AQUISIÇÃO DE CONCEITOS QUÍMICOS ATRAVÉS DE OFICINA TEMÁTICA: QUÍMICA FARMACÊUTICA E DOS MEDICAMENTOS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13358614
Francisco José Mininel1
Silvana Márcia Ximenes Mininel2
RESUMO
Este trabalho apresentou uma proposição metodológica para o ensino de Química baseada em uma Oficina Temática relacionada à química dos medicamentos. Numa Oficina Temática procura-se tratar os conhecimentos de forma inter-relacionada e contextualizada envolvendo os alunos em um processo ativo de construção de seu próprio conhecimento e de reflexão que possa contribuir para tomadas de decisões. As Oficinas Temáticas se baseiam em atividades experimentais investigativas sobre um dado tema de interesse social, sendo explorados conhecimentos químicos em estreita relação com suas aplicações e implicações sociais. Dessa forma, os alunos pesquisaram e propuseram uma estratégia de recristalização do ácido acetilsalicílico (AAS) de comprimidos comerciais. Ao longo das atividades, percebeu-se que os estudantes construíram significativamente conhecimentos químicos relacionados à funções orgânicas (estrutura química e densidade eletrônica), polaridade das moléculas, forças intermoleculares, propriedades físicas e métodos de separação de substâncias em uma mistura.
Palavras-chave: Oficinas Temáticas, proposição metodológica, medicamentos, recristalização.
ABSTRACT
This work presented a methodological proposition for teaching Chemistry based on a Thematic Workshop related to the chemistry of medicines. In a Thematic Workshop, we seek to treat knowledge in an interrelated and contextualized way, involving students in an active process of building their own knowledge and reflection that can contribute to decision-making. The Thematic Workshops are based on experimental investigative activities on a given topic of social interest, exploring chemical knowledge in close relation to its applications and social implications. Therefore, the students researched and proposed a strategy for recrystallizing acetylsalicylic acid (AAS) from commercial tablets. Throughout the activities, it was noticed that students significantly built chemical knowledge related to organic functions (chemical structure and electronic density), polarity of molecules, intermolecular forces, physical properties and methods of separating substances in a mixture.
Keywords: Thematic Workshops, methodological proposition, medicines, recrystallization.
1 INTRODUÇÃO
É comum ainda hoje no ensino de Química, perceber que os alunos, muitas vezes, não conseguem aprender, não são capazes de associar o conteúdo estudado com seu cotidiano, tornando-se desinteressados pelo tema. Isto indica que este ensino está sendo feito de forma descontextualizada e não interdisciplinar (NUNES e ADORNI, 2010).
Dentre as disciplinas do Ensino Médio, a Química é citada pelos alunos como uma das mais difíceis e complicadas de estudar, e um dos motivos que a torna complicada é por conta de ser abstrata e complexa. Eles alegam a necessidade de memorizar fórmulas, propriedades e equações químicas. Essas reflexões partem de uma proposta de ensino já alterada fortemente pelos documentos que orientam a Química como componente curricular. Entretanto, a cultura de um ensino mais teórico e pouco contextualizado ainda é realidade em muitas instituições de ensino, muitas vezes, resultado de um modelo de racionalidade técnica (SILVA, 2011).
Diversas pesquisas na área mostram que o ensino da Química ainda se faz baseado em torno de atividades que buscam a memorização de informações relacionadas a ela, fazendo com que o aprendizado seja muito limitado, contribuindo assim para a desmotivação do aluno com a disciplina. Quando se trata do ensino de Química Orgânica essa descontextualização fica ainda mais evidente. Por englobar uma vasta gama de conteúdos que, normalmente, só são trabalhados na 3ª série do Ensino Médio, o ensino de Química Orgânica é marcado pela exaustiva memorização de nomes, fórmulas, estruturas e funções, havendo pouca ou nenhuma menção à presença e aplicação dos compostos orgânicos no cotidiano (CHER et al, 2018).
Dessa forma, verifica-se a necessidade de falar em educação química, priorizando o processo ensino-aprendizagem de forma contextualizada, ligando o ensino aos acontecimentos do cotidiano do aluno, para que estes possam perceber a importância socioeconômica da química, numa sociedade avançada, no sentido tecnológico (TREVISAN e MARTINS, 2006).
Nessa perspectiva, o trabalho com Oficinas Temáticas, visam fortalecer a contextualização do conhecimento e a experimentação. A sua relevância no ensino de Química tem como suas principais características, a utilização da vivência dos alunos e dos fatos do dia a dia para organizar o conhecimento e promover aprendizagens, a abordagem dos conteúdos de Química a partir de temas relevantes que permitam a contextualização do conhecimento, o estabelecimento de ligações entre a Química e outros campos do conhecimento necessários para se lidar com o tema em estudo, a participação ativa do estudante na elaboração do seu conhecimento.
Assim sendo, no ensino da Química, os conteúdos disciplinares podem ser abordados sob a perspectiva dos Temas Químico Sociais que poderão desenvolver um importante papel na formação cidadã dos estudantes, à medida que trazem para a sala de aula discussões acerca de situações e problemas vivenciados no cotidiano, permitindo a contextualização do conteúdo químico, e a construção de práticas que estimulem nos alunos “[...] o desenvolvimento das habilidades básicas relativas à cidadania, como a participação e a capacidade de tomada de decisão” (SANTOS; SCHNETZLER, 1996, p. 30).
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Química está presente no cotidiano das pessoas, porém é muito comum ainda ouvir os estudantes comentando que a química ensinada na escola não tem aplicação nenhuma em suas vidas. Buscando mudar essa realidade é preciso que o processo de planejamento de atividades de ensino precisam estar em consonância com as novas tendências educacionais e deve buscar estratégias para promover o conhecimento e a valorização da leitura de mundo do aluno; contextualizar os conceitos; privilegiar a construção do conhecimento; promover o diálogo e a investigação; ser orientado por uma problemática ou o estudo de um caso; contemplar a experimentação investigativa e a formulação de hipóteses; e fornecer subsídios para o exercício pleno e consciente da cidadania (SANTOS & SCHNETZLER, 2010).
Para Santos e Schnetzler (2014, p. 97):
[...] o objetivo central do ensino de Química para formar o cidadão é preparar o indivíduo para que ele compreenda e faça uso das informações químicas básicas necessárias para sua participação efetiva na sociedade tecnológica em que vive. O ensino de Química precisa ser centrado na inter-relação de dois componentes básicos: a informação química e o contexto social, pois, para o cidadão participar da sociedade, ele precisa não só compreender a química, mas a sociedade em que está inserido.
Na busca de estratégias para trazer o cotidiano e a contextualização do conhecimento para as salas de aulas, surgem as oficinas temáticas. As oficinas temáticas, segundo Marcondes et al. (2007), são atividades que buscam, por meio de um tema e da apresentação de uma situação problema, ampliar a visão dos estudantes para além das concepções químicas, perpassando o estudo de fatores sociais, políticos, econômicos e ambientais, do tema em estudo.
Dessa forma, as oficinas temáticas são fundamentadas também na contextualização, a problematização, a dialogicidade e a investigação, além da abordagem temática que é característica essencial de uma oficina e tem suas raízes essencialmente em Freire (2016) e em Delizoicov e Angotti (1991).
A organização de uma oficina temática deve proporcionar ao aluno um aprendizado significativo dos conteúdos estudados a partir da contextualização proporcionada pela resolução de um problema dentro do tema proposto. A construção de uma oficina deve considerar uma sequência que contemple três momentos pedagógicos: problematização, organização e aplicação do conhecimento (MARCONDES, 2008).
Nas Oficinas Temáticas, o ensino investigativo como uma abordagem didática, leva o aluno a resolver um problema sobre determinado fenômeno, a partir do exercício prático de análise, avaliação e comparação, ao tempo que refletem e discutem com os demais colegas utilizando os materiais disponíveis e os saberes já internalizados (SASSERON & MACHADO, 2017).
As oficinas são temáticas, na perspectiva de tratar de uma dada situação problema que, mesmo tendo um dado foco, é multifacetada e sujeita a diferentes interpretações. As principais características pedagógicas de uma oficina temática podem, assim ser resumidas: utilização da vivência dos alunos e dos fatos do dia-a-dia para organizar o conhecimento e promover aprendizagens; abordagem de conteúdos da Química a partir de temas relevantes que permitam a contextualização do conhecimento; estabelecimento de ligações entre a Química e outros campos de conhecimento necessários para se lidar com o tema em estudo e participação ativa do estudante na elaboração de seu conhecimento.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio, a articulação entre conhecimentos da Química e as aplicações tecnológicas, suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas, pode contribuir para a promoção de uma cultura científica que permita o exercício da participação social no julgamento, com fundamentos, dos conhecimentos difundidos pelas diversas fontes de informação e na tomada de decisões, seja individualmente ou como membro de um grupo social (BRASIL, 1999).
Dessa maneira, em uma oficina temática, o cotidiano é problematizado e revisitado nas atividades propostas, isto é, estudado à luz do conhecimento científico e de outros relativos a aspectos sociais, históricos, éticos que possam auxiliar a compreensão da situação problema em foco (VILCHES et al., 2001; GIL-PÉREZ et al., 2005).
3 METODOLOGIA
A Oficina Temática “Química Farmacêutica e dos Medicamentos” foi aplicada numa escola do Programa Ensino Integral (PEI) do Estado de São Paulo em uma turma do 3º Ano do Ensino Médio, que contava com 20 alunos. A matriz curricular contava com 02 (duas) aulas semanais de Química. Foram utilizadas 12 (doze) aulas da disciplina para desenvolvimento das atividades propostas.
O desenvolvimento de uma Oficina Temática envolve a escolha do tema, dos experimentos e dos conceitos químicos. As atividades experimentais devem ter um caráter investigativo, de forma que desenvolvam a curiosidade e permitam ao aluno testar e aprimorar as suas ideias.
Na Figura 1, estão as etapas de elaboração das Oficinas Temáticas.
A Oficina Temática “Química Farmacêutica e dos Medicamentos” foi planejada com base nas etapas propostas por Marcondes (2008) e teve como objetivo principal relacionar os conteúdos da química dos medicamentos com a interação dos mesmos no organismo vivo, bem como estudar as funções orgânicas com a temática proposta, a fim de que os alunos compreendessem a composição química de medicamentos mais utilizados no dia a dia.
As atividades propostas na Oficina Temática seguiram três momentos pedagógicos: 1º momento – Problematização Inicial, 2º momento – Organização do Conhecimento e 3º momento – Aplicação do Conhecimento.
No primeiro momento, o professor iniciou a aula com alguns questionamentos sobre a temática medicamentos:
- Vocês tomam remédios regularmente em casa sem orientação médica?
- Quais são esses medicamentos? Vocês se recordam?
- Vocês ou seus familiares têm o hábito de lerem a bula do medicamento?
- Vocês sabem o que significa um medicamento genérico? Já ouviram falar sobre esse tipo de medicamento?
Buscou-se discutir todas essas questões em sala, incentivando que todos os alunos participassem, a fim de problematizar e realizar um levantamento das suas concepções prévias. Após ampla discussão, foi apresentada aos estudantes, em material impresso, uma bula do medicamento Aspirina® para que pudessem visualizar o formato da mesma, bem como, os itens referentes ao princípio ativo, modo de usar, contraindicações, efeitos colaterais e mecanismo de ação no organismo.
No segundo momento, foram abordados tópicos referentes à composição química de medicamentos mais facilmente encontrados nas residências, tais como analgésicos, antigripais, polivitamínicos etc. Nesse momento também, incentivou-se os alunos a pesquisarem sobre a composição química dos mesmos, bem como buscar informações sobre as fórmulas dos princípios ativos e o mecanismo de ação de tais medicamentos. A sala de informática da escola subsidiou esse momento, permitindo o acesso à internet.
As questões problematizadoras lançadas no primeiro momento nortearam as discussões que promoveram o diálogo professor-aluno e aluno-aluno durante a abordagem dos conceitos químicos inerentes ao tema.
No terceiro momento, a consolidação do conhecimento se deu através da experimentação com caráter investigativo (recristalização do ácido acetilsalicílico, AAS). Para a atividade experimental, foram fornecidos os reagentes e materiais necessários à execução da mesma. Ressalta-se que para esse momento de experimentação, não foram fornecidos nenhum tipo de roteiro experimental para os estudantes. Todo o material necessário foi disposto nas bancadas do laboratório para que os grupos (total de 04) com cinco alunos, pudessem manipular.
A fim de subsidiar o processo experimental, a professora apresentou algumas questões norteadoras, bem como forneceu alguns dados imprescindíveis para a realização da atividade experimental proposta. O trabalho foi conduzido a partir do “Plano Orientador da Atividade Experimental”, segundo Barboza (2021).
Em sua opinião, os medicamentos, mesmo que prontos para consumo, como é o caso da Aspirina®, podem conter impurezas? Como evitar supostas impurezas nos medicamentos? O ácido acetilsalicílico (AAS), princípio ativo da Aspirina®, possui boa solubilidade em água? Essa solubilidade pode variar com a temperatura?
O que vocês sabem sobre o ácido acetilsalicílico? Já ouviram falar sobre essa substância?
Qual a origem desse composto? Como é fabricado (reações químicas)?
Qual a finalidade do uso dessa substância?
Qual sua fórmula estrutural e molecular?
Quais as funções orgânicas estão presentes na estrutura química do ASS?
Analisando a estrutura do ASS, você espera que seja solúvel em água? E em etanol? Explique.
O P.F do AAS é de aproximadamente 135°C. Qual o estado físico da substância a temperatura ambiente?
Dessa forma, os estudantes deverão discutir o possível resultado que será obtido a partir do experimento realizado, discutindo a sugestão e as hipóteses apresentadas pelos estudantes e avaliar a possibilidade ou não da realização da proposta experimental.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A proposta dessa Oficina Temática foi possibilitar aos estudantes entender um pouco mais sobre a química dos medicamentos (princípios da Química Farmacêutica). Devido a extensão desse trabalho, não serão transcritos os relatos de todos os estudantes pesquisados. Porém, serão trazidas algumas respostas que consideramos relevantes no processo de investigação, de modo que, possamos entender o impacto da Oficina Temática na aprendizagem. Os relatos escolhidos para serem analisados de forma mais detalhada representam ideia geral da turma e são os mais completos em relação à categoria discutida.
Em relação ao 1º Momento (Problematização Inicial), os alunos manifestaram as seguintes opiniões acerca dos questionamentos:
K.X: Na minha casa, meus pais compram muitos remédios sem receita médica. Eles passam na farmácia do bairro e compram Magnopirol®, Aspirina®, Vitaminas entre outros. Eu acredito que é bastante fácil comprar esses remédios nas farmácias.
L.M: Todas as pessoas da minha casa tomam remédios por conta sem ir ao médico. É muito fácil a gente poder tomar remédios sem precisar ir ao médico. É só ir na farmácia e comprar o remédio que a gente quer.
C.F: Eu acho muito difícil ler as bulas dos remédios. São muito complicadas. Minha mãe e meu pai também não tem o hábito de ler. Eles pedem para o farmacêutico escrever na caixa do remédio quantas vezes a gente tem que tomar o remédio e o tanto que tem que beber.
D.A: Eu acho que o medicamento genérico é igual ao original. Pelo que pesquisei, encontrei que o medicamento genérico é uma cópia de um medicamento de referência, que contém os mesmos princípios ativos, na mesma dose e forma farmacêutica, e é administrado da mesma forma. Os medicamentos genéricos são vendidos pelo princípio ativo, a substância que produz os efeitos terapêuticos, e não têm nome comercial.
Os questionamentos iniciais e análise das respostas dos alunos é importante para a abertura do trabalho de pesquisa e observação das concepções prévias dos estudantes sobre o tema objeto da Oficina Temática.
Em vista de que vários alunos colocaram que eles não tinham o hábito de leitura das receitas e nem mesmo os seus familiares, a professora trouxe para a sala de aula uma bula do medicamento Aspirina® para ampliar as discussões sobre a apresentação de uma bula. O material impresso foi entregue para cada um dos grupos. A análise da bula foi feita a partir da leitura da mesma e sempre contando com a mediação da professora. Nesse momento, os alunos puderam entender que na bula vinha discriminado a composição química do medicamento, informações ao paciente, indicações, contraindicações, efeitos colaterais, posologia, nome do laboratório e responsável técnico. Foi interessante observar que a professora solicitou ajuda da professora de Língua Portuguesa para ajudar no entendimento do texto da bula. Dessa forma a professora coloca para os alunos que a bula nada mais é do que um gênero textual que pertence a ordem do prescrever, ou seja, ele apresenta como base o tipo textual injuntivo, que caracteriza-se por fornecer instruções para a realização de uma ação desejada, no caso da bula de medicamentos, ter informações sobre a medicação que irá fazer uso.
No 2º Momento (Organização do Conhecimento), devido ao grande volume de classes dos medicamentos disponíveis no mercado, escolheu-se uma classe para aprofundamento das discussões. Assim sendo, buscou-se estudar aspectos relacionados ao analgésico Aspirina® (ASS). Dessa forma, os alunos foram instigados a responderem ao questionamento sobre a pureza do material. Os alunos iniciaram a discussão, indicando na maioria das respostas que o medicamento comprado era puro. Isso foi uma constante em todos os grupos, indicando que tinham noção de que pureza estava relacionada a não presença de contaminantes. A discussão foi interessante para que a professora pudesse investigar o grau de conhecimentos dos estudantes acerca do conceito de substância química e correlatos, como material puro, material impuro, mistura homogênea, mistura heterogênea e pureza do material. Diversas respostas surgiam e podíamos perceber que o conhecimento espontâneo (do senso comum) influenciava fortemente as concepções dos estudantes acerca dos termos substância (material puro) e mistura (material impuro). Durante o diálogo, a professora favoreceu a interação e a reflexão dos estudantes em sala de aula facilitando a compreensão sobre material puro, material impuro e graus de pureza.
A fim de aprofundar ainda mais o tema, os estudantes foram instigados a buscarem informações sobre o medicamento Aspirina®. À medida que iam encontrando artigos e textos sobre o medicamento, os alunos iam anotando as informações ou fazendo impressões das mesmas para discussão em sala. Dessa forma, trouxeram informações sobre os reagentes necessários à produção da Aspirina®, bem como a sequência de reações químicas. Foi interessante constatar que à medida que iam fazendo a pesquisa, já se notava o crescimento cognitivo dos alunos. À medida que eles explanavam notava-se uma diferenciação entre o seu conhecimento prévio e o conhecimento que lhes foi apresentado, verificando esta evolução conceitual em diferentes momentos do processo de ensino e aprendizagem. Segue abaixo (Figura 2), a pesquisa feita sobre a produção da aspirina, de acordo com as observações do aluno (J. L).
A informação sobre o processo de produção da aspirina foi complementado por uma das alunas (M.C), indicando o mecanismo da reação de produção do ácido acetilsalicílico (ASS), conforme indicado na Figura 3.
A apresentação do mecanismo da reação de produção do ácido acetilsalicílico (Aspirina®) foi importante para que os estudantes pudessem visualizar que numa transformação química, existe a “quebra” de ligações e a “formação” de novas ligações na constituição dos produtos, bem como a necessidade do uso de catalisador para tornar o processo viável. A visualização do mecanismo reacional é importante, pois o conceito de reação química tem sido apontado por muitos autores e professores como um conceito problemático para o ensino e a aprendizagem, e tem sido objeto de muitas investigações (ROSA; SCHNETZLER, 1998; TALANQUER, 2006). As dificuldades apontadas para a aprendizagem deste conceito decorrem da sua abstração e complexidade do entendimento do rompimento de ligações nos reagentes e formação de novas ligações nos produtos.
Nesta linha de pensamento, ao final do processo de ensino, os estudantes devem compreender as reações como processos que envolvem quebra de ligações de substâncias reagentes, através de rearranjo de átomos, com formação de novas ligações, originando outros materiais com propriedades diferentes das iniciais.
Santos (2007) afirma que:
Envolvendo tais aspectos conceituais, as diferentes formas de abordagem possibilitam ao estudante o desenvolvimento de habilidades e atitudes de investigação e compreensão acerca dos fenômenos associados à Química. Tais aquisições baseiam-se na convivência com a linguagem simbólica/representacional dessa ciência e na apropriação de conceitos e sistemas teóricos que capacitam o aluno a dar explicações lógicas dentro desse campo de estudo e dos fenômenos que o cercam em sua vida em sociedade (SANTOS, 2007, p. 19).
O processo reacional apresentado foi importante para que o professor pudesse questionar os alunos sobre quais as funções orgânicas estavam presentes nos reagentes e nos produtos. Percebeu-se dificuldade de alguns alunos na identificação de grupamentos funcionais, dessa forma exigindo a mediação da professora para esclarecimento de dúvidas. O conhecimento sobre a tetravalência do átomo de carbono foi requerida quando os alunos foram solicitados a escrever as fórmulas moleculares dos reagentes e produtos na fabricação da Aspirina®. A partir do conceito de tetravalência do carbono e valência dos átomos de hidrogênio e oxigênio, os alunos escreveram as fórmulas moleculares dos compostos presentes nos reagentes e produtos.
Ainda na fase de Organização do Conhecimento, o questionamento: “Analisando a estrutura do ASS, você espera que seja solúvel em água? E em etanol? Explique”, foi muito importante para que os alunos pudessem tomar uma decisão sobre como proceder ao experimento de isolamento do ácido acetilsalicílico (AAS) de comprimidos. Dessa forma, a informação trazida por um dos alunos, foi determinante para que todos pudessem traçar as suas estratégias de isolamento do AAS por recristalização.
M.A: Recristalize o sólido obtido com uma mistura de EtOH/H2O, pois o ácido acetilsalicílico é solúvel em etanol e em água quente, mas pouco solúvel em água fria. Por diferença de solubilidade em um mesmo solvente (ou em misturas de solventes), é possível purificar o ácido acetilsalicílico eficientemente através da técnica de recristalização, seque o produto e determine o ponto de fusão do produto obtido.
No 3º Momento (Aplicação do Conhecimento), houve a reinterpretação do problema inicial, tendo como base os conhecimentos adquiridos na fase de Organização do Conhecimento. Portanto, na fase de Aplicação do Conhecimento, sugeriu-se que os alunos traçassem uma estratégia para isolamento do ácido acetilsalicílico (AAS) dos comprimidos vendidos em farmácias.
Em vista disso, houveram discussões entre os alunos sobre qual a melhor estratégia utilizar. As informações sobre solubilidade do AAS em diferentes solventes embasaram a escolha dos estudantes. Dessa forma, segue as falas de alguns alunos dos diferentes grupos:
M.A: Pelo que nós pesquisamos, entendemos que o ácido acetilsalicílico (AAS) pode ser dissolvido pela mistura de álcool e água quente. Ficamos sabendo que na água fria, o AAS não se dissolve muito bem.
T.J: Sim, vimos que em água fria o ácido acetilsalicílico é pouco solúvel, então deve esquentar a água para usar na experiência. Eu acho essa informação muito importante porque acho que o processo ocorrerá mais rapidamente, como nós já estudamos o ano passado.
F.M: Poderíamos então, pegar os comprimidos e triturar todos. Depois de triturado, nós podemos colocar o álcool misturado na água quente para dissolver todo o material. Então poderemos deixar secar para ver o AAS.
Novamente, foi muito importante observar que os alunos, a partir do diálogo, iam estabelecendo em conjunto, uma estratégia para isolamento do AAS do comprimido. Dessa forma, o experimento com caráter de investigação ia se apresentando de maneira espontânea, porém baseadas nas informações científicas que buscaram sobre a produção do ácido acetilsalicílico. Após, retomar a proposta de procedimento experimental de cada grupo, a professora solicitou que tomassem os devidos cuidados para realizar o experimento. Ao final, os alunos fizeram observações dos cristais que se formaram ao longo da semana. Os alunos analisaram, interpretaram e debateram os dados obtidos, relacionando com a teoria, especificamente, a fórmula estrutural, polaridade e solubilidade em diferentes temperaturas e quantidade ideal de solvente utilizado para que a recristalização ocorra. A seguir, foram feitas a discussão acerca da confirmação ou não das hipóteses através dos resultados obtidos no desenvolvimento da atividade experimental. Assim sendo, segue na Figura 4, um exemplo, de uma das estratégias traçadas por um dos grupos.
Para complementação e aprofundamento do tema a professor apresentou um texto para discussão em sala, no qual, segundo Hansen (2000), “o parâmetro de solubilidade original pode ser dividido em várias partes individuais, estando relacionado às forças de dispersão atômicas, forças moleculares de dipolo permanente e de ligação hidrogênio. Para o autor, os materiais orgânicos apresentam três tipos de forças de maior interação: forças de interação não polares, também chamadas de forças de dispersão; interações de dipolo permanente e ligação hidrogênio. Uma molécula que possui interações dipolo permanente pode ser significativamente polar sem, entretanto, ser solúvel em água”.
Neste contexto, apesar de o AAS apresentar os grupamentos polares das funções orgânicas éster e ácido carboxílico, é pouco solúvel em água. Por outro lado, o AAS é bastante solúvel em etanol. Esse diferente comportamento pode ser explicado por alguns fatores estruturais que resultam nas diferentes interações entre essas moléculas.
A recristalização é uma técnica que tem como essência a purificação e baseia-se na diferença de solubilidade de diferentes compostos em um mesmo solvente com gradiente de temperatura. É importante levar em consideração que o solvente deve dissolver o sólido enquanto quente e não dissolvê-lo (ou apresentar uma menor solubilidade) enquanto frio. O mesmo solvente deve manter a impureza dissolvida nele (ZUBRICK, 2005).
Foi interessante observar que um dos estudantes trouxe da bula do medicamento Aspirina®, informações do mecanismo de ação do AAA no organismo. Dessa forma, a professora utilizou as informações para complementar o tema. Dessa forma, esclareceu que o ácido acetilsalicílico pertence ao grupo de fármacos anti-inflamatórios não esteroides, com propriedades analgésicas, antipirética e anti-inflamatória. Seu mecanismo de ação baseia-se na inibição irreversível da enzima ciclooxigenase (COX), envolvida na síntese de prostraglandinas. A inibição farmacêutica da COX pode proporcionar alívio dos sintomas de inflamação e dor (Figura 5). Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como aspirina e ibuprofeno, exercem seus efeitos por meio da inibição da COX. O ácido acetilsalicílico também inibe a agregação plaquetária, bloqueando a síntese do tromboxano A2 nas plaquetas.
Esse momento de apresentação do mecanismo de ação do AAS foi importante para que a professora retomasse conceitos das enzimas como catalisadores do processo. A oficina temática foi importante para o desenvolvimento de conteúdos científicos. Inicialmente os estudantes apresentavam poucos conhecimentos relacionados à temática, no entanto, após o desenvolvimento das intervenções foi possível verificar uma evolução em termos dos conhecimentos científicos. Além disso, a abordagem da temática por meio da oficina possibilitou relacionar além de conteúdos de Química, conteúdos de Física e Biologia devido à organização do conhecimento em temas romper, naturalmente, as barreiras disciplinares, e depender de conceitos científicos de várias áreas da Ciência para sua compreensão. O resultado obtido permite afirmar que o ensino de Química pode ser favorecido com a utilização de diferentes estratégias metodológicas. A oficina auxilia os alunos na construção do conhecimento possibilitando que estes façam relações com o seu cotidiano
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Oficinas Temáticas, baseadas na contextualização social dos conhecimentos químicos e na experimentação investigativa, permitiu a criação de um ambiente propício para interações dialógicas entre o professor e os alunos e entre os próprios alunos. A atividade experimental proposta na Oficina Temática foi discutir sobre a química dos medicamentos, em especial a utilização do ácido acetilsalicílico (AAS) como analagésico. Foi realizada a recristalização do ácido acetilsalicílico, de modo que os alunos pesquisaram sobre a propriedades do mesmo, o que possibilitou traçarem uma estratégia para a recristalização. A técnica foi exequível para a sala em questão e adequada para abordagem dos conceitos de polaridade, forças intermoleculares, estrutura química e propriedades físicas dos compostos orgânicos. Neste caso, foi utilizado o etanol comercial e ácido acetilsalicílico, encontrados facilmente em mercados e farmácias, respectivamente, para realizar o experimento. A partir do acompanhamento da Oficina Temática, pôde-se observar que os objetivos foram atingidos e que as hipóteses ou as suposições foram confirmadas ou rejeitadas, havendo a compreensão dos conceitos químicos inerentes à Oficina Temática.
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1 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus Fernandópolis-SP. Doutor em Química pelo Instituto de Química da UNESP, Campus de Araraquara-SP, e-mail: [email protected]
2 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus Fernandópolis-SP. Mestre em Química pelo Instituto de Química da UNESP, Campus de Araraquara-SP, e-mail: [email protected]