CULTURA DIGITAL E APRENDIZAGEM COLABORATIVA: CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE NO SÉCULO XXI
PDF: Clique aqui
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17373172
Gilbran Frare Avancini1
RESUMO
Este artigo analisa de forma aprofundada a integração de práticas colaborativas e ambientes digitais na formação de professores e na prática pedagógica contemporânea. A partir de revisão bibliográfica extensa, o estudo examina metodologias como design thinking, aprendizagem baseada em projetos (PBL) e estratégias de co-criação de conhecimento, destacando seu potencial para promover inovação, engajamento ativo, reflexão crítica e desenvolvimento de competências cognitivas, socioemocionais e digitais. São discutidos também os desafios institucionais, tecnológicos e culturais que impactam a adoção dessas práticas, incluindo resistência docente, infraestrutura limitada, lacunas na formação continuada e modelos avaliativos tradicionais que não contemplam habilidades colaborativas ou digitais. O estudo evidencia que a aprendizagem colaborativa mediada digitalmente não apenas amplia as possibilidades formativas, mas transforma a prática pedagógica, incentivando professores e estudantes a se engajarem de forma reflexiva, autônoma e criativa. Conclui-se que a consolidação dessa abordagem requer reconfiguração curricular, estratégias avaliativas inovadoras e fortalecimento das competências digitais, colaborativas e críticas dos professores. O artigo fornece subsídios teóricos e práticos para docentes, gestores e formadores de professores, reforçando a importância de uma abordagem integrada que conecte tecnologia, colaboração e desenvolvimento profissional contínuo.
Palavras-chave: aprendizagem colaborativa; cultura digital; formação docente; design thinking; aprendizagem baseada em projetos.
ABSTRACT
This article provides a comprehensive analysis of the integration of collaborative practices and digital environments in teacher education and contemporary pedagogical practice. Based on an extensive bibliographic review, it examines methodologies such as design thinking, project-based learning (PBL), and co-creation strategies, highlighting their potential to foster innovation, active engagement, critical reflection, and the development of cognitive, socio-emotional, and digital competencies. Institutional, technological, and cultural challenges that affect the implementation of these practices, including teacher resistance, limited infrastructure, gaps in continuous professional development, and traditional assessment models, are also discussed. The findings indicate that digitally mediated collaborative learning not only expands formative possibilities but also transforms teaching practice, encouraging teachers and students to engage reflectively, autonomously, and creatively. The study concludes that consolidating this approach requires curriculum redesign, innovative assessment strategies, and the strengthening of teachers' digital, collaborative, and critical competencies. This article provides theoretical and practical insights for educators, administrators, and teacher educators, emphasizing the importance of an integrated approach connecting technology, collaboration, and ongoing professional development.
Keywords: collaborative learning; digital culture; teacher education; design thinking; project-based learning.
1. INTRODUÇÃO
A formação de professores em Matemática é um tema central na melhoria da qualidade da educação básica, uma vez que docentes bem preparados influenciam diretamente a aprendizagem dos alunos. Nos últimos anos, tem-se destacado a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) como uma metodologia capaz de aproximar teoria e prática, promovendo o desenvolvimento de competências cognitivas, sociais e metodológicas dos futuros professores (BEHRENS, 2017). A ABP consiste em uma abordagem pedagógica na qual os estudantes são envolvidos na elaboração, execução e análise de projetos que exigem investigação, resolução de problemas e aplicação prática de conhecimentos matemáticos, favorecendo, assim, um aprendizado ativo e significativo.
Segundo Souza e Boruchovitch (2016, p. 112),
“A aprendizagem baseada em projetos permite que o futuro professor vivencie situações de ensino-aprendizagem de forma integral, articulando conteúdos, práticas pedagógicas e habilidades socioemocionais. Ao participar de projetos, o docente em formação desenvolve capacidade de planejar aulas contextualizadas, propor estratégias inovadoras e refletir sobre os resultados obtidos.”
Dessa forma, a ABP não se limita ao estudo de conteúdos formais, mas promove a interação entre teoria e prática, estimulando o pensamento crítico, a criatividade e a autonomia do professor em formação. Além disso, a metodologia favorece a compreensão de como diferentes estratégias pedagógicas podem ser aplicadas para atender às necessidades de aprendizagem de diversos perfis de alunos, tornando o processo educativo mais inclusivo e dinâmico (DEMO, 2007).
