentimento de unidade; com Deus ou Ser Superior (nível transcendente) que envolve a fé, contemplação, percepção da presença desse outro na sua vida; e com o outro (nível comunitário), pelo relacionamento interpessoal, moralidade, cultura e exercício da religião28.

A reflexão sobre a própria vida, em perceber os elementos faltantes em nosso cotidiano, nos faz viver com uma abertura constante ao sagrado, ao transcendente, seguindo por meio da espiritualidade este caminho que nos ajudará ao encontro com nossa imagem mais real e verdadeira.

A ausência da sensação de bem-estar e de sentido na vida são traços marcantes daqueles que sofrem de ansiedade e depressão. Por vezes, apresentam também baixa sensação de pertencimento e, em casos graves, perdem sua autonomia. A lembrança dos aspectos espirituais presentes também nestes, mas talvez adormecidos, pode ser uma forma de resgatar ou aprimorar aspectos até então adoecidos29.

É entre a consciência e o ego que permitimos, deixar fluir tudo o que está alojado em nosso interior, o desconhecido que, quando acolhido, é transformado pela força criadora presente no âmbito da espiritualidade. Essa transformação é gradativa e iluminadora, as sombras encontram seus caminhos para partir.

A consciência se relaciona com o ego através dos fatos psíquicos, uma vez que não é possível existir consciência sem ego. Para Carl G. Jung (2013), consciência e ego estão ligados à compreensão do significado daquilo que existe em cada um de nós, produzindo um sentido e um rumo para a vida, tomando-se como finalidade a própria existência do indivíduo. A palavra “consciência” vem do latim e significa “conhecer algo desconhecido”, estando ligada ao domínio que Carl G. Jung intitulava de inconsciente. O sentido de inconsciente representa uma dimensão da psique relacionada ao conteúdo desconhecido de “mim mesmo”, ou seja, relacionada à ignorância de não saber quem sou. Isso faz da consciência uma representação da sabedoria, ou, em outras palavras, um redescobrir de mim mesmo30.

Dessa maneira, modificar em nós o que precisa ser reconstruído é necessário. Morrer e viver são dinâmicas na vida que nos permitem nos equilibrar mediante os acontecimentos da vida, possibilitando-nos um recomeço a cada instante, enxergando a vida na sua totalidade e não na parcialidade.

O grande dilema humano é viver e morrer, o processo de Individuação remete ao existir. Jung (2008) ainda diz, que tal dilema está relacionado ao início da vida, a conscientização desta, e o seu entardecer. Ao longo desta jornada existencial, há o deparar-se com a própria história, e também um questionar-se sobre mundo que se vive. Os acontecimentos vividos remete o sujeito aos por quês? E ao mesmo tempo exige de cada um uma resposta, e é nesta direção que depara-se com Self 31.

Concluímos, assim, nossa pesquisa em relação às últimas publicações sobre a individuação e a espiritualidade e sua importância no processo do reavivamento da potência humana. Foi possível de perceber que o caminho que Jung chamou de individuação refere-se ao caminho da espiritualidade, em que prosseguimos em direção ao nosso núcleo mais profundo, que nos possibilita completude, em busca de nossa totalidade.

Portanto, com o desenvolvimento desta pesquisa, em relação à impotência e à individuação/espiritualidade, foi nítido a constatação que a impotência sequestrada pelos medos, angústias, ansiedades e depressões, através do caminho de individuação, pode ser restituída, possibilitando ao sujeito o resgate do que ele possui de mais nobre em sua alma: a confiança, a fortaleza e a esperança.

5. CAPÍTULO I: SOBRE A ESSÊNCIA DO SER HUMANO E SUA POTENCIALIDADE

Para tratarmos o tema deste trabalho, precisamos buscar a origem do ser humano, dentro da sua metapsicologia. Para Santo Tomás de Aquino “o ente dito em primeiro modo é o que significa a essência da coisa”32. Em outras palavras, carregamos dentro de nós uma energia psíquica que, ao longo de nossa existência, interage com tudo o que nos cerca. Relacionamo-nos com aquilo que está no interior das pessoas, disso decorrem afirmações tais como: “aquela pessoa me fez bem”, ou “a pessoa me fez mal”. Ainda sob o prisma Tomasiano, encontramos: “E, visto que aquilo que a coisa é estabelecida no próprio gênero ou espécie é isto que é significado pela definição indicando que a coisa é, daí vem que o nome de essência é transformado pelos filósofos no nome de quididade; e isto é o que o Filósofo denomina frequentemente ‘aquilo que algo era ser’”33.

Dentro da perspectiva apresentada, a essência do sujeito é o que contém a sua representação do que ele é, é na essência do sujeito que estão os seus atributos, a sua força, as suas potencialidades. Ao desenvolver sua metapsicologia, Freud viu que o ser humano ia muito além de suas propriedades intelectuais, físicas, e que havia algo de desconhecido nele, o que ele chamou de inconsciente. E, no inconsciente, as energias vividas ao longo da vida, ora o preenchiam, ora o esvaziavam. Esse constante esvaziar-se, o desvanecer de suas forças tira do sujeito a vontade de poder, que é ser quem ele é, e o coloca numa situação na qual este se encontra sem poder, ou seja, sem forças. Para aprofundarmos esta temática, recorremos uma vez mais, a Tomás de Aquino:

Ora, tudo que recebe algo de outro, está em potência, a respeito disso; e isto que é recebido nele é seu ato. Portanto, é preciso que a própria quididade ou forma, que é a inteligência, esteja em potência a respeito do ser que recebe de Deus; e esse ser é recebido a modo de ato. E, assim, encontram-se potência e ato nas inteligências, não porém forma e matéria, a não ser por equivocação34.

 

Assim, na potência, o ato criador move e faz um transformar, no sentido de preencher, ao contrário do ato deformador, que não tem movimento, gera estagnação, impotência, fazendo com que a pessoa se esvazie. Imaginemos uma pessoa que passa por constantes críticas, e o que ela tem recebido (ato que move), a inferioriza, retira sua força criativa, fazendo-a se sentir vazia e sem forças. O ser humano, ao esquecer sua essência, seu sentido existencial, o que ele é, e o que pode ser, vai se permitindo morrer aos poucos, porque a morte se dá no momento que a vida carece de força para sobreviver, mediante ao sofrimento que lhe cerca, sobre a escolha feita. Regressar à essência possibilita um salto qualitativo para regressar à vida. Nestas condições Aquino propõe:

Fica, assim, portanto, claro que este nome homem e este nome humanidade significam a essência do homem, mas diversamente, como foi dito. Pois, este nome homem significa como um todo, isto é, na medida em que não prescinde da designação da matéria, mas a contém implícita e indistintamente, como foi dito que o gênero contém a diferença, assim, este nome homem predica-se dos indivíduos. Mas, este nome humanidade a significa como parte, pois não contém na sua significação senão aquilo que pertence ao homem na medida em que é homem e prescinde de toda designação da matéria; daí não predicar-se dos indivíduos do homem. É por causa disto, às vezes o nome de essência encontra-se predicado da coisa; com efeito, dizemos que Sócrates é uma certa essência; e as vezes se nega, assim como dizemos que a essência de Sócrates não é Sócrates35.

Portanto, em muitos momentos precisamos nos afastar dos entes, para que num momento de recolhimento, olhando para dentro de si, se faça o processo do se refazer, de retornar a sua essência e ali reencontrar suas potencialidades. Freud, ao propor suas análises, demonstrava muito bem este fator, levando seus pacientes a se depararem com suas histórias e traumas, fazia-os redescobrir que eles não eram apenas aquele acontecimento, mas propunha enfrentar o fato que havia causado tanto medo, desencadeado tanta ansiedade, e que influenciava de maneira desprazerosa, levando-o a um estado de esvaziamento.

Para Roudinesco, nossa potencialidade inicia-se no momento da fecundação em que recebemos do pai e da mãe informações importantes, do masculino e do feminino que irão, à medida que o sujeito vive um equilíbrio desses dois gêneros em sua vida, tornar-se força para a sua potencialidade: “A contribuição da embriologia foi decisiva, na medida em que ela pôde mostrar, graças à utilização do microscópio, que o embrião humano era dotado de duas potencialidades, uma masculina e outra feminina”36.

Dentro da questão edipiana, em que o filho se torna um rival do pai, inconscientemente, pois ambos disputam o mesmo objeto amado (no caso a mãe), toda energia destinada a esta irresolução, faz com que, inconscientemente, esteja no lugar da disputa, contribuindo para que a energia do filho fique desgastada em relação ao conflito com o pai. E é na resolução desta situação que a energia inconsciente que o filho desprendeu regressa a ele, por exemplo, quando existe um processo de reconciliação inconsciente, em que neste momento ocorre um regresso de forças a cada uma das partes.

Quando é mencionado sobre força ou energia, o que está sendo proposto é que Freud diz em relação ao eros – força vital -, ou morte, thanatos - que é o sugar das forças, um esvair -. Para compreender isso, Hannah Arendt especifica: “A vida constantemente ameaçada pela morte não é vida, uma vez que nunca deixa de correr o risco de perder o que é, aquilo que até sabe que tem de perder um dia37”.

Com isso, a filósofa nos ensina que entre vida e morte (eros e thanatos) a tensão existente entre os dois é a perda. Trazendo esta reflexão para a teoria freudiana, é a perda objetal: pai e filho têm medo de perder inconscientemente – a mulher que é esposa e mãe. Dessa maneira, o perder é o que retira a potencialidade do sujeito. Quando o sujeito percebe, conscientemente, que está perdendo algo, sente-se fragilizado. Nesse sentido, podemos entender, por diversos exemplos, o que retira as forças de uma pessoa. Quando um relacionamento chega ao fim, quando se perde um emprego, quando os pais percebem que estão perdendo os filhos para a droga, quando a esposa percebe que está perdendo o marido para o álcool, enfim, as perdas deslocam nossa energia vital para outra ambiência, que é a perda. Enquanto o processo inverso, em que se percebe vencer as dificuldades, devolve esta energia vital que estava no objeto perda, para seu devido lugar, redescobre-se o desejo de viver.

Nesse sentido, Arendt ainda contribui muito para que compreendamos essas duas polaridades desejo (eros) e perda (thanatos). Para isto, ela afirma: “«Amar não é mais do que desejar (appetere) uma coisa por si mesma». E, indo um pouco mais longe: «Pois o amor é desejo (appetitus)». Todo desejo está ligado a qualquer coisa determinada que deseja”38.

O desejo está ligado à vida, quem ama deseja viver, deseja estar, deseja ser, deseja viver a sua essência. Por isso, ao trabalhar os traumas, Freud focou profundamente nos desejos não vividos. Para ele, os desejos não vividos, eram desejos que haviam sido transportados para a questão da perda. Em um trauma, por exemplo, procura-se o que “marcou” de maneira objetiva, no sentido do que o trauma causou, ou retirou da pessoa aquela energia que seguia em determinado percurso. Imaginemos um rio que tem uma certa direção, e alguém que faça uma escavação em uma de suas margens. Esse ato muda o percurso, mas se for corrigido o desvio, o rio volta a sua direção anterior. Dessa mesma forma é a resolução do trauma, é devolver o desejo inicial, a força anterior ao trauma.

As tensões entre vida e morte nos acompanham desde a mais tenra idade, até o entardecer de nossas vidas. Se, por um lado, há uma constante tensão entre desejo e perda, por outro, existe também dentro da questão do desejar, o querer viver a sua potencialidade, em que a situação que se deseja realizar, ou seja, quando o objeto desejado é obtido, pode haver também uma situação de frustração, pois o desejo é influenciado pelo (real e o imaginário) como diz Freud em relação às crianças, que diante de uma fala infantil, podem se confundir entre o real e o imaginário.

Esta realidade também se estende a vida adulta, em que quando o desejo é realizado ou é realizado diferente do que se imaginou, surge um desconforto, que pode remeter a mesma situação de quando se perde algo, como se a energia se deslocasse para a perda, ou insatisfação. A filósofa nos permite enxergar isso: “Do querer possuir e do querer manter o desejo nasce o medo da perda. Assim como o desejo deseja o bem, o medo receia o mal. O mal, que afasta o medo, ameaça a vida feliz que consiste em possuir o bem”39.

Se o desejar corre o risco de se frustrar, assim como uma perda leva a uma frustração, o que podemos analisar é que há uma neurose que habita todos nós em vista da nossa filogenética que nos revela que somos imperfeitos e limitados, que não queremos falhar, ou fracassar. E quando isso nos ocorre, nos sentimos sem forças. Por isso que trabalhar a dimensão da potência, recuperá-la, trata-se também de um processo de ver a si mesmo reconhecendo a limitação, caso contrário, o ideal se tornará maior que o real, nos afastando assim da realização que todo ser humano almeja.

A nossa limitação humana se resume ao medo. Dentre os medos, o maior é a morte, em outras palavras, morrer é perder a vida existencial, por isso nossa estrutura de pensamento está sempre ligada a esse medo, o frustrar-se e o perder denotam morte. Hannah Arendt afirma: “Todos os medos face a males precisos são regidos por este medo fundamental. A morte, pondo fim à vida, põe através de si própria termo à constante inquietação da própria vida, e isto também na inquietação da beatitude terrestre passageira como na vida após a morte”40. Esse medo relacionado a morte está profundamente ligado a uma questão inconsciente, o próprio ser gestado já incorre em medo do expurgo, por isso Freud diz que o medo provém do inconsciente e não do pré-consciente, como explica Roudinesco:

Ao mesmo tempo, o eu perdeu sua autonomia pulsional, tornando-se o isso a sede da pulsão de vida e da pulsão de morte. Diversamente de sua abordagem descritiva da primeira tópica, a abordagem dinâmica da segunda não instaurou nenhuma separação radical entre as instâncias que a compunham: os limites do isso deixaram de ter a precisão dos que marcavam a separação entre o inconsciente e o sistema consciente-pré-consciente, e o eu deixou de ser estritamente diferenciado do isso no qual o supereu mergulha suas raízes41

Podemos assim compreender que nossa vivência liberta dos nossos medos, nos leva a não temer a morte ou aquilo que nos gera medo de perda. O prender-se à vida, é algo que transcende, pois é um enfrentar a morte, é não temê-la, é encontrar-se com sua potência que movida pela força vital nos transforma em ato modificado. Como ensina Arendt:

A identificação específica entre terrestre e mortal só é possível quando o mundo é considerado a partir do homem, aquele que vai morrer (moriturus). A este falso amor que se prende ao mundo e que, por esse motivo, o constitui, e que, como tal, é mundano, Santo Agostinho chama cobiça (cupiditas), e ao amor justo que aspira a eternidade e ao futuro absoluto, caridade (caritas)42.

Reich, discípulo de Freud, desenvolveu sua teoria sobre o orgânico da vida, pelo qual nosso corpo e nossas emoções estariam totalmente interligados. Por isso que, em muitos momentos de desprazer ocorre uma descarga no corpo, que atribuímos a uma dimensão psicossomática, o corpo retém as descargas emocionais. Em suas palavras:

Na visão de Reich o desenvolvimento saudável do ser humano, “[...] depende quase que inteiramente da maneira como ele cresce, do período pré-natal à primeira puberdade.” (REICH, s/d, p. 30). Ressalta que a criança viva sua natureza plenamente, de maneira harmoniosa em seu meio ambiente, conforme o princípio da Orgonomia, de autorregulação, que se baseia na capacidade da estrutura inata da criança. É a partir da concepção que ocorre a formação da psique, como um “[...] processo biopsicológico que, se não chegar a um amadurecimento ótimo ao longo da vida, provocará as manifestações somatopsicopatológicas”. As fixações e imaturidades psicológicas são apontadas como causas de uma não maturidade psicológica. (NAVARRO, 1996, p. 16). Segundo Nasser (2010, p. 326), na psicologia analítica, psique se relaciona a “todos os pensamentos, sentimentos e comportamentos, tanto conscientes como inconscientes,” e a personalidade se apresenta através da psique.43

Reich irá correlacionar a falta de potência ao que ele chama de caráter, ou seja, o que imprime ao corpo falsas doenças tendo como princípio o desprazer que Freud cita, ao falar de thanatos. Essa compreensão fica bem explícita no discípulo freudiano, que amplia a extensão da reflexão para as questões que estão ligadas diretamente ao corpo, vindas de emoções totalmente feridas.

Quando pensa o caráter, Reich se apoia na intensidade da saúde e da doença. Em suas publicações sobre os tipos de caráter, refere que “[...] o caráter genital estava baseado na auto-expressão dos impulsos sexuais, sem repressão, ao passo que o caráter neurótico é formado pela repressão dos impulsos naturais”. O caráter tem a função de proteção do ego, de perigos externos e internos, sendo estruturado “[...] por elementos do mundo externo a partir das proibições e inibições das pulsões”, originando-se de acordo com cada cultura (VOLPI, 2000, p. 38)44.

Assim, quando Freud, em sua teoria, aborda o mecanismo de defesa, afirma que este provém do superego, cujo objetivo é regular, julgar nossas realidades. Por isso, ao nos defender, temos como objetivo sermos protegidos. Mas, este mecanismo de defesa nem sempre é saudável, visto que, por vezes, o estar na constante defensiva é algo que demanda muita energia, nos desgasta, e pode se tornar, inconscientemente, algo repetitivo, que não nos deixa enxergar a realidade, mas, por vezes, nos detém presos a um imaginário de que, a qualquer momento, podemos ser atingidos. Isso tem seus reflexos provenientes do nosso período infantil, em que nos sentimos desprotegidos. Nesse sentido, Navarro utiliza a terminologia “couraça”, criada por Reich, para demonstrar tal fechamento:

Navarro (1995) postula que o caráter tem sua formação através da mudança das pulsões, pelo meio ambiente circundante do sujeito, decorrendo de necessidades deste exprimir-se ou defender-se de situações intrapsíquicas frustrantes ou interpsíquicas agressivas. Porém quando o equilíbrio psíquico é ameaçado perturbando o instinto de conservação, numa situação de grande estresse, onde a emoção fica represada, retida, sem a possibilidade de expressão e de ação muscular, ocorre à formação da estrutura defensiva, a armadura de couraça, a qual faz parte do eu, sendo posteriormente utilizada para o sujeito defender-se45

Anteriormente, discorrendo sobre o pensamento de Arendt sobre sua tese de doutorado em Santo Agostinho, sobre o conceito do amor, entendemos o quanto o amor traz a ruptura com o medo da morte, centro de um viés filosófico, metafísico. Da mesma forma, Reich, utilizando a metapsicologia, trata dessa temática. Para ele, dentro da dimensão filogenética, até mesmo durante o período da fecundação, (em que o óvulo se encontra com o espermatozoide, na união conjugal entre o homem e a mulher), o amor que ambos partilham, naquele instante, é fundamental para a formação da criança que se inicia no óvulo fecundado.

Volpi (2002, p. 9) quando se refere aos encontros energéticos nas fases de segmentação e embrionária ressalta que: [...] uma concepção proveniente de uma relação de amor, tranquila, serena, verdadeira e com um clima de aceitação, transmitirá um bom quantum energético ao bebê e, portanto propiciará ao pequeno ser um desenvolvimento e um funcionamento das células e órgãos possivelmente mais saudáveis46

Boadella, refere-se ao conceito de biossíntese, no qual constata a integralidade do ser humano. Seu estudo, conduzido pela embriologia, ajuda-nos a compreendermos o quanto o inconsciente registrou, nos primeiros momentos de nosso existir, as informações que ora colaboram para o nosso desenvolvimento da potencialidade, ora retém e bloqueia o desenvolvimento natural do sujeito, autossabotando-se, não permitindo conhecer e desenvolver aquilo que possuem de mais excelso.

Biossíntese significa integração da vida. O termo foi usado pioneiramente por Francis Mott, um inglês que desenvolveu um método de psicologia configuracional baseado em profundos estudos da vida intra-uterina. Desde 1975 venho desenvolvendo uma abordagem terapêutica fundamentada em conhecimentos derivados da embriologia. O conceito central da biossíntese é que existem três correntes energéticas fundamentais, ou “'fluxos vitais', fluindo no corpo e ligadas às camadas germinativas celulares (ectoderma, endoderma e mesoderma) do óvulo fecundado, a partir do qual se formam os diversos sistemas orgânicos. Essas correntes se expressam num fluxo de movimento por todos os caminhos musculares; num fluxo de percepcões, pensamentos e imagens que percorre o sistema neurossensorial;e num fluxo de vida emocional que está localizado no centro do corpo e flui através dos orgãos do tronco. Um estresse antes do nascimento, durante a infância ou no decorrer da vida quebra a integração dessas três correntes47

Por isso, ao associarmos a Psicanálise às várias vertentes que surgiram depois dela, como muitas contribuições positivas através dos discípulos de Freud, é possível compreender que no início de suas pesquisas, o jovem médico neurologista queria encontrar uma resposta para a neurose e para histeria, que era um fator comum na sociedade daquela época. Assim nos explica Roudinesco:

Com uma extrema concisão, Freud lembrava que a psicanálise permitira isolar a histeria de toda etiologia hereditária, atribuindo-lhe como causa primeira um conflito psíquico ligado a uma dissociação (clivagem), tendo por origem o recalque48.

Dessa maneira, é importante que compreendamos a ênfase colocada sobre o inconsciente, no sentido de que esta energia psíquica, que lá reside, corrobora com a potencialidade ou pode drenar a força psíquica. Dessa maneira, Freud compreendeu que trazendo resolução para esse núcleo, haveria um reflexo, envolvendo a psique, que refletiria positivamente numa harmonia com o corpo.

Os registros mais profundos gravados em nossa memória expressam em nosso comportamento atual as situações mais difíceis que foram vividas. Dentro da questão da perda está, por exemplo, a melancolia que, segundo Freud, possui um vínculo profundo com o luto. Nesse sentido, Molina nos diz:

O luto tem esse significado da morte do outro em nós, morremos também, em partes, quanto mais próximo, mais profundo é o vazio interior. As cobranças inconscientes das culpas, omissões, dedicações são os instrumentos dos arrependimentos, que geram as melancolias, depressões ou até mesmo somatizações de doenças punitivas, de desejos destrutivos em direção a morte49.

A vivência de situações em que nos sentimos totalmente injustiçados, como se algo houvesse sido tirado de nós, nos leva a sentimentos de profunda tristeza e em nossa dimensão psicofísica, causa aquilo que chamamos de doenças psicossomáticas, em que nossa mente, não suportando as tensões e o sofrimento de ter perdido algo essencial, causa-nos uma profunda descarga em nossos órgãos vitais, de maneira especial na bílis.

Melancolia: a etimologia da palavra melancolia é derivada dos étimos gregos mélanos (= negro) + kholé (= bile), e expressa com clareza que se trata de uma doença conhecida desde a antiguidade e que se caracteriza por um humor sombrio, isto é, uma tristeza e um desânimo profundo, um estado depressivo capaz de conduzir ao suicídio, com ou sem a presença de ideias delirantes de ruína. A melancolia é uma forma patológica do luto; assim, é útil traçar uma diferença entre “luto normal” (que exige um determinado tempo para elaborar a tristeza após o qual retoma a vida normal, não obstante conserve uma forte imagem da importante figura perdida). Já na melancolia, a pessoa não consegue elaborar a perda e pode manter por tempo indeterminado (às vezes, pela vida inteira) um eterno luto, quase sempre acompanhado por sentimento de culpa que, na maioria das vezes, são culpas indevidas”50

A questão da potência do ser humano fica comprometida diante das situações em que ele vai enfrentando e armazenando, inconscientemente, sem a devida resolução. Tais processos atuam, mexendo nas estruturas psíquicas, trazendo a sua virtualidade, realidades distorcidas, mediante ao que passou, em que a mente, no embate com o que viveu, traduz uma realidade exterior de insatisfação. Zimerman colabora com essa discussão, analisando tais realidades:

Assim, tristeza indica um estado de humor afetivo que pode estar presente ou não nos estados depressivos. Luto corresponde a um período necessário para a elaboração da perda de um objeto amado que foi introjetado no ego, sem maiores conflitos. Melancolia designa que a introjeção do objeto perdido (por morte, abandono, etc.) processou-se de forma muito ambivalente e conflitada. Essa “sombra do objeto recaído sobre o ego” (Freud, 1917, p. 281) pode estar absorvida no próprio núcleo do ego e aí permanecer por toda a vida, assim se constituindo em um luto patológico crônico51

Como vimos, uma perda registrada permanece, até que se trabalhe a resolução, drenando as forças oriundas da potência, em que percebemos o sujeito relatar fraquezas, desmotivação, falta da vontade de viver, o que perpassa esse pano de fundo é o protelamento da perda e do sofrimento que o sentimento traz em paralelo. Como expressa Molina: “Portanto, a vida pulsional quando atingida pela melancolia, consequentemente afeta a libido, do qual relaciona com o luto, perda inconsciente resultante na falta de desejo e perda de eros, correlacionando com a sexualidade”52. A culpa aparece neste estado emocional, em que, muitas vezes, o sujeito não sabe lidar com a perda, com o que está sentindo sobre ela. Neste contexto, Roudinesco nos apresenta o que Freud elaborou em relação a esta situação:

Na melancolia e na neurose obsessiva, o sentimento de culpa persiste e corresponde ao que chamamos “consciência moral”. Em ambos os casos, o ideal do eu investe contra o eu com rara ferocidade, mas as formas dessa severidade e as respostas do eu são diferentes. Na neurose obsessiva, o paciente recusa sua culpa e pede ajuda. Confrontado com uma aliança entre o supereu e o isso, desconhece as razões da repressão de que é vítima. Na melancolia, o eu se reconhece culpado e podemos formular a hipótese de que o objeto da culpa já está no eu, como produto da identificação53

Compreendendo as tensões que a melancolia causa, de maneira especial na libido, levando ao sentimento de culpa, a dimensão instintiva do sujeito é afetada. No entanto, dentro das suas constituintes, ele é também espiritual, na medida em que, numa vivência profunda e verdadeira, consegue integrar o instinto ao espiritual, em que este consegue se enxergar de forma não desolada, mas, ao contrário, pacificado, não vive um dualismo entre o instinto e a espiritualidade, mas, se vê de forma una. Nesse sentido, Jung descreve:

O erotismo é uma interrogação e sempre será, o que quer que diga qualquer determinação futura. Por um lado, ele pertence à natureza animal primitiva do homem, que existirá sempre enquanto o homem tiver um corpo animal. Por outro lado, porém, ele é aparentado às formas mais elevadas do espírito. Mas ele só floresce quando o espírito e instinto estão na sintonia correta. Quando falta um dos dois aspectos, ocorre um dano, ou pelo menos uma unilateralidade, um desequilíbrio, que pode facilmente desembocar em algo doentio54.

