AS COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS ALIADAS ÀS HABILIDADES COGNITIVAS NO ENSINO DE QUÍMICA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12703059


Francisco José Mininel1
Érica Aparecida dos Santos2
Jaqueline Cristina Cainelli Bortoluzo3


RESUMO
No transcorrer deste trabalho, buscou-se a todo o momento, aliar a aprendizagem de conceitos químicos às competências socioemocionais. A aula teve como tema a Combustão e a partir deste, buscou-se propiciar momentos de diálogo, resgate dos conhecimentos prévios dos estudantes, escuta ativa, confronto de ideias e respeito mútuo às opiniões diversas, tolerância, autoconfiança, de modo a incentivar os alunos a assumirem o protagonismo do seu próprio aprendizado. Dessa forma, a partir do tema Combustão, a professora propôs a realização de dois experimentos na própria sala de aula com materiais alternativos de baixo custo. Para cada um dos experimentos apresentados partiu-se de uma observação macroscópica do fenômeno, passando para interpretação submicroscópica e expressão representacional. Ficou claro que nesse processo, ocorre, portanto o desenvolvimento de competências socioemocionais como a curiosidade, a criatividade e o pensamento crítico em estreita ligação com a aprendizagem significativa de conceitos químicos.
Palavras-chave: competências socioemocionais, combustão, aprendizagem significativa.

ABSTRACT
During the course of this work, we constantly sought to combine the learning of chemical concepts with socio-emotional skills. The class's theme was Combustion and from this, we sought to provide moments of dialogue, rescue of students' prior knowledge, active listening, confrontation of ideas and mutual respect for different opinions, tolerance, self-confidence, in order to encourage students to take the lead in their own learning. Thus, based on the Combustion theme, the teacher proposed carrying out two experiments in the classroom using low-cost alternative materials. For each of the experiments presented, we started from a macroscopic observation of the phenomenon, moving on to submicroscopic interpretation and representational expression. It was clear that in this process, the development of socio-emotional skills such as curiosity, creativity and critical thinking occurs in close connection with the meaningful learning of chemical concepts.
Keywords: socio-emotional skills, combustion, meaningful learning.

1 INTRODUÇÃO

Competências Socioemocionais (CSE) são capacidades individuais que se manifestam nos modos de pensar, sentir e nos comportamentos ou atitudes para se relacionar consigo mesmo e com os outros, estabelecer objetivos, tomar decisões e enfrentar situações adversas ou novas. Elas podem ser observadas em nosso padrão costumeiro de ação e reação frente a estímulos de ordem pessoal e social. As competências socioemocionais têm recebido cada vez mais atenção e reconhecimento como um componente essencial da educação e do desenvolvimento humano. Ao longo do tempo e em diferentes espaços, essas competências têm sido valorizadas e consideradas fundamentais para o bem-estar individual, o sucesso acadêmico, as relações interpessoais saudáveis ​​e a preparação para os desafios da vida adulta.

Em um mundo sempre em mudança, o fortalecimento das competências socioemocionais dos estudantes se mostra cada vez mais relevante. Competências socioemocionais são cruciais para o desenvolvimento de crianças e jovens, impactando o desempenho escolar, bem-estar mental e relações interpessoais.

As competências socioemocionais podem ser denominadas também de competências não cognitivas, de habilidades socioemocionais, de inteligência emocional, dentre outras formas multireferenciais (MAGALHÃES, 2021).

Já na BNCC encontramos mimetizado os anseios das competências socioemocionais. Por exemplo, a de número 10: “Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade e resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2018, p. 12). A correspondência com as competências socioemocionais ocorre porque se demanda o respeito, a empatia, a confiança, a iniciativa social, responsabilidade e a tolerância ao stress, pois é preciso resiliência emocional para se engajar em tomadas de decisões.

Dessa forma, as Competências Socioemocionais (CSE) resultam da articulação entre conhecimentos, habilidades e motivações para lidar com conteúdos emocionais em diversas situações, cujo objetivo é o aprimoramento do repertório comportamental. Seu foco é na aprendizagem e no desenvolvimento contínuo visando tornar o indivíduo mais apto a manejar as inúmeras demandas emocionais que se mostram presentes na sociedade atual (BISQUERRA; PÉREZ-ESCODA, 2007; SAARNI, 2002). 