A importância de discutir e implementar projetos na formação docente também está relacionada ao desenvolvimento de habilidades de planejamento, avaliação e reflexão pedagógica. Ao se envolver em projetos matemáticos, o futuro professor experimenta desafios reais de ensino, como identificar dificuldades dos alunos, adaptar conteúdos e propor soluções inovadoras, fortalecendo sua capacidade de mediar a aprendizagem (BEHRENS, 2017; LOPES, 1999).
Neste contexto, o presente estudo, de caráter bibliográfico, busca analisar as contribuições da ABP na formação de professores de Matemática, discutindo suas potencialidades, desafios e impactos no desenvolvimento profissional. Ao compreender como os projetos podem ser utilizados de forma estratégica e intencional, espera-se evidenciar caminhos para a melhoria do ensino de Matemática e para a preparação de docentes capazes de atuar de maneira crítica, reflexiva e inovadora.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A aprendizagem colaborativa e a cultura digital representam dimensões complementares e indissociáveis da educação contemporânea. Ambas desafiam o paradigma tradicional de ensino, baseado na centralidade do professor e na transmissão linear do conhecimento, ao propor uma nova ecologia cognitiva, na qual o saber é produzido coletivamente, mediado por tecnologias e estruturado por redes de significados (CASTELLS, 2003; LÉVY, 1999).
Segundo Vygotsky (1998), o conhecimento se constrói nas interações sociais e se consolida por meio da mediação. Essa mediação, no ambiente educacional, é desempenhada pelo professor, que atua como articulador entre o sujeito e o objeto de aprendizagem. Em um contexto permeado por tecnologias digitais, o papel do professor se amplia: ele passa a ser também mediador digital, responsável por orientar o uso crítico e criativo das ferramentas tecnológicas. A aprendizagem deixa de ser um processo isolado para se tornar uma experiência compartilhada e interdependente, marcada pela negociação de sentidos e pela coautoria.
A aprendizagem colaborativa, conforme descrevem Johnson, Johnson e Smith (2014), é fundamentada na interdependência positiva e na corresponsabilidade entre os participantes. Essa abordagem rompe com a lógica competitiva que frequentemente permeia a escola, substituindo-a por uma dinâmica de cooperação e diálogo. Quando mediada por tecnologias, essa prática é intensificada: as plataformas digitais permitem trocas síncronas e assíncronas, construções coletivas de textos, projetos e recursos multimídia que superam as limitações espaço-temporais da sala de aula.
De modo complementar, a cultura digital é entendida como o conjunto de valores, práticas, modos de pensar e interagir que emergem das tecnologias digitais em rede (LÉVY, 1999; KENSKI, 2012). Ela não se restringe ao domínio técnico, mas envolve dimensões éticas, cognitivas e culturais, transformando profundamente as formas de aprender e ensinar. Prensky (2001) já alertava que os estudantes atuais, nascidos em meio à ubiquidade tecnológica, desenvolvem modos de aprendizagem distintos, caracterizados por múltiplas linguagens, conectividade e autonomia. O desafio, portanto, é alinhar a formação docente a essa nova lógica cultural.
Nesse cenário, Moran (2018) defende que as metodologias ativas — como aprendizagem baseada em projetos (PBL), design thinking e sala de aula invertida — favorecem a construção de uma aprendizagem significativa, personalizada e colaborativa. O professor atua como designer de experiências de aprendizagem, integrando tecnologias e estratégias pedagógicas que estimulem o protagonismo discente. Essa mudança implica uma transição de paradigma: o docente deixa de ser transmissor de conteúdos e assume o papel de mediador, orientador e coautor do conhecimento.
A aprendizagem baseada em projetos (PBL), conforme Bell (2010), é uma metodologia que mobiliza os estudantes para resolver problemas autênticos, conectados à realidade. Essa prática desenvolve competências cognitivas e socioemocionais, como pensamento crítico, empatia, colaboração, criatividade e comunicação. O professor, nesse contexto, é o facilitador que propõe desafios, acompanha processos e ajuda o grupo a refletir sobre o caminho percorrido. Quando articulada à cultura digital, a PBL ganha novos contornos: os alunos utilizam ferramentas digitais para pesquisar, produzir, comunicar e avaliar, transformando a sala de aula em um ecossistema interativo e interdisciplinar.
