TECNOLOGIA E DIREITO: UMA ANÁLISE SOCIOANTROPOLÓGICA DOS ESTUDANTES DE DIREITO DA GERAÇÃO Z NO BRASIL DIANTE DOS DESAFIOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17836405
Stanley Borsoi de Souza1
Ticiano Yazegy Perim2
RESUMO
O presente artigo científico realiza uma análise crítica e interdisciplinar sobre a crescente incorporação da Inteligência Artificial (IA) no contexto do ensino jurídico brasileiro, com foco nos desafios e oportunidades que emergem na formação dos estudantes da Geração Z. O tema central aborda como a transformação digital e a cultura do imediatismo dessa geração interagem com um modelo de ensino tradicional, exigindo uma redefinição ética, pedagógica e institucional. Os objetivos propostos consistiram em mapear o uso da IA por essa geração de estudantes, analisar a prontidão institucional e docente diante dessa tecnologia e, sob uma perspectiva socioantropológica, avaliar os riscos à formação crítica e ética do futuro profissional do Direito. A metodologia empregada foi a pesquisa qualitativa, utilizando-se de revisão bibliográfica, análise documental (normativas da OAB e CNJ, Diretrizes Curriculares Nacionais) e a compilação de dados provenientes de pesquisas sobre a adoção da IA no ensino superior e a identificação do perfil discente no Brasil. Os resultados alcançados evidenciaram uma profunda dicotomia: enquanto a IA já é amplamente utilizada pelos estudantes para otimizar tarefas acadêmicas, as instituições de ensino jurídico, em sua maioria, carecem de políticas formais estruturadas e o corpo docente apresenta capacitação insuficiente. Conclui-se que a ausência de diretrizes claras e a dependência tecnológica acentuam o risco de superficialização do aprendizado e comprometem o desenvolvimento do raciocínio crítico, fundamental para a prática jurídica, reforçando a urgência de uma integração ética e de um modelo pedagógico humanista e zetético que utilize a IA como aliada, e não substituta, do julgamento humano e da justiça social.
Palavras-chave: Palavras-Chave Inteligência Artificial. Ensino Jurídico. Geração Z. Análise Socioantropológica. Ética Tecnológica.
ABSTRACT
This scientific article presents a critical and interdisciplinary analysis of the increasing incorporation of Artificial Intelligence (AI) in the context of Brazilian legal education, focusing on the challenges and opportunities that emerge in the training of Generation Z students. The central theme addresses how the digital transformation and the culture of immediacy of this generation interact with a traditional teaching model, requiring an ethical, pedagogical, and institutional redefinition. The proposed objectives consisted of mapping the use of AI by this generation of students, analyzing institutional and teaching readiness in the face of this technology, and, from a socio-anthropological perspective, evaluating the risks to the critical and ethical training of future legal professionals. The methodology employed was qualitative research, using bibliographic review, document analysis (OAB and CNJ regulations, National Curriculum Guidelines – DCN), and the compilation of data from research on the adoption of AI in higher education and the identification of the student profile in Brazil.
Keywords: KEYWORDS Artificial Intelligence. Legal Education. Generation Z. Socio-anthropological Analysis. Technological Ethics.
1. INTRODUÇÃO
A Inteligência Artificial (IA) configura-se como uma das revoluções tecnológicas mais significativas da história recente, manifestando um potencial disruptivo capaz de redefinir estruturas sociais, econômicas e, notavelmente, as interações humanas. No setor jurídico, essa transformação não é uma promessa futura, mas uma realidade consolidada, com sistemas automatizados redigindo documentos, analisando vastos bancos de dados jurisprudenciais e auxiliando na tomada de decisões, impulsionada em grande parte pelo advento de Modelos de Linguagem de Grande Escala (LLMs). Essa rápida evolução impõe ao Direito, tradicionalmente caracterizado pela dependência de conhecimento especializado e julgamento humano, o desafio de absorver essas ferramentas sem sucumbir à sua lógica algorítmica, exigindo um reposicionamento ético, técnico e humano das instituições formadoras. A presença crescente da tecnologia demanda não apenas uma atualização curricular, mas uma profunda ressignificação do papel do profissional e da prática pedagógica, tornando o debate sobre IA inevitável e urgente no ambiente acadêmico.