Pode-se associar às CSE, o aporte teórico da aprendizagem emocional (social emotional learning-SEL), relacionado ao ensino e à aprendizagem formal das habilidades e competências no âmbito socioemocional. Variados modelos surgem na literatura com base neste aporte teórico, focando em programas de desenvolvimento de competências, principalmente em crianças e adolescentes, como é o caso do Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL), que vem sendo aplicado em escolas nos Estados Unidos. Tal modelo contempla cinco domínios: autoconhecimento ou autoconsciência, autogerenciamento ou autocontrole, consciência social, comportamentos pró-sociais e tomada de decisão responsável (WEISSBERG et al., 2015).

Assim sendo, os estudos contemporâneos apontam para a necessidade de que as competências a serem exploradas na escola vão para além das cognitivas, evidenciando a necessidade de mudança de pensamento e entendimento sobre o que de fato são essas competências e quais os benefícios que o seu desenvolvimento traz aos estudantes.

Dessa forma, é possível afirmar que, para além dos conhecimentos acadêmicos, a escola deve se propor a auxiliar o jovem a descobrir e desenvolver suas competências, portanto, “transformar o espaço escolar não é uma opção: é uma consequência inevitável do efeito dominó em que estamos inseridos” (ABED, 2014, p.7).

Em uma sociedade como a nossa, em que os alunos passam, desde a mais tenra idade, várias horas de suas vidas na escola (tempo que está sendo ampliado, no Brasil, com a implantação da jornada de tempo integral e a obrigatoriedade do ingresso na escola aos quatro anos), cabe pensar no papel do ambiente escolar na promoção da saúde mental e física dos estudantes. Uma “escola suficientemente boa”, com “professores suficientemente bons” é uma alternativa institucional para combater os revezes decorrentes de condições familiares e sociais marcadas por carências afetivas, alimentares, materiais, muitas vezes envolvidas em violências de diferentes tipos e graus (ABED, 2014).

Calcado no pressuposto de que o aprender envolve não só os aspectos cognitivos, mas também os emocionais e os sociais, este trabalho foca a compreensão das inter-relações entre o desenvolvimento das habilidades socioemocionais e o processo de ensino e de aprendizagem. Compreender como tais habilidades podem contribuir com a melhoria do desempenho escolar e vida futura dos estudantes permite construir caminhos que promovam o desenvolvimento, aprimoramento e consolidação de uma educação de qualidade (ABED, 2014).

Portanto, o presente trabalho tem como objetivo primordial, aliar as competências socioemocionais (CSE) às habilidades cognitivas a partir de uma aula de Química, mais especificamente, abordando o fenômeno da combustão para aprendizagem de conceitos químicos inerentes à experimentação.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

A mudança nas concepções de ser humano, de ensino, de aprendizagem e de conhecimento realoca os papéis e as responsabilidades dos principais protagonistas da escola: o professor e o aluno. As teorias baseadas nas abordagens interacionistas coadunam com o paradigma aqui discutido, pois concebem o humano como resultante de um processo contínuo de construção, desconstrução e reconstrução nas e pelas interações sociais.

A teoria da aprendizagem de Vygotsky (2005) defende que o aprendizado se dá pela interação social e que o desenvolvimento do sujeito é resultado da relação com o mundo e com as pessoas com as quais ele se relaciona. O objetivo dessa teoria é constatar como as funções psicológicas evoluem de sua forma primária para processos psicológicos superiores. Sendo assim, a teoria visa identificar as transformações psicológicas e cognitivas existentes nas interações do sujeito com o mundo.

Ainda segundo Vygotsky (2001), a interação com o meio está diretamente ligada ao desenvolvimento cognitivo. Sendo assim o desenvolvimento acontece de fora para dentro, a partir do momento em que o indivíduo internaliza suas interações com o ambiente e com outros indivíduos. Dessa forma, é o contato com o ambiente, o convívio com outras pessoas e suas influências culturais que farão com que o indivíduo se desenvolva psicológica e conceitualmente. Assim sendo, a todo o momento, ensinante e aprendente estão se encontrando e se transformando ao olharem para os objetos do conhecimento.

Entendemos que a função da escola vai muito além da transmissão do conhecimento, pois é urgente e necessário fortalecer muitas e variadas competências nas nossas crianças e jovens, que lhe possibilitem construir uma vida produtiva e feliz em uma sociedade marcada pela velocidade das mudanças. Motivação, perseverança, capacidade de trabalhar em equipe e resiliência diante de situações difíceis são algumas das habilidades socioemocionais imprescindíveis na contemporaneidade.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2015, p. 35) definiu Competências Socioemocionais (CSE) como capacidades individuais que podem ser manifestadas com um padrão consistente de pensamentos, sentimentos e comportamentos desenvolvidos por meio de experiências de aprendizagens formais e informais, e importantes impulsionadoras de resultados socioemocionais ao longo da vida do indivíduo.

Muitos pesquisadores tem se debruçado sobre a mensuração das competências socioemocionais (CSE), e hoje há certo consenso em organizar as competências socioemocionais em cinco, os chamados “Big 5”. Os Big Five são constructos latentes obtidos por análise fatorial realizada sobre respostas de amplos questionários com perguntas diversificadas sobre comportamentos representativos de todas as características de personalidade que um indivíduo poderia ter. Quando aplicados a pessoas de diferentes culturas e em diferentes momentos no tempo, esses questionários demonstraram ter a mesma estrutura fatorial latente, dando origem à hipótese de que os traços de personalidade dos seres humanos se agrupariam efetivamente em torno de cinco grandes domínios (SANTOS & PRIMI, 2014).

Os cinco domínios propostos nos “Big 5” são: Openness (Abertura a experiências), ou seja, estar disposto e interessado pelas experiências - curiosidade, imaginação, criatividade, prazer pelo aprender. Conscientiousness (Conscienciosidade), ou seja, ser organizado, esforçado e responsável pela própria aprendizagem - perseverança, autonomia, autorregulação, controle da impulsividade. Extraversion (Extroversão), orientar os interesses e energia para o mundo exterior - autoconfiança, sociabilidade, entusiasmo. Agreeableness (Amabilidade - Cooperatividade), portanto, atuar em grupo de forma cooperativa e colaborativa - tolerância, simpatia, altruísmo. Neuroticism (Estabilidade emocional), ou seja, demonstrar previsibilidade e consistência nas reações emocionais - autocontrole, calma, serenidade.

Assim sendo, entendemos que nunca poderá haver mudanças na escola, se os professores não transformarem o seu fazer, afinal são eles que estão no “aqui e agora” com seus alunos. Para que os docentes promovam competências socioemocionais em seus estudantes, eles mesmos precisam do apoio para assumir o papel de protagonistas privilegiados da cena pedagógica. Estes, para tanto, precisam que os gestores da escola cumpram seu papel na valorização, formação e apoio da equipe docente, ancorados por políticas públicas claras, consistentes e eficazes (ABED, 2014).

Em relação aos discentes, devem-se empreender atitudes e valores, capazes de fazê-los lidar, de maneira eficiente e imediata, com os desafios da sociedade atual, diminuindo medos e inseguranças, uma vez que uma das funções das Competências Socioemocionais é assegurar o pleno domínio da provisoriedade e do desconhecido (PERRENOUD, 2008).

De modo geral, pode-se inferir que as Competências Socioemocionais constituem uma integração de saberes e fazeres sobre si mesmas e sobre as demais, apoiando-se na consciência, na expressão, na regulação e na utilização (manejo) das emoções, cujo objetivo é aumentar o bem-estar pessoal (subjetivo e psicológico) e a qualidade das relações sociais. Em resumo, a inteligência emocional, a regulação emocional, a criatividade emocional e as habilidades sociais integram um conjunto mais amplo denominado de Competências Socioemocionais (GONDIN; MORAIS; BRANTES, 2014, p. 400).

3 METODOLOGIA

Este trabalho foi realizado com uma turma da 1ª Série do Ensino Médio de uma escola (EE Carlos Barozzi) do Programa Ensino Integral (PEI) da Rede Estadual de São Paulo. A turma escolhida contava com um total de 25 alunos e o componente curricular escolhido foi Química em duas aulas consecutivas de 45 minutos.

Inicialmente a escola acatou um desafio feito pela Diretoria de Ensino de Fernandópolis-SP, para que se fizesse um trabalho onde houvesse o entrelaçamento do conteúdo ministrado em aula e as competências socioemocionais necessárias ao aprendizado efetivo dos conceitos pretendidos. A Diretoria de Ensino comunicou que o trabalho seria enviado à Secretaria da Educação, juntamente com trabalhos desenvolvidos em outras escolas do Estado de São Paulo. Destacamos aqui, que o presente trabalho foi escolhido em nível de Secretaria de Educação e apresentado a toda a rede através dos ATPCs (Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo) da EFAPE (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo), um espaço on-line de formação do professor. O primeiro contato da Diretoria de Ensino em relação ao trabalho a ser desenvolvido, foi feito com a vice-diretora da escola que de pronto, aceitou o desafio.

Na sequência, a vice-diretora escolheu para o trabalho, o componente curricular Química, uma vez que, a professora deste componente já procurava trabalhar em suas aulas o desenvolvimento das Competências Sociomocionais, buscando que os alunos gerenciassem suas emoções e as suas capacidades cognitivas com o objetivo de se qualificarem melhor, impulsionando dessa forma, o processo ensino-aprendizagem.

A professora, por sua vez, escolheu o conteúdo da aula onde poderia aliar as competências socioemocionais às habilidades cognitivas para o efetivo aprendizado dos conceitos químicos pretendidos. A aula escolhida versava sobre o tema “Combustão” e a mesma estava inserida no material digital disponibilizado pela Secretaria da Educação de São Paulo (SEDUC).

Para ilustrar o tema e consolidar as aprendizagens, a professora utilizou experimentos simples com materiais alternativos na própria sala de aula. Os alunos inicialmente eram instigados a fim de que fossem resgatados os seus conhecimentos prévios. A partir das discussões e escuta ativa havia o confronto de ideias e a elaboração significativa dos conhecimentos. Durante todo o desenvolvimento da aula houve mediação do professor de modo que os alunos discutissem as ideias, elaborassem e reelaborassem o conhecimento. À medida que aula transcorria, os alunos anotavam suas ideias e as ideias dos colegas. Ao final a sistematização se deu através de uma Roda de Conversas para que houvesse a consolidação das aprendizagens (Figura 1).

Todo o percurso da atividade foi registrado em relatórios, de modo que os alunos, nesse momento, exercitavam também as habilidades leitoras e escritoras.

Figura 1. Percurso metodológico.

Fonte: Os autores.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Neste trabalho, buscou-se em todos os momentos, aliar as competências socioemocionais às habilidades cognitivas, de modo que os estudantes pudessem exercitar a empatia, autoestima, ética, paciência, autoconhecimento, autonomia e criatividade. Dessa forma, ao desenvolver essas competências não cognitivas, buscou-se propiciar momentos para que os estudantes pudessem se tornar mais autônomoscríticos e ativos na própria aprendizagem. Desse modo, eles se tornam mais capazes de lidar com as próprias emoções.

A professora iniciou a aula colocando na lousa o tema da mesma e os objetivos que pretendia alcançar com o tema proposto, ou seja, a “Combustão”. Antes da projeção dos slides, instigou os estudantes para que colocassem oralmente o que entendiam por “combustão”. Inicialmente, percebeu-se que os estudantes tiveram dificuldades com o termo, demandando a intervenção da professora (mediação) para que entendessem que o termo referia-se à “queima”. Após o entendimento do termo, os alunos colocaram suas opiniões e seus conhecimentos prévios sobre a combustão. À medida que iam fazendo as colocações, a professora anotava os termos na lousa, por exemplo, “fumaça”, “calor”, “luz” etc.

Dessa forma, em atividades de reescrita orientada, o/a professor/a interage com os/as estudantes a partir de comentários que tentam guiar a evolução conceitual. Os comentários estabelecem o que Charlot (2001, p.27)  denomina de relação com o outro, ou seja, “o outro como mediador do processo que se produz quando o sujeito imita, identifica-se, opõe-se”, que nesse caso, passa a ser a mediação pelos comentários e como os/as estudantes interpretam-nos. Ademais, tal relação com o saber pode identificar os aspectos que sustentam ou bloqueiam o processo de aprendizagem, ficando claro aí que as competências socioemocionais são fundamentais para a evolução conceitual dos estudantes.

Identificar esses aspectos é analisar o processo sob a própria construção do/a estudante, considerando a sua história, singularidade, trajetória durante a atividade e a linguagem científica empregada. É fazer uma leitura positiva das escritas para produzir comentários que possam provocar os/as estudantes para a evolução conceitual. Para isso é necessário atuar como um professor questionador (professor que desperta o desejo de aprender nos estudantes, que faz provocações e questionamentos para mobilizá-los) e não apenas de conteúdo (professor que fornece apenas respostas aos estudantes), pois “o mais importante é entender que a aprendizagem nasce do questionamento e leva a sistemas constituídos” (CHARLOT, 2013, p. 114). 