De modo semelhante, o design thinking aplicado à educação, segundo Brown (2009), oferece um processo criativo e humanizado de resolução de problemas, pautado em empatia, experimentação e colaboração. No ambiente escolar, essa abordagem estimula os professores a repensarem o planejamento e os alunos a aprenderem por meio da prática, da prototipagem e da reflexão constante. Carvalho e Goodyear (2018) ressaltam que o design educacional, inspirado nessa metodologia, promove um alinhamento entre teoria e prática, articulando tecnologia, pedagogia e inovação.
Para Tardif (2014), a transformação das práticas docentes requer também a valorização dos saberes da experiência, construídos ao longo da trajetória profissional. Esses saberes, articulados aos conhecimentos pedagógicos e tecnológicos, formam a base da identidade profissional do professor. A formação docente precisa, portanto, integrar dimensões reflexivas e colaborativas, de modo que o professor aprenda com seus pares e com as tecnologias, construindo comunidades de prática e partilhando saberes (NÓVOA, 2017).
A integração da cultura digital à formação de professores também é analisada por Perrenoud (2000), que enfatiza o desenvolvimento de competências transversais, como a capacidade de aprender continuamente, trabalhar em equipe e gerir situações complexas. Essas competências são essenciais em uma escola que se quer inovadora, participativa e digitalmente conectada.
Além disso, o paradigma conectivista, proposto por Siemens (2005), amplia a compreensão da aprendizagem na era digital, ao considerar que o conhecimento é distribuído em redes e que aprender é a capacidade de navegar, conectar e reinterpretar informações. Essa concepção reforça o papel da cultura digital como mediadora de novos processos cognitivos e colaborativos.
A formação docente precisa, portanto, articular quatro dimensões principais: (1) o domínio pedagógico, que orienta a ação educativa; (2) o domínio tecnológico, que possibilita o uso criativo das ferramentas digitais; (3) o domínio reflexivo, que sustenta a análise crítica da prática; e (4) o domínio colaborativo, que favorece a construção conjunta do saber. Somente a integração equilibrada desses eixos permite uma prática pedagógica coerente com as demandas do século XXI.
Por fim, cabe ressaltar que a aprendizagem colaborativa e a cultura digital são processos emancipatórios, em consonância com o pensamento de Freire (1996). A pedagogia freireana já antecipava a importância do diálogo, da problematização e da construção coletiva do conhecimento como fundamentos de uma educação transformadora. A cultura digital amplia esse horizonte ao permitir novas formas de diálogo, coautoria e democratização do saber, tornando o professor um sujeito político e cultural capaz de formar aprendizes críticos e autônomos.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise das experiências e pesquisas revisadas revela que a integração da aprendizagem colaborativa com a cultura digital tem produzido transformações substanciais nas práticas docentes, na formação inicial e continuada de professores e na dinâmica das instituições escolares. Entretanto, essa transformação não ocorre de maneira linear, pois envolve dimensões técnicas, culturais, éticas e políticas que reconfiguram o papel do professor e o sentido do aprender.
Diversos estudos (MORAN, 2018; BELL, 2010; KENSKI, 2012) indicam que professores que vivenciam processos formativos baseados em colaboração digital desenvolvem uma nova consciência pedagógica, pautada no compartilhamento, na empatia e na corresponsabilidade. O envolvimento em grupos de coautoria, comunidades de prática e redes de aprendizagem promove uma ressignificação do saber docente, que passa a ser entendido como algo dinâmico, coletivo e em constante construção.
Em cursos de licenciatura e formações continuadas, as metodologias colaborativas mediadas por tecnologia — como fóruns de discussão, wikis, ambientes virtuais de aprendizagem e projetos interinstitucionais — têm mostrado resultados promissores. Elas estimulam o diálogo entre pares, o planejamento coletivo e o uso criativo de recursos digitais, fortalecendo o sentimento de pertencimento e a identidade profissional dos docentes (NÓVOA, 2017).
Contudo, a pesquisa aponta também obstáculos persistentes. A resistência à mudança é uma das principais barreiras. Muitos professores ainda associam a tecnologia à distração ou à superficialidade, reproduzindo uma visão instrumental e defensiva da cultura digital (SELWYN, 2016). Essa postura é agravada por condições institucionais adversas, como falta de infraestrutura, sobrecarga de trabalho e ausência de políticas de incentivo à inovação (TARDIF, 2014).
Esses fatores demonstram que a simples introdução de tecnologias não garante inovação pedagógica. É necessária uma mudança de mentalidade (mindset) que valorize a aprendizagem colaborativa como prática permanente e a cultura digital como espaço de criação, e não apenas de consumo. Segundo Lévy (1999), a cibercultura só se torna educativa quando promove a inteligência coletiva, isto é, quando todos participam ativamente da produção e disseminação do conhecimento.
Nos contextos em que a aprendizagem colaborativa digital é implementada com apoio institucional, observa-se um salto qualitativo nas práticas docentes. Professores relatam maior motivação, engajamento e abertura à experimentação. A integração de ferramentas digitais como Google Workspace, Padlet, Canva, Miro e plataformas de videocolaboração favorece a construção conjunta de projetos e o desenvolvimento de competências comunicacionais e criativas.
Além disso, experiências de design thinking educacional e aprendizagem baseada em projetos têm mostrado resultados expressivos na formação docente. Ao trabalhar em equipes multidisciplinares, professores aprendem a lidar com a incerteza, a escuta empática e a prototipagem de soluções pedagógicas. Tais práticas contribuem para o fortalecimento do pensamento crítico e da autonomia profissional (BROWN, 2009; BELL, 2010).
Outro ponto relevante é o impacto emocional e identitário dessas práticas. Quando o professor é reconhecido como produtor de conhecimento, e não apenas executor de currículos, sua autoestima profissional se eleva, e o sentimento de pertencimento à comunidade educativa se fortalece. Isso tem reflexos diretos na qualidade do ensino e na motivação dos estudantes (NÓVOA, 2017; FREIRE, 1996).
Do ponto de vista dos alunos, a aprendizagem colaborativa mediada por tecnologias desenvolve competências essenciais à cidadania contemporânea: pensamento crítico, cooperação, literacia digital, resolução de problemas e empatia (PERRENOUD, 2000; SIEMENS, 2005). Os estudantes tornam-se protagonistas e aprendem a aprender com os outros, construindo repertórios coletivos e compartilhando responsabilidades.
Os resultados indicam também que o uso crítico da tecnologia favorece práticas pedagógicas mais inclusivas. Ambientes digitais colaborativos podem reduzir barreiras geográficas e temporais, permitindo a participação de sujeitos com diferentes ritmos, contextos e estilos de aprendizagem (KENSKI, 2012).
Em contrapartida, há riscos a serem monitorados: o excesso de dependência tecnológica, a desigualdade de acesso e a superficialização da informação. Cabe ao professor desenvolver um olhar ético e crítico sobre esses aspectos, orientando seus alunos para o uso responsável, criativo e reflexivo da tecnologia.
Em síntese, os resultados e discussões apontam que a integração da aprendizagem colaborativa com a cultura digital constitui um caminho promissor para a formação docente no século XXI, mas requer um compromisso coletivo com a inovação, a reflexão e a transformação das práticas escolares. O desafio maior não é tecnológico, mas pedagógico e cultural: formar professores capazes de articular sensibilidade humana, consciência crítica e competência digital em uma educação verdadeiramente emancipatória.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao aprofundar a análise das experiências revisadas, observa-se que a aprendizagem colaborativa mediada por tecnologias digitais não apenas transforma a prática pedagógica, mas também reconfigura o próprio sentido da formação docente. Essa reconfiguração manifesta-se na forma como os professores passam a compreender o conhecimento como um processo em constante construção, negociado entre pares e contextualizado em comunidades de aprendizagem (GARRISON; ANDERSON, 2011). Quando as práticas formativas favorecem o diálogo, o compartilhamento de experiências e a produção conjunta de materiais didáticos digitais, os docentes desenvolvem uma identidade profissional mais autônoma, reflexiva e interdependente.
Esse movimento também contribui para a emergência de uma nova cultura de formação continuada, mais horizontal e menos hierarquizada. O conhecimento não é apenas transmitido por especialistas, mas construído em redes de colaboração que envolvem professores, gestores, pesquisadores e estudantes. Essa mudança de paradigma está em consonância com as propostas de Nóvoa (2022), que defende a valorização da dimensão coletiva e experiencial da profissão docente, na qual aprender com o outro se torna elemento estruturante da prática educativa.