Diante desse cenário transformador e dos riscos inerentes, o Brasil tem se posicionado na vanguarda da regulamentação, estabelecendo diretrizes claras por meio de iniciativas como a Recomendação 001/2024 da OAB e a Resolução 615/2025 do CNJ, visando garantir o uso ético, responsável e transparente da IA no sistema de justiça e na prática da advocacia. Apesar da ameaça de automação de tarefas rotineiras, espera-se que os papéis de advogados e magistrados sejam redefinidos, transformando-os em arquitetos jurídicos e responsáveis pela justiça, utilizando a IA estritamente como ferramenta de apoio, assegurando que a supremacia da vontade humana permaneça o pilar fundamental do sistema legal (Dalmasso, 2025).
O contexto da educação superior é marcado por um cenário claro e desigual, onde a Inteligência Artificial já integra o cotidiano dos estudantes em uma proporção significativamente maior do que a observada entre docentes e instituições. O perfil do aluno de Direito no Brasil tem se transformado, sendo influenciado pela Geração Z e a cultura do imediatismo, que se caracteriza pela busca por informações e respostas rápidas, imediatas e acessíveis, tornando a demanda por leitura longa e preparação aprofundada mais custosa e cansativa. Essa afinidade natural com a tecnologia leva os discentes a incorporarem a IA em suas rotinas de estudo, utilizando-a para tarefas como redação, revisão, organização e pesquisa, buscando otimizar o tempo e aprimorar a experiência de aprendizado. Entretanto, essa dependência pode ter um impacto negativo, reduzindo a capacidade analítica e o raciocínio crítico, habilidades essenciais que o ensino jurídico tradicionalmente exige e que uma perspectiva socioantropológica busca resguardar.
A problemática central deste artigo reside na necessidade de conciliar a inevitável incorporação da IA, que oferece oportunidades inegáveis de personalização e eficiência na aprendizagem, com o risco de comprometer a qualidade da formação jurídica, especialmente o desenvolvimento do pensamento crítico, da sensibilidade social e da ética profissional. Observa-se um vazio regulatório nas faculdades de Direito, onde a maioria das instituições não possui políticas formais claras sobre o uso ético da IA Generativa (IAG), o que, somado à insuficiência de capacitação docente, cria um ambiente propício ao uso inadequado e à potencialização de vieses algorítmicos. Portanto, faz-se imperativo investigar como a docência e as diretrizes curriculares podem se adaptar para garantir que essa tecnologia seja uma ferramenta de apoio, e não um substituto, do julgamento jurídico e da reflexão humanística.
Nesse panorama, o objetivo geral deste trabalho é analisar os reflexos da Inteligência Artificial no ensino jurídico brasileiro, identificando os desafios e oportunidades para a formação acadêmica dos estudantes da Geração Z, sob uma perspectiva socioantropológica. Os objetivos específicos incluem: Mapear a dinâmica de uso da IA pelos estudantes de Direito e a postura institucional e docente diante dessa tecnologia; Discutir as exigências de adaptação curricular e de capacitação profissional para a nova era digital, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN); e Justificar a importância da lente socioantropológica para garantir que a formação promova o letramento digital, o pensamento crítico e a responsabilidade ética, transcendendo o modelo dogmático tradicional. A justificativa reside na urgência de garantir que a IA seja utilizada de forma responsável e ética, alinhada aos valores de justiça social, prevenindo o enfraquecimento da autonomia crítica e a desumanização da prática jurídica.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. A Inteligência Artificial na Transformação do Ensino Superior e Jurídico
A inserção da Inteligência Artificial no ensino superior representa uma revolução pedagógica que desