TRABALHO AUTÔNOMO E MOVIMENTOS SOCIAIS: A MOBILIZAÇÃO DOS MOTORISTAS DE APLICATIVO NO BRASIL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12767100


Gyovanna Neri Pereira
Emily Cristine Duarte silva


RESUMO
O trabalho autônomo tem crescido nos últimos anos, mas a influência de políticas públicas e movimentos sociais nesse setor é pouco discutida. Este artigo analisa como a ação coletiva, o ativismo e o confronto político afetam os trabalhadores autônomos, com base nas teorias de Angela Alonso, Paolo Gerbaudo, Sidney Tarrow, Manuel Castells e Jeffrey C. Alexander. Os trabalhadores autônomos enfrentam flexibilidade e liberdade, mas também falta de proteção e segurança. Eles precisam se organizar e se mobilizar para reivindicar direitos e melhorias. As mídias sociais têm sido uma ferramenta crucial para essa mobilização. Exemplos incluem motoristas de aplicativos que lutam por melhores condições de trabalho. A análise dos movimentos sociais revela a importância da construção de identidades coletivas e da utilização de repertórios de confronto para alcançar mudanças. As teorias discutidas no artigo ajudam a entender as dinâmicas sociais, políticas e econômicas que afetam os trabalhadores autônomos, destacando a necessidade de um ambiente de trabalho mais justo e equitativo.
Palavras-chave: Trabalho autônomo, Movimentos sociais, Ação coletiva, Mídias sociais

ABSTRACT
Self-employment has grown in recent years, but the influence of public policies and social movements in this sector is under-discussed. This article analyzes how collective action, activism, and political confrontation affect self-employed workers, based on the theories of Angela Alonso, Paolo Gerbaudo, Sidney Tarrow, Manuel Castells, and Jeffrey C. Alexander. Self-employed workers face flexibility and freedom, but also a lack of protection and security. They need to organize and mobilize to claim rights and improvements. Social media has been a crucial tool for this mobilization. Examples include app-based drivers fighting for better working conditions. The analysis of social movements reveals the importance of building collective identities and using repertoires of contention to achieve change. The theories discussed in the article help to understand the social, political, and economic dynamics affecting self-employed workers, highlighting the need for a fairer and more equitable wor  environment.
Keywords: Self-employment, Social movements, Collective action, Social media

Introdução

O trabalho autônomo tem ganhado destaque nos últimos anos, com um número crescente de pessoas optando por essa modalidade de emprego. No entanto, pouco se discute sobre a influência de políticas públicas e movimentos sociais nesse contexto. Este artigo busca analisar como a ação coletiva, os ativismos e o confronto político impactam o universo do trabalho autônomo, com base nas contribuições teóricas de Angela Alonso, Paolo Gerbaudo, Sidney Tarrow, Manuel Castells e Jeffrey C. Alexander.

O trabalho autônomo é caracterizado por uma flexibilidade e liberdade que, por outro lado, pode ser compensada por uma falta de proteção e segurança. Nesse sentido, os trabalhadores autônomos precisam se organizar e se mobilizar para reivindicar seus direitos e melhorias em suas condições de trabalho. Segundo Piven e Cloward (1977, p.123), os movimentos sociais são fundamentais para a construção e formação dos desafios que cercam as sociedades, e os trabalhadores autônomos não são exceção. Eles precisam se engajar e'm ações coletivas para resistir às pressões e exigências do mercado e para construir uma sociedade mais justa e equitativa.

As mídias sociais têm sido uma ferramenta poderosa para a mobilização e articulação de demandas dos trabalhadores autônomos. Segundo Alain Touraine (1994, p.), “os movimentos sociais atuais utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e informação, como a internet, para exercitar o agir comunicativo e criar novos saberes”. Isso permite que os trabalhadores autônomos se comuniquem e se organizem rapidamente, facilitando a mobilização e a disseminação de informações sobre suas reivindicações.

A ação coletiva é fundamental para o sucesso dos movimentos sociais, incluindo os trabalhadores autônomos. Segundo Sidney Tarrow (1994), “os movimentos sociais utilizam o confronto político para alcançar seus objetivos, e os trabalhadores autônomos precisam se mobilizar e se organizar para resistir às pressões políticas e econômicas”. Jeffrey C. Alexander (1998) também destaca a importância da ação coletiva, enfatizando que a construção de identidades coletivas é fundamental para a mobilização e a resistência.