Além disso, há evidências de que ambientes digitais colaborativos ampliam a autonomia intelectual e a criatividade docente. Plataformas como Moodle, Google Classroom e Padlet, quando utilizadas de maneira crítica, estimulam o professor a experimentar diferentes linguagens e formatos de ensino, promovendo a autoria pedagógica. Essa prática contribui para romper a dependência de materiais prontos e incentiva a personalização das experiências de aprendizagem, adequando-as ao contexto e às necessidades dos alunos (VALENTE, 2022).
Outro aspecto relevante identificado nas pesquisas é o impacto da cultura digital na constituição da subjetividade docente. O professor contemporâneo não atua apenas como transmissor de saberes, mas como sujeito em rede, cuja identidade profissional se constrói por meio das interações digitais. Grupos em redes sociais acadêmicas, fóruns temáticos e comunidades virtuais de prática (como o “Edutopia” e o “Educadores Google”) se configuram como espaços de aprendizagem informal e contínua, onde a troca de experiências concretas e a reflexão coletiva sobre a prática consolidam-se como formas legítimas de desenvolvimento profissional. Kenski (2021) destaca que tais espaços contribuem para a criação de ecossistemas de aprendizagem sustentáveis, baseados na colaboração e na coautoria.
Por outro lado, a integração da cultura digital à formação docente traz à tona novas demandas éticas e críticas. A produção e circulação de informações em ambientes digitais requerem que o professor desenvolva competências de curadoria e pensamento crítico, distinguindo conteúdos confiáveis de desinformação. Moran (2018) e Pretto (2019) alertam que a mediação docente deve incluir uma dimensão ética e cidadã, orientando os estudantes para o uso consciente da tecnologia e para a construção de uma presença digital responsável. Nesse sentido, a formação de professores precisa incorporar discussões sobre privacidade, autoria, direitos digitais e sustentabilidade informacional, preparando o docente para lidar com dilemas contemporâneos da sociedade em rede.
Os resultados apontam também para a necessidade de revisão dos currículos de licenciatura, a fim de integrar as tecnologias digitais não como disciplinas isoladas, mas como eixos transversais da formação. É preciso que o uso pedagógico das tecnologias esteja articulado aos fundamentos teóricos, às práticas de estágio e aos componentes didático-metodológicos, garantindo coerência entre o discurso da inovação e a prática formativa. Essa proposta converge com o modelo TPACK (Technological Pedagogical Content Knowledge), de Mishra e Koehler (2006), que enfatiza a interdependência entre o conhecimento tecnológico, pedagógico e do conteúdo específico.
Outra tendência observada é o fortalecimento das redes interinstitucionais de formação, que conectam universidades, escolas e centros de inovação educacional. Essas redes permitem o desenvolvimento de projetos colaborativos que aproximam a formação inicial da realidade escolar, possibilitando que licenciandos e professores em exercício compartilhem desafios e soluções. Iniciativas desse tipo têm demonstrado impacto positivo na motivação dos participantes e na qualidade das práticas pedagógicas desenvolvidas, especialmente quando se apoia em metodologias como design thinking e aprendizagem baseada em projetos (BROWN, 2009; BELL, 2010).
A aprendizagem colaborativa digital também se mostra eficaz na promoção de processos avaliativos mais formativos e dialógicos. Ferramentas como rubricas compartilhadas, fóruns de feedback coletivo e portfólios digitais permitem que os estudantes participem ativamente da avaliação de seu próprio desempenho, aprendendo a reconhecer suas potencialidades e desafios. Essa abordagem democratiza o processo avaliativo e o alinha às concepções freireanas de diálogo e emancipação, nas quais a avaliação é parte integrante da aprendizagem (FREIRE, 1996).
Ademais, a cultura digital tem permitido a emergência de práticas de microaprendizagem e formação híbrida, em que o professor tem acesso a percursos personalizados de formação continuada, por meio de cursos curtos, tutoriais, podcasts e comunidades de aprendizagem online. Essa flexibilidade amplia o acesso e democratiza o desenvolvimento profissional, especialmente para docentes de regiões distantes ou com carga horária elevada, que encontram na modalidade online uma alternativa viável e significativa (BACICH; TANZI NETO; TREVISANI, 2015).