Na sequência, a professora disponibilizou na televisão da sala, os slides propostos no material digital da Secretaria de Educação de São Paulo (SEDUC). O slide nº 1 detalhava os conteúdos a serem aprendidos e os objetivos específicos a serem alcançados (Figura 2).

Figura 2. Slide nº 1 apresentando tema e objetivos da aula.

(Fonte: SEDUC-SP)

O segundo slide apresentado, mostrava a figura de uma vela acesa e alguns questionamentos sobre o fenômeno observado (Figura 3).

Figura 3. Questionamentos prévios para discussão em sala.

(Fonte: SEDUC-SP)

Esse momento da aula foi bastante rico em discussões e a professora a todo o momento, permitia que os alunos falassem a respeito da imagem obtida, de modo que fosse estabelecido um diálogo entre os estudantes e desses com a professora. Momento esse, em que a professora faz a aproximação dos conceitos químicos com o cotidiano dos alunos, citando, por exemplo, a chama do fogão ficando amarelada quando o gás está acabando, ou seja, a produção de fuligem (combustão incompleta). Esse fato é bastante importante, mostrando o conhecimento da professora e sua maturidade ao relacionar o cotidiano ao conteúdo apresentado. Vale destacar, que alguns professores, devido a falta de conhecimento na área e uma formação mais tradicional, demostram dificuldade em relacionar os conteúdos científicos com fenômenos do cotidiano, priorizando a reprodução e a memorização, esquecendo-se muitas vezes, de relacionar a prática e a teoria.

Dessa forma, podemos citar Vygotsky (1991) quando enfatiza a importância da linguagem como instrumento que expressa o pensamento, em que a fala produz mudanças qualitativas na estruturação cognitiva do indivíduo, reestruturando diversas funções psicológicas, como a memória, a atenção voluntária, a formação de conceitos etc. Portanto a linguagem atua decisivamente na formulação do pensamento, além de ser o instrumento essencial no processo de desenvolvimento.

Cabe destacar aqui, que o ambiente escolar um local diverso, cheio de complexidades e também carregado de emoções, sentimentos, ações e relações sociais, portanto, é necessário considerar além dos aspectos cognitivos, que estão relacionados à dimensão do conteúdo, os aspectos socioemocionais envolvidos no contexto de aprendizagem (MARQUES; TANAKA; FÓZ, 2019).

Assim sendo, percebe-se no decorrer da aula, que a professora permitia que os alunos interagissem entre si, expressando suas opiniões de modo que opiniões divergentes eram respeitadas por todos, debatidas e discutidas, até se chegar num consenso. Portanto, as competências socioemocionais estão relacionadas a uma inter-relação de habilidades emocionais e sociais que auxiliam a pessoa a manejar melhor com as próprias emoções, a relacionar-se positivamente com outros, a executar tarefas diversas e a lidar com as demandas diárias de uma maneira competente (JONES et al., 2013).

Para ampliar e consolidar o conhecimento, a professora propôs a execução de alguns experimentos simples sobre combustão na própria sala de aula. Para isso utilizou alguns materiais alternativos como copo, vela, isqueiro, pires, algodão, álcool e a mesa da sala como bancada. Dessa forma a professora, mostra que é possível à realização de experimentos de grande utilidade didática sem empregar equipamentos e reagentes de alto custo. Com materiais simples (materiais alternativos) é possível ensinar muita Química. É até conveniente trabalhar com materiais pertencentes ao cotidiano dos estudantes. Assim ele percebe que a Química estuda o seu mundo, não sendo, pois uma ciência hermética, inacessível aos não iniciados.

Para uma maior interatividade, a professora solicitou que os estudantes se reunissem ao redor da mesa para observar os experimentos, permitindo que os alunos manipulassem os materiais e executassem a atividade experimental (Figura 4).

Figura 4. Aluno executando o experimento.

Fonte: Os autores.

Num dos experimentos, acendeu uma vela, fixou no pires e questionou os alunos sobre o que aconteceria se fosse colocado um copo de vidro sobre a vela. Houve discussão entre os alunos e muitos responderam assertivamente: “A vela se apaga”. Partido dessa afirmação feita pelos estudantes, a professora questiona mais uma vez: “Por que a vela se apaga”? Várias respostas foram dadas, sendo que a maioria afirma que a vela se apaga por conta de acabar o ar. A professora questiona então sobre qual ar seria esse. Percebe-se dúvida em alguns alunos, porém outros respondem assertivamente que seria o “Gás oxigênio do ar”. A professora, então, escreve na lousa a fórmula química do oxigênio e começa a diferenciar os conceitos de combustível e comburente nas reações químicas de combustão.