Neste contexto, uma pesquisa visa compreender os movimentos dos motoristas de aplicativos que ocorrem atualmente no Brasil. A paralisação e as reivindicações desses trabalhadores expõem os efeitos da precarização e a necessidade de organização e proteção da classe. A ausência de lideranças políticas tradicionais e a busca por direitos e melhores condições de trabalho destacam a importância dos movimentos sociais nesse cenário.

Os motoristas de aplicativo, em meio à luta por direitos e reconhecimento, representam um segmento significativo da força de trabalho brasileira que busca enfrentar a exploração e a desigualdade presentes no contexto neoliberal. A análise desses movimentos não apenas lança luz sobre as condições específicas desses trabalhadores, mas também ressalta a relevância dos movimentos sociais na construção de um ambiente de trabalho mais justo e equitativo.

Ao considerar as contribuições teóricas dos autores mencionadas e a realidade dos motoristas de aplicação no Brasil, este estudo busca não apenas compreender os desafios enfrentados por esses trabalhadores, mas também explorar como a ação coletiva e a organização podem ser ferramentas essenciais para a conquista de direitos e melhores condições de trabalho num contexto de crescente precarização e desigualdade.

Repertórios de confronto e trabalho autônomo

O conceito de repertórios de confronto, desenvolvido por Charles Tilly, é fundamental para compreender a dinâmica dos movimentos sociais. Segundo Tilly (2004), os repertórios de confronto são conjuntos de ações possíveis que, quando repetidas, tornam-se formas de ação compartilhadas entre os atores em conflito. Para Angela Alonso (2012) o conceito de repertórios de confronto de Charles Tilly, é essencial para compreender a dinâmica dos movimentos sociais. Alonso (2012) argumenta que os repertórios de confronto são influenciados pelas estruturas sociais e políticas em que os movimentos se desenvolvem, bem como pelas experiências e aprendizados acumulados pelos atores ao longo do tempo.

Essa abordagem permite analisar como os trabalhadores autônomos constroem suas estratégias de ação coletiva, considerando o contexto histórico e político em que estão inseridos. Nesse sentido, os trabalhadores autônomos também podem se organizar em torno de repertórios de ação coletiva para reivindicar seus direitos e melhorias em suas condições de trabalho.Os motoristas de aplicativos, por exemplo, têm utilizado repertórios de ação coletiva como paralisações e manifestações para reivindicar melhorias em suas condições de trabalho e reconhecimento de seus direitos. Essas ações coletivas permitem que os trabalhadores autônomos se mobilizem e se organizem rapidamente, facilitando a mobilização e a disseminação de informações sobre suas reivindicações. Segundo Sidney Tarrow (2009), os movimentos sociais utilizam o confronto político para alcançar seus objetivos, e os motoristas de aplicativos não são exceção. Eles precisam se mobilizar e se organizar para resistir às pressões políticas e econômicas e conquistar seus direitos.

No entanto, os repertórios de confronto não se limitam apenas a ações de confronto direto. Segundo Jeffrey C. Alexander (1998), a ação coletiva também envolve a construção de identidades coletivas e a mobilização de recursos simbólicos. Nesse sentido, os trabalhadores autônomos também podem se engajar em ações de solidariedade, educação e conscientização para fortalecer sua luta por direitos e melhores condições de trabalho. Um exemplo disso é a criação de associações e sindicatos de trabalhadores autônomos, que têm desempenhado um papel importante na articulação de demandas comuns e na construção de identidades coletivas. Essas organizações permitem que os trabalhadores autônomos se comuniquem, se organizem e se mobilizem em torno de causas comuns, fortalecendo sua capacidade de ação coletiva.

Outro exemplo é a utilização de mídias sociais e plataformas digitais para a mobilização e articulação de demandas dos trabalhadores autônomos. Segundo Paolo Gerbaudo (2022), as mídias sociais têm sido uma ferramenta poderosa para a organização de protestos e a disseminação de informações sobre as lutas dos movimentos sociais. No caso dos motoristas de aplicativos, as redes sociais têm sido utilizadas para a convocação de paralisações, a divulgação de informações sobre seus direitos e a construção de solidariedade entre os trabalhadores. Nesse sentido, os repertórios de confronto dos trabalhadores autônomos não se limitam apenas a ações de confronto direto, mas também envolvem a construção de identidades coletivas, a mobilização de recursos simbólicos e a utilização de mídias sociais e plataformas digitais para a articulação de demandas comuns. Essa abordagem permite compreender melhor a complexidade e a diversidade das estratégias de ação coletiva adotadas pelos trabalhadores autônomos em suas lutas por direitos e melhores condições de trabalho.