Observemos que Jung trabalha a palavra erotismo, que provém de eros, força de viver: “Na linguagem moderna poderíamos expressar o conceito de eros como relação anímica e o de logos como interesse material”55. Nesse sentido, podemos nos perguntar: Se a melancolia, derivada de várias realidades, de maneira especial ao luto, é a causadora de um sentimento de culpa no sujeito, não seria também a falta da espiritualidade (que nos conecta conosco mesmo em direção ao transcendente, ou seja, para além da realidade que vivemos), que Jung menciona, no sentido de trazer um equilíbrio? Tendo em consideração que a espiritualidade nos conduz a sentimentos e a realidades excelsas, tais como: reconciliação, perdão e recomeço, assim, torna-se um ponto crucial de resolução traumática e, ao mesmo tempo, de reequilíbrio da potência.

Dessa forma, entendemos que a exacerbada valorização de um fato, olhado apenas na dimensão instintual do sujeito, pode levá-lo a ficar preso em si mesmo, dentro de seus medos e de suas bolhas. A força anímica do sujeito que está para a espiritualidade é o outro lado da balança para reequilibrá-lo, fazendo-o se reencontrar com sua totalidade. Jung nesse sentido diz: “‘O amor é um grande demônio’, diz a sábia Diotima a Sócrates. Não se consegue nunca lidar com ele ou então só se consegue produzindo danos a si mesmo. Ele não é toda natureza em nós, mas pelo menos é um de seus aspectos principais”56.

A abertura que damos a nós mesmos, de recomeçarmos, ajuda-nos a blindar-nos contra enfermidades, que são frutos dos nossos amargores emocionais. A sinceridade consigo mesmo, no sentido de transfigurar as perdas, nos traz retidão ao nosso aparelho psíquico. Molina nos adverte: “A melancolia desde os Gregos estava relacionada ao estado biliar, enquadrando-se a bílis negra, uma doença do fígado, que estava relacionada ao estado da leitura do sujeito em seu comportamento”57.

O aspecto da morte atua, não apenas na dimensão emocional, mas na dimensão transcendente do sujeito. E é justamente nesta dimensão transcendente que lhe é tocada que implica diretamente na sua força (potência). Jung esboça de maneira clara esta condição:

O racionalismo crítico aparentemente eliminou junto com tantas outras concepções míticas, a idéia de vida após a morte. Isso só pode ter ocorrido porque hoje a maioria das pessoas identifica-se quase que exclusivamente com a sua consciência, e imaginam ser apenas aquilo que sabem a respeito de si mesmas58.

Tal interpretação, limitada pela finitude da razão, leva aqueles que se despedem de seus entes queridos a se prenderem naquele último momento da dor e do sofrimento, e, no final da cerimônia do enterro, é quando muitas vezes alguns dos que permanecem vivos permitiram findar suas vidas ali, não se permitindo enxergar além, ou mesmo, trazer à memória as boas recordações vividas como estímulo para viver. Racionalizar de maneira fria o acontecimento empobrece ainda mais a alma humana, por isso Jung afirma: “Infelizmente hoje o lado mítico do homem é desprezado. Ele não pode mais criar fábulas. Como resultado disso muita coisa lhe foge, pois é importante e salutar falar também de coisas incompreensíveis59.

Para Jung: “Mitos são a forma mais antiga da ciência”60. A dimensão transcendente que habita o homem é que o fortalece em sua força anímica, pois a essência que antecede nossa existência, que nos dá sentido nos momentos mais difíceis, como apontado nas páginas anteriores sobre melancolia, cujo cerne é a dor de não aceitar a perda. Assim, se nos prendermos apenas no mundo das aparências que nos leva a nos entretermos, a nossa realidade será apenas essa. Jung nos ajuda a ampliarmos o pensamento:

Assim a possibilidade de uma outra realidade por trás do mundo fenomênico tornar-se um problema inescapável, e devemos encarar o fato de nosso mundo, com seu tempo e espaço e causalidade, relaciona-se com uma outra ordem de coisas por trás ou por baixo61. A experiência real da crueldade e arbitrariedade da morte pode nos amargurar tanto ao ponto de nos levar a concluir que não existe um Deus misericordioso, não existe justiça e não existe bondade62.

É por isso que, ao tratarmos de mito, aqui, estamos nos referindo a uma força profunda que habita o humano, a mesma força que Freud relatou ao se referir à energia psíquica. Ela brota do inconsciente, vem de dentro. Força esta que, quando está em desarmonia, como já mencionamos, se torna causa de desprazer e de frustração. A energia psíquica é elementar na saúde emocional, que implica, diretamente, na saúde fisiológica. Sendo assim, tratar esta energia de forma adequada é a proposta da psicanálise de levar o sujeito ao bem-estar. Jung nos fala sobre esta energia interior:

O mito é o natural e indispensável estágio intermediário entre o inconsciente e a cognição consciente. É verdade que o inconsciente sabe mais do que a consciência; mas é o conhecimento de um tipo especial, o conhecimento na eternidade, geralmente sem referência ao aqui e agora, não expresso em linguagem do intelecto63. Somente a consciência do nosso estreito confinamento ao si mesmo forma o elo com a não-limitação do inconsciente64.

Ou seja, a transcendência, que nos leva a vivermos nossa potencialidade, projeta-nos para uma dimensão atemporal, o bem-estar quando vivido, é uma sensação de querer prolongar o que preenche o interior, que está contido de maneira inconsciente. Como numa sessão, em que o paciente se esvazia, e, naquele instante, ele vive um processo de reconciliação consigo, um bem-estar o envolve e tem um poder sobre o tempo, fazendo aquele momento parecer eterno. Por isso, Freud, através da psicanálise, procurava desde o início de suas pesquisas, descobrir o que interiormente perturbava a vida de seus pacientes, rompendo com a visão reducionista que havia no cientificismo da época. Nesse sentido, Jung afirma:

O homem foi roubado de transcendência pela miopia dos super-intelectuais. Como eles, ele caiu vítima da inconsciência. Mas a tarefa do homem é o posto exato disso: tornar-se consciente dos conteúdos que pressionam desde o inconsciente65.

Portanto, neste capítulo, observamos os conceitos de potência em Tomás de Aquino, o desejo em Arendt, as pontuações de Freud sobre o complexo de Édipo, a Psicologia Analítica de Jung sobre a Individuação/Espiritualidade, em que vemos a questão da afetação que está implicitamente ligada a questão do desprazer Freudiano, ao medo da perda, conforme Arendt, o desejo que é aprisionado, principalmente quanto ao medo da perda, gerando a impotência, ou desejo livre pela busca do Self que proporciona a potência do sujeito.

5.1. Potência, Energia Presente no Inconscientemente

Trazer à consciência o que está em nível inconsciente é um processo harmônico de reconciliação com o homem interior e exterior, fazendo-o se libertar de sua visão unicamente racional, que muitas vezes o tornou refém, através do mecanismo de defesa.

Freud, ao lançar seu primeiro livro, A Interpretação dos Sonhos, baseou-se em filósofos e pensadores que haviam tratado sobre a dimensão dos sonhos. De maneira específica, ele acreditava que os sonhos não possuíam um teor futurístico, mas, ao contrário, intuía que, por meio dos seus próprios sonhos, seus pacientes tinham como base o presente momento e as memórias do passado, a exemplo da humanidade que, ao longo dos séculos utilizava dos sonhos como forma de tomar decisões. Assim encontramos em seu livro:

Talvez se possa indagar qual terá sido o ponto de vista em relação aos sonhos adotados na pré-história pelas raças primitivas dos homens e que efeito os sonhos teriam exercido na formação de suas concepções do mundo e da alma; e esse é um assunto de tão grande interesse que só com extrema relutância me abstenho de abordá-lo aqui66.

Por ser seu primeiro livro, quis demonstrar que os sonhos eram formas de mostrar ao sonhador quais seriam os conflitos que estavam, internamente, levando-o a viver o desprazer, o que estava sendo motivo de lhe tirar a potência interior. Sendo assim, tendo observado o relato de seus pacientes, o autor chega à seguinte conclusão: “Os sonhos em outras palavras não decorrem de manifestações sobrenaturais, mas seguem as leis do espírito humano, embora este é verdade, tenha afinidades com o divino67”.

O referido autor procura demonstrar, em suas pesquisas que, aquilo que nos marcou, foi o que realmente retirou nossas forças, e que estava relacionado à paixão. Por isso, os torcedores sofrem quando seu time perde a partida, quando a dedicação ao emprego ou a profissão não foi causa de preenchimento, quando o amor desejado não foi correspondido, como já tratamos, através da filósofa Hannah Arendt. Dessa forma citando o filósofo J.G.E Maass (1805), citado por Winterstein (1912) diz: “A experiência confirma nossa opinião de que sonhamos com mais frequência com as coisas em que se centralizam nossas mais vivas paixões”68. Roudinesco tratando de um dos sonhos de Freud aprofunda a temática:

O sonho certamente conserva seu valor, e tenho um apreço cada vez maior por meus primórdios na metapsicologia. Que pena, por exemplo, que a interpretação dos sonhos não baste para se ganhar a vida!” Nas semanas seguintes, Freud registrou o que tinham sido seus sentimentos amorosos por sua mãe e descobriu a universalidade do mito edipiano, realização, como o sonho, de desejos infantis inconscientes, tudo isso constituindo coisas que ele registraria no capítulo V de Die Traumdeutung69.

Conforme já mencionado por Freud, os sonhos tratam daquilo que está presente nas leis do espírito humano, ou seja, ao que pertence ao tempo e ao espaço, como já mencionado por Jung. Os sonhos se referem, de maneira direta, ao que foi ou ao que está sendo vivido, em nível existencial: “Artábano, o velho e sensato intérprete persa dos sonhos, observou-lhe pertinentemente que, por via de regra, as imagens dos sonhos contêm aquilo que homem em estado de vigília já pensa”70.

Freud observou que aquilo que ficou censurado dentro do sujeito, aquilo que não pode ser livre, tende a buscar um caminho pelo qual possa se manifestar. Assim, suas observações, baseadas em si mesmo e também na vida de seus pacientes, foi o caminho utilizado para se chegar e checar tais informações a respeito desta ambiência interior que chamamos de inconsciente. De acordo com Roudinesco: “Para levar a cabo sua empreitada, Freud utilizou 223 sonhos: 47 seus e 176 provenientes de pacientes ou pessoas de seu círculo”71.

Um olhar sincero sobre si mesmo possibilita, assim como um filme que é projetado numa parede por um projetor, ver a imagem que emana do interior, a qual denominamos energia psíquica. E, quanto mais essa imagem é projetada sem medo, mais potência é encontrada no sujeito. Freud menciona seu sonho:

Assim é que, durante anos, antes de concluir este livro, fui perseguido pela imagem de uma torre de igreja de desenho muito simples que eu não lembrava ter visto. E então, de súbito, reconhecia com absoluta certeza numa pequena estação de linha férrea entre Salzburgo e Reichenhall. Isso ocorreu na segunda metade da década de 1890, e eu viajara naquela linha pela primeira vez em 188672. […] Na rua que conduz a ela, à minha esquerda e, com toda probabilidade, no ponto do qual retornara em 1895, deparei com o lugar que tantas vezes vira em meus sonhos, com as figuras de arenito que faziam parte dele. Era, de fato, o acesso ao jardim de um restaurante73.

Dessa forma, aquele sonho trazia uma igreja (manifesto), mas, ao final, o sonho o lembrará do restaurante (latente), e, assim, a resolução ocorre esvaziando do sujeito a sua angústia, conduzindo-o ao verdadeiro sentido e interpretação do fato.

Freud teve seu primeiro livro relacionado aos sonhos, mas foi o acolhimento que ele teve do Dr.Breuer e Dr.Charcot, de maneira especial, o primeiro, que através de seu estudo de caso motivou Sigmund Freud a encontrar uma solução para a histeria e para as neuroses, como ele mesmo relata:

Breuer referiu-se ao nosso método como catártico; explicou-se sua finalidade terapêutica como sendo a de proporcionar que a cota de afeto utilizada para manter o sintoma, que se desencaminhara e que, por assim dizer, se tinha tornado estrangulada ali, fosse dirigida para outra trilha normal ao longo da qual pudesse obter descarga (ou ab-reação)74.

Breuer partilhara com Freud de sua paciente que, através do método hipnótico, conseguia liberar energias represadas, que ambos intitularam de catarse. A catarse é uma maneira de se chegar a um fato ou acontecimento passado que introjetou neste evento um sentimento negativo, utilizando a linguagem deste trabalho, que gerou uma impotência, diante do ocorrido. Tal energia acumulada, se transmutou em doenças psicossomáticas, diretamente ligadas à parte neurológica. Então, Freud e Breuer escrevem um artigo sobre esta descoberta, abrindo possibilidades de transformar a neurastenia em força de potência para o sujeito, devido a liberação desta energia armazenada.

As terapias são fundamentais no apoio, pelo processo catártico, em que a água como componente de expurgo, processo que a água nos possibilita como solvente deste quantum de energia represado em nossas memórias. Assim como o choro, porém como lamento, culposo, corrosivo, como lembrança, restaurador e reflexivo75.

A partir desta descoberta sobre a catarse, que ambos fazem, Freud vai além e descobre que havia um conteúdo sexual presente em todas as neuroses, o que vai levá-lo a dizer:

“Breuer escreveu sobre a moça, que deste então se tornou famosa como sua primeira paciente, que sua faceta sexual era extraordinariamente não desenvolvida. Teria sido difícil adivinhar pelos Estudos sobre a Histeria a importância que tem a sexualidade na etiologia das neuroses”76.

Foi um grande avanço nas teorias de Freud, para que chegasse à Psicanálise, que ele então propunha. Ele concluiu que o fator que retirava as forças das pessoas, o que lhes fazia perder a potência e ter reflexos no fisiológico provinha das frustrações emocionais, ligadas à sexualidade, como vemos a seguir:

Aprendi então por experiência própria, a qual aumentava rapidamente, que não era qualquer espécie de excitação emocional que estava em ação por trás dos fenômenos da neurose, mas habitualmente uma excitação de natureza sexual, quer fosse um conflito sexual comum, quer o efeito de experiências sexuais anteriores77.

Diante desta descoberta que Freud observou na paciente de Breuer e em seus próprios pacientes, chegou ao cerne de toda a questão neurológica que ele investigava, descobriu a origem dos problemas psíquicos. E, mediante o trabalho publicado com Breuer, suas observações chegaram à seguinte conclusão, sobre o que retirava a potência do sujeito:

Fui além do domínio da histeria e comecei a investigar a vida sexual dos chamados neurastênicos, que costumavam visitar-me em grande número durante minhas horas de consulta78. […] veio a ocorrer que em todos esses pacientes graves irregularidades da função sexual se encontravam presentes79.

Como pano de fundo que redirecionava a força da sexualidade estava a ansiedade, que levava a um alto grau de excitação ou a perda desta, gerando, assim, um descontrole no paciente, o que implicava, posteriormente, além das situações psicossomáticas, também um total desprazer, reprimido pela culpa.

Em um dos tipos a manifestação central era o ataque de ansiedade com seus equivalentes, formas rudimentares e sintomas substitutivos crônicos; em conseqüênca, dei-lhe a denominação de neurose de angustia, limitando o termo neurastenia ao outro tipo. Agora era fácil estabelecer o fato de que cada um desses tipos tinha uma anormalidade diferente da vida sexual como seu fator etiológico correspondente: no primeiro, coitus interruptus, a excitação não consumada e a abstinência sexual, e no segundo masturbação excessiva e emissões noturnas numerosas demais80.

Freud ainda aprimorando sua teoria, vai descobrir que há um desejo inconsciente, conforme já apontamos com Arendt, quando esta afirma que o desejo tem como meta possuir o que se ama. E Freud descobre que é este desejo, existente no ser humano, que pulsiona a vida. Ele expressa isso em um de seus atendimentos:

Certa ocasião, ao despertar, lançou os braços em torno do meu pescoço. A entrada inesperada de um empregado nos livrou de uma discussão penosa, mas a partir daquela ocasião houve um entendimento tácito de que o tratamento hipnótico deva ser interrompido. Fui bastante modesto em não atribuir aos meus próprios atrativos pessoais irresistíveis, e senti que então havia apreendido a natureza do misterioso elemento que se chamava em ação por trás do hipnotismo81.

Dessa maneira, ele percebe que o desejo leva à vida, e o não desejar é não ser, não existir. Ali estava a chave da psicanálise para se trabalhar a potência ou a impotência do sujeito. À medida que ele, através da análise, descobria que poderia tornar o que não foi desejável, ou reprimido, em algo livre, a liberdade reconstruiria o desejo. Descobrira o embate interior de todo ser humano, entre instinto e resistência. Assim menciona:

As duas dinâmicas para nossa finalidade atuais denominemo-las ‘o instinto’ e ‘a resistência’ – lutavam uma com a outra à plena luz da consciência, até que o instinto era repudiado e a catexia de energia era retirada de sua impulsão82. O ego recuou, por assim dizer, na sua primeira colisão com o impulso instintual objetável; impediu o impulso ter acesso à consciência e à descarga motora direta, mas ao mesmo tempo o impulso reteve sua catexia integral de energia. Denominei esse processo de repressão; era uma novidade e nada semelhante a ele jamais fora reconhecido na vida mental83.

O trabalho, de início, não foi muito bem-aceito, pois tratava-se de uma nova forma de ver o ser humano, através da força inconsciente, o que contrariava o cientificismo da época, o que o período das luzes chamou de sombras. Mas ele persistiu, mesmo não tendo suas ideias aceitas e correndo o risco de depreciação em sua carreira médica:

A psicanálise considerava tudo de ordem mental como sendo, em primeiro lugar, inconsciente; a qualidade ulterior de ‘consciência’ também pode estar presente ou ainda pode estar ausente. Isso naturalmente provocou uma negação por parte dos filósofos, para os quais ‘consciente’ e ‘mental’ eram idênticos, e que protestaram que não podiam conceber um absurdo como o ‘mental inconsciente’. Isto, contudo, não pôde ser evitado, e essa idiossincrasia dos filósofos não merece outra coisa senão ser posta de lado com um dar de ombros. A experiência (adquirida de material patológico, que os filósofos ignoravam) da freqüência e do poder de impulsos dos quais nada se sabia diretamente, e cuja existência teve de ser inferida como algum fato do mundo externo, não deixou qualquer alternativa em aberto84.

Este ponto de descoberta do inconsciente conduz-nos a algo muito remoto. Antes que a razão imperasse, o ser humano era visto como alguém que possuía uma alma, e, dessa forma, um ser integral. Que muito antes da razão ser a senhora do destino e da verdade, o ser humano sentia. Conforme o filósofo Pascal: “O coração tem suas razões que a própria razão desconhece”85, ou mesmo São João Paulo II, em sua encíclica sobre fé e razão vai nos dizer: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”86.

Enfim, o inconsciente foi algo que sempre esteve ali, presente, no ser humano, assim foi nominado por Freud, mas a região profunda do ser humano, com suas mazelas e vitórias, veio à tona de maneira sistematizada através da observação deste neurologista que vendo o ser humano, via a si mesmo, e quis oferecer ao outro aquilo que pôde oferecer a si mesmo, a compreensão de sua própria história. Jung nos explica de forma clara:

Essas forças interiores advêm de uma fonte profunda que não é alimentada pela consciência nem está sob seu controle. Na mitologia antiga, essas forças eram chamadas de mana, ou espíritos, demônios e deuses, e estão tão ativos hoje em dia como no passado. Se eles se ajustam aos nossos desejos, falamos em boa sorte ou inspiração feliz e congratulamo-nos por sermos “pessoas tão sábias”. Se as forças nos são desfavoráveis, referimo-nos à nossa pouca sorte, dizemos que alguém está contra nós ou que a causa dos nossos infortúnios deve ser patológica, daí por diante. A única coisa que nos recusamos a admitir é que dependemos de “forças” que fogem ao nosso controle87.

Portanto, concluímos aqui que Freud tinha como intenção em suas pesquisas: trazer à consciência o que estava submerso na vida do sujeito, o que ele chamou de inconsciente. Para isso, descobriu a importância dos sonhos, que trazia uma linguagem inconsciente, e o que, ali, estava censurado, buscava uma saída. Freud pesquisava a solução para neurose e para a histeria, e em suas pesquisas com Breuer e Charcot descobre o conteúdo sexual, presente nas neuroses e histerias. A ansiedade perpassa a ambas, que traziam em seu arcabouço os desejos reprimidos.

5.2. O Desprazer no Aparelho Psíquico Que Atinge a Potência

Ao tratarmos sobre a potência, torna-se indispensável mencionarmos, à luz da teoria de Freud, os mecanismos da mente, que, movidos pelo desprazer, implicam diretamente sobre a potência. “O desprazer é identificado como o aumento do estímulo, enquanto que o prazer resulta de sua diminuição”88. O aumento dos estímulos aumentam a ânsia de que uma ação seja tomada, o que nos diversos cenários causam a angústia e retiram a potência, uma vez que há uma gasto maior de energia provocado pelo escoamento gerado pelo excesso de estímulo. Dessa maneira, os neurônios permeáveis se ocupam de uma realidade desnecessária, resultando apenas em cansaços mentais – desprazer -.

É esta distinção entre neurônios permeáveis e neurônios impermeáveis que vai tornar possível a Freud falar de uma memória neurônica. Mais ainda, enquanto os neurônios impermeáveis servem à memória, os neurônios permeáveis servem à percepção. Segundo ele, os mesmos neurônios não podem servir à memória e à percepção. Isto porque, para que o processo perceptivo possa se dar na fluidez que lhe é própria, é necessário que ele encontre sempre uma estrutura que permaneça inalterada a cada nova percepção89.

Quando se utiliza, por exemplo, de uma conversa em que há a externalização dos sentimentos e memórias vividas, no sentido de se buscar um auxílio psíquico, neste caso, há um esvaziar-se de energia (quantum), considerado como prazeroso, pois há um descarregar do interno para o externo, o que permite pela fala, pela interação, um ressignificar, e um introjetar de uma nova forma de ver as realidades apresentadas.

Freud considera a quantidade como um quantum finito e determinado de energia que circula pelo aparato psíquico. A qualidade é outra coisa. Não é redutível à quantidade e diz respeito aos aspectos sensíveis da percepção90.

Os elementos internos que causam tensão, desprazer, estão dentro da dimensão anímica e não na dimensão material, por vezes o cientificismo procurou racionalizar elementos que não eram de sua alçada, mas pertenciam a alma, e essa hermenêutica reducionista lendo o ser através da existência, causou um empobrecimento a sua estrutura psíquica durante muitas décadas.

Segundo Bergson, a inteligência científica foi elaborada para pensar a matéria no que ela possui de substancial, estática, extensa, deixando de lado o que possui mutável. O que se percebe na ciência é a tentativa de reduzir o mutável ao imutável, o móvel ao imóvel, a diferença, à identidade, o devir ao ser91.

A essência do ser humano é maior que sua existência, dessa maneira, os eventos que o acompanham, ligados à sua alma, tem um significado muito mais amplo do qual a inteligência é incapaz de compreender em sua totalidade. Por isso, é imensurável tratar o que está na dimensão ôntica com o olhar do existencial.

A redução da qualidade à quantidade ou mais especificamente dos fatos psíquicos aos fatos físicos, deu-se, segundo Bergson, por obra da inteligência, a qual, incapaz de pensar a mutação, o devir, a diferença, traduziu a duração (durée) em espaço, para melhor poder conceitualizá-la. A durée é qualidade pura. Qualquer tentativa de traduzi-la em termos quantitativos destrói necessariamente seu caráter de duração, e isto é aplicável a todo acontecer psíquico. A consciência é pura qualidade92.

Para se chegar a uma outra alma humana é preciso mais do que a razão, é preciso entender com a própria alma. Quando Freud abordou a questão das experiências sexuais infantis, descobrindo a neurose e a histeria, provenientes destas realidades, observou que eram elementos que descaracterizam o sujeito, que retirava-lhes todo o fluxo de energia original, provocando um esvaziamento da potência. Pois, como menciona, a criança está num universo passivo (potência) em que os atos dirigidos a ela serão convertidos em impulso para esta potência ou estagnação (retirar da energia).

Freud considerava que as experiências sexuais infantis eram sempre decorrentes da ação de fatores externos (violência por parte de um adulto). A criança era sempre sexualmente passiva. Mesmo quando faz a distinção entre histeria e neurose obsessiva, dizendo que na gênese da histeria havia uma experiência sexual prematura de natureza passiva (des-prazerosa) enquanto que na neurose obsessiva essa experiência teria sido ativa e acompanhada de prazer (o que corresponderia à afirmação de uma sexualidade infantil autônoma), ele corrige acrescentando que, em todos os casos por ele observados, essa experiência de prazer era invariavelmente precedida de uma experiência puramente passiva. Assim, tanto a histeria como a neurose obsessiva seriam decorrentes de um trauma sexual sofrido na infância pela ação perversa de um adulto93.

Freud observa que esses elementos que influenciavam diretamente a potência do sujeito, apareciam, segundo suas observações, através dos sonhos, em cujo simbolismo se apresenta como uma linguagem, como forma de dialogar com o sonhador. “O aparelho psíquico não é psíquico, isto é, aquilo que faz com que esse aparelho seja um aparelho não é da ordem do psicológico, mas da ordem da linguagem. Portanto, o aparelho psíquico é um aparelho simbólico e não um aparelho psicológico”94. E ali estariam as realidades impressas na alma, à medida que o sonho ia sendo interpretado e compreendido, havia uma espécie de expurgo, esvaziamento do quantum de energia estagnado, devolvendo a energia de realização ao sujeito.

Freud refere-se ao conteúdo manifesto e aos pensamentos latentes como sendo diferentes modos de expressão, compreendendo signos e leis de articulação distintas; uma diferença de linguagens, portanto, e não uma diferença como a que existe entre duas línguas. No caso de duas línguas, há uma gramática que se mantém constante, assim como há a possibilidade de um código comum viabilizando a tradução, ao passo que, nos sonhos, cada sonhador cria sua própria gramática95.

Dentro deste universo do decifrar o que os sonhos apresentavam simbolicamente ou na própria fala do sujeito, através da associação livre, a censura é uma maneira de não permitir que os símbolos que estão no inconsciente sejam decodificados para o consciente, de modo a serem compreendidos e trazidos à luz do eu.

Censura e resistência não pertencem, porém, ao mesmo registro. A censura (Zensur) é apontada por Freud como a responsável pela deformação a que são submetidos os pensamentos latentes pelo trabalho do sonho. Inicialmente, Freud concebe a censura como uma função que se exerce na fronteira entre os sistemas inconsciente e pré-consciente ou mesmo entre o pré-consciente e o consciente; portanto, algo que opera na passagem de um sistema para outro mais elevado. No decorrer da obra freudiana, a função de censura é atribuída ao eu, terminando por ser confundir com a noção de Supereu96.

A condensação estaria paralelamente presente, próxima a censura, no sentido de permitir que apenas alguns elementos apareçam. Foi por isso que Freud, utilizou a associação livre, em que a pessoa diz sem pensar, ou seja, sem passar pelos mecanismos que poderiam censurar, é capaz de trazer para a realidade o que estava escondido e que precisava ser manifesto.

A condensação opera de três maneiras: primeiro, omitindo determinados elementos dos pensamentos latentes; segundo, permitindo que apenas um fragmento do conteúdo latente apareça no sonho manifesto; terceiro, combinando vários elementos do conteúdo latente que possuem algo em comum num único elemento do conteúdo manifesto. […] O mecanismo de condensação não ocorre apenas nos sonhos, ele também está presente no chiste, nos lapsos, nos esquecimentos das palavras etc97.

Dentro daquilo que chamamos de psicossomático, Freud observou que elementos simbólicos no inconsciente teriam a capacidade de implicar o fisiológico do sujeito. Esta relação está presente em suas descobertas quando, acompanhando Dr.Breuer e Dr.Charcot, através da hipnose, viu existir uma certa energia que emergia do interior e que implicava externamente de forma positiva na saúde dos pacientes, a qual, mais tarde chamaria de inconsciente. Neste sentido, Freud valoriza a dimensão anímica e, também, os elementos simbólicos que dela emergem.

Ao apresentar o caso Elizebeth von R., escreve que poderíamos supor ‘que a paciente havia estabelecido uma associação entre as suas impressões anímicas dolorosas e as dores corporais que por acaso registrara de maneira simultânea, e que agora, em sua vida mnêmica, estava usando suas sensações corporais como símbolo das anímicas. Um emprego que Freud faz da noção de símbolo, como um sentido que demostra já uma certa independência com relação à noção de “símbolo mnêmico”, é com referência ao que denomina ato sintomático simbólico98.

Na descoberta do inconsciente também está presente uma memória que transporta os elementos guardados ao longo de nossa vida, e que, para Freud, antecipa nosso aparelho psíquico, que, segundo ele, vai se consolidando com o passar do tempo, e são essas memórias que colaboram para que esse sistema se constitua.

O que é novo e sem precedentes é o modo pelo qual Freud concebe a memória. Primeiramente, pelo fato de que para ele a memória não é uma propriedade ou uma faculdade do aparelho psíquico, mas aquilo que funda este aparelho. Não há, primeiro, um aparelho psíquico e, em decorrência do seu funcionamento, uma memória; mas ao contrário, o que é primeiro é a memória e em decorrência dela surge o aparelho psíquico99.

Podemos pensar que é através do armazenamento dessas memórias e, dentre elas, o desejo de se organizarem, que surge sua estruturação, que, dentro dessa dimensão neural, fazem com que a mente se constitua, classificando as prioridades, aceitações e não aceitações, o que deriva o entrosamento entre o id, ego e o superego.

É a partir dos investimentos colaterais e da ligação que se constituem as primeiras fixações e a própria distinção entre neurônios retentivos e neurônios não-retentivos, assim como é também a partir destes contra-investimentos que o aparelho psíquico começa a se estruturar100.

A questão da potência pode ser trazida à tona neste momento, em que a libido, preenchida pelo prazer ou desprazer, reluz ao sujeito o que está sendo determinante dentro dele. Neste dualismo, é impulsionado a rememorar o que foi satisfatório em sua vida, e, então é instigado, pelo próprio aparelho psíquico, a este reencontro com o objeto de sua satisfação.

O funcionamento do aparelho passa a ser determinado pela experiência primária de satisfação, momento de instauração do diferencial prazer/desprazer, experiência que se constitui como modelo para as repetições posteriores: o aparelho procura efetuar uma ação específica cujo objetivo é reproduzir a experiência de satisfação, isto é, reencontrar o objeto que originalmente produziu a satisfação101.

Mediante a estrutura psíquica, que foi sendo solidificada ao longo do tempo, através das memórias, há uma tendência aos elementos traumatizantes – negativos -. E é neste contexto que evocar a dimensão simbólica, por meio das memórias, dos acontecimentos positivos, é o que se contrapõe ao sistema psíquico, que está configurado aos desacertos.

O aparelho psíquico está constituído, fundamentalmente, como um aparelho cuja estrutura e cujo funcionamento o condenam ao engano e ao erro. É necessário, portanto, um outro aparelho que se contraponha a ele fornecendo um princípio de correção através de signos de realidade. Este é o papel do sistema, sistema percepção-consciência, com seus signos de qualidade ou signos de realidade102.

Por isso, ao tratar das afasias, Freud foca na dimensão da linguagem, não apenas em sentido gramatical, cultural, mas, principalmente, na questão dos símbolos, que é uma linguagem universal e, talvez, a mais antiga, por carregar em si uma dimensão filogenética que acaba sendo maior que o nosso sistema psíquico, isolado, que pertence somente a nós, de forma particular.

Como ainda soa estranho para alguns leitores de Freud, se levarmos em conta a tese já presente no texto de 1891 sobre as afasias segundo o qual o aparato de linguagem não se constitui senão na relação a outro aparato de linguagem, tese que é imediatamente ampliada para afirmar que o aparato psíquico não se forma senão na relação a um outro aparato psíquico103.

Assim, tratando o aparelho psíquico, uma das descobertas foi a questão narcísica, uma forma de mover o desejo e a força libidinal para si mesmo, uma maneira de viver-se isolado no próprio aparelho psíquico, desconsiderando o universo exterior, o outro, e, principalmente, a dimensão simbólica, além de universal, que é fundamental para o próprio desenvolver do sujeito.

Não é por acaso que Freud escreve Para introduzir o narcisismo logo em seguida a Totem e tabu. A idéia de que narcisismo e agressividade surgem juntos já está presente na maneira como ele descreve o processo de identificação e incorporação: ‘”os irmãos expulsos se uniram, mataram e devoraram o pai”. O ato de incorporação tem por finalidade fazer com que os membros do grupo se transformem em representantes desse pai ideal. Mas o processo de identificação com o pai poderia fazer ressurgir em cada membro do grupo o mesmo desejo assassino em relação aos demais104.

Na dimensão da função sexual, Freud elabora seu modelo, utilizando a própria dimensão animal que faz parte do homem. A dimensão do instinto, que está presente em todos os animais racionais e irracionais, tem como finalidade a satisfação de uma necessidade biológica e à dimensão procriativa, fora disso, tudo o mais é considerado como perversões, dentre esta questão estão também abarcadas as parafilias.

A idéia de “aberração”, “perversão” ou mesmo “desvio” supõe um padrão fixo que é “pervertido” ou “desviado”. No caso da sexualidade, o padrão considerado é a reprodução animal. O comportamento sexual dos animais tem por objetivo imediato a satisfação de uma necessidade e por finalidade a reprodução e a manutenção da espécie. Uma conduta sexual que não leve à realização desses objetivos é considerada aberrante, perversa ou desviante. Trata-se de um modo de pensar que opera com os referenciais modelo/cópia/simulacro, cujo paradigma foi instituído por Platão. A conduta sexual dita normal é aquela que repete o padrão, a boa cópia em relação ao modelo; a que subverte o padrão é a má cópia, o simulacro105.

Desta maneira, o que está para além da forma acima mencionada estaria ligado às questões originais de perda do sentido objetal real e passaria a se tornar sentido objetal ligado ao ideal e às fantasias não resolvidas, provenientes do desenvolvimento psicossexual infantil.

O grau de perversão permitido por cada pessoa varia de acordo com a resistência oferecida pelas “forças psíquicas”, sobretudo a vergonha e a repugnância. Essas forças psíquicas serão responsáveis pela transformação desses impulsos em si tornar neuróticos, de modo que podemos considerar a neurose como o negativo das perversões e os sintomas como a atividade sexual do neurótico106.

A não resolução das questões ligadas à sexualidade traz fortes consequências ligadas a potência, principalmente através da pulsão de morte, “o que Freud está marcando, desde esse momento, é o lugar do não-sexual, que primeiro vai ser ocupado pelas chamadas pulsões de autoconservação e, mais tarde, pela pulsão de morte”107.

Ao tratar sobre a pulsão de vida, Freud demonstrou que o desejo primordial do ser humano, sua ânsia mais profunda ,é pela vida, e é aí que mora a potencialidade do sujeito. Demonstrou que entre o “id e o superego”, ambos possuem o desejo de resguardar a vida, e essa proteção é impulsionada ao viver, o “id” de maneira a instigar os instintos, e por outro lado, o “superego” atuando como moderador para dizer que isso não é bom, que não fará bem à vida.

É somente em Além do princípio de prazer (1920), com a introdução do conceito de pulsão de morte, que o dualismo assume sua face definitiva: as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação são unificadas sob o nome de pulsões de vida, cuja energia é a libido, e contrapostas à pulsão de morte, cuja energia é a destrutividade108.

Através deste sistema psíquico da mente, id, ego e superego, pode ocorrer o fato da busca pelo autoerotismo, provocado pelas tensões dentro deste sistema, de construir um contingenciamento entre o interno e o externo, o que seria como um mecanismo de defesa e autopreservação.

No auto-erotismo a libido adquire seu sentido na medida em que se exerce diferentemente das relações que têm por objetivo articular, segundo uma espécie de harmonia preestabelecida, o eu e o mundo exterior109.

O afeto, que caminha paralelamente à sexualidade, tem sua referência dentro da dimensão das imagens, como, por exemplo: amor e dor, alegria e tristeza, aceitação e rejeição. Isso estaria ligado, dentro da dimensão prazer e desprazer, o que implica a libido. Freud ressalta que é no afeto que está presa a energia de pulsão, através do quantum, e quando há o desbloqueio deste, o afeto reencontra o seu caminho.

O afeto é entendido por Freud como uma pura intensidade, como a expressão qualitativa do quantum de energia pulsional, enquanto que a representação (Vorstellung) é concebida como um complexo de imagens. Intensidades e imagens são afetadas diferentemente pelos mecanismos defensivos. Apesar do afeto se ligar originalmente a uma representação, a ligação entre eles é necessária, podendo o afeto se deslocar de uma representação para outra sem ficar preso a uma delas110.

Dentro das questões trabalhadas por Freud, implícita a pulsão, está a sublimação, que é uma forma de descarregar a energia libidinal, de forma positiva, naquilo que está ligado à realização, por meio do afeto. Podemos citar alguns exemplos, como a arte, o esporte, a própria terapia. Nestas atividades, com o sujeito buscando por algo que o realiza, é descarregada, nestas atividades, a energia pulsional, trazendo bem-estar à alma.

O que caracteriza a sublimação é, portanto, um desvio da pulsão do seu objetivo sexual em direção a outros objetivos que não apresentam nenhuma relação aparente com o sexual. No entanto, é importante frisar que nem por isso a sublimação deixa de ser uma forma de satisfação da pulsão. É como se a pulsão sexual encontrasse satisfação num modo não sexual111.

No recalque, outro tópico abordado por Freud, esta realidade estaria ligada a um período anterior à formação do inconsciente. São realidades que não ultrapassaram a barreira inconsciente de maneira irresoluta, e que exercem uma implicação à estrutura psíquica, de forma a bloquear áreas da criatividade do sujeito.

O recalque originário corresponde a um momento anterior à constituição do sistema inconsciente, o que não significa que não possamos falar em processos inconscientes. O termo “inconsciente”, é empregado de forma adjetiva, designando processos que não chegam a se tornar conscientes mas que nem por isso pertencem ao sistema inconsciente. Podemos, quando muito, dizer que nesse momento há um inconsciente em função, mas não um inconsciente concebido como um sistema psíquico distinto dos demais112.

Ao tratar a histeria, Freud mostrou que é possível, diante de um trabalho ligado a superar as incongruências do período infantil, lidar com o que foi ferido na dimensão afetiva, havendo a possibilidade da ressignificação e a superação da angústia. Considerando o trauma sexual infantil em que a criança se sentiu vítima do ato, por isso há uma ressignificação mais tranquila em decorrência da passividade, que foi vivida, em que não se sentiu culpada.

Na histeria de conversão, o processo de recalcamento é em geral bem-sucedido, tendo em vista que consegue suprimir o afeto. É verdade que em seu lugar surgem os sintomas, também incômodos, mas que na maioria dos casos não são acompanhados de angústia113.

Na questão da neurose obsessiva, o afeto também é possível de ser trabalhado. Porém, a angústia não é superada, sendo acompanhada pelo mecanismo de defesa e pelas fobias. Como vimos anteriormente, esta condição está ligada a um trauma sexual infantil em que a criança tornou-se autônoma e ativa nos seus atos, essa culpa incutida é a causadora de tais realidades.

O terceiro caso exemplificado por Freud é o da neurose obsessiva. Nele o recalcamento é inicialmente eficaz; a representação é substituída por deslocamento, provocando o desaparecimento do afeto. No entanto, esse recalcamento bem-sucedido não consegue se manter com o passar do tempo, seu fracasso tornar-se cada vez mais evidente. Falhando o recalcamento, o afeto ressurge sob a forma de angústia e autocensura, provocando novas substituições por deslocamento e novos mecanismos de fuga como na fobia114.

Portanto, neste tópico, vimos que o desprazer aumenta o estímulo enquanto o prazer causa a sua diminuição. Freud fala do quantum de energia, que acumula o que ficou retido, e que, quando esvaziado, ou seja, daquilo que ficou marcado e resolvido, ocorre algo prazeroso. A essência do ser humano é maior que sua existência, se isso não for levado em consideração, o desprazer retira o fluxo de energia original do sujeito. Em sua técnica de associação livre, Freud conseguiu trazer os elementos censurados na psique que influenciava no fisiológico, percebeu isso durante os trabalhos de hipnose com Dr.Breuer e Dr.Charcot. Descobriu, no aparelho psíquico, as afasias, que seriam desfigurações da linguagem que atuam na mente, e viu também a questão narcísica, que move o desejo e a força libidinal para si mesmo e o instinto que está presente nos animais racionais e irracionais e que tem, por objetivo, a satisfação. Além disso, descobre as fantasias psicossexuais, no período infantil, a pulsão de morte, que estaria ligada à irresolução das questões sexuais e a sublimação, que seria a transferência dessa energia libidinal prazerosa para algo que realiza o sujeito, bem como o recalque, antes do inconsciente se firmar. Tais descobertas colaboram como pistas para trabalharmos no auxílio da superação da impotência.

5.3. Desejos, Neurastenia, Histeria, Obsessão a Sede da Impotência

É dentro da alma humana que se vive os maiores dilemas existenciais. Foi nesta perspectiva que a psicanálise, iniciada com Freud, procurou demonstrar os conflitos mais profundos, tendo uma parte vinda da sociedade, e que influencia, constantemente, a vida humana. Através de sua metapsicologia, procurou demonstrar que, para além de uma dimensão psíquica, tais situações influenciam e implicavam, diretamente, na dimensão do corpo.

É observando nossas próprias fraquezas que chegamos a lastimar ou desprezar o homem. A humanidade da qual estão nos desviamos é aquela que descobrimos no íntimo de nós. O mal se oculta tão bem, o segredo é tão universalmente conservado que, cada um, no caso é enganado por todos: por mais que severamente que pretendamos julgar os demais homens, no fundo os acreditamos melhores que nós. Nessa feliz ilusão repousa boa parte da vida social115.

A dimensão afetiva está no coração dos conflitos humanos, e pelo afeto que vivenciamos a dimensão eros (vida) ou thanatos (morte), potência ou impotência. Freud relata que a angústia é um sentimento de desfiguração do ser humano, que o leva a vivenciar a perda do desejo sexual, em outras palavras, um recuo da energia libidinal. Tais realidades angustiantes, ao longo da vida, somam-se à perda de potência, e, ao mesmo tempo, há uma reação psíquica que descarrega no corpo todo esse desprazer, gerando, em diversos casos, uma sintomatologia que adoece gradativamente.

Se aceitarmos a teoria até esse ponto, teremos de insistir em que deve haver, na neurose de angústia, um déficit constatável de afeto sexual na libido psíquica. E isso se confirma pela observação. Quando essa correlação é posta diante de alguma paciente, ela sempre se indigna e declara que, pelo contrário, agora já não tem nenhum desejo etc. Os pacientes do sexo masculino muitas vezes confirmam, como fato observado, que, após passarem a sofrer de angústia, não sentiram nenhum desejo sexual116.

Se assim pudermos dizer, há um desejo, observado por Freud, ligado ao complexo de Édipo, o desejo inconsciente da morte do pai, do concorrente pela mãe. Tal situação se torna mais complexa com o passar do tempo, quando há realmente a morte física. Naquele instante, a neurose se manifesta, no sentido de que o sujeito traz ao presente uma rememoração infantil, e se culpa pelo ato ocorrido, gerando, em muitos casos, uma paranoia. E, ao tratarmos aqui da questão da potência, pelo fato de se sentir culpado, pune-se, condena-se, retirando, ainda mais, as suas forças, e entrando na condição do desprazer.

Os impulsos hostis contra os pais (desejo de que eles morram) também são um elemento integrante das neuroses. Vêm à luz, conscientemente, como idéias obsessivas. Na paranóia, o que há de pior nos delírios de perseguição (desconfiança patológica dos governantes e monarcas) corresponde a esses impulsos. Estes são recalcados nas ocasiões em que é atuante a compaixão pelos pais - nas épocas de doença ou morte deles. Nessas ocasiões, constitui manifestação de luto uma pessoa acusar-se da morte deles (o que se conhece como melancolia) ou punir-se numa forma histérica (por intermédio da idéia de retribuição) com os mesmos estados [de doença] que eles tiveram. A identificação que aí ocorre, como podemos verificar, nada mais é do que um modo de pensar, e não nos exime da necessidade de procurar o motivo117.

Os sonhos são formas de que conteúdos inconscientes e, principalmente, não reconciliados, regressem ao sujeito. E de maneira desprazerosa esses elementos regressam de forma punitiva, fazendo com que, na libido tais descargas se manifestem ao corpo todo, de maneira somática. Tais desconfortos provenientes de lembranças, atuam de forma a angustiar, a desolar, provocando um desgaste psíquico.

Recordar nunca é um motivo, mas apenas uma maneira, um método. O primeiro motivo para a construção de sintomas é, cronologicamente, a libido. Portanto, os sintomas, como os sonhos, são a realização de um desejo […]. […] Os motivos da libido e da realização de desejo como punição agem, nesse caso, por soma. Aqui é inequívoca a tendência geral no sentido da ab-reação e da irrupção do recalcado, e a isso se somam os dois outros motivos. O que parece é que, em fases posteriores, por um lado, algumas estruturas psíquicas complexas (impulsos, fantasias, motivos) são deslocadas das lembranças e, por outro lado, a defesa, surgindo do Pcs. (o ego), pareceria abrir caminho para dentro do inconsciente, de modo que a defesa também se torna multilocular118.

Os desarranjos, causados pelo desprazer e que influenciam a libido, foram descritos por Freud como uma das consequências para gerar a neurastenia, que consiste, em grande parte, em um conflito entre uma ideia contrária com a ideia do que se desejava, e tal conflito implica, diretamente, da dimensão da força, da potência, fazendo a pessoa se sentir perdida, sem direção.

Na neurastenia, a idéia antitética, patologicamente intensificada, combina-se com a idéia volitiva num único ato da consciência; ela exerce uma subtração na idéia volitiva e causa a fraqueza da vontade, que é tão marcante nos neurastênicos e de que eles mesmos estão conscientes119.

Freud observou que a neurastenia, na maioria dos casos, estava presente ao lado da neurose de angústia. Se por um lado a neurastenia é uma disputa de ideias dentro do próprio sujeito, entre o que se quer e o que vai contra ao querer, na neurose de angústia, há uma sintomatologia, como uma resposta aos conflitos internos da psique, ela expõe o interior no exterior, resultados dos recalcamentos e defesas insuportáveis.

A verdade é que, em 1895, Freud encontrava-se a meio caminho no processo de passar das explicações fisiológicas dos estados psicopatológicos para as explicações psicológicas. Por um lado, propunha o que era, em linhas gerais, uma explicação química das neuroses “atuais” - neurastenia e neurose de angústia - (em seus dois artigos sobre neurose de angústia, 1895b e 1895f), e, por outro, propunha uma explicação essencialmente psicológica - em termos de “defesa” e “recalcamento” - para a histeria e as obsessões (em seus dois artigos sobre “As Neuropsicoses de Defesa”, 1894a e 1896b)120.

As neuroses recorrentes e não resolvidas, de forma obsessiva, regressavam diariamente, consumindo a energia libidinal, o que, em outras palavras, atuaria de forma a reduzir a potência, o que implicaria, de forma visível, numa mescla entre ansiedade e angústia, produzindo, assim, um diminuir das forças, causando o sentimento de incapacidade.

Havia uma nítida distinção entre a neurastenia e a “neurose obsessiva”, a neurose das idéias obsessivas propriamente ditas. Nesta última pude reconhecer um complexo mecanismo psíquico, uma etiologia semelhante à da histeria e uma ampla possibilidade de reduzi-la pela psicoterapia. Por outro lado, pareceu-me absolutamente necessário destacar da neurastenia um complexo de sintomas neuróticos que dependem de uma etiologia inteiramente diferente e, na verdade, no fundo, contrária. Os sintomas que formam esse complexo estão unidos por uma característica que já foi reconhecida por Hecker (1893), pois são sintomas ou equivalentes e rudimentos de manifestações de angústia; e por essa razão dei a tal complexo, a ser destacado da neurastenia, o nome de neurose de angústia121.

A neurose de angústia traz, em si, um grande esvaziar da libido sexual, o que leva à interpretação de que a necessidade sexual desapareceu, quando, na verdade, a causa primária de toda essa situação é o desprazer que interferindo diretamente na dimensão libidinal, causou um desprazer, consumiu a energia por meio do desprazer, e o resultado desta situação está justamente na desqualificação de si mesmo, ou seja, no sentir-se impotente.

Outro ponto de partida é fornecido pela observação, não mencionada até aqui, de que, em grandes grupos de casos, a neurose de angústia é acompanhada por um decréscimo extremamente acentuado da libido sexual, ou desejo psíquico, de modo que, quando se diz aos pacientes que suas queixas decorrem de “satisfação insuficiente”, eles respondem regularmente que isso é impossível, pois justamente agora toda a sua necessidade sexual se extinguiu122.

A neurose de angústia seria o coração da neurastenia, seria a psique trabalhando de forma totalmente negativa, abstraindo toda a potência que há no ser humano. Esse consumo exacerbado e desprazeroso, faz com que a energia, que poderia ser destinada às outras áreas, de forma construtiva e motivadora, fosse encerrada, fazendo com que não haja o reconhecimento de si, mas apenas um olhar voltado para a incapacidade, é um fadar-se à derrota, um cultuar aos desacertos e às fraquezas.

A anamnese dos pacientes freqüentemente revela que os sintomas da neurose de angústia, em algum período definido, sucederam-se aos sintomas de alguma outra neurose - talvez da neurastenia - e assumiram seu lugar. Nesses casos, pode-se mostrar com grande regularidade que, pouco antes dessa alteração do quadro, ocorrera uma mudança correspondente na forma do fator sexual nocivo123.

A neurastenia conduz a uma substituição de elementos, das vias naturais pelas vias imaginárias, enquanto a neurose de angústia potencializa, de forma negativa, para a libido todas as frustrações e afetos desfigurados, a ponto de esvaziar o desejo, fazendo com que a energia libidinal fique comprometida. Tal situação, que vai crescendo de forma gradativa, se não houver uma busca pela resolução, conscientiza lentamente o sujeito à conformação da situação, que finda na impotência.

Podemos incluir no âmbito dessa descrição do processo sexual não apenas a etiologia da neurose de angústia, mas também a da neurastenia genuína. A neurastenia surge sempre que a descarga adequada (a ação adequada) é substituída por uma menos adequada - por exemplo, quando o coito normal, praticado nas condições mais favoráveis, é substituído pela masturbação ou pela emissão espontânea. A neurose de angústia, por outro lado, é produto de todos os fatores que impedem a excitação sexual somática de ser psiquicamente elaborada. As manifestações da neurose de angústia aparecem quando a excitação somática que foi desviada da psique é subcorticalmente despendida em reações totalmente inadequadas124.

A angústia abarcaria todas as realidades que não foram resolvidas, em nível afetivo. O afeto desfigurado é o primeiro elemento pelo qual todas as neuroses têm sua fundamentação. São nas estruturas infantis feridas, como Freud discorre ao longo de sua teoria, que os medos e fobias se solidificam, e, a partir daí a ansiedade se manifesta, dirigindo o sujeito pelas neuroses, gerando conflitos e demais transtornos.

Mais freqüentemente, porém, os sintomas de angústia ocorrem ao mesmo tempo que - e em combinação com - os sintomas de neurastenia, histeria, obsessões ou melancolia. Se permitíssemos que uma mistura clínica como essa impedisse nosso reconhecimento da neurose de angústia como entidade independente, deveríamos também, logicamente, abandonar uma vez mais a separação tão arduamente conseguida entre a histeria e a neurastenia125.

A neurastenia, segundo Freud, traria uma série de sintomatologias, que atuava de forma a gerar um desconforto entre a dimensão do cérebro, a região abdominal, e a sensação de perda de forças, conduzindo a uma fraqueza crônica. Tais observações contribuíram de forma ímpar para compreender na época que não era uma falta de suplementação ou anemia como geralmente era tratada, mas haviam realidades psíquicas presentes que atuavam nesta patologia.

A neurastenia propriamente dita, ao destacarmos dela a neurose de angústia, tem um aspecto clínico muito monótono: fadiga, pressão intracraniana, dispepsia flatulenta, constipação, parestesias raquidianas, fraqueza sexual etc. Sua única etiologia específica é fornecida pela masturbação (imoderada) ou pelas emissões espontâneas126.

Os afetos como temos tratado, de forma obsessiva, ou seja, de forma extrema, ou a somatização por muitos afetos feridos, conduziam, também, a este fator neurastênico. A medicina da época ignorava tal fator psíquico, o que proporcionou a Freud o mérito desta grande descoberta, o que ajudou profundamente a resolver os casos da época e ajuda ainda hoje na compreensão de vários casos clínicos.

Muitos casos que, superficialmente examinados, parecem ser de hipocondria (neurastênica) comum, pertencem a esse grupo de afetos obsessivos; o que se conhece como “neurastenia periódica” ou “melancolia periódica” parece, em particular, decompor-se com inesperada freqüência em afetos obsessivos e idéias obsessivas - uma descoberta que não é insignificante do ponto de vista terapêutico127.

As obsessões e fobias que derivam da dimensão dos afetos machucados, carregam, em si, uma etiologia. Na história dos afetos de cada ser humano, existe uma completa demarcação de alguns estados de depreciação, em que são comuns: a rejeição, o desamor, o abandono, dentre outros. A potencialização desses afetos amargurados, traz, dentro do sujeito, uma representação negativa sobre si mesmo, vendo-se, constantemente, a partir daquela representação, que o negativa a todo instante e lhe retira a potência.

As obsessões e fobias devem ser distinguidas da neurastenia como afecções neuróticas independentes. Em ambas |obsessões e fobias| trata-se do vínculo entre uma representação e um estado afetivo. Nas fobias, este último é sempre o mesmo, a saber, a angústia; nas obsessões verdadeiras, o afeto pode ser de vários tipos (autocensura, sentimento de culpa, dúvida etc.). O estado afetivo emerge como o elemento essencial da obsessão, já que permanece inalterado em cada caso, enquanto a representação a ele vinculada se modifica128.

O estudo sobre a neurastenia proporcionou a Freud não apenas tratar seus pacientes, mas também compreender como trabalhar a prevenção da patologia. Havia encontrado, através de suas observações, o que realmente causava a redução da potência: a perda da energia libidinal.

O principal benefício que dele extraímos para os neurastênicos reside na esfera da profilaxia. Se a masturbação é a causa da neurastenia na juventude e se, mais tarde, ela adquire importância etiológica também para a neurose de angústia, devido à redução de potência que acarreta, então a prevenção da masturbação em ambos os sexos é uma tarefa que merece mais atenção do que tem recebido até agora129.

Ele observou, na sintomatologia de seus pacientes, a questão psíquica e fisiológica, e, através de tais observações, como no caso da anorexia, o rejeitar o alimento era a rejeição de alguma pessoa ou situação. Como não poderia rejeitar uma determinada pessoa que fazia parte da família e sentava-se à mesa, poderia rejeitar o alimento. Mostrando assim a interação entre a psique e o corpo.

Um dos sintomas mais comuns da histeria é a combinação de anorexia e vômito. Sei de um grande número de casos em que a ocorrência desse sintoma é explicada de maneira bastante simples. Assim, numa paciente o vômito persistiu depois de ela ter lido uma carta humilhante pouco antes de uma refeição e ter ficado violentamente nauseada com isso. Em outros casos, a repulsa pela comida pode ser claramente relacionada ao fato de que; graças à instituição da “mesa comum”, uma pessoa pode ser compelida a fazer uma refeição em companhia de alguém que detesta. A repulsa é então transferida da pessoa para os alimentos130.

Freud, ao longo de sua teoria, trabalhando os fatores inconscientes ocorridos na infância, mostra-nos que estes elementos ligados ao afeto, como por exemplo a sedução ou o abuso, desembocam na dimensão da neurose e da histeria. No caso de quem cometeu o ato, isso incorre na culpa, que está ligada à neurose. No caso de quem passou pelo abuso, há o desenvolvimento da histeria.

Embora seja encontrada muito freqüentemente ao lado da histeria, isso se deve à circunstância de que a própria masturbação é uma conseqüência muito mais freqüente do abuso ou da sedução do que se supõe. Não é nada raro ambas as crianças adoecerem, mais tarde, vítimas de uma neurose de defesa - o irmão com obsessões e a irmã com histeria. Isso naturalmente produz a aparência de uma predisposição neurótica familiar. Ocasionalmente, contudo, essa pseudo-hereditariedade é resolvida de modo surpreendente. Em um de meus casos, um irmão, uma irmã e um primo um pouco mais velho estavam todos doentes. A partir da análise que realizei com o irmão, fiquei sabendo que ele sofria de auto-acusações por ser a causa da doença da irmã. Ele próprio fora seduzido pelo primo, e este último, como era sabido na família, fora vítima de sua babá131.

As obsessões seriam derivadas de períodos em que estava ocorrendo o amadurecimento sexual, e, em virtude de algum acontecimento traumático, ocorrido pela desfiguração afetiva, do que não era compreendido, surgiam as perturbações sexuais. E para além dessas situações que ocorrem dentro da obsessão, estariam, também presentes, a neurose de angústia, que derivam das lembranças dos traumas vividos.

As obsessões pressupõem, do mesmo modo, uma experiência sexual na infância (embora de natureza diferente da encontrada na histeria). A etiologia das duas neuropsicoses de defesa relaciona-se da seguinte maneira com a etiologia das duas neuroses simples, a neurastenia e a neurose de angústia: os dois últimos distúrbios são efeitos diretos das próprias perturbações sexuais, como demonstrei em meu artigo sobre a neurose de angústia (1895b); ambas as neuroses de defesa são conseqüências indiretas das perturbações sexuais ocorridas antes do advento da maturidade sexual - ou seja, são conseqüência dos traços mnêmicos psíquicos dessas perturbações. As causas atuais que produzem a neurastenia e a neurose de angústia freqüentemente desempenham, ao mesmo tempo, o papel de causas excitantes das neuroses de defesa; por outro lado, as causas específicas de uma neurose de defesa - os traumas da infância - podem ao mesmo tempo constituir a base para um desenvolvimento posterior da neurastenia. Finalmente, também não é raro a neurastenia ou a neurose de angústia serem mantidas, não pelas perturbações sexuais contemporâneas, mas, ao contrário, apenas pelo efeito persistente de uma lembrança de traumas infantis132.

Concluímos, neste subcapítulo, que o afeto está no cerne da vida humana. Freud nos diz que a angústia desfigura o sujeito. O luto, quando não enfrentado, gera a melancolia, causando desarranjos na libido. Nos neurastênicos, que têm como sintomatologia a neurose de angústia, esvazia a libido. Nos Neurastênicos substituem-se elementos das vias naturais pelas vias imaginárias. Essa atuação fisiológica atua, gerando desconforto no cérebro, região abdominal e a perda de forças, produzindo fraqueza crônica. Assim, um ato cometido na infância, em nível sexual, gera neurose, enquanto alguém que foi vítima do ato, incorre em histeria.

6. CAPÍTULO II: SOBRE A ESPIRITUALIDADE

Durante a antiguidade, dentro dos parâmetros filosóficos metafísicos, o homem se perguntava por ele, por suas origens, pelo Sagrado que o levava a viver numa busca constante pelas virtudes, pelo belo, justo e verdadeiro. Esta busca o influenciava, tanto em nível emocional, espiritual quanto também, social. Os virtuosos eram exemplos a serem seguidos por toda a polis.

1. Antropologia e Filosofia. Desde a aurora da cultura ocidental (cujos começos se situam convencionalmente em torno do século VIII a.C., na Grécia), a reflexão sobre o homem, aguilhoada pela interrogação fundamental "o que é o homem?", permanece no centro das mais variadas expressões da cultura: mito, literatura, ciência,filosofia, ethos e política. Nela emerge com fulgurante evidência essa singularidade própria do homem que é a de ser o interrogador de si mesmo, interiorizando reflexivamente a relação sujeito-objeto por meio da qual ele se abre ao mundo exterior'. No campo filosófico, a interrogação sobre o homem torna-se o tema dominante na época da Sofística antiga (séc. V a.C.) e, a partir de então, acompanha todo o desenvolvimento histórico da Filosofia ocidental, até encontrar sua expressão clássica nas célebres questões kantianas? —o que posso saber? (teoria do conhecimento)
—o que devo fazer? (teoria do agir ético)
- o que me é permitido esperar? (filosofia da religião)
-o que é o homem? (Antropologia filosófica)133.

Com o passar do tempo, devido às várias vertentes filosóficas, o ser humano começa a mudar o seu foco, que o influenciaria de maneira ontológica e existencial, como se aquilo que era vivido de maneira holística, desde a época dos pré-socráticos, agora se encontrasse fragmentado, aos poucos o homem foi se dissociando de si mesmo, tornando-se um ser fragmentado, nesse sentido, perdendo sua completude integral de ser humano.

Na tentativa de superação da crise que envolve a concepção do homem na cultura ocidental, diversas tendências se manifestaram desde o século passado, que podem ser enfeixadas em duas grandes correntes: o naturalismo, que professa um reducionismo mais ou menos estrito do fenômeno humano à natureza material como fonte última de explicação. Entre os exemplos contemporâneos desse naturalismo podem ser apontadas as obras do antropólogo C. LéviStrauss e do biólogo molecular J. Monod; e o culturalismo, que acentua a originalidade da cultura em face da natureza, separando no homem o "ser natural" e o "ser cultural". O mais conhecido representante dessa tendência é Wilhelm Dilthey (1833-1911), que inspirou a distinção, tornada clássica, entre as ciências da cultura ou do espírito (Geisteswissenschaften) e as ciências da natureza (Naturwissenschaften). Assim, a resposta à questão sobre o que é o homem fica distendida entre os dois pólos da natureza e da cultura, cada um exercendo poderosa atração sobre os conceitos com os quais a Antropologia filosófica pretende explicar o homem134.

Por isso, ao olharmos a psicanálise no contexto em que surgira, dentro de um cientificismo, ignorando o que é próprio da natureza humana, ela procura trazer respostas à alma, tentando preencher um espaço que havia sido desprezado pela Ciência, em relação ao homem que sente, ao que ele intui e seu desejo de reconciliar-se consigo mesmo. Todo este arcabouço, que estava ligado à filosofia e à religião, estava sendo negligenciado. Nesse sentido, quando Freud descobre o inconsciente, como forma interior existente no ser humano, encontra o que sempre esteve no homem e o que ele sempre buscou, o desejo de estar unido consigo mesmo, haja vista que a Psicanálise nasce com uma tentativa de dar respostas às neuroses e à histeria que assombrara a alma humana.

Na tentativa de superação da crise que envolve a concepção do homem na cultura ocidental, diversas tendências se manifestaram desde o século passado, que podem ser enfeixadas em duas grandes correntes: o naturalismo, que professa um reducionismo mais ou menos estrito do fenômeno humano à natureza material como fonte última de explicação. A valorização ética do indivíduo que encontrou sua expressão mais conhecida na interpretação socrática do preceito délfico do "conhece-te a ti mesmo" (gnôthi sautón) do qual resulta a necessidade da Cura e do cuidado com a "vida interior", noção que faz sua primeira aparição na história da antropologia e da espiritualidade. Segundo a interpretação socrática, o preceito délfico ordena a investigação (zêtesis) conduzida metodicamente (donde os três momentos do método socrático, a ironia, a indução e a maiêutica), que deve levar à sabedoria e com ela, necessariamente, à verdadeira areté (teoria da virtude-ciência)135.

Dentro das questões apresentadas por Freud, a sociedade era um fator repressor. A Religião, também, era um outro fator que influenciava a vida do sujeito. Porém, como mencionado a pouco, a mudança no pensamento filosófico, o negativar da Religião por um Estado livre, não apenas propuseram um universo de “falsa liberdade”, como também o conduziu a uma opressão pelas longas jornadas de trabalho, provenientes da Revolução Industrial. A falsa ideia de que a Religião é uma prisão ao homem, o conduz à verdadeira prisão que é ser angustiado pela falta de direção. O homem não é apenas o seu físico, mas ele possui suas emoções e sua dimensão espiritual.

Assim, o homem é "carne" (basar) na medida em que se revela a fragilidade e a transitoriedade de sua existência; é "alma" (nefesh) na medida em que a fragilidade é compensada, nele, pelo vigor de sua vitalidade; é "espírito" (ruah), ou seja, manifestação superior da vida e do conhecimento, pela qual o homem pode entrar em relação com Deus; finalmente, é "coração" (leb), ou seja, o interior profundo do homem, onde tem sua sede afetos e paixões, onde se enraízam inteligência e vontade e onde têm lugar o pecado e a conversão a Deus. A todos esses termos a tradução dos Setenta deu uma ressonância grega (sarx, psyché, pneûma, kardia) que incorporou significações provindas da tradição filosófica, o mesmo acontecendo com o NT, surgindo assim o risco do entrecruzamento da perspectiva ontológica grega com a perspectiva existencial e soteriológica bíblica136.

O homem se sente mais livre no contexto atual, porém, nunca foi tão mais escravo de sua dor existencial. A própria revolução sexual, que o conduziu a fazer o que ele bem entendesse porque ele é o dono de sua vida, não surtiu um efeito benéfico, só o fez aproximar-se de seus vícios, fazendo-o viver a dor existencial de não se sentir preenchido, mas, ao contrário, vazio, na sensação de que lhe falta algo. E, realmente, isso tem grande sentido, porque o ser humano não é apenas a sua sexualidade, mas ao contrário, é um todo. E é a perda do sentido desta totalidade que o enfraquece. As influências em nível inconsciente, da imagem feminina, podem colaborar nesta perda de sentido, visto que o universo familiar é de onde brotam as expectativas do sujeito, em relação ao que ele e o mundo são. A mãe representa o fator moderador de tudo, uma imagem feminina negativada vai contribuir na desfiguração da realização do sujeito.

Nas suas manifestações individuais o caráter da anima de um homem é, em geral, determinado por sua mãe. Se o homem sente que a mãe teve sobre ele uma influência negativa, sua anima vai expressar-se, muitas vezes, de maneira irritada, depressiva, incerta, insegura e susceptível. (No entanto, se ele for capaz de dominar estas investidas de cunho negativo, elas poderão, ao contrário, servir para fortalecer-lhe a masculinidade.) No interior da alma deste tipo de homem a figura negativa da mãe-anima repetirá, incessantemente, o mesmo tema: "Não sou nada. Nada tem sentido. Com todas as outras é diferente, mas comigo... Nada me dá prazer." Estes humores da anima provocam uma espécie de apatia, um medo a doenças, à impotência ou a acidentes. A vida adquire um aspecto tristonho e opressivo. Este clima psicológico sombrio pode, mesmo, levar um homem ao suicídio, e a anima torna-se então o demônio da morte137.

Portanto, neste capítulo, entendemos que, na antiguidade, havia a busca pela metafísica, o respeito pelo Sagrado, que o fortalecia em seu ser espiritual. No pano de fundo da psicanálise, está o desejo de se unir o homem a si mesmo, consciente e inconsciente, haja vista que a psicanálise surgiu com o intuito de dar respostas à neurose e à histeria. A mudança de paradigma, no período das luzes, proporcionou um ver a vida apenas por meio da razão. Porém, o ser humano não é apenas sua razão ou sua sexualidade, ele é um todo, inclusive um ser de espiritualidade.

6.1. O Resgate da Espiritualidade

O resgate da espiritualidade em tempos atuais nos ajuda a compreender a busca do homem por ele mesmo. A espiritualidade o conecta com seu Eu mais profundo, faz com que ele rompa com essa imagem errônea, em relação ao Sagrado, e o permite olhar para a dimensão social de uma forma diferente. Se hoje o mundo é considerado “dos espertos”, e o errado virou certo e o certo errado, o resgate aos primórdios de nossa humanidade, permite-nos resgatar o ethos – ética e moral – que é o que auxilia o sujeito a encontrar o seu caráter, sua dimensão de sentido, que o transfigura, mesmo diante às dificuldades que enfrenta. A espiritualidade é um caminho que o põe em busca de sua própria alma, de seu próprio ser.

Há duas razões principais que fazem o homem perder contato com o centro regulador da sua alma. Uma delas é algum impulso instintivo ou imagem emocional que, levando-o a uma unilateralidade, o faz perder o equilíbrio. Isto acontece também com os animais; por exemplo, um cervo sexualmente excitado esquecerá por completo a sua fome e a sua segurança. E esta unilateralidade e conseqüente perda de equilíbrio são muito temidos pelos povos primitivos, que se referem à "perda da alma''138.

O rompimento com a cultura niilista possibilita ao homem a redescoberta de que ele possui: os seus valores. E são esses valores que o potencializa, que trazem a ele a realização. O desprezo que a cultura moderna fez em relação à cultura antiga, apenas despertou no ser humano de hoje a busca por suas origens. É o que tem feito o ser humano de hoje regressar, pela via da espiritualidade. Por meio desta trilha, ele vai se redescobrindo enquanto ser que tem uma origem, como afirma Hannah Arendt, conforme apontamos no início deste trabalho. O amor, o perdão, a reconciliação, a paz, dentre outros valores, fazem parte da origem estrutural do ser humano. E, inconscientemente, ele busca por isso. Se Freud descobriu o seu Grande Homem, enfrentando os seus medos e dificuldades, superando a humilhação, que o pai vivera, o homem hodierno é chamado a superar os medos de hoje, as angústias do tempo presente, redescobrindo que não pode viver uma vida dissociada de seu ser ethos, em que a vida reflete aquilo que está, inconscientemente, em seu interior.

Temos, algumas vezes, uma poderosa sensação de que o Grande Homem quer alguma coisa de nós, estabelecendo algumas tarefas especiais para cumprirmos. Nossa reação positiva a esta experiência pode ajudar-nos a adquirir forças para nadar contra a corrente do preconceito coletivo, levando a sério nossa própria alma139.

Freud apontava as questões ligadas à sexualidade como causa das neuroses, mas há também o fator social, que implica, diretamente, nesta sexualidade do sujeito, que Freud denominou repressão. Porém, se nos voltássemos novamente ao homem grego, veríamos que a sexualidade não estava desvinculada da virtude. A sexualidade, neste período, não era banalizada, como alguns hoje tentam sustentar. Ao contrário, era uma cultura que primava pelo ser, no lapidar do homem ontológico, essa era a busca primeira, sem suprimir a sexualidade, e não a desqualificando, ela tinha o seu devido lugar, dentro de toda estrutura do homem integral da época.

Mas existe uma diferença radical entre uma decisão consciente, que separa e suprime temporariamente uma parte da nossa psique, e uma situação na qual isto acontece de maneira espontânea, sem o nosso conhecimento ou consentimento e mesmo contra as nossas intenções. O primeiro processo é uma conquista do ser civilizado, o segundo é aquela "perda da alma" dos primitivos e pode ser causa patológica de uma neurose140.

O homem moderno quis enaltecer a cultura do promíscuo, do hedonismo, e sua recusa à sua alma, no sentido de se conhecer por completo, tornou-o escravo de seus vícios, que o conduzem a um vazio existencial. O instinto pode caminhar numa dualidade com o espiritual, sem dualismos, a própria impotência se refere ao fracasso, ao não ter conquistado algo, enquanto que é o espiritual que permite ao homem descobrir seu valor, sua fonte energética. As próprias resoluções terapêuticas baseiam-se num esvaziamento que o levam a um bem estar, a estar em paz consigo mesmo, que são elementos pertencentes à espiritualidade, ou seja, pertencentes àquilo que de mais profundo ele possui.

O homem gosta de acreditar-se senhor da sua alma. Mas enquanto for incapaz de controlar os seus humores e emoções, ou de tornar-se consciente das inúmeras maneiras secretas pelas quais os fatores inconscientes se insinuam nos seus projetos e decisões, certamente não é seu próprio dono. Estes fatores inconscientes devem sua existência à autonomia dos arquétipos. O homem moderno, para não ver esta cisão do seu ser, protege-se com um sistema de "compartimentos". Certos aspectos da sua vida exterior e do seu comportamento são conservados em gavetas separadas e nunca confrontados uns com os outros141.

O processo de reconhecimento das próprias frustrações já é caminho para a individuação. O sofrimento pode se tornar um ponto de união entre o exterior e o interior do homem. Nesta harmonia, há uma compreensão, uma mesa redonda em que id, ego e superego chegam a um consenso e levam para o mais profundo de si, no Eu – Self – a resolução trabalhada. O antagonismo entre espiritualidade e instinto ficou durante muito tempo ferido dentro do coração dos seres humanos. Como se não pudessem conviver juntos, como se houvesse uma dissociação na própria pessoa, em que parte dela estaria num lado obscuro, enquanto a outra parte estaria num lugar iluminado. Esquecendo-se, apenas, que é o mesmo sujeito, o mesmo Eu para os dois, sendo assim, quando o instinto e a espiritualidade percebem que provém de uma mesma origem, vemos a resolução das neuroses que têm sua origem em processos dicotômicos.

O verdadeiro processo de individuação — isto é, a harmonização do consciente com o nosso próprio centro interior (o núcleo psíquico) ou self — em geral começa infligindo uma lesão à personalidade, acompanhada do conseqüente sofrimento. Este choque inicial é uma espécie de ''apelo", apesar de nem sempre ser reconhecido com o tal. Ao contrário, o ego sente-se tolhido nas suas vontades ou desejos e geralmente projeta esta frustração sobre qualquer objeto exterior. Isto é, o ego passa a acusar Deus, ou a situação econômica, ou o chefe, ou o cônjuge como responsáveis por esta frustração142.

Nesta perspectiva é possível compreender como o espiritual é capaz de nortear o instinto. Porque ele nos induz ao mergulho interior que é capaz de chegar às áreas mais profundas do nosso ser, e tocar as dores mais profundas, numa conotação de reconciliação. E isso permite que as realidades adormecidas e a origem das alterações psicofísicas fiquem totalmente livres do que foram reféns no passado, permitindo, assim, que se tornem conscientes, produzindo um efeito de esvaziamento daquilo que ficou retido, recalcado.

O fluxo discursivo das representações do ego (que vai de um pensamento a outro) e seus desejos (que correm de um objeto para outro) acalmam-se quando é encontrado o Grande Homem interior. Na verdade, não devemos nunca nos esquecer de que para nós a realidade exterior só existe na medida em que a percebemos conscientemente, e que não podemos provar que ela existe ''em si e por si mesma''143.

Assim, quando o sujeito se torna para ele mesmo o todo que ele está apresentando numa sessão analítica, ele se torna completo. Pois, ali está colocando seus medos ligados ao instinto e à espiritualidade. São dois pólos frequentes que se apresentam na vida daquele que busca pela cura de sua alma. São os conflitos que estão ligados ao todo de sua vida, e que, às vezes, ele desconhece e não sabe nominar, e que trazem os sentimentos de angústia. O mergulhar profundamente em si mesmo sem o julgamento, permite que ele seja regenerado de suas perturbações. O recuperar de sua totalidade é um recuperar de suas próprias forças.

Nesta experiência com Freud foi-me revelada, pela primeira vez, a noção de que antes de construirmos teorias gerais a respeito do homem e sua psique deveríamos aprender bastante mais sobre o ser humano com quem vamos lidar. O indivíduo é a realidade única. Quanto mais nos afastamos dele para nos aproximarmos de idéias abstratas sobre o homo sapiens mais probabilidades temos de erro.144.

Dentro das várias vertentes que podemos interligar à espiritualidade, está a neurociência, que dá passos cada dia mais em direção a uma conciliação entre espiritualidade e ciência. Os denominados processos psicossomáticos têm como cerne o stress, que são manifestados no fisiológico, causando uma desestruturação entre o emocional e o físico. A espiritualidade, como contraponto, permite prevenir tais descargas negativas no corpo.

A angústia é caracterizada como um sentimento acentuado que parece não ter fim e costuma surgir sem uma causa consciente. Os sintomas físicos mais comuns são: aperto no peito, sensação de nó na garganta, ombros e nuca rígidos e pesados, tensão muscular e sensação de buraco no estômago. Embora os sintomas sejam parecidos, angústia e depressão não devem ser confundidas. A depressão é um transtorno crônico de humor e a angústia é reconhecida como um estado psíquico que tende a se resolver em curto intervalo de tempo, porém pode até ser um sintoma de doenças físicas, transtorno de ansiedade ou intoxicações por determinadas substâncias. O medo é uma reação natural do corpo quando você se encontra diante de um perigo ou ameaça ao seu bem-estar físico ou psíquico. O surgimento é rápido após o reconhecimento de alguma ameaça, mas assim que a ameaça é eliminada o medo vai embora. Ele é caracterizado por uma excitação e tendência para ação, apresentando alguns sintomas físicos como: tremor, suor frio, palpitações e pernas bambas145

Com os estudos da neurociência, principalmente na descoberta dos neurônios-espelho, pôde-se perceber a importância de que nos identificamos com as dores do outro, neste sentido destaca-se aqui a empatia que é algo derivado da espiritualidade, de se solidarizar com aqueles que mais precisam. Esse sentimento é curativo, pois, na identificação não só absorvemos o que o outro tem de dor semelhante a nossa dor, mas vemos que o outro é como eu, que também vive realidades angustiantes, e que, nestes momentos, quando somos amparados e acolhidos isso nos leva ao bem-estar. Por isso, a identificação, aqui, no sentido positivo, nos ajuda a compreender o papel da espiritualidade neste âmbito de reconstrução emocional, de romper a tensão emoção e corpo.

Em 1996, através de gravações de uma única célula em macacos, pesquisadores relataram a descoberta de uma classe de células cerebrais denominadas de “neurônios-espelho” (Gallese, Fadiga, Fogassi & Rizzolatti, 1996). Localizados em área F5 do córtex pré-motor, esses neurônios-espelho não só dispararam quando o macaco fez uma ação, mas também quando o macaco estava observando alguém fazer a mesma ação. Os neurônios do macaco foram “espelhar” a atividade que ele estava observando. Mais tarde, através do mapeamento de regiões do cérebro humano, utilizando Ressonância Magnética Funcional (fMRI), descobriu-se que as áreas humanas que presumivelmente tinham neurônios-espelho também se comunicavam com o sistema emocional ou límbico do cérebro, facilitando a conexão com os sentimentos alheios, provavelmente por espelhar os sentimentos. Este circuito neural presume-se ser a base do comportamento empático, em que as ações em resposta ao sofrimento dos outros são praticamente instantânea e sem consciência. Goleman (2006) reitera esta hipótese, ao declarar: “que este fluxo de empatia para a ação ocorre de dicas com automaticidade em tais circuitos muito dedicados a esta sequência. Por exemplo, em caso de ouvir grito angustiado de uma criança, por sentir angústia desperta-se um desejo de ajudar” (p. 60)146.

Neste horizonte, vamos compreendendo a simbiose existente entre Consciente e mente, ou seja, o cérebro que está para a medicina e a mente que está para as psicoterapias. É como se observássemos que o consciente está para o externo, enquanto o inconsciente para o interno. Assim, consciente e inconsciente interagindo, esse é o processo de reconciliação almejado por todo ser humano, integrar o todo de sua vida.

Um segundo tema é o da correlação entre mente e cérebro (e, em conseqüência, comportamento. Consciência e mente acham-se unidas em primeira pessoa. Eis aí um dado primário da auto-percepção. Estão, ao mesmo tempo, estreitamente unidas à nossa ao nosso comportamento e à nossa auto-percepção intra e extrapessoal. Seja analisando a nós próprios, seja analisando os outros, nós todos sabemos disto. A conexão entre mente e comportamento interno e externo tem sua base no cérebro e no corpo e é preciso associar esses componentes todos para se entender o que seja e como funciona a consciência. Nem todas as imagens construídas pelo cérebro são acessíveis à consciência. Logo, pode-se e deve-se distinguir a "consciência" das "imagens" e o "cérebro" da "mente". O "self", por sua vez, é mais que a somatória de tudo isto147.

O conceito “mente mística” vem mostrar o que está no interno do sujeito, e que o leva a um desenvolver de suas potencialidades, pois, como mencionamos há pouco sobre, a integração entre Consciência e mente, para que estejam no mesmo patamar, é necessário o desenvolvimento dessa dimensão “interna” do sujeito, visto que estamos mais ligados à parte exterior, àquilo que nos afeta, àquilo que recebemos de informação, do que para a parte interna, que fica sem ser nutrida. O olhar de Freud sobre o inconsciente estava voltado nessa direção, havia muita coisa a ser desvelada na vida de seus pacientes, e era quando se dava a devida atenção ao que ocorria no interno, que muitas sintomatologias que estavam no externo desapareciam. O inconsciente curado, é um inconsciente reconciliado. É a unificação do sujeito externo e interno numa única pessoa. No entanto, em muitos casos a pessoa vive um sujeito interno e outro externo. Por isso, a espiritualidade aqui nos aponta para um caminho unitivo.

Sublinhemos dois aspectos que os autores vêem como importantes para se compreender o que pretendem ao postularem uma "mente mística". Após minuciosa descrição do funcionamento do cérebro e da mente (que para eles, na prática, acabam sendo dois nomes para uma só e mesma coisa), eles passam a fundamentar aquele conceito com dois argumentos. Baseiam-se, primeiro, no fato de as funções exercidas pelo cérebro/mente levarem, por si mesmas, a experiências de tipo místico, construídas sobre uma percepção espontânea e natural do maravilhoso que transcendente. D'Aquili e Newberg descem a pormenores neurofisiológicos de como isto se dá. Como segundo ponto de partida tentam demonstrar que o cérebro e a mente têm condições intrínsecas para gerar estados místicos e para nos fazer vivenciá-los. Assim sendo é válido usar o adjetivo "místico" para caracterizar algo que a mente/cérebro possibilitam e fazem de fato. Não é de uma especulação de filósofos e teólogos e sim uma realidade biológica humana que precisa ser reconhecida em todas as suas reais dimensões e aspectos148.

Portanto, neste tópico, vimos que a espiritualidade conecta o homem ao seu eu mais profundo. Romper com a cultura niilista faz com que se inicie uma busca pelo Eu mais profundo, com os seus valores. A descoberta do Grande Homem, proposta por Freud, vai na mesma via da cultura grega, que prezava pelo homem virtuoso, focado no belo, no justo e no verdadeiro, na linguagem freudiana, uma psique reconciliada. O processo de reconhecimento das frustrações é um caminho de individuação. O espiritual auxilia a conduzir o instinto, tirando-o do recalque, do que foi retido. A própria neurociência vai nos mostrar que é possível conjugar ciência e espiritualidade. Assim, a neurociência nos mostra que a empatia é algo derivado da espiritualidade, e vemos como a espiritualidade tem o seu papel fundamental entre consciência e mente.

6.2. Espiritualidade, Arquétipos e Individuação, Caminho para o Eu Mais Profundo

A espiritualidade permite ao sujeito viver a dissolução de conflitos. Aquilo que dentro da racionalidade, da consciência, está em extremos, pelo caminho espiritual, se une em um processo de aceitação. Não existe uma dicotomia, porque se percebe que o sujeito que erra e o sujeito que acerta é o mesmo. Neste caminho a pessoa é vista de forma integral, como um todo. Na espiritualidade contempla-se o que há de mais puro e perfeito, que está, muitas vezes, contido em muitos de nossos ideais que não foram concretizados. Neste horizonte, é possível de se contemplar isto: real e imaginário se unem em um único lugar. É o que Jung chamou de Self, Eu mais profundo, que envolve todas as ações do sujeito, tudo o que ele faz e tudo o que ele é.

Neuro-psiquicamente falando, na experiência de arrebatamentos místicos como já apontava William James, há, em geral, uma diminuição e até uma completa ausência de diferenciação entre os objetos. Na experiência mística os contraditórios se dissolvem; tudo tende a uma "oneness" não diferenciada, a uma conjunção de contrários. A experiência mística só pode ser compreendida enquanto produto do cérebro e da mente, enquanto sim e não, enquanto imanente e transcendente. As imagens e percepções religiosas vividas na experiência do divino são em si mesmas "místicas", isto é, são resultantes de uma fusão de contrários análoga à identificação da onda e da partícula descrita pela física quântica149.

A energia psíquica que há dentro do sujeito é a energia que o move, tanto em relação ao que irá beneficiá-lo, como pode ser transformada naquilo que pode ser maléfico a ele. Por isso, a espiritualidade é um caminho que dá sentido a esta energia que se encontra dentro de todo o sujeito. É como se a espiritualidade fosse um pedagogo, que segura nossa energia e a conduz para o destino certo. Assim como Freud relatava que os traumas tiravam as pessoas de seu percurso natural, podemos dizer que a espiritualidade é o que as devolve para essa via natural, que havia sido desconfigurada. Essa força, quando bem direcionada, transforma-se em força construtiva, em que o inconsciente reconciliado com o consciente, permite que o externo seja diferenciado. Daí vermos tantos gênios que marcaram a história da humanidade, acreditaram em suas intuições, que é um dos frutos da espiritualidade.

Segundo Chardin, o “dentro” compõe-se de uma energia radial interna, de natureza “psíquica”. É esta energia que possibilita à evolução uma direção rumo ao mais complexo. Esta energia radial encontra-se presente em toda matéria, em geral de forma rudimentar: “Um primeiro ponto a se considerar é que devido à individuação de nosso planeta, uma certa massa de consciência elementar se encontra aprisionada originalmente na matéria terrestre”. Já o “fora” das coisas constitui-se da energia tangencial ou externa tratando-se, pois da energia estudada pela física e química, crescendo de importância e ganhando consciência no Homem150.

Os arquétipos também exercem uma influência significativa sobre a vida das pessoas. Talvez um dos arquétipos mais antigos seja o da Religião. Por sua vez, aqueles que vivenciam uma experiência espiritual, encontram um sustento e um amparo para as suas vidas, mediante muitas realidades tristes e perdas que foram vividas ao longo do seu processo existencial.

Antes de falar da religião, devo explicar o que entendo por este termo. Religião é — como diz o vocábulo latino religere — uma acurada e conscienciosa observação daquilo que Rudolf Otto acertadamente chamou de "numinoso", isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima do que seu criador. Qualquer que seja a sua causa, o numinoso constitui uma condição do sujeito, e é independente de sua vontade. De qualquer modo, tal como o consensus gentium, a doutrina religiosa mostra-nos invariavelmente e em toda a parte que esta condição deve estar ligada a uma causa externa ao indivíduo. O numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência151.

Pelo evento religioso, vive-se a dimensão do acreditar, da confiança, em que aquilo que não foi possível viver e cumprir, humanamente falando, é possível pela via espiritual. Esse caminho vai, aos poucos, permitindo que o sujeito se desprenda das suas neuroses, daquela que estava agarrado emocionalmente, de forma negativa, e se desprenda pela via espiritual, proporcionando um novo rumo.

A verdade, porém, é que toda confissão religiosa, por um lado, se funda originalmente na experiência do numinoso, e, por outro, na pistis, na fidelidade (lealdade), na fé e na confiança em relação a uma determinada experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí resulta. Um dos exemplos mais frisantes neste sentido, é a conversão de Paulo. Poderíamos, portanto, dizer que o termo "religião" designa a atitude particular de uma consciência transformada pela experiência do numinoso152.

A neurose se classifica como uma das causadoras da impotência, porque nela o sujeito se vê sequestrado de si mesmo, preso a uma realidade, em que na maioria das vezes se sente sem forças para romper com aquilo. Ao sentir-se fadado, em determinado momento se vê sem condições de romper com tal situação, entregando-se definitivamente, encerrando suas potencialidades. Nesse sentido, a espiritualidade é uma rota de fuga para tal situação.

Não devemos esquecer que toda neurose é acompanhada por um sentimento de desmoralização. O homem perde confiança em si mesmo na proporção de sua neurose. Uma neurose constitui uma derrota humilhante e desse modo é sentido por todos aqueles que não são de todo inconscientes de sua própria psicologia. O indivíduo sente-se derrotado por algo de "irreal"153.

A não importância que se dá aos problemas psíquicos deveria ser levada a sério. Jung nos mostra que “podemos dizer que a personalidade humana é constituída de duas partes: a primeira é a consciência e tudo o que ela abrange; a segunda é o interior de amplidão indeterminada da psique inconsciente”154. A mente é capaz de produzir situações que implicam o biológico e, também, na dimensão existencial do ser humano, levando-o a vivenciar questões negativas, em relação ao sentido de viver, negativando sua dimensão transcendente.

Acredito mesmo que os transtornos psíquicos são mais perigosos do que as epidemias e os terremotos. Nem mesmo as epidemias de cólera ou de varíola da Idade Média roubaram a vida a tantos homens como certas divergências de opinião por volta de 1914 ou certos "ideais" políticos na Rússia155.

Progressivamente houve mais um processo de distanciamento do próprio interior, de não se ouvir a intuição. Somos seres racionais, a dimensão cognitiva é extremamente importante no dia a dia de nossas convivências. Porém, o excesso de racionalização nos fez fechar para outras realidades existentes. Ficamos presos apenas a uma parte de nós (razão), e esquecemos de escutar a alma. Por isso, dentro da Psicanálise e da Psicologia Analítica, os sonhos ocupam um papel especial, pois trazem à tona, o nosso universo interior, que não é ouvido.

O preconceito, muito difundido, contra os sonhos é apenas um dos sintomas da subestima muito mais grave da alma humana em geral. Ao magnífico desenvolvimento científico e técnico de nossa época, correspondeu uma assustadora carência de sabedoria e de introspecção. Muito mais antigo do que estes desenvolvimentos relativamente recentes são o medo e a aversão primitivos contra tudo o que confina com o inconsciente156.

O homem primitivo prezava demais em proteger a sua dimensão psíquica. A vida interior era muito valorizada, ao ponto que sua ligação com o Sagrado era, em primeiro lugar, o princípio de tudo para mover as coisas exteriores. Daí surgiram os vários tabus ou leis, que tem como sentido a autoproteção, tanto para si como para os outros. Se observarmos, é o princípio da polis, em que as leis, a ética e a moral conduzem para o bem estar comunitário.

A vida do primitivo é acompanhada pela contínua preocupação da possibilidade de perigos psíquicos, e são numerosas as tentativas e procedimentos para reduzir tais riscos. Uma expressão exterior destefato é a criação de áreas de tabus. Os inumeráveis tabus são áreas psíquicas delimitadas que devem ser religiosamente observadas157.

 

Em nossa hodiernidade, a busca pelo prazer se tornou a centralidade da vida humana, há um equívoco entre buscar a realização e buscar pelo prazer. No primeiro busca-se a harmonia, a paz consigo mesmo, enquanto no segundo, por não saber o que se busca, torna-se a ilusão, que leva muitos a se distanciarem ainda mais de si e a se perderem, por não se encontrarem consigo mesmo. A sexualidade, que era tão criticada enquanto tabu, após a Revolução Sexual, após ser liberada, mostrou que não era a solução para os problemas da alma humana. Nesse sentido, a verdadeira realização da sexualidade está no apaziguamento das imagens de masculino e feminino que estão feridas dentro de nós, como afirma Jung: “A anima é causadora de caprichos ilógicos, ao passo que o animus suscita lugares comuns irritantes e opiniões insensatas. Ambas as figuras surgem freqüentemente nos sonhos”158.

No fim do século passado, Edward Maitland, grafo de Anna Kingsford, relata-nos uma experiência interior da bissexualidade da divindade. Existe, além disso, a filosofia hermética com seu andrógino, o homem interior hermafrodita, o homo Adamicus (o homem adâmico), que "embora se apresente sob forma masculina, traz Eva, isto é, a mulher, escondida em seu próprio corpo, segundo o que se lê num comentário medieval do Tractatus Aureus159.

A intuição, que está para o inconsciente, é capaz de mover o sujeito para que viva sua potencialidade e reencontre o sentido do seu ser, como nos explica Jung: “Antes que os homens aprendessem a produzir pensamentos, os pensamentos vieram a eles. Os homens não pensavam, e sim recebiam sua própria função espirital160. Esta experiência conduz ao núcleo da essência da alma humana, que está ligado à espiritualidade e afasta das realidades vividas e sofridas. Jung explica: “O dogma é como um sonho que reflete a atividade espontânea e autônoma da psique objetiva, isto é, do inconsciente”161. Este ouvir da alma é o que movia os antigos filósofos a se aproximarem da sabedoria. A sabedoria não está no ruído do mundo, mas se encontra no silêncio da alma.

A experiência psicológica me tem mostrado invariavelmente que certos conteúdos provêm de uma psique mais ampla do que a consciência. Com freqüência, eles encerram uma análise, uma compreensão ou um saber de grau superior, que a consciência do indivíduo seria incapaz de produzir. O termo mais apropriado para designar tais acontecimentos é: intuição. Ao ouvi-lo, a maioria das pessoas experimenta uma sensação agradável, como se com isso se exprimisse alguma coisa de real. E não consideram o fato de que uma intuição jamais é produzida. Ela surge espontaneamente. Tem-se a idéia de que se apresenta por si mesma, e que 'só podemos captá-la se formos suficientemente rápidos162.

Dentro desta temática sobre a espiritualidade está a questão dos dogmas, que também é um arquétipo que se perpetua por anos, no tempo e espaço. Os dogmas, por terem toda uma estrutura e uma ordem, disciplinam os que são mais difíceis de obedecerem ordens, isso ocorre porque não há alguém cobrando sobre o que deve ser feito, mas ao contrário, é a própria consciência que, em contato com o que se acredita, com o valor que o dogma está transmitindo, julga se aquilo será benéfico a alma.

O dogma constitui uma expressão da alma muito mais completa do que uma teoria científica, pois esta última só é formulada pela consciência. Além disso, através de seus conditos abstratos, uma teoria mal consegue exprimir o que é vivo, enquanto o dogma, utilizando-se da forma dramática do pecado, da penitência, do sacrifício e da redenção, logra exprimir adequadamente o processo vivo do inconsciente163.

É possível observar que, ao longo da evolução humana, não foram as palavras que antecederam, dentro da dimensão do consciente (externo), mas a Revelação que é algo intra (inconsciente – interno). O ser lhe fora revelado, e isto implica dizer que, primeiramente, fomos dotados de uma consciência para que, posteriormente, viéssemos a nos comunicar, expressar.

A revelatio é, em primeira instância, uma descoberta das profundezas da alma humana, a "manifestação" em primeiro lugar de um modus psicológico que como se sabe, além disto, nada nos diz acerca do que ela poderia ser. Na linha desta concepção, citemos a fórmula lapidar de Koepgen, que tem o imprimatur eclesiástico: "Deste modo, a Trindade não é somente revelação de Deus mas ao mesmo tempo revelação do homem"164.

Neste caminho de junção, de dualidade entre consciente e inconsciente, é necessário trabalharmos a dimensão do recalque, para que se viva bem a dimensão espiritual. O recalque pode atrapalhar, demasiadamente, alguém em busca do caminho interior, pois está, na maioria das vezes, arraigado em memórias e em lembranças profundas, em que houve a reprovação de algum ato. Como nos aponta Jung: “O homem culto procura reprimir o homem inferior que tem dentro de si, sem dar-se conta de que, com isto, o obriga a rebelar-se”165. Tal realidade não reconciliada acaba por bloquear a potencialidade do poder criativo.

O recalque é a maneira semiconsciente de deixar correr as coisas, ou de externar desprezo por uvas que pendem de ramos demasiado altos, ou de olhar em direção contrária para não enxergar os próprios desejos. Foi Freud quem descobriu que o fenômeno do recalque constitui um dos mecanismos principais na formação das neuroses. A eliminação, pelo contrário, corresponde a uma decisão moral consciente, ao passo que o recalque representa uma tendência, bastante imoral, de evitar decisões desagradáveis. A eliminação pode causar aflições, conflitos e sofrimentos, mas nunca uma neurose. A neurose é sempre um substitutivo do sofrimento legítimo"166.

Jung relata que é no processo de reconciliação que há um regresso à vida unitiva, em que fazem as pazes consciente e inconsciente, e este caminho ocorre pela via da espiritualidade, em que não ficamos submetidos às questões externas ou internas, conflitivas, mas nos submetemos a algo que está para além do nosso espaço-tempo, atemporal e que está ligado à origem do nosso ser.

Poderíamos resumir do seguinte modo o que as pessoas narram acerca de suas experiências: Elas voltaram a si mesmas; puderam aceitar-se; foram capazes de reconciliar-se consigo mesmas e assim se reconciliaram também com situações e acontecimentos adversos. Trata-se, quase sempre, do mesmo fato que outrora se expressava nestas palavras: “Fez as pazes com Deus, sacrificou a própria vontade, submetendo-se à vontade divina"167.

A dimensão unitiva que se busca, Jung denominou de totalidade do ser, nominou-a de “Si-mesmo”. Nessa dimensão estariam abarcadas todas as realidades do sujeito, sejam momentos alegres ou tristes, porque se trata de um único sujeito que vivencia as mais diversas realidades.

Quando falamos aqui do homem, aludimos a uma sua totalidade que não pode ser delimitada e nem é susceptível de formulação, só podendo ser expressa por meio de símbolos. Escolhi a expressão "Si-mesmo" (Selbst) para designar a totalidade do homem, a soma de seus aspectos, abarcando o consciente e o inconsciente168.

O processo de desconstrução que foi ocorrendo ao longo dos séculos, procurou trazer, por meio do período das luzes, respostas para todas às coisas. Porém. quando se descobriu que a hegemonia da razão não subsiste por si só, e que há várias outras realidades que transpõem o mundo, observou-se que a vida humana não pode ser explicada simplesmente pelas vias das nossas ciências, mas apenas com o ser aberto à totalidade é que podemos contemplar tais realidades. Como explica Jung: “A extensão de Deus, como anima media natura, a todo ser individual, significa que até na matéria morta, isto é, nas trevas extremas, habita uma centelha divina a scintilla169.

Se o processo histórico da "des-animação" do mundo, ou, o que é a mesma coisa, a retirada das projeções continuar avançando, como até agora, então, tudo quanto se acha fora, quer seja de caráter divino ou demoníaco, deve retornar à alma, ao interior do homem desconhecido, de onde aparentemente saiu. Em primeiro lugar, parece que o erro materialista foi inevitável. Como não se pôde descobrir o trono de Deus entre as galáxias, concluiu-se simplesmente que Deus não existe. O segundo erro inevitável é o psicologismo; se afinal de contas Deus é alguma coisa, deverá ser uma ilusão motivada entre outras coisas pela vontade de poder e pela sexualidade recalcada170.

Por fim, o ato de confiar e entregar o que se vive no âmbito espiritual, sobre o que não há controle, mas que é uma força inegável, contribui para que sejamos regenerados em nossas angústias mais profundas. Assim, também os sonhos nos remetem a essa dimensão do nosso profundo. Como menciona Jung: “Os próprios alquimistas dizem que às vezes o arcano é inspirado por um sonho”171.

A aventura espiritual do nosso tempo consiste na entrega da consciência humana ao indeterminado e indeterminável, embora nos pareça — e não sem motivos — que o ilimitado também é regido por aquelas leis anímicas que o homem não imaginou, e cujo conhecimento adquiriu pela "gnose" no simbolismo do dogma cristão, e contra o qual só os tolos e imprudentes se rebelam; nunca, porém, os amantes da alma172.

Para Freud, a projeção ocupa um lugar importante na vida do sujeito, que em diversas ocasiões é capaz de ter a sua personalidade afetada por aqueles que constituem a sua história. E, além do fator de influência pessoal, a projeção é como uma erva daninha que vai se espalhando, ou seja, replica-se nos outros aquilo que se carrega, inconscientemente, como incômodo na alma, que prejudica, diretamente, a potencialidade do sujeito.

Para Freud era bastante evidente o fato de que as impressões, inclusive as erradas, que uma criança tem nos primeiros contatos com os seus pais e irmãos, desempenham um importante papel, e que, por exemplo, uma criança, que captou o pai ou a mãe de maneira especificamente negativa, tem a tendência a projetar nos homens ou mulheres mais velhos, com os quais ela se defronta mais tarde na vida, a mesma imagem do pai ou da mãe, o que lhe impede um contato sem preconceitos com a referida pessoa. A imagem negativa está como que armazenada em seu próprio interior, e "projeta-se" em ocasiões oportunas sobre objetos exteriores173.

A projeção é algo que vai sendo formada ao longo do processo histórico de uma pessoa. Desde a mais tenra idade, tudo aquilo que foi esperado, tudo aquilo que foi desejado, tudo aquilo que se imaginou, sobre um determinado sujeito, foi acolhido de forma passiva pela dimensão inconsciente e isso foi sendo edificado ao lado da personalidade, o que implica dizer que a personalidade cresce, de maneira simbiótica, com a projeção, e num determinado momento, se ela não for retirada, é a força do sujeito que o será. Ao mesmo tempo, haverá de se avaliar se ele conseguirá prosseguir, e haverá de suportar a ausência dela.

Compreender a importância capital do problema da projeção é algo apropriado para nos levar à mais profunda reflexão. A retirada de uma projeção provoca literalmente uma pressão psíquica, mas ao mesmo tempo uma ampliação libertadora da personalidade. Retirar projeções não é algo agradável, e ao homem natural em nós opõe-se a isso174.

A projeção talvez seja uma das forças mais nocivas para drenar a energia psíquica do sujeito, que interfere diretamente na dimensão da potência, porque, inconscientemente, se age por uma força que não é sua, mas por uma força introjetada, e, lá no profundo da alma, o Eu sabe que aquela atitude não é puramente dele, mas que deriva dos processos construídos, das imagens mais próximas que o circundam, ao longo do desenvolver psíquico.

Por exemplo: um filho considera o seu pai tirânico; mais tarde, ele projetará então com frequência, a característica de um tirano, não somente sobre autoridades e figuras paternas, tais como o médico, o superior hierárquico ou o Estado, mas também ele mesmo se comporta - embora inconscientemente - de maneira igualmente tirânica175.

A projeção é algo que está presente na vida de todo o ser humano, uns com mais intensidade, quando não trabalhados, e outros com menos intensidade, devido ao enfrentamento, ao longo da história. Fato é que ela está presente e atuante em todos nós: “Jung define a projeção como uma transferência inconsciente, isto é, imperceptível e involuntária de um fato psíquico e subjetivo para um objetivo exterior. “Vê-se” nele alguma coisa que não existe ou existe muito pouco”176. No embate com a projeção está a identidade que faz o sujeito perceber quem ele é, e, assim, tenta expurgar a projeção e o faz no sentido espiritual do sujeito que procura devolvê-lo para ele mesmo.

A identidade arcaica entre sujeito e objeto, porém, ainda continua existindo no fundo de nossa alma e em certa medida é nisso que se baseia uma diferenciação mais precisa, mais clara e mais evidente entre sujeito e objeto. Nesse caso, não deveríamos considerar de forma alguma esta camada mais primitiva ou mais inferior como insignificante; pelo contrário, na minha opinião, se formos avaliar corretamente, o verdadeiro mistério de toda intensidade da vida e de toda criatividade espiritual reside nela177.

Quando tratamos de restabelecer nossas forças, redescobrir nossa potencialidade, tal processo é possível através da autoconsciência, em refletirmos sobre o que nos pertence e o que não faz parte de nossa vida. Esse caminho é árduo, só se chega com o sacrifício, para desarraigar o que foi preso à personalidade por muito tempo. Conscientizar-se que está findando o que é perturbador, garante refrigério.

Os primitivos tinham, para um mínimo de autoconsciência, um máximo de relação com o objeto, que chegava a exercer sobre eles uma pressão mágica… Deste estado de identidade inicial desenvolveu-se aos poucos a autoconsciência, caminhando lado a lado com a distinção entre sujeito e objeto… Mas como sabemos, estamos ainda muito distantes de uma autoconsciência que corresponda ao nosso saber real178.

À medida que a projeção parte, ela que estava agarrada à identidade, eis que um novo renascimento ocorre, um novo olhar é lançado sobre si e, automaticamente, o outro é visto de uma nova maneira. Esse propenso mudar, como mencionado anteriormente, é doloroso, mas tal sacrifício é valoroso, mediante àquilo que se alcança posteriormente.

A rigor portanto, na prática, só podemos falar de uma projeção “quando ocorrer a necessidade de dissolver a identidade com o objeto”; em outras palavras, quando a identidade começa a se tornar incômoda, prejudicando a adaptação ao mundo exterior179.

Trazer os elementos do inconsciente à consciência é uma arte em que se permite que a equidade seja a condutora. Sem isso, os extremos podem se tornar tóxicos, percebendo que o meio termo só é possível de se alcançar mediante uma costura, a que chamamos reconciliação, no qual ocorre o apaziguamento entre o superego e o id.

Jung comparou certa vez o complexo do Eu, com um homem pescando e navegando em seu barco (seus pressupostos conscientes ligados a sua concepção de mundo) no mar inconsciente. Ele não pode sobrecarregar o seu barco com peixes da profundeza, isto é, com conteúdos inconscientes, além do que é capaz de agüentar, senão afunda. Isso explica por que as pessoas com um Eu fraco, quase sempre se defendem desesperadamente de toda elucidação de suas projeções negativas - elas não conseguem suportar o peso e a opressão moral provocada por elucidação180.

A interioridade, afetada pela projeção, pode nos levar a falsas crenças, em que o outro é visto como um reflexo dessa projeção. Esta atitude gera uma profunda frustração, pois, ao perceber que o objeto a quem se destina a projeção não é submisso a ela, ocorre um feedback de falha, visto que não houve correspondência, drenando ainda mais a força da potencialidade.

No sentido negativo, a identidade inconsciente nos induz a aceitar, de maneira ingênua e impensada, que o outro seja como nós mesmos, e que ele dê valor às mesmas coisas que nós, razão pela qual nos sentimos no direito de “melhorá-lo”, isto é, de violentá-lo psiquicamente. Neste caso surge então a projeção ativa181.

Ao mesmo tempo, quem recebe a projeção é, também, de alguma forma afetado. Ao recebê-la, há, internamente, um comparativo entre o que se é (identidade) e o que foi dito (projeção sobre a identidade). É nesse contexto de comparativos, que, muitas vezes, pela falta de autoafirmação, as projeções são introjetadas, gerando um desgaste emocional, comprometendo a força de potência, e causando a vivência do desprazer.

As projeções de nossos semelhantes sobre nós não são de forma alguma um assunto inofensivo, que só prejudica a adaptação daquele que projeta; elas afetam em larga medida aqueles em quem recai a projeção. Em especial, as projeções que os pais jogam sobre os filhos e tem uma forte influência, porque a criança e o adolescente, em função da fraqueza de sua consciência do Eu, ainda são muito sugestionáveis182.

Por isso, não reter o que é do outro é um caminho para a identidade. Assim, a contratransferência também nos auxilia a perceber o que o outro está carregando dentro de si, e nesse bojo de afetos e sentimentos trazidos, é preciso mostrar as projeções que o sujeito não enxerga, sendo, às vezes, difícil o encarar desta realidade, que tem como finalidade desconstruir a dimensão ideal imaginária que se carrega.

Daí a grande importância do fenômeno da contratransferência na psicoterapia, não só como uma desvantagem a ser combatida, pois ela, feito um tapete mágico, carrega o outro levando-o ao seu objetivo. Só que naturalmente algum dia, esta projeção é retirada, aí então é preciso verificar se o outro é capaz de continuar autêntico sem essa ajuda183.

Essa projeção que se carrega foi vista também por Freud nos contextos ligados à sexualidade. As imagens predominantes na vida de um sujeito o influenciam tanto para os excessos, como, também, para as retenções. Em ambos os casos, os extremos implicaram, diretamente, na energia libidinal sobre a realização.

A repressão dos impulsos sexuais teve nas gerações passadas, como Freud reconheceu inicialmente, uma atuação muito destrutiva. Assim, vários pais compeliram os seus filhos a um gozo desenfreado da sexualidade ou - nas crianças que inconscientemente rejeitavam a projeção - tornaram-lhes impossível aproximar-se da esfera sexual, uma vez que em função das projeções dos pais, a imagem que tinham dela estava danificada. Este fato aparece em muitos mitos, nos quais o pai ou a mãe encarcera o filho ou a filha numa torre, numa montanha ou caixão de vidro, ou amaldiçoando-os e transformando-os em um animal184.

Como temos trabalhado ao longo deste trabalho, o desprazer, gerado pelas inconstâncias da vida, reflete, diretamente, sobre a energia do sujeito, sobre sua potencialidade. O estágio final dessa impotência ocorre, diretamente, no que Jung chamou de “perda da alma” ou “espírito invasor”, em que o sujeito é esvaziado completamente de si, do que ele é, em decorrência de pensamentos ou sentimentos opressores, que se tornam maiores do que ele. Em outras palavras, o esquecimento de si em decorrência do que foi introjetado por meio de projeções externas que implicaram o interno do sujeito.

Tanto a "perda da alma" quanto o fenômeno de um "espírito invasor" podem ser psicologicamente observados ainda hoje no cotidiano de todos os homens. A "perda da alma" aparece sob a forma de um desânimo ou de um esmorecimento repentino. Perde-se a alegria de viver, sente-se vazio e debilitado, tudo parece sem sentido. Observando melhor, especialmente os sonhos, pode-se verificar que grande parte da energia psíquica escoou para o inconsciente, não estando mais, por essa razão, à disposição do Eu185.

Ao mesmo tempo que a projeção de alguém está para fora, porque projeta em algum objeto, ela também recebe projeções vindas do exterior, que implicam seu interior. Assim, poderíamos pensar que a origem das projeções advém do interno e o recebimento dessas projeções também se dão no interno do sujeito, ou seja, na alma.

Provavelmente Freud tem razão ao supor que o fenômeno da projeção sobre objetos externos deve-se ao fato de a nossa atenção estar normalmente dirigida mais para fora, predispondo-nos a desconsiderar os acontecimentos anímicos186.

Portanto, nesta reflexão, concluímos, que a espiritualidade ajuda na dissolução de conflitos. A espiritualidade nos concede uma visão holística sobre nós mesmos e sobre os outros, diferentemente da projeção, que implica na não resolução das próprias sombras que são lançadas sobre os outros e causam um efeito negativo para ambos, drenando a energia psíquica. Da mesma forma, como os conceitos de animus e anima, em que Jung nos aponta que aquilo que recebemos do masculino e feminino, provenientes de pessoas que nos foram próximas, desde a nossa infância, implicam em nossas estruturas psíquicas e em nossa personalidade. Real e imaginário são unidos por meio da espiritualidade, no caminho de individuação. Jung, dentro dos estudos sobre os arquétipos, considera que a religião seja um dos mais antigos, pois tem o sentido numinoso de dar sentido à vida, de captar a centelha divina, que habita todos nós. Jung nos mostra a importância da intuição, do escutar a si mesmo, o seu Eu mais profundo. Assim, para Jung, o homem primitivo prezava em proteger sua dimensão psíquica, para ele as leis e tabus possuem a finalidade de resguardar, assim como os dogmas tem como objetivo a disciplina e a ordem.

7. CAPÍTULO III: A ESPIRITUALIDADE COMO RESPOSTA À IMPOTÊNCIA

Por meio de suas pesquisas, Jung ele observou que dentro de todo sujeito havia um núcleo de fé, de crenças, e que tais realidades derivam de elementos que estão presentes em seu inconsciente, ligados a uma questão arquetípica, que chegou a todos nós, de realidades primitivas que nossa mente carrega. Ou seja, o ser humano, por sua própria natureza, carrega em si uma religiosidade, uma espiritualidade, a qual Jung pontua estar presente nos sonhos.

Na visão de Jung, muitos conteúdos da fé não são mais, a princípio, realidades metafísicas, mas também não pertencem simplesmente ao sujeito; além disso, Jung frisou que acreditava deveras na possibilidade de uma realidade metafísica de conteúdos religiosos, só que esta escapava a toda investigação psicológica. Tudo o que podemos observar na esfera das vivências psiquicamente inconscientes e investigar empiricamente é sempre um fenômeno psíquico187.

Para Jung, as ideias seriam como elementos presentes entre os universos interno e externo do sujeito, ao qual também chamou de inconsciente coletivo. Elementos que são comuns a todos. Como os pensadores, poetas, que deixam sua alma aberta à sensibilidade, e, assim, são capazes de captar na alma intuições, decorrentes do próprio existir. Essa forma de agir é benéfica, pois permite que o ser humano mergulhe no que ele é, na profundidade de sua origem, tornando a psique curativa.

O princípio universal entendido como espírito tem mais a ver de maneira geral com a dinâmica ordenadora, com o princípio mental (idéias) e com a fonte da inspiração, e a psique universal (alma do mundo), ao contrário, mais com os humores e os estados afetivos (pathe) do homem, tais como a ira, o amor, a saudade, a prudência, os instintos, etc188.

A alma, ao longo da história, foi vista com localizações diversas, e há de se considerar que é no interno do ser humano que a vida psíquica acontece. As diversas propostas do “lugar da alma” no corpo, referem-se, no compreender de hoje, aos constantes sentimentos/emoções não digeridos, chamados “dores na alma”, que se manifestava em determinados órgãos do corpo, o que, atualmente recebe a denominação de doenças psicossomáticas. Estas são um apelo do corpo, à dissolução de conflitos que destroem o ser humano, do seu interior para o exterior.

O que classificaríamos hoje como o aspecto psíquico que faz parte do sujeito individual estaria, pelo menos em parte, projetado num outro lugar, lá onde ainda hoje muitos biólogos procuram: no corpo humano. Na época de Homero, a alma humana individual se encontrava supostamente nos phreres, interpretado na época clássica quase sempre como diafragma, embora para Homero se tratasse do pulmão. De lá brotou thymos (coragem, mentalidade, mind), com o qual o homem pôde manter diálogo interior, tal como o seu coração, a sede dos sentimentos189.

O escutar o interior, aquilo que clama na alma, é um caminho de resposta para aquilo que nos rouba a energia, para aquilo que nos torna impotentes diante da vida. As ideias, as intuições, são um grito da alma para ser liberta de todos os elementos externos que, de alguma maneira, aprisionaram, silenciaram o ímpeto do ser. Com isso, o ser deixou de ser e passou a não-ser. Esse bloqueio é como uma energia que regressa, de forma negativa, para dentro, enquanto deveria se expandir para fora, assim como o fluxo de um rio.

Isso que chamaríamos hoje de idéias puramente espirituais também provinha às vezes da mesma esfera; entretanto, essas idéias nunca eram abstratas, isto é, "isoladas", mas acompanhadas de perto por uma emoção ou por uma tendência à ação. Por isso Onians chama-a, com razão, de ideo-motoren. Todos esses impulsos são sentidos nos phrenes ou no coração, às vezes também no fígado. Se os phrenes se enchessem de líquido, ficaríamos loucos (lymphatus), bêbados ou amnésicos190.

Se a ingestão de alimentos e líquidos, daquilo que existe no universo material e externo ocorre de cima para baixo, o processo de expurgo ocorre de forma diferente, de baixo para cima, é o inconsciente tentando tornar consciente o que não foi bem trabalhado. É o organismo, com a alma, retirando o que não fez bem, que tem extinguido e desvanecido as forças internas. Portanto, é um apelo para se extrair aquilo que tem prejudicado a harmonia interior.

Outros povos também consideravam outros órgãos do corpo como a sede da alma. E, - diga-se de passagem, - parece que esta sede da alma foi se deslocando lentamente de baixo para cima, dos rins para o estômago, para o peito, para a garganta e finalmente para a cabeça, vista até hoje, ainda por muitos, como a "sede da alma"191.

Nesse sentido, a espiritualidade (que é compreendida por essa harmonização interna do sujeito com todas as realidades) auxilia o eu a estar reconciliado com o id e o superego, bem como produz energia, quando essa reconciliação ocorre. É o que ao longo das várias culturas, foi nomeado de diversas formas, e que, atualmente recebe a nomenclatura de energia. Sim, a espiritualidade explora, de forma positiva, aquilo que há de mais producente na vida do ser humano, e faz com que essa potencialidade se desenvolva cada vez mais, dentro desta força criativa.

Na Física moderna, considera-se o conceito de energia — ao que parece, presente nos inúmeros tipos de elementos constitutivos da matéria, — como substrato básico de todas as formas. Heisenberg se referiu com razão ao parentesco deste conceito, com a idéia do fogo universal de Heráclito, mas trata-se de um conceito arquetípico que mostra raízes bem mais antigas. Ela se origina da idéia primitiva de uma potência mágica, entendida ao mesmo tempo como força objetiva no exterior e como estado de intensidade subjetivo no interior do sujeito192.

Jung percebeu que essa energia que move o sujeito está ligada ao próprio princípio daquilo que move o eu mais profundo, o Self. É uma força que move de maneira livre, e quando não é bloqueada é uma força capaz de transfigurar o sujeito, de mudar realidades, de transformar estados presentes na psique, é uma energia que é capaz de de reconfigurar o que está desarmônico nas esferas psíquicas.

Como supôs Jung, esta idéia primitiva do "mana" é um prenúncio de nosso conceito psicológico de energia e, muito provavelmente, do próprio conceito de energia. Na filosofia natural grega surge esta idéia de uma forma conceitualmente bastante desenvolvida, no conceito de Heráclito do fogo universal; este é o logos — a razão universal que tudo rege, idêntica por um lado à divindade, mas ao mesmo tempo também ao fogo primordial material, que está presente no círculo de todos os acontecimentos, condensando-se ou diluindo-se, dirigindo-se para cima ou para baixo num ritmo eterno: "O fogo vive a morte da terra, e o ar vive a morte do fogo, a água vive a morte do ar, a terra a água"193.

Dessa maneira, as pesquisas de Jung em relação aos filósofos antigos, o levaram a compreender que Deus, ao longo da existência humana, foi visto como a própria vida, a própria existência e o próprio amor. Ele é o inatingível em nós, nEle reside o perfeito, o motor imóvel, que moveu todas as coisas, o ato que move a potência a tornar-se ato. Assim, as visões antigas e conceituais exprimiam a espontaneidade, que move todas as coisas.

Desse modo, a imagem da energia em Heráclito, também é, em última instância, uma imagem de Deus. O conceito de pneuma dos estóicos também tem muita coisa em comum com esta concepção. O pneuma era para eles idêntico a Deus. Assim vemos que nas formas primordiais do conceito de energia, como no de espaço-tempo e de partícula, está presente uma imagem de Deus. O conceito de pneuma dos estóicos, todavia, é também o prenúncio da idéia de campo de força, tal como foi desenvolvida pela Física do século XIX194.

Um pensamento que nos antecedeu, antes que fôssemos. Dessa maneira a essência precede a existência. O Ser pensante que deu origem a todas as coisas existentes. Assim, em nossa humanidade, se pensamos antes de agir, ou se agimos sem pensar, há uma ideia que nos move. Dessa forma, algo nos impulsiona, seja nos instintos, seja no intelecto.

Como Jung acentua, o pensamento precedeu à formação de uma consciência contínua do Eu, e o Eu era, no estado original, mais o objeto de um pensamento primordial inconsciente do que o seu sujeito. Foi um pensamento preexistente à consciência do Eu que criou os grandes temas ou idéias primordiais nas Ciências naturais do Ocidente195.

Nesta direção, Jung, tratando sobre o inconsciente coletivo, sobre a força interna e externa, traz à tona o que influencia nesta força interna, o que não permite que o de fora e o de dentro estejam unidos. Por isso, essa energia, da qual estamos tratando, é transcendente ao que se passa no interior e no exterior. Desse modo, a espiritualidade é uma energia unificadora, não julgadora. Pela força da espiritualidade há uma recapitulação da história, de maneira a ser reordenada de forma pacificada.

A fim de evitar uma outra projeção ingênua de conteúdos anímicos sobre fenômenos externos, mas sem negar a eficácia e o significado desses conteúdos, Jung criou o conceito de inconsciente coletivo, possibilitando à psicologia empírica pesquisar com mais precisão esse reino intermediário de uma realidade una composta de interior e exterior196.

Assim, a espiritualidade, que está no âmbito do credível, que move o sujeito, que permite a ele acreditar, está substancialmente ligada à sua existência. Não se vive sem acreditar, o viver é um deixar-se mover por aquilo que se espera, por aquilo que se almeja. Cada dia é uma oportunidade de se redescobrir. Assim, como o simbolismo do sol que nasce e do sol que se põe, é a vida humana que ressurge diariamente, como há sempre à espera de uma nova aurora.

O "talvez" representa o inevitável ataque ao qual se é incapaz de fugir, no qual se deve experimentar, na recusa, a irrecusabilidade da fé. Em outras palavras: crente e incrédulo, cada qual a seu modo, participam da dúvida e da fé, caso não se ocultem de si mesmos e da verdade da sua existência197.

Ratzinger ainda nos auxilia a aprofundarmo-nos o sentido da espiritualidade, mostrando-nos que o real está para além do aparente, e que este real existente, que está para além dos fenômenos que podemos tocar e sentir, faz-se essencial para a existência humana. Tal como um totem, que faz o sujeito olhar para ele e relembrar o sentido de sua história e de sua origem.

Dito ainda em outros termos: fé significa o decidir-se por um ponto no âmago da existência humana, o qual é incapaz de ser alimentado e sustentado pelo que é visível e tangível, mas que toca a orla do invisível de modo a torná-lo tangível e a revelar-se como uma necessidade para a existência humana198.

A espiritualidade, assim, é sempre um regresso, um direcionar para a mudança, e isso remete a resolução dos conflitos internos. Daquilo que precisa ser modificado internamente, que muitas vezes não se vê nem pelos conteúdos internos e pelos externos, que só se enxerga movido por essa força que não nos pertence, mas a qual nós pertencemos. E esse reconhecer, esse se deixar mover por essa força, recondiciona todo o ser.

Jamais a fé foi uma atitude conatural conseqüente do declive da existência humana; ela foi sempre uma decisão desafiadora da mesma raiz da existência, postulando sempre uma volta, uma conversão do homem, só possível na escolha199.

A espiritualidade une o possível ao impossível, desfaz todos os conflitos existentes de uma visão dualista, permite o uno, dentro da dualidade e coloca o sujeito no centro, para que ele possa viver o real, que é a equidade. Dessa forma, ela é capaz de dissolver os conflitos, as culpas, a partir do que se abre o horizonte da potência, que é estar unido a si mesmo.

A fé apresenta-se como revelação, ao parecer vencer o abismo entre eterno e temporal, entre visível e invisível, fazendo-nos encontrar Deus como homem, o Eterno como temporal, Deus como um de nós. Aliás, a sua pretensão de ser revelação funda-se no fato de ela ter trazido o eterno, por assim dizer, para dentro do nosso mundo200.

Dessa forma, a existência foi colocada agora como precedente da essência, transformou toda a nossa realidade empírica, na qual a razão tornou-se superior à força interior, ao qual por não se ver e não se tocar, não é credível às ciências de hoje, que a ignoram. Sem o regresso do ente que antecede a existência, a alma vive de forma conflituosa, porque ela sabe o que é a verdade, porque ela própria não é material.

À equação escolástica Verum est ens – o ente é a verdade – Vico contrapôs a sua fórmula: Verum quia factum. O que significa: reconhecível como verdadeiro só pode ser aquilo que nós mesmos fazemos. Essa fórmula parece-me representar o fim da velha metafísica e o início do espírito especificamente moderno. A revolução do pensamento moderno contra todo o passado está presente aqui com uma precisão inimitável201.

O recuperar das forças, a resposta que a espiritualidade dá à impotência que vivemos, é o regresso ao que se é, e não ao que se dizem sobre o que se é, da mesma forma que os filósofos combateram os sofistas que não se importavam com a verdade, mas em convencer os outros sobre uma falsa verdade. O aparente é enganador, mas o real é o que verdadeiramente traz o que está no ser. A potência não vem de fora, a potência nasce de dentro, da consciência que se tem sobre si mesmo, do que se acredita sobre si mesmo, da origem de um pensamento que se tornou fecundado e que, depois, veio a existir. Esse é o caminho lógico, real, que nos leva ao logos, a nossa origem apropriada.

Seu pensar é um criar. As coisas existem porque são pensadas. Por isso, para a Antiguidade e a Idade Média, todo ser é um ser-pensado, um pensamento do Espírito absoluto. E vice-versa: porque todo ser é pensamento, todo ser é sentido, Logos, verdade. Portanto o pensamento humano é um "pensar-depois", uma reflexão sobre o pensamento que é o próprio Ente. Mas, o homem pode pensar na esteira do Logos, do sentido do ser, porque o seu próprio logos, sua própria razão é logos do único Logos, pensamento do pensamento primitivo e original, do Espírito Criador que dispõe o ser até o fundo de suas raízes202.

Portanto, Jung viu no ser humano um núcleo de fé e crenças, para ele o ser humano possui uma religiosidade, uma espiritualidade. A dimensão de ouvir o interior é uma forma de se proteger contra aquilo que nos rouba a energia. A espiritualidade eleva no ser humano sua potencialidade e sua força criativa. Assim, quando a força do Eu mais profundo não é bloqueada, ela transfigura o sujeito. O ser humano é um ser que acredita e que espera. A potência nasce de dentro, do acreditar em si mesmo.

7.1. Sobre a Espiritualidade, Decisões e a Natureza Filogenética

A espiritualidade atinge duas realidades distintas, mas ambas são essenciais na unicidade do ser humano (razão e alma). Durante muito tempo houve um contínuo dualismo ao comparar alma e razão. Em alguns momentos, a razão foi colocada em segundo plano, assim como, também, em outras ocasiões, como no tempo presente, a alma e tudo o que ela abarca tem sido deixada de lado, não enaltecendo seu real valor.

A mesma idéia se aplica às ciências naturais. Por exemplo, a teoria de que a matéria consiste em partículas se apóia na projeção de uma imagem arquetípica, porque uma partícula é uma imagem arquetípica. A energia também é uma imagem arquetípica, um conceito intuitivo com um fundo arquetípico. Não é possível investigar a matéria sem hipótese como estas, quer dizer, que há algo que é a energia, algo que é a matéria e algo que são as partículas203.

A Psicanálise (assim como a Psicologia Analítica), por ter adentrado o campo dos símbolos, trouxe maravilhas insondáveis, mostrando-nos que a razão e a alma vivem de projeções, ou seja, daquilo que está no mais profundo do ser humano. A projeção é um projetar das imagens internas para o ambiente externo. Dentro desse sentido, a espiritualidade, como também a religião, trazem elementos profundos, numa linguagem compreensível, mágica, porque ela encanta, porque permite o vir-a-ser que está no ser do sujeito, e possibilitar que o ser seja manifesto de uma forma bela, rebuscado de valores, de sentido, daquilo que realmente constrói e edifica o homem em sua totalidade.

Para o homem, estas imagens da água, do fogo e do metal são, simbolicamente, tão importantes como qualquer outra personificação do inconsciente. Ademais, aqui a psique inconsciente e a matéria ainda não estão separadas; a religião, a magia e as ciências naturais não se dividiram ainda Estamos confrontados com a situação originária, em que não se diferenciaram ainda as faculdades e categorias por mediação das quais observamos a natureza interna e a externa. O homem como totalidade olha a natureza como totalidade e elabora certas hipóteses de trabalho na busca da verdade204.

Com o passar do tempo, a hodiernidade considerou as coisas do passado infantis, como se a forma como que os que viveram antes de nós fosse ingênua pela sua maneira de pensar e de ver o mundo. Porém, equivocamo-nos em olhar o passado dessa maneira, é como se um adulto olhasse para a sua própria vida e desconsiderasse a sua infância e sua adolescência, a forma como pensou lá atrás. Pelo contrário, essas fases foram reais e não menos importantes que a vida adulta.

Um olhar de criticidade para o passado leva-nos a cometermos muitos enganos, e esse foi o problema da modernidade e do período das luzes, ao propor que tudo seria iluminado e descoberto a partir da razão, o que levou o ser humano a uma perda de sentido. Freud e Jung, ao estudarem os símbolos, observaram que, por trás de como as civilizações antigas olhavam o mundo, havia um sentido muito mais profundo e inconsciente. Para as culturas mais antigas, a religião, os ritos, a espiritualidade não eram um problema para o ser humano, ao contrário, por meio delas conseguiam interpretar o mundo de uma forma mais holística, diferente dessas partições que fazemos no hoje de nossa história.

Neste texto encontramos in nuce o oposto da tradição religiosa e das ciências naturais. As técnicas e as ciências naturais que alcançamos, trouxeram-nos má sorte? Limitaram-se a corromper o estado original do homem, ou são uma indicação de progresso? É algo muito mais profundo, porque nisso está implícito um incremento da consciência, uma evolução da consciência humana. Isso, é vantajoso para nós ou não? Iremos de mal a pior se nos voltarmos mais conscientes, separaremo-nos da natureza e nos desequilibraremos, ou é precisamente isso o que devemos fazer? Se tentamos ser mais conscientes, cumprimos com a vontade de Deus ou vamos contra ela? Eis aí a questão oculta205.

Nosso enveredar-se pela razão de uma forma específica ao cientificismo, ao empirismo, cegou nossa forma de pensar, a ponto de acharmos que o nosso conhecimento se reduzia a essa forma moderna de enxergar o mundo. Nossa crença neste modelo nos ofuscou. O dualismo de achar que algo é certo e a outra maneira é errada trouxe consequências drásticas, a ponto de não mais nos enxergarmos em nossa completude. O homem moderno evoluiu na Ciência, desenvolveu medicamentos mais eficientes, melhorou a aquisição de bens materiais, o conforto, porém, nas realidades mais próximas, encontramos seres humanos que, ao mesmo tempo têm tudo, materialmente, mas são vazios interiormente, vivendo uma completa impotência, de sentirem-se nada. A espiritualidade é uma resposta que nos devolve para as nossas origens, assim como aponta os estudos aqui demonstrados, a busca pela originalidade, pelo arcaico. A espiritualidade cristã, por exemplo, aponta-nos que o Cristo veio-nos redimir, reconciliar-nos com o Pai, pela força de seu Espírito. Esta linguagem do perdão, soteriológica, faz-nos voltar a nossa própria consciência, ao nosso Eu mais profundo. Faz-nos ver que temos uma estrutura ordenada, e é neste regresso que há um refazer-se interior do primevo.

O conhecimento pode envenenar ou sanar, é uma coisa ou a outra, e por isso alguns mitos dizem que o conhecimento traz a corrupção do mundo e outros que o conhecimento redime, e além disso temos a idéia bíblica que diz que é primeiro corrupção, mas que depois, graças a Deus, termina por sanar. No Antigo Testamento significava corrupção, mas Cristo, que algo entendia, converteu-o em cura, de modo que temos que ter ante isso uma dupla atitude, o ensino de felix culpa206.

Nossas decisões implicam uma paga. Ao decidirmos, trazemos muitas consequências positivas ou negativas em decorrência de nossas ações. A simbologia da mitologia grega é envolta desses ensinamentos, para além de uma questão ética e moral, mostra-nos que é o Eu o agente causador das coisas ao seu redor. Nossas ações, assim, podem ser virtuosas, quando o conhecimento é usado no intuito de edificar, ligado a um todo; a corrupção é quando traímos o próprio conhecimento recebido, por não estarmos ligados ao todo, e sim a uma forma individual e egocêntrica, causando um prejuízo para si e para os outros. Os conceitos éticos e morais derivam desta raiz. O conhecimento adquirido (e que trazemos) para qual fim é utilizado? Essa é a lição que Prometeu nos ensina.

Prometeu se mete em dificuldades e tem má sorte—, mas não se faz dele uma avaliação moral. A mentalidade grega se limita a enunciar que o roubo de conhecimentos do inconsciente é algo que se tem que pagar, mas não necessariamente porque a atitude seja incorreta! A gente pode dizer: «não importa, pagarei, mas o quero!». O mito nem recomenda que se faça, nem que não se faça, mas um deve saber que sempre terá que pagar o preço […] O conhecimento é parte da evolução da consciência; há outros aspectos, mas este é um e terá que pagar por ele. É custoso, mas lhe corresponde decidir se estiver disposto a pagar o preço ou não207.

O próprio impulso sexual, que emerge para a libido, tem como finalidade, em si mesmo, a realização, mas pode ser considerado pela própria consciência como culposo ou não. A medida para esta condição está, conforme afirmamos no parágrafo anterior, o conhecimento, que também tem como parte o impulso, uma vez que faz parte da própria constituinte humana. Ele é voltado para o todo ou para si próprio? Está preso em si ou aberto ao outro? Como pontuou Freud, o instinto tem o sentido da satisfação e da procriação, para além disso, o ser humano tem valores, dos quais a sexualidade é infértil longe deles, levando em consideração que a realização tem uma fluência natural biológica e espiritual para ambos, assim como a prole é fruto do casal.

Quer dizer que a irrupção de libido do inconsciente se apresenta primeiro em um nível relativamente animal ou inferior, e isso é algo que experimentamos uma e outra vez. Com freqüência o fato de tomar mais consciência se manifesta inicialmente nesta forma. Um dos grandes problemas no âmbito psicológico foi reconhecê-lo assim. Se esta irrupção se produzir, um pode dizer que está invadindo o impulso sexual, ou que são fantasias, ou inclusive um impulso sexual físico. Sempre temos que decidir se for autenticamente sexual ou um impulso inconsciente disfarçado, o que na realidade implica conhecimento ou um progresso da consciência, que aparece primeiro nesta forma208.

Em muitas associações feitas por Jung, em relação ao instinto e ao arquétipo em que há uma simbiose, o que se percebe é que a própria natureza, que é também biológica, filogenética, espiritual, racional, ela tem o seu próprio percurso, assim como um rio. E, ao estarmos tratando sobre a questão razão e alma, estamos dizendo isso, que existe uma mesma origem, que ontologicamente quer ordenar todas as coisas, pois tem uma finalidade em si mesma. Não somos maiores que a natureza, assim, devemos caminhar em direção a ela, o que Jung definiu muito bem como Self.

Em seus escritos, Jung refere-se, às vezes, ao instinto como se fora quão mesmo o arquétipo, e às vezes, como se fora algo diferente. O que quer dizer é que o arquétipo, se o considerarmos como oposto ao instinto, seria uma maneira herdada e instintiva de ter emoções, idéias e representações com símbolos, e o instinto seria a maneira herdada de atuar fisicamente, certa espécie de ação física. Naturalmente, os dois estão relacionados209.

A totalidade do ser humano quer se expressar a todo momento, se a boca não expressa, o corpo fala por ela. Entender esse aspecto “razão e alma”, é procurar considerar as diversas formas com que nos manifestamos no mundo. O dualismo causou em nós certas repressões, o que Jung chamou de sombras e luzes. A totalidade está em iluminar os processos que não estão claros, permitir que o conhecimento amplie nossa visão sobre nós mesmos, sobre o mundo, que retiremos nossos juízos negativos e possamos dar vazão ao que precisa ser reconciliado. Caminho este que a espiritualidade trilha muito bem, como processo de individuação, reconduzindo-nos ao nosso Eu mais profundo, à redescoberta de nossas potencialidades.

No homem há algo estrutural herdado que lhe faz atuar e pensar de certa maneira, e por isso é que às vezes não nos esclarecemos sobre a origem de um conteúdo. Como estes conteúdos do inconsciente têm uma espécie de aspecto físico, e também um aspecto somático e psicológico, às vezes algo que deveria ir através do aspecto psicológico se passa ao físico, ou o aspecto físico se troca no psicológico; são como corpos comunicantes e, se se produzir uma obstrução em um, a água sai pelo outro210.

O homo faber, este homem que faz, é o homem construído, construído a partir de uma nova mentalidade, em que está para fazer e não para ser. Isso tem sua fundamentação mais profunda na troca da metafísica pelo existencialismo. É como se o homem se esquecesse de si, de quem se é, para se tornar um homem que faz e caminha cronologicamente, mas sem sentido, porque esqueceu sua razão de ser. Regressar ao ser, ao que se é, em sua natureza, é recuperar sua própria potencialidade. Um dos grandes fatores da impotência é a perda do próprio olhar para si, de não se segurar, de não se proteger, o enfraquecimento decorre do abandono do próprio Eu.

Este impulso excessivo da ciência natural e de seu aspecto destrutivo é, da visão atual, uma trivialidade tal que não preciso me estender sobre ela, mas que brota do fato de que um único arquétipo está, por assim dizê-lo, saindo da ordem geral dos instintos. Por conseguinte se pode dizer que o mito da origem da ciência natural é, em parte, o mito de uma dissociação dos instintos; o homo faber já está dissociado, ou está perigosamente alienado de suas raízes instintivas naturais211.

Por vezes, os que proclamaram a morte de Deus, anunciaram a morte da própria potência, do próprio Eu. Ao assimilar Deus ao superego, assimilaram-no ao castigo, à punição. Para os gregos, Deus é pneuma, sopro divino, é o que enche o ser humano, e não o que o esvazia. É o próprio ser humano que se esvazia de si, por meio do que tratamos neste subcapítulo, sobre a decisão. São as decisões que o fazem ter uma paga. Em outras palavras, é o próprio homem que coloca sobre si os seus fardos e projeta um culpado para assumir suas ações, porque não consegue conviver com suas próprias sombras.

Portanto, a espiritualidade atinge a alma e a razão. Na antiguidade, a religião, os ritos e os símbolos ajudavam tais civilizações a interpretarem melhor a vida. A espiritualidade cristã, por exemplo, nos apresenta Cristo como aquele que veio nos remir, conceder-nos uma vida livre por meio da linguagem do amor e do perdão. A própria cultura grega nos ensina por meio das mitologias que, em toda decisão a ser tomada, haverá sempre uma consequência a ser enfrentada. Para Jung, a totalidade estaria em iluminar as sombras para que elas fizessem parte da iluminação, assim funciona a espiritualidade, conduzindo-nos ao nosso melhor.

7.2. A Superação da Obscuridade Pela Espiritualidade

Dentro deste contexto da espiritualidade, observamos o seu lado obscuro, sua sombra, em que parte da potencialidade da pessoa fica presa a esta área que, muitas vezes, não foi iluminada. Aqui se encontram as frustrações, as irrealizações, tudo o que há de mais reprovável dentro da alma humana, e se reflete de maneira exterior no sujeito, como raiva, irritabilidade, sendo uma reivindicação interior pela força que se extingue de maneira desnecessária, sendo destinada a área obscura, que não se resolveu-a enfrentar.

"O xamã", diz Adolf Friedrich, "é um sua essência aquele tipo de pessoa religiosa que é capaz de dominar os espíritos que o oprimem - isto é, suas aspirações anímicas —, e ajudar as outras pessoas oprimidas por espíritos. O possuído, porém, não é capaz de ajudar a si próprio; abandonado à tempestade de potências divergentes e unilaterais, ele necessita da ajuda de um exorcista que o liberte". Friedrick designa os espíritos com bastante acerto como "potências unilateralizantes" e, de fato, elas são justamente os complexos autônomos que desintegram de maneira unilateralizante o equilíbrio da personalidade como um todo212.

Os complexos existentes dentro da vida interior podem promover destruição, tanto em nível individual como coletivo. São eles os responsáveis por não se reconhecer como se é, na potencialidade. Os complexos retiram as forças, movem o sujeito para a impotência, porque projetam para ele mesmo os pontos nos quais não se vê de maneira plena, mas de maneira parcial, em especial de uma forma negativa, devoram a energia da alma e consomem a daqueles que também estão próximos. Aos poucos, os complexos corroem a pessoa na sua totalidade, desfigurando-a, em sua plenitude.

Como sabemos, os vírus são matéria "morta" e somente dentro de organismos vivos se tornam seres quase vivos. O mesmo vale para os complexos autônomos. Eles privam a pessoa da vida; e depois de terem "devorado" o homem, engolem também a vida do ambiente. Por isso, perto de pessoas possuídas, quase sempre sentimos um cansaço repentino ou temos a inexplicável sensação de "termos sido sugados"213.

A lembrança dos que partiram está viva dentro de cada pessoa. Podendo ser uma energia vivificante ou desanimadora. No caso do luto, pode haver um tipo de impotência que se manifesta pela não aceitação da perda, em que se sente a partida junto com a pessoa, ou ser enterrada com ela, fazendo com que se tenha a sensação de que o corpo está presente, mas a alma se foi, gerando, assim, uma profunda tristeza e melancolia. Por outro lado, os que conseguem reconhecer a grandeza da pessoa que partiu, enxergam, em seu modelo, uma inspiração para prosseguir a vida. Nisto se percebe uma espiritualidade que une o sujeito a si mesmo ou, seu inverso, em que se percebe a potencialidade encerrada.

A energia psíquica presa à lembrança do morto recarrega uma imagem do inconsciente coletivo e, desse modo, a vivifica. Se conseguíssemos traduzir esse conteúdo revivificado numa linguagem comunicável, poderia resultar daí inspirações criativas de efeitos gratificantes; todavia ele pode levar também a uma desorientação doentia. "Espíritos são pensamentos doentios ou idéias novas ainda desconhecidas"214.

Os medos, acompanhados do processo de ansiedade, desempenham um papel “demoníaco”, em que se retira, do sujeito, a liderança de si mesmo. Tomado por esses medos, a angústia se instaura, provocando um total desequilíbrio e desarmonia psíquica, em que o sujeito não se sente mais dono de si, mas refém das fobias que tomaram conta de sua alma. Neste caminho, a espiritualidade é um caminho de ajuda, em que se buscam elementos transcendentes para fortalecer o regresso de si ao controle do Eu.

A princípio, o demoníaco atua negativamente, como acentua Jung, no momento "em que um conteúdo inconsciente aparentando um imenso poder ultrapassa o limiar da consciência"; e aí ataca a personalidade sob a forma de uma possessão. Antes de se integrar à consciência, esse conteúdo "sempre se configura psiquicamente impondo a sua forma ao sujeito". Só resistindo a essa pressão do conteúdo inconsciente e procurando tomar consciência de suas sensações através da reflexão é que se pode deter o aspecto negativo. O demoníaco seria, assim, o criativo em statu nascendi, ainda não realizado pelo Eu215.

A perda da consciência moral, fator ligado ao superego que nos norteia, cortando nossos excessos, que nos conscientiza do nosso limite, faz com que o laxismo tome conta do próprio Eu. É como se houvesse um assassinato do superego, e os impulsos presentes no sujeito dominassem o Eu, de forma ilimitada, fazendo com que os instintos mais primitivos ressoem, de maneira desgovernada, de forma destrutiva, anulando a dimensão criativa do sujeito, que o faz enxergar dentro de si o que pode colaborar, em relação ao outro, ao caminho do altruísmo, findando-se na dimensão destrutiva de thanatos.

Como acentua Jung, "o demoníaco baseia-se no fato de que existem poderes inconscientes negativos e destruidores e de que o mal é real. Reconhecemos. por exemplo, o demoníaco nas práticas de magia negra... com conseqüências funestas, e também na tendência a ver aqueles que exercem a magia negra como pessoas possuídas por um demônio". Devo mencionar aqui a teoria de Alberto Magno: para ele, quem ceder sem resistências a um afeto, desejando o mal nesse estado, poderia produzir um efeito mágico. Essa é a quintessência da magia primitiva e dos respectivos fenômenos de massa, tais como o nazismo, o comunismo etc [...]. [...] Revela-se aqui a proximidade psicológica entre demônio e criatividade. Na psique humana, nada é mais destrutivo do que impulsos criativos inconscientes não realizados216.

Dentro deste aspecto destrutivo, em que a psicose parece reinar, é necessário trazer o sujeito à realidade, ao seu externo, onde está ancorado. E é dentro do princípio do criativo, que é desenvolvido em nós, a arte de fazermos algo, e de enxergarmos o bem que podemos fazer e realizar. A dimensão criativa do sujeito reside na resolução das sombras, no expurgo, sem julgamento, do que está arraigado no inconsciente. A psicose, por ser vista como as sombras que não trabalhamos, nos levam para as áreas mais sombrias do nosso interior e nos cooptam, tirando-nos de nós mesmos. Romper com a psicose é mostrar a nós mesmos que é possível uma nova maneira de existir, de ser redimido, e só o decidir do Eu que pode fazer isso.

Assim, de maneira geral, só é possível curar uma psicose se induzirmos o paciente a uma atividade criativa, a uma formulação criativa dos conteúdos que o atormentam. E quando se trata de uma psicose de massa, apenas concepções arquetípicas novas, "redentoras", retiradas criativamente das profundezas, podem deter a marcha para a catástrofe217.

A espiritualidade nos conduz por um caminho em que os grandes exemplos arquetípicos, em que as virtudes, tornam-se o objeto a ser desejado e alcançado. Nesta jornada, renuncia-se a certos comportamentos que nos fazem viver fora de nós mesmos, que nos fazem agir contra aquilo que o nosso próprio Eu ansiava. Os demônios interiores se fazem presentes pela nossa não perseverança, pelo acomodar-se a certas realidades que não queremos enfrentar. Nosso decidir é fundamental para que abramos ou para que fechemos tais portas. É preciso encarar com sinceridade o que habita no mais profundo do nosso abismo interior, é uma maneira para que sejamos retirados de onde nos sentimos presos e encarcerados.

Digna de nota neste contexto seria a explicação de um antigo texto de Stans (1729) sobre exorcismo: segundo ele, um homem poderia ser possuído por "diabos" se se entregasse a tendências emotivas pecaminosas, tais como a ira, a inveja, o ódio, a lascívia, a pusilanimidade etc. Isso me parece estar mais próximo da verdade: o Eu só é responsável por suas ações em um círculo relativamente pequeno, portanto, por aquilo que Jung designou como a sombra pessoal do indivíduo, mas não por poderes psíquicos arquetípicos. Na realidade, ignorar a própria sombra tem quase sempre o efeito de uma porta aberta, através da qual esses poderes podem irromper218.

O não aceitar, aquilo que habita no obscuro da alma, é nutrir a própria projeção, que será enxergada nos outros e, ao mesmo tempo, será motivo de autocobrança, desprendendo uma quantidade de energia desnecessária para algo que não se tem a pretensão de enfrentar. O enfrentamento das realidades sombrias ocorre por meio da autocrítica, não no sentido destrutivo, mas no sentido da reintegração. É trazer à luz da consciência o que está esquecido e promover bem-estar à alma.

Essa imagem pessoal de inimigo contudo, como já mencionamos, pode ser percebida de maneira não muito difícil, mediante um pouco de autocrítica; se nos propusermos a isso poderemos nos apanhar em flagrante, dizendo ou fazendo justamente o que mais odiamos nos outros. Em geral, a sombra consiste em preguiça, inveja, cobiça, ciúme, arrogância, agressões e “perturbações” semelhantes219.

As projeções causadas pela anima ferida, causam um desordenar na vida humana, enquanto a anima que seguiu seu trajeto de maneira serena, conduz a uma vivência de apaziguamento, da mesma forma que o animus, que carrega em si a normalidade, potencializa nossas forças e, em harmonia, ambos despertam a dimensão criativa, em que são enxergadas as grandezas da alma, levando ao amadurecimento da psique.

No homem a anima, enquanto fator formador de projeções, gera principalmente projeções passivas, isto é, empáticas, que ligam o homem aos objetos; o animus, por sua vez, gera projeções mais ativas, isto é, ajuizadoras, que na verdade distanciam a mulher do mundo dos objetos. Em ambos os casos, contudo, animus e anima provocam um alheamento da realidade, visto que as projeções empáticas da anima são de natureza ilusória, e os juízos do animus, de certo modo, passam frequentemente "ao largo"220.

Dentro desse aspecto das projeções, encontramos também a transferência, entre o homem e a mulher, e junto a eles, o animus e a anima de ambos. Nessa junção, a identificação ocorre, permitindo certas fixações nas imagens alheias. Da mesma forma que no conto de Narciso, (ele se prende a sua própria imagem), nesta projeção – transferência, há uma fixação em algum dos arquétipos (masculino ou feminino), que pode ser bom ou mau. Bom se a anima alheia estiver normalizada, colaborará de forma construtiva; mau se for uma anima destrutiva. O mesmo caso se aplica ao animus, se for bom, levará ao bom senso, ao juízo equilibrado. Se,caso contrário, for mau, levará a incerteza e ao desequilíbrio. Nestas duas situações apresentadas, podemos imaginar uma criança olhando para os próprios pais e o que deles ela irá absorver para si.

Em sua obra "A Psicologia da Transferência", Jung tentou representar o que acontece no caso de uma grande atração amorosa entre um homem e uma mulher. Trata-se de uma forma de relacionamento sêxtuplo entre quatro figuras; ou seja, do homem e sua anima, e da mulher e seu animus221.

Portanto, tratamos aqui dos “demônios interiores” que carregamos, e como somos capazes de exorcizá-los. A espiritualidade é uma proposta necessária para que nos tornemos livres. Em outras palavras, para que recuperemos nossa energia criadora, para que regressem a nossa interioridade plena, nossa potencialidade. O lado obscuro da espiritualidade é quando a potência fica presa às sombras. Para Jung, nossos complexos nos enfraquecem, nos levam a viver medos e ansiedades, provocando uma desarmonia psíquica.

8. CONCLUSÃO

Ao término deste trabalho verificamos ao longo das pesquisas, realizadas pela plataforma Google Acadêmico, um crescente aumento da impotência, principalmente no esvaziar das forças e na perda de sentido. Há de se pensar o porquê, ao longo dos séculos o homem tem perdido a sua “força”, o que o leva a se esquecer de sua identidade, de suas personas, seja como pai, como amigo, como trabalhador, como ser humano. Propôs-se nesta pesquisa o resgate as suas origens, à sua potencialidade.

Sendo reconhecidamente um dos marcos daqueles que tiveram sua importância no conjunto dos que revolucionaram o pensamento do século XIX, dentre eles cientistas e pesquisadores iniciadores de conceitos no entendimento do cérebro humano, Freud, com capacidade e gênio questionador, tem um olhar mais reflexivo diante de seus pares. Com sua sensibilidade prospectiva, resgata a dualidade humana na visão de uma dimensão metafísica, trazendo de forma subjetiva o resgate da alma humana, perdida em suas sombras das culpas, nas confissões de um divã, cujo significado remete ao retorno do útero materno222.

A mente humana é muito complexa, possuindo suas variadas dimensões. É nítido que toda a Psicanálise elaborada por Freud mostrou-nos que, ao longo da vida, somos atormentados por traumas, neuroses, histerias que exprimem em nós medos, ansiedades e angústias. Conforme Molina (2025), Sigmund Freud propunha um equilíbrio no contexto da época entre o absolutismo e o relativismo, pois o homem caminhava para uma degradação tal como o contexto bíblico cristão nos relata sobre a torre de Babel, que simbolizou o desentendimento por completo entre os seres humanos.

Os próprios traumas ligados à sexualidade, derivados de ações, sejam de atividade ou de passividade, oriundos de ato sexual, deixam marcas profundas, levando à neurose de angústia (em caso de ser o causador de atos), ou à histeria (quando se é a vítima do ato). Ainda conforme Molina (2025), é dentro da família nuclear biológica que encontramos um contexto de resolução para nossos traumas, e um caminho de orientação para o prosseguir da vida, em seu percurso de equilíbrio.

O ambiente familiar dentro da composição nuclear biológica é o principal elemento para forjar toda manifestação inicial de uma fase primária, para minimizar consequências na fase secundária, impedindo assim as neuroses, as psicopatias, os efeitos conflitantes causados pelos adultos, minimizando conflitos marginais dos adolescentes quanto à delinquência juvenil. Portanto, a psicanálise estende as questões sociológicas, atendendo assim a conflitos sociais na composição coletiva de uma sociedade saudável223.

Em todo esse arcabouço teórico Freud conseguiu mostrar as sequelas que tais realidades vividas deixam na psique. E, para além disso, suas implicações em nível somático, em que o corpo vai adoecendo, e manifestando as sequelas destes desprazeres vividos. Diante do que foi publicado nos últimos cinco anos e nas obras de Jung e Freud, compreendemos que os traumas, principalmente derivados das neuroses e histerias, que são envoltos de fobias e ansiedades, são mentalmente a causa central da neurastenia, a perda de forças. Neste contexto, por exemplo, está a impotência masculina, que é uma somatização de realidades vividas, que implicam o homem de forma negativa, iniciando em sua mente com seus conflitos e, posteriormente, em sua função sexual, e que, na maioria das vezes, não é tratada em sua totalidade, talvez por medo ou vergonha, reduzindo-se, muitas vezes, apenas à área da medicina, sem que haja uma interdisciplinaridade entre outras áreas, sejam elas psicoterapêuticas ou espirituais, que trabalham a psique.

Portanto, como efeitos quantitativos de energias acumuladas, somadas às movimentações endógenas de cunho afetivo, físico-químicos, cuja função neurológica é a pacificação do organismo, porém com reflexos de dor internas do ponto de vista psicossomático, devido a desconfortos de recordações, influindo assim nos sonhos nas mais diversas acomodações de desprazeres ou prazeres224.

A grande contribuição que encontramos em Jung foi demonstrar que, no caminho em busca do Eu mais profundo, Self, caminho de individuação, que é construído sobre alegrias e tristezas, a não integração de nossas sombras, causa essa energia desprendida, que faz com que o homem se sinta perdido e enfraquecido dentro dele. Neste caminho de individuação, Jung mostrou-nos que a espiritualidade com sua forma de conduzir o ser humano ao seu ser transcendente, auxilia no desconstruir das couraças que o enrijecem, que o tornam desconfigurado de sua verdadeira imagem.

Independente do caminho que o Pai da Psicanálise e seu colaborador Jung seguiram, ambos traçaram com originalidade seu próprio caminho. Encontraram com o seu Self, que seria a resolução dos conflitos existentes entre o Id o Ego e Super-Ego. Com originalidade mostraram ao mundo que era necessário recuperar os símbolos, resgatar a dimensão de Mythos e Logos, demonstraram que os mitos fazem parte da estrutura psiquica humana da qual o simbolismo é manifestado no Inconsciente. Elemento essencial que havia sido ignorado por nossa sociedade pelo advento da Ciência, do método empírico225.

A abertura à espiritualidade, é algo fundamental, que faz parte da constituinte humana, como vimos ao longo de nossa pesquisa, em que, nas culturas mais antigas, a valorização pelo Sagrado, a busca pela divindade, era uma forma de se encontrar uma resposta para o próprio sentido da vida. Em muitos momentos não sabemos o que fazer, não sabemos por onde ir e, nestes momentos, procuramos encontrar alguém que nos auxilie no caminhar, é próprio do nosso ser o Eu que caminha em direção a um Tu, no sentido de buscar pela completude, assim como buscamos por nossa imagem mais profunda.

Tanto Freud como Jung debruçaram sobre o Inconsciente e seus símbolos, em que juntos dão à Contemporaneidade uma evolução através do retroceder na história do primitivo, e lá encontraram realmente o que faltava para os anseios em relação às respostas à dor humana, às suas angústias e inquietações vindas do instinto animal que até então eram suprimidos pela Razão226.

A espiritualidade, conecta-nos ao mais profundo de nosso ser e, ao mesmo tempo, conecta-nos ao Ser Transcendente. Nas palavras de Santo Agostinho: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro e eu fora. Estavas comigo e não eu contigo. Exalaste perfume e respirei. Agora anelo por ti. Provei-te, e tenho fome e sede. Tocaste-me e ardi por tua paz”227.

Por meio da espiritualidade/individuação trazidos, aqui neste trabalho, observamos que é no enfrentamento dos medos vividos, que se tem um auxílio na superação da impotência, colaborando com o bem-estar e aumento da potência. A espiritualidade que nos conecta conosco e também nos auxilia no processo de reconciliação, ilumina nossas sombras e nos projeta ao nosso ser transcendente, fazendo-nos recuperar nossas forças e capacidades.

Isto depende primariamente da constituição do ser humano, que é composto de corpo e alma. O homem torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima unidade; o desafio do eros pode considerar-se verdadeiramente superado, quando se consegue esta unificação. Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade. E se ele, por outro lado, renega o espírito e consequentemente considera a matéria, o corpo, como realidade exclusiva, perde igualmente a sua grandeza. O epicurista Gassendi, gracejando, cumprimentava Descartes com a saudação: « Ó Alma! ». E Descartes replicava dizendo: « Ó Carne! ». Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o amor — o eros — pode amadurecer até à sua verdadeira grandeza228.

Dessa forma, a resposta da espiritualidade à impotência consiste, não em estar preso ao somático, mas em regressar à interioridade, à origem causal. É na superação dos conflitos e no reconciliar-se consigo mesmo que o medo se dissipa, a ansiedade se esvazia e a vida volta ao seu fluxo, na qual a espiritualidade nos preenche, dando-nos respostas e, ao mesmo tempo, aliviando nossos fardos. É isso que Jung nos mostrou no caminho de individuação: em nossa história, tudo é reaproveitado para que possamos chegar a um destino, à totalidade do ser. É primeiramente reencontrando-se com seu próprio Eu, redescobrindo a alma, que se encontra a própria força, a qual, por sua vez, é distribuída de forma harmônica para o corpo.

As próprias divergências teóricas entre Freud e Jung acerca da libido não significou motivo de rompimento entre ambos, mas foi justamente um caminho de Individuação vivido por cada um deles. Freud de um lado buscou seu caminho fundamentando a libido através da sua teoria da sexualidade, enquanto Jung fundamentou-se a partir dos arquétipos universais que o possibilitou ver a força libidinal vindo de outras fontes além da sexualidade229.

Portanto, o ser humano, ao se redescobrir, promove o maior encontro com sua própria energia, e isso se dá por meio da reconciliação. Quando a imagem de si mesmo é reencontrada de forma verdadeira e sem desfiguração, a nascente de energia que há em todos nós jorra de forma resoluta para todas as áreas do nosso ser. O encontro com a própria potência está no fato de nos desprendermos daquilo que nos desconstruía, fazendo com que a energia desprendida torne-se desejo vital, que nos impulsiona a eros (vida) afastando-nos da morte (thanatos). “Eu procuro por mim, tal qual o artesão procura sua arte escondida nos excessos da matéria bruta de seu mármore”230.

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Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação, da Emill Brunner World University, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Psicanálise. ORIENTADOR: Prof. Dr. Pedro Francisco Molina. CO-ORIENTADOR: Prof. Dr. Ângelo Ribeiro Fróes.

1 Tecnólogo em Análise de Sistemas (Unilins – Universidade de Lins), Filosofia (CEUCLAR – Centro Universitário Claretiano), Teologia (Faculdade Dehoniana - Taubaté). Pós-graduação em Filosofia Clínica (INSTITUTO PACKTER), Pós-graduação em Psicologia e Sexualidade (UNIARA) e Pós-graduação em Psicologia Clínica - Psicanálise (UNIARA).Doutorado e Pós-Doutorado em Psicanálise na Emil Brunner World University. Escritor e Palestrante. E-mail: [email protected].

2 Carlos Velázquez Rueda; Juscineyla Moreira Bonfim. A remitologização da psique: de Freud a Jung, 2014, p.124.

3 Mateus Donia Martinez. Saúde e espiritualidade: Contribuições da psicologia analítica para esse debate, 2014, p.24.

4 Pedro Francisco Molina. A importância da psicanálise e o projeto de uma psicologia científica, 2025, p.114.

5 Charles Ribeiro de Sousa. Contribuições da religiosidade para qualidade de vida do idoso, 2011, p.27.

6 Maria Cecília Tenório Paz; Mateus Lima da Silva. Problemas médico-legais relacionados a impotência sexual, 2022, p.5.

7 Ibid., p.6.

8 Michel Douglas Pachiega. Corpo, psicossomática psicanalítica e Sexualidade: Um olhar sobre a impotência masculina, 2021, p.72.

9 Mariane Paes Carolino; Geovana Costa Silva. Alcoolismo e efeitos ligados a disfunção erétil e infertilidade, 2023, p.2.

10 Ibid., p.19.

11 Kamila Baldino Gonçalves; Mariana Gonçalves Boeckel. Relacionamento amoroso: perspectivas de homens acusados de violência por parceiro íntimo, 2023, p.10.

12 Ibid, p.10.

13 Michel Douglas Pachiega. Corpo, psicossomática psicanalítica e Sexualidade: Um olhar sobre a impotência masculina, 2021, p.76.

14 Michel Douglas Pachiega. Corpo, psicossomática psicanalítica e Sexualidade: Um olhar sobre a impotência masculina, 2021, p.75.

15 Ibid., p.75.

16 Ibid., p.77.

17 Michel Douglas Pachiega. Corpo, psicossomática psicanalítica e Sexualidade: Um olhar sobre a impotência masculina, 2021, p.80.

18 Felipe Ribeiro Cazelli. A busca pelo sentido em Psicologia Transpessoal: a espiritualidade como dimensão constitutiva humana, 2023, p.311.

19 Felipe Ribeiro Cazelli. A busca pelo sentido em Psicologia Transpessoal: a espiritualidade como dimensão constitutiva humana, 2023, p.312.

20 Ibid., p.312.

21 Ibid., p.313.

22 Felipe Ribeiro Cazelli. A busca pelo sentido em Psicologia Transpessoal: a espiritualidade como dimensão constitutiva humana, 2023, p.313.

23 Ibid., p.314.

24 Felipe Ribeiro Cazelli. A busca pelo sentido em Psicologia Transpessoal: a espiritualidade como dimensão constitutiva humana, 2023, p.319.

25 Fabíola Fortuna Pereira Marinho. Considerações sobre a espiritualidade e sua relação com o processo de individuação a partir da psicologia analítica, 2022, p.16.

26 Fabíola Fortuna Pereira Marinho. Considerações sobre a espiritualidade e sua relação com o processo de individuação a partir da psicologia analítica, 2022, p.23.

27 Anna Luiza Da Silva Miranda Varella Souza; Andrés Eduardo Aguirre Antúnez. Felicidade: a espiritualidade como possível caminho, 2021, p.57.

28 Ibid., p.59.

29 Anna Luiza Da Silva Miranda Varella Souza; Andrés Eduardo Aguirre Antúnez. Felicidade: a espiritualidade como possível caminho, 2021, p.61.

30 Fábio Roberto G O Medeiros. A psicologia analítica como proposta de transformação do ser, 2023, p.300.

31 Jesus de Aguiar Silva. O processo de individuação através da espiritualidade, 2018, p.11.

32 Tomás de Aquino. O ente e a essência, 2005, p.15.

33 Ibid., p.15.

34 Ibid., p.34.

35 Tomás de Aquino. O ente e a essência, 2005, p.24.

36 Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. Dicionário de Psicanálise, 1998, p.72.

37 Hannah Arendt. O conceito de amor em Santo Agostinho, 1997, p.19.

38 Idem., p.17.

39 Hannah Arendt. O conceito de amor em Santo Agostinho, 1997, p. 18.

40 Hannah Arendt. O conceito de amor em Santo Agostinho, 1997, p.19.

41 Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. Dicionário de Psicanálise, 1998, p.400.

42 Hannah Arendt. O conceito de amor em Santo Agostinho, 1997, p.24-25.

43 Dinalva Cavallari Adams; José Henrique Volpi. Que caráter nossa cultura quer para seus cidadãos?, 2013, p.1-2.

44 Ibid., p.2.

45 Dinalva Cavallari Adams; José Henrique Volpi. Que caráter nossa cultura quer para seus cidadãos?, 2013, p.3.

46 Ibid., p.4.

47 David Boadella. Correntes da vida: uma introdução à biossíntese, 1992, p.10.

48 Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. Dicionário de Psicanálise, 1998, p.42.

49 Pedro Molina. Além do significado existencial, 2024, p.22.

50 David E.Zimerman. Etimologia de Termos Psicanalíticos, 2012, p.179.

51 Ibid., p. 217.

52 Pedro Molina. Além do significado existencial, 2024, p.12.

53 Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. Dicionário de Psicanálise, 1998, p.217.

54 C.G.Jung. Sobre o amor, 2005, p.31.

55 Ibid., p.34.

56 Ibid., p.31.

57 Pedro Molina. Além do significado existencial, 2024, p.12.

58 C.G. Jung. Sobre a Vida após a Morte, 19--, posição 12.

59 Ibid., posição 18.

60 Ibid., posição 92.

61 Ibid., posição 102.

62 Ibid., posição 276.

63 C.G. Jung. Sobre a Vida após a Morte, 19--, posição 221.

64 Ibid., posição 461.

65 Ibid., posição 472.

66 Sigmund Freud. Interpretação dos Sonhos, 2018, posição 211 e 213.

67 Ibid., posição 225.

68 Sigmund Freud. Interpretação dos Sonhos, 2018, posição 305.

69 Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. Dicionário de Psicanálise, 1998, p.391.

70 Sigmund Freud. Interpretação dos Sonhos, 2018, posição 310 e 312.

71 Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. Dicionário de Psicanálise, 1998, p.392.

72 Sigmund Freud. Interpretação dos Sonhos, 2018, posição 409 e 411.

73 Ibid., posição 419.

74 Sigmund Freud. Um estudo autobiográfico, Inibições, sintomas e ansiedade, A questão da análise leiga e outros trabalhos, 19--, posição 267 e 268.

75 Pedro Molina. Além do significado existencial, 2024, p.22.

76 Sigmund Freud. Um estudo autobiográfico, Inibições, sintomas e ansiedade, A questão da análise leiga e outros trabalhos, 19--, posição 274 e 276.

77 Ibid., posição 293 e 294.

78 Ibid., posição 303.

79 Ibid., posição 304 e 306.

80 Sigmund Freud. Um estudo autobiográfico, Inibições, sintomas e ansiedade, A questão da análise leiga e outros trabalhos, 19--, posição 310, 312 e 313.

81 Ibid., posição 352 e 353.

82 Ibid., posição 380.

83 Ibid., posição 382, 384, 385.

84 Sigmund Freud. Um estudo autobiográfico, Inibições, sintomas e ansiedade, A questão da análise leiga e outros trabalhos, 19--, posição 411,412,414,416.

85 Blaise Pascal. Pensador.

86 João Paulo II. Encíclica Fides et Ratio – sobre as relações entre fé e razão, 1998, nota introdutória.

87 Carl G. Jung. O homem e seus símbolos, 2008, p.102-103.

88 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 1: sobre as afasias (1891): O projeto de 1895, 1991, p.89.

89 Ibid., p.95.

90 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 1: sobre as afasias (1891): O projeto de 1895, 1991, p.103.

91 Ibid., p.107.

92 Ibid., p.108.

93 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 2: A interpretação do sonho, 1900, 1991, p.23.

94 Ibid., p.43.

95 Ibid., p.83.

96 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 2: A interpretação do sonho, 1900, 1991, p.88.

97 Ibid., p.93.

98 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 2: A interpretação do sonho, 1900, 1991, p.133.

99 Ibid., p.161.

100 Ibid., p.161.

101 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 2: A interpretação do sonho, 1900, 1991, p.223.

102 Ibid., p.224.

103 Ibid., p.226.

104 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 2: A interpretação do sonho, 1900, 1991, p.28.

105 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 3: Artigos de metapsicologia, 1914-1917, 1995, p.30.

106 Ibid., p.32.

107 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 3: Artigos de metapsicologia, 1914-1917, 1995, p.35.

108 Ibid., p.37.

109 Ibid., p.39.

110 Ibid., p.120.

111 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 3: Artigos de metapsicologia, 1914-1917, 1995, p.133.

112 Ibid., p.191.

113 Ibid., p.203.

114 Luiz Alfredo Garcia-Roza, Introdução à metapsicologia freudiana, volume 3: Artigos de metapsicologia, 1914-1917, 1995, p.203.

115 Henri Bergson. As duas fontes da moral e da Religião, 1978, p.9.

116 Sigmund Freud. Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos. Volume 1 (1886-1899), 19--, p.112.

117 Sigmund Freud. Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos. Volume 1 (1886-1899), 19--, p.150.

118 Ibid., p.151.

119 Sigmund Freud. Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos. Volume 1 (1886-1899), 19--, p.72.

120 Sigmund Freud. Estudos sobre a histeria. Volume 2 (1893-1895), 19--, p.12.

121 Ibid., p.178.

122 Sigmund Freud. Primeiras Publicações Psicanalíticas. Volume 3 (1893-1899), 19--, p.59.

123 Ibid., p.57.

124 Sigmund Freud. Primeiras Publicações Psicanalíticas. Volume 3 (1893-1899), 19--, p.60.

125 Ibid., p.62.

126 Ibid., p.85.

127 Sigmund Freud. Primeiras Publicações Psicanalíticas. Volume 3 (1893-1899), 19--, p.98.

128 Ibid., p.142.

129 Ibid., p.158.

130 Sigmund Freud. Primeiras Publicações Psicanalíticas. Volume 3 (1893-1899), 19--, p.18.

131 Ibid., p.94.

132 Sigmund Freud. Primeiras Publicações Psicanalíticas. Volume 3 (1893-1899), 19--, p.94.

133 Henrique C. de Lima Vaz. Antropologia Filosófica, 2004, p.3.

134 Henrique C. de Lima Vaz. Antropologia Filosófica, 2004, p.5.

135 Ibid., p.29.

136 Henrique C. de Lima Vaz. Antropologia Filosófica, 2004, p.51.

137 Carl G. Jung. O homem e seus símbolos, 2008, p.178.

138 Ibid., p.213.

139 Carl G. Jung. O homem e seus símbolos, 2008, p.218.

140 Ibid., p.26.

141 Carl G. Jung. O homem e seus símbolos, 2008, p.83.

142 Ibid., p.166.

143 Carl G. Jung. O homem e seus símbolos, 2008, p.203.

144 Ibid., p.58.

145 Mário René Einstein-Schweriner, Vanessa Clarizia Marchesin. Neurônios da fé: Neurociência, prece e saúde mental, 2022, prólogo.

146 Marcia Tassinari Alves; Wagner Durange Teixeira. Experiência empática: da neurociência à espiritualidade, 2014, p.54.

147 Edenio Vale. Neurociências e religião: interfaces, 2001, p.12.

148 Edenio Vale. Neurociências e religião: interfaces, 2001, p.43.

149 Edenio Vale. Neurociências e religião: interfaces, 2001, p.44.

150 Josimar Diogo da Silva. O problema de Deus em Teilhard de Chardin, 2019, p.43.

151 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.9.

152 Ibid., p.10.

153 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.12.

154 Ibid., p.45.

155 Ibid., p.14.

156 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.19.

157 Ibid., p.20.

158 Ibid., p.35.

159 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.34.

160 Ibid., p.51.

161 Ibid., p.51.

162 Ibid., p.46.

163 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.51.

164 Ibid., p.78.

165 Ibid., p.84.

166 Ibid., p.80.

167 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, p.86.

168 Ibid., p.87.

169 Ibid., p.98.

170 Carl Gustav Jung. Psicologia e religião, 1978, , p.90.

171 Ibid., p.98.

172 Ibid.,p.90.

173 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.9-10.

174 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.8.

175 Ibid., p.10.

176 Ibid., p.10.

177 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.15.

178 Ibid., p.16.

179 Ibid., p.16.

180 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.20.

181 Ibid., p.22.

182 Ibid., p.23.

183 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.24.

184 Ibid., p.25.

185 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988,, p.35.

186 Ibid., p.39.

187 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.60.

188 Ibid., p.66.

189 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.67.

190 Ibid., p.67.

191 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.67.

192 Ibid., p.77.

193 Ibid., p.77-78.

194 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.78.

195 Ibid., p.82.

196 Ibid., p.85.

197 Joseph Ratzinger. Introdução ao Cristianismo: preleções sobre o Símbolo Apostólico, 1970, p.12.

198 Ibid., p.18.

199 Ibid., p.19.

200 Joseph Ratzinger. Introdução ao Cristianismo: preleções sobre o Símbolo Apostólico, 1970, p.21-22.

201 Ibid., p.26.

202 Joseph Ratzinger. Introdução ao Cristianismo: preleções sobre o Símbolo Apostólico, 1970, p.26-27.

203 Marie-Louise von Franz. Alquimia: Introdução ao simbolismo, 1991, p.25.

204 Marie-Louise von Franz. Alquimia: Introdução ao simbolismo, 1991, p.27.

205 Marie-Louise von Franz. Alquimia: Introdução ao simbolismo, 1991, p.40.

206 Ibid., p.40-41.

207 Marie-Louise von Franz. Alquimia: Introdução ao simbolismo, 1991, p.42.

208 Ibid, p.43.

209 Marie-Louise von Franz. Alquimia: Introdução ao simbolismo, 1991,p.44.

210 Ibid., p.45.

211 Marie-Louise von Franz. Alquimia: Introdução ao simbolismo, 1991, p.49.

212 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.115.

213 Ibid., p.118.

214 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.119.

215 Ibid., p.120.

216 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.120.

217 Ibid., p.120-121.

218 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.129-130.

219 Ibid., p.139.

220 Ibid., p.150.

221 Marie-Louíse von Franz. Reflexos da Alma: Projeção e Recolhimento Interior na Psicologia de C.G.Jung, 1988, p.154.

222 Pedro Francisco Molina. A importância da psicanálise e o projeto de uma psicologia científica, 2025, p.8.

223 Pedro Francisco Molina. A importância da psicanálise e o projeto de uma psicologia científica, 2025, p.23-24.

224 Ibid., p.115.

225 Jesus de Aguiar Silva. O processo de individuação através da espiritualidade, 2018, p.28.

226 Ibid., p.28.

227 Santo Agostinho. Confira algumas frases marcantes de Santo Agostinho, 2025.

228 Bento XVI. Deus caritas est – Sobre o amor cristão, 2005, parágrafo 5.

229 Jesus de Aguiar Silva. O processo de individuação através da espiritualidade, 2018, p.28..

230 Fábio de Melo. Quem me roubou de mim, 2007, p.150.