Não obstante, a ampliação dessas práticas requer o enfrentamento de desigualdades estruturais. A exclusão digital ainda é uma realidade em muitas redes públicas, nas quais a carência de equipamentos, conectividade e suporte técnico limita o potencial transformador da cultura digital (CASTELLS, 2020). Superar essas barreiras implica repensar as políticas públicas de inclusão tecnológica, priorizando investimentos em infraestrutura, formação docente e acesso equitativo a recursos digitais.
Outro desafio recorrente diz respeito à sobrecarga cognitiva e emocional associada ao uso intensivo de tecnologias. O excesso de estímulos digitais e a multiplicidade de plataformas podem gerar dispersão e fadiga, comprometendo a qualidade das interações colaborativas. Cabe às instituições formadoras promover o equilíbrio entre tecnologia e humanização, incentivando práticas de bem-estar digital e gestão saudável do tempo online. Kenski (2021) e Silva, Moura e Santos (2019) sugerem que a formação docente contemple também competências socioemocionais, como empatia, escuta ativa e autorregulação, fundamentais para o trabalho colaborativo em ambientes digitais.
Por fim, destaca-se que a aprendizagem colaborativa e a cultura digital, quando integradas de modo crítico e criativo, favorecem a emergência de uma nova ecologia pedagógica, em que o conhecimento é compartilhado, o ensino é coautoral e o aluno é sujeito ativo da aprendizagem. Trata-se de uma ecologia que rompe fronteiras entre o formal e o informal, o presencial e o virtual, o individual e o coletivo. Essa perspectiva sinaliza o amadurecimento de uma pedagogia da colaboração, na qual o professor é protagonista de uma transformação cultural que transcende o domínio técnico e se inscreve no campo da ética, da política e da emancipação humana (FREIRE, 1996; LÉVY, 2011).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACICH, Lilian; MORAN, José (orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. 2. ed. São Paulo: Penso, 2018.
BACICH, Lilian; TANZI NETO, Adolfo; TREVISANI, Fernando de Mello. Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015.
BARBERÀ, Elena; BADIA, Antoni. Educação e tecnologia: as chaves do trabalho colaborativo em rede. Porto Alegre: Artmed, 2005.
BEHAR, Patricia Alejandra (org.). Modelos pedagógicos em educação a distância. Porto Alegre: Artmed, 2009.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020.
COLL, César; MONEREO, Carles (orgs.). Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010.
DELORS, Jacques (org.). Educação: um tesouro a descobrir. 2. ed. São Paulo: Cortez/UNESCO, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 60. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.
GARRISON, D. Randy; ANDERSON, Terry. E-learning in the 21st century: a framework for research and practice. 3rd ed. New York: Routledge, 2011.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. 10. ed. Campinas: Papirus, 2021.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
MISHRA, Punya; KOEHLER, Matthew J. Technological Pedagogical Content Knowledge: A framework for teacher knowledge. Teachers College Record, v. 108, n. 6, p. 1017–1054, 2006.
MORAN, José Manuel. A integração das tecnologias na educação: desafios e possibilidades. In: BACICH, Lilian; MORAN, José (orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora. São Paulo: Penso, 2018. p. 25–43.
NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2022.
PRETTO, Nelson De Luca. Educação, cultura digital e redes: desafios contemporâneos. Salvador: EDUFBA, 2019.
SIEMENS, George. Connectivism: A learning theory for the digital age. International Journal of Instructional Technology and Distance Learning, v. 2, n. 1, p. 3–10, 2005.
SILVA, Marco; MOURA, Ana Maria; SANTOS, Edméa. Aprendizagem em rede na cibercultura: práticas pedagógicas e mediação docente. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2019.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2021.
TORRES, Patrícia Lupion; IRALA, Edna. Aprendizagem colaborativa: teoria e prática. Curitiba: Ibpex, 2014.
VALENTE, José Armando. Aprendizagem ativa e tecnologias digitais: fundamentos e práticas. Campinas: Unicamp/NIED, 2022.
ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.
1 Graduação Plena em Matemática. Especialização - Lato Sensu em Educação e Interdisciplinaridade. Mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação pela Must University. E-mail: [email protected]