Além disso, é importante destacar que os repertórios de confronto dos trabalhadores autônomos não se desenvolvem em um vácuo, mas sim em um contexto social, político e econômico específico. Segundo Manuel Castells (2013), os movimentos sociais contemporâneos se organizam em torno de causas comuns e se articulam em redes de solidariedade. No caso dos motoristas de aplicativos, suas lutas se inserem em um contexto mais amplo de precarização do trabalho e de resistência à exploração capitalista. Nesse sentido, a análise dos repertórios de confronto dos trabalhadores autônomos deve levar em conta não apenas suas estratégias específicas de ação coletiva, mas também as dinâmicas sociais, políticas e econômicas mais amplas em que esses movimentos se inserem. Isso implica em considerar as relações de poder, as desigualdades estruturais e as formas de resistência que permeiam a sociedade como um todo.

Em resumo, o conceito de repertórios de confronto é fundamental para compreender as estratégias de ação coletiva adotadas pelos trabalhadores autônomos em suas lutas por direitos e melhores condições de trabalho. Essa abordagem permite analisar como os trabalhadores autônomos se organizam em torno de repertórios de ação compartilhados, considerando o contexto histórico, social e político em que estão inseridos. Além disso, a análise dos repertórios de confronto deve levar em conta as dinâmicas sociais, políticas e econômicas mais amplas em que esses movimentos se inserem, bem como as relações de poder e as formas de resistência que permeiam a sociedade como um todo.

Mídias sociais e mobilização cidadã

As mídias sociais têm desempenhado um papel fundamental na mobilização cidadã e nos movimentos sociais contemporâneos. Segundo Paolo Gerbaudo (2022), as plataformas digitais permitem que os cidadãos se comuniquem, se organizem e se mobilizem em torno de causas comuns, facilitando a articulação de demandas e a disseminação de informações. Um exemplo claro dessa dinâmica pode ser visto nas Jornadas de Junho de 2013 no Brasil, quando as redes sociais foram amplamente utilizadas para a convocação e organização dos protestos (JORNAL USP, 2021). Nesse contexto, as mídias sociais permitiram que informações e convocações fossem compartilhadas rapidamente, alcançando um grande número de pessoas e contribuindo para a mobilização em massa.

Segundo Alain Touraine (1994), os movimentos sociais contemporâneos têm se utilizado cada vez mais dos novos meios de comunicação e informação, como a internet, para exercitar o agir comunicativo e criar novos saberes. Isso permite que os cidadãos se engajem em processos de mobilização e reivindicação de forma mais autônoma e descentralizada, desafiando os canais tradicionais de comunicação e participação política. No entanto, é importante ressaltar que o uso das mídias sociais na mobilização cidadã também apresenta desafios e riscos.

Segundo Mucheroni (JORNAL USP, 2021), a diversidade de vozes e informações presentes nas redes sociais pode levar a um "tumulto de vozes", em que as pautas e demandas específicas acabam se perdendo em meio à grande quantidade de conteúdo. Além disso, Almeida (JORNAL USP, 2021) aponta que a rapidez e a efemeridade das informações nas redes sociais podem fazer com que os movimentos "muito específicos acabam se perdendo nesse tumulto de vozes". Isso significa que, embora as mídias sociais tenham um grande potencial de mobilização, é necessário cautela e estratégia para que as demandas dos movimentos sociais sejam efetivamente articuladas e visibilizadas.

Sendo assim, é fundamental que os movimentos sociais e os cidadãos engajados em processos de mobilização compreendam as dinâmicas e os desafios das mídias sociais, de modo a utilizá-las de forma estratégica e efetiva. Isso envolve, por exemplo, a construção de narrativas coesas e a articulação de redes de solidariedade e apoio mútuo, que permitam que as pautas e demandas dos movimentos sociais sejam mantidas na agenda pública. Com isso, as mídias sociais têm sido uma ferramenta poderosa para a mobilização cidadã e a articulação de movimentos sociais contemporâneos. No entanto, é necessário cautela e estratégia para que essas plataformas digitais sejam utilizadas de forma efetiva e duradoura na luta por transformações sociais.

Poder em movimento e confronto político

A obra de Sidney Tarrow, "O Poder em Movimento: Movimentos Sociais e Confronto Político", é fundamental para compreender a relação entre os movimentos sociais e o confronto político. Segundo Tarrow (2009), os movimentos sociais utilizam o confronto político como uma estratégia para alcançar seus objetivos e reivindicar mudanças. Tarrow argumenta que o "poder em movimento" é construído através da mobilização de recursos e da construção de identidades coletivas. Isso significa que os movimentos sociais precisam se organizar, se mobilizar e se engajar em ações coletivas para exercer pressão política e obter conquistas.

No contexto do trabalho autônomo, essa perspectiva é especialmente relevante. Os trabalhadores autônomos, como os motoristas de aplicativos, precisam se mobilizar e se organizar para resistir às pressões políticas e econômicas e conquistar seus direitos. As paralisações e manifestações realizadas por esses trabalhadores são exemplos de confronto político, por meio do qual eles buscam visibilidade e negociação com o poder público e as empresas. Além disso, Tarrow destaca que o confronto político não se limita apenas a ações de protesto e reivindicação. Ele também envolve a construção de alianças, a negociação com autoridades e a utilização de canais institucionais para alcançar seus objetivos. Nesse sentido, os trabalhadores autônomos podem se engajar em diferentes estratégias de confronto político, adaptando-as de acordo com o contexto e as oportunidades políticas disponíveis.

É importante ressaltar que o confronto político não ocorre em um vácuo, mas sim em um contexto social, político e econômico específico. Segundo Tarrow, as estruturas de oportunidade política, as redes sociais e os repertórios de ação coletiva são fatores que influenciam a dinâmica dos movimentos sociais e seu confronto político. Portanto, para compreender as lutas dos trabalhadores autônomos, é necessário analisar esse contexto mais amplo em que elas se inserem.

Desse modo, a perspectiva de Sidney Tarrow sobre o "poder em movimento" e o confronto político é fundamental para entender as estratégias adotadas pelos trabalhadores autônomos, como os motoristas de aplicativos, em suas lutas por direitos e melhores condições de trabalho. Essa abordagem permite analisar como esses trabalhadores se organizam, se mobilizam e se engajam em ações coletivas para exercer pressão política e obter conquistas.

Redes de indignação e esperança

De acordo com a obra "Redes de Indignação e Esperança: Movimentos Sociais na Era da Internet", de Manuel Castells discute o surgimento de redes de indignação e esperança, enfatizando como os movimentos sociais contemporâneos se organizam em torno de causas comuns. A sua obra é fundamental para compreender o papel das redes sociais e da internet na mobilização e organização dos movimentos sociais contemporâneos. Castells (2013) argumenta que os movimentos sociais atuais se organizam em torno de "redes de indignação e esperança", utilizando as plataformas digitais para se conectar, se comunicar e se mobilizar. Essas redes permitem que os indivíduos expressem sua indignação com relação a diversas questões sociais, políticas e econômicas, ao mesmo tempo em que alimentam a esperança de transformação. No contexto do trabalho autônomo, essas redes podem ser espaços de articulação e solidariedade entre diferentes categorias profissionais. Além disso, Castells (2012) destaca que:

A característica distintiva dos movimentos sociais contemporâneos é sua capacidade de operar em redes horizontais e descentralizadas, aproveitando a internet e as redes sociais para coordenar ações e mobilizar apoio. Esses movimentos são frequentemente desafiados pela fragmentação dos trabalhadores e pelas estratégias das empresas para desestimular a organização coletiva, mas continuam a buscar transformações sociais significativas ao redefinir a ação coletiva no contexto das novas tecnologias." (Castells, 2012, p. 45).

Um exemplo claro dessa dinâmica pode ser visto nos movimentos de protesto que eclodiram em várias partes do mundo, como as Jornadas de Junho no Brasil em 2013 e os protestos da Primavera Árabe. Nesses casos, as redes sociais desempenharam um papel fundamental na convocação, organização e articulação dos manifestantes, permitindo a rápida disseminação de informações e a construção de identidades coletivas.

No entanto, Castells (2013) também chama a atenção para os desafios e limites dessas redes de indignação e esperança. Ele destaca que, embora as plataformas digitais tenham um grande potencial de mobilização, elas não garantem necessariamente a concretização das demandas e aspirações dos movimentos sociais. Isso porque, segundo Castells, a luta fundamental pelo poder é a batalha pela construção de significado na mente das pessoas. Ou seja, os movimentos sociais precisam ir além da mera expressão de indignação e construir narrativas e propostas capazes de transformar a realidade social.

Nesse sentido, a análise das redes de indignação e esperança deve considerar não apenas a dinâmica de mobilização e organização dos movimentos sociais, mas também as relações de poder, as estruturas institucionais e as disputas simbólicas que permeiam esse contexto. Apenas assim será possível compreender de forma mais ampla os desafios e as potencialidades dos movimentos sociais na era digital.

Ação coletiva, cultura e sociedade civil

O movimento dos motoristas de aplicativo é um exemplo claro da interação entre ação coletiva, cultura e sociedade civil. Segundo Jeffrey C. Alexander (1998), a ação coletiva pode ser entendida como uma luta por posições ante os antagonismos das categorias da vida civil, como uma luta para representar outros atores e criar novas normas e instituições que permitam canalizar recursos de uma maneira diferente. Nesse sentido, os motoristas de aplicativo se engajam em ações coletivas para reivindicar seus direitos e melhorias em suas condições de trabalho, confrontando as empresas de aplicativo e o poder público.

A cultura desempenha um papel fundamental na construção da identidade coletiva desses trabalhadores. Alain Touraine (1994) argumenta que a cultura é um fator crucial para a construção de significado e identidade coletiva, permitindo que os indivíduos sejam parte de um grupo e compartilhem valores e objetivos comuns. No caso dos motoristas de aplicativo, a cultura do trabalho autônomo, flexível e independente é central para sua mobilização. Eles se identificam como trabalhadores livres, que valorizam a autonomia sobre seus horários e a possibilidade de recusar viagens. Essa cultura é influenciada por elementos da sociedade civil, como a valorização da liberdade individual e da meritocracia.

A sociedade civil também é um espaço crucial para a organização e mobilização dos motoristas de aplicativo. Eles se articulam em associações, sindicatos e grupos de WhatsApp para defender seus interesses e reivindicar seus direitos. Essas organizações permitem que os motoristas se conectem, troquem informações e se solidarizem mutuamente. Segundo Douglas Cesar Lucas (2018), os novos movimentos sociais contribuem para a afirmação democrática do direito e do Estado, criando espaços de participação popular fora do ambiente institucional e estabelecendo novos padrões de juridicidade. Nesse sentido, as mobilizações dos motoristas de aplicativo desafiam as normas trabalhistas vigentes e reivindicam novos direitos e proteções para o trabalho autônomo.

No entanto, é importante ressaltar que a ação coletiva dos motoristas de aplicativo também enfrenta desafios. Segundo Alonso (2012), os repertórios de confronto são influenciados pelas estruturas sociais e políticas em que os movimentos sociais se desenvolvem. No caso dos motoristas, a fragmentação da categoria, a concorrência entre plataformas e a dificuldade de organização em um contexto de trabalho individualizado dificultam a construção de uma identidade coletiva forte e a articulação de demandas comuns. Além disso, as empresas de aplicativo têm adotado estratégias para desestimular a organização coletiva dos motoristas, como a criação de programas de fidelidade e benefícios individuais. Isso enfraquece a solidariedade de classe e dificulta a mobilização em torno de pautas reivindicatórias.

E, apesar desses desafios, o movimento dos motoristas de aplicativo segue sendo um exemplo relevante da interação entre ação coletiva, cultura e sociedade civil no contexto do trabalho autônomo. Suas mobilizações evidenciam a necessidade de repensar as normas trabalhistas e de construir novos modelos de proteção social que levem em conta as especificidades do trabalho em plataformas digitais.

Movimentos dos motoristas de aplicativo no Brasil

Os motoristas de aplicativo no Brasil têm se mobilizado em busca de melhorias nas suas condições de trabalho, apesar de não desejarem ser contratados como CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Esses motoristas reivindicam melhores condições de trabalho, como a remuneração mínima por hora trabalhada, que é considerada insuficiente para cobrir suas despesas e garantir uma vida digna, pedem também a garantia de direitos trabalhistas e previdenciários, como a contribuição previdenciária e a proteção contra a exploração laboral. Uma das principais reivindicações dos motoristas é a melhoria na remuneração por corrida. Eles argumentam que o valor pago por milha rodada e por minuto não é suficiente para garantir uma renda estável e decente. Além disso, a falta de seguro de vida e condições desfavoráveis para o financiamento de veículos são outras preocupações que os motoristas buscam resolver. Outra questão importante é a falta de direito para negociar o contrato de trabalho. Os motoristas sentem que as empresas-aplicativas exercem um controle excessivo sobre suas vidas, sem oferecer a oportunidade de discussão e negociação sobre as condições de trabalho. A redução da comissão cobrada pelas empresas também é uma reivindicação frequente, pois os motoristas acreditam que essa taxa é excessiva e não justificada.

A falta de vínculo trabalhista é outro ponto crítico. Embora os motoristas sejam considerados empreendedores do setor de transportes, eles entendem que o sistema de avaliação dos aplicativos não consegue separar os bons dos maus motoristas. Isso os leva a trabalhar muitas horas sem garantia de renda mínima, o que é um fator de estresse e insatisfação. Como os motoristas não possuem vínculo, eles não possuem direitos aos benefícios trabalhistas, como férias, décimos terceiros e seguro desemprego, os deixando em situação vulnerável. Outro ponto destacado por esses motoristas é que as empresas de aplicativo não são nada flexíveis. Pois, essas empresas exercem controle sobre as atividades desses motoristas, afetando assim as condições de trabalho, pois não há negociações justas, apenas impondo condições que não são favoráveis aos motoristas.

Hoje tão buscando o vínculo empregatício no mundo inteiro, não é nem só no Brasil, porque o Reino Unido é um dos maiores exemplos. E a gente luta justamente ao contrário, não luta pelo vínculo empregatício, porque a gente entende que ele pode matar a profissão no Brasil. A gente sabe que, no nosso país, os impostos são absurdos e o número de motoristas que existe hoje já são milhões, isso tornaria inviável para as plataformas pagarem. Hoje estamos com a média de 37% de imposto em cima de cada trabalhador [...] a gente não pode matar as plataformas porque se a gente mata as plataformas não tem a geração de renda e aí o que é que esses desempregados vão fazer (Entrevistada 11, BA, 19.08.2021).

A greve global de 8 de maio de 2019, que ocorreu em diversas cidades do mundo incluindo São Paulo, é um exemplo da intensa exploração da força de trabalho nos setores de aplicativos. Essa ação coletiva demonstra que os motoristas estão dispostos a lutar por seus direitos e melhorias nas condições de trabalho. Lideranças como Leandro Cruz, presidente do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transportes Terrestres Intermunicipal do Estado (Stattesp), e motoristas como Luisa Pereira, que defendem a regulamentação do setor para frear os abusos das plataformas, têm se destacado na luta por melhores condições de trabalho. Embora a adesão tenha sido baixa em alguns casos, como em Curitiba, onde apenas 2% da categoria participou, o movimento demonstra que os motoristas estão lutando por seus direitos e melhorias nas condições de trabalho.

Conclui-se então que o movimento dos motoristas de aplicativo no Brasil é um exemplo de resistência e luta por melhores condições de trabalho. Embora nem todos os motoristas estejam envolvidos, uma parcela significativa tem se mobilizado em busca de melhorias salariais, direitos trabalhistas e maior regulamentação do setor. Esse movimento reflete a necessidade de melhorias nas condições de trabalho e a resistência à contratação como CLT. Os motoristas buscam uma regulamentação que atenda às suas necessidades, com maior transparência e participação nos processos de decisão, e não uma imposição unilateral do governo. Apesar dos desafios, o movimento dos motoristas de aplicativo no Brasil se mantém como um exemplo de luta por direitos e melhores condições de trabalho.

Conclusão

Este artigo explorou a interseção entre o trabalho autônomo, políticas públicas e movimentos sociais, utilizando as contribuições teóricas de Angela Alonso, Paolo Gerbaudo, Sidney Tarrow, Manuel Castells e Jeffrey C. Alexander. A análise desses conceitos, como repertórios de confronto, mídias sociais, poder em movimento, redes de indignação e ação coletiva, permitiu uma compreensão mais profunda das dinâmicas que envolvem o trabalho autônomo e suas relações com a esfera pública.

Ao examinar a influência desses elementos, foi possível destacar como os trabalhadores autônomos se organizam e mobilizam para reivindicar direitos e melhorias em suas condições de trabalho. A ação coletiva, a construção de identidades coletivas e a utilização de mídias sociais emergiram como ferramentas essenciais para a mobilização e articulação desses trabalhadores, evidenciando a importância dos movimentos sociais na busca por justiça e equidade no contexto do trabalho autônomo.

A análise aprofundada desses temas revelou a complexidade das interações entre o trabalho autônomo, as políticas públicas e os movimentos sociais, destacando a necessidade de compreender as dinâmicas sociais, políticas e econômicas mais amplas que influenciam o universo do trabalho autônomo. Por meio da integração das teorias e conceitos discutidos, este estudo contribui para uma reflexão crítica sobre as práticas e desafios enfrentados pelos trabalhadores autônomos e para a promoção de um ambiente de trabalho mais justo e equitativo.

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