Percebe-se, portanto, que no decorrer da aprendizagem significativa, os antigos conceitos interagem com o novo conhecimento e servem de base para a atribuição de novos significados. Esses vão se modificando em função da interação e diferenciam-se progressivamente. De acordo com Moreira (2011), esse processo da estrutura cognitiva chama-se diferenciação progressiva.

Dessa forma, a aprendizagem é mais significativa à medida que o novo conceito é incorporado às estruturas do conhecimento do educando e adquire significado para ele a partir da relação com seu conhecimento prévio.

Num segundo experimento, a professora propõe que os alunos deixem por algum tempo o fundo do pires de louça sobre a chama da vela. Os alunos observam que com o passar do tempo, o fundo do pires fica escurecido e há presença de fuligem. Novamente a professora questiona sobre o que teria acontecido. Muitas respostas são dadas, tais como: “A fumaça é escura e escureceu o fundo do pires”, “Parece que tem alguma substância que fica impregnada no pires”. Partido das respostas, a professora vai sistematizando o conhecimento. Assim sendo questiona novamente os alunos: “Que substância fica impregnada no pires?” Os alunos têm dificuldades para responder ao questionamento, porém a professora não descarta de imediato as respostas incorretas, tendo o cuidado de não menosprezar as respostas dadas, de modo que os alunos iam se sentindo mais seguro ao darem as respostas. À medida que os estudantes iam dialogando entre si e com a professora, esta ia gradativamente construindo junto com os alunos a resposta correta (conceitos químicos inerentes à experimentação). Utiliza o quadro para escrever os conceitos de reações de combustão completa e incompleta, indicando que no caso do pires escurecido pela chama havia ocorrido uma reação de combustão incompleta produzindo o carbono (C) e que o mesmo era denominado fuligem.

Em relação ao erro cometido pelos alunos, precisamos entender que os alunos podem se beneficiar ao cometer erros (e corrigi-los). E podemos começar abordando isso de forma relativamente simples em sala de aula. Por exemplo, ao invés de fazer perguntas e apenas fornecer as respostas corretas, uma alternativa pode ser discutir com os alunos os erros mais comuns, bem como explorar os diferentes caminhos possíveis para se chegar à resposta correta.

Vários estudos sugerem que quanto mais confiante você estiver na resposta errada, maior será a probabilidade de se lembrar da resposta certa depois de ser corrigido. Nesse contexto, como as competências socioemocionais surgem para ajudar os alunos a lidarem com um erro percebido?

  • Ajustando o contexto: Alguns alunos aprendem melhor resolvendo problemas em grupo, enquanto outros preferem fazer isso sozinhos.

  • Encorajando a persistência. Persistência pode ser aprendida, e nós professores temos muita influência sobre nossos alunos.

  • Encorajando-os a serem gentis consigo mesmos ao invés de se compararem com os colegas.

  • Construindo relações positivas, deixe claro que você acredita no potencial deles.

  • Focando na resiliência.

Para finalizar a atividade, a professora representa na lousa, as equações químicas das combustões completas e incompletas, indicando os reagentes consumidos e produtos formados em ambas as combustões (Figura 5). Esse momento é extremamente importante, pois ensinar Química consiste não apenas em conhecer regras e teorias, mas também em compreender seus processos e linguagens, assim como o enfoque e o tratamento empregado por essa área da Ciência no estudo dos fenômenos. A Química apresenta, ao utilizar uma linguagem específica (fórmulas, símbolos, equações), uma forma característica de ver o mundo um pouco diferente daquela com que os estudantes estão habituados (MEDEIROS; RODRIGUEZ; SILVEIRA, 2016).

Figura 5. Professora sistematizando o conhecimento na lousa.

A conclusão da aula foi feita a partir de uma Roda de Conversas. A Roda de Conversa é uma possibilidade metodológica para uma comunicação dinâmica e produtiva entre alunos adolescentes e professores no ensino médio. Essa técnica apresenta-se como um rico instrumento para ser utilizado como Prática Metodológica de aproximação entre os sujeitos no cotidiano pedagógico. Promover rodas de conversa, debates ou situações nas quais os alunos devem se expressar e dividir com a turma o seu ponto de vista traz múltiplos benefícios. Um deles é o fato de colocar o estudante na posição de protagonista da construção do próprio conhecimento.

Quando nos expressamos, a mente humana vai organizando as informações, o que ajuda a compreender melhor determinado conteúdo, por exemplo. Além disso, é nesse momento que o professor pode perceber se jovem tem a capacidade de ordenar seus pensamentos e criar uma linha de raciocínio.

A partir da Roda de Conversas, o professor atuou como mediador do processo, levando os estudantes a refletirem sobre o que haviam aprendido, bem como verificar se os conceitos foram compreendidos significativamente pelos estudantes. Portanto, é papel do professor dar voz ao que os estudantes têm a dizer e deixar que todos participem, permitindo que eles digam o que pensam e o que sabem sobre o conteúdo. Na roda de conversa, os alunos devem ter autonomia e serem protagonistas da aprendizagem, assim como em outras metodologias ativas que podem ser trabalhadas em conjunto.

A roda de conversa é essencial para que o aluno se sinta ouvido e aceito. Neste momento, ele deve se sentir à vontade para se expressar livremente, confiando que suas ideias serão respeitadas. Da mesma maneira, o professor deve estabelecer inicialmente que todos devem ser protagonistas. Assim, os estudantes devem aprender a respeitar o que o outro tem a dizer, não interromper e esperar a sua vez de falar. 

Observou-se ao longo dos diálogos que os alunos aprenderam significativamente conceitos como combustão, combustão completa e incompleta, combustível e comburente, reações exotérmicas e endotérmicas, bem como a representação química do fenômeno da combustão a partir de equações químicas. Portanto, ficou evidente que o estudante teve a oportunidade de acompanhar e interpretar as etapas da investigação, sendo capaz de elaborar hipóteses, testá-las e discuti-las, aprendendo sobre os fenômenos químicos estudados e os conceitos que os explicam, alcançando os objetivos de uma aula experimental, a qual privilegia o desenvolvimento de habilidades cognitivas e o raciocínio lógico (MARCONDES, 2008, p.2).

Dessa forma, percebe-se que quando os sujeitos se envolvem de forma recíproca, firme e consciente para a construção de relações de respeito, cooperação e dialeticidade, reforça-se o circuito de aprendizagem, do qual todos participam de forma física e cognitiva, exonerando-se as ideias de autoritarismo, predomínio de climas defensivos, agressividade e indisciplina; as Rodas de Conversas logram o seu objetivo ao considerar a interação e a troca entre os diferentes sujeitos, uma vez que se contempla a ideia de que a formação pedagógica ocorre por meio do convívio e, principalmente, da aprendizagem coletiva, estando presentes a todo o momento as Competências Socioemocionais.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, buscou-se o aprendizado de conceitos químicos em estreita sintonia com as competências socioemocionais, sendo essas consideradas preponderantes para o aprendizado significativo. A partir do tema Combustão, a professora propiciou momentos de diálogos, resgate dos conhecimentos prévios, escuta ativa, confronto de ideias e o exercício do respeito mútuo entre os estudantes, a empatia. A execução de experimentos simples com materiais alternativos mostrou-se uma ferramenta frutífera, agenciando a autonomia para aprender, de modo que foi visível o aprendizado de conceitos químicos inerentes aos experimentos realizados na própria sala de aula. Explorar a experimentação, ou mesmo uma aula não experimental, junto às competências socioemocionais de cada indivíduo se mostra necessário e promissor, ao modo de se tornar emergencial, na busca de uma mudança do quadro referente ao ensino a Química. Dessa forma, ao final da aula, os alunos apresentaram os conteúdos de química que foram abordados no decorrer das atividades de forma a relacionar os fenômenos que ocorrem no seu dia a dia com a teoria discutida em sala de aula, mostrando o desenvolvimento do letramento científico.

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1 Docente do Curso Superior de Engenharia Química da Universidade Brasil, Campus Fernandópolis-SP. Doutor em Química (UNESP-Araraquara-SP). E-mail: [email protected]

2 Docente da EE Carlos Barozzi, Fernandópolis-SP. Especialista em Química. E-mail: [email protected]

3 Vice-diretora da EE Carlos Barozzi, Fernandópolis-SP. E-mail: [email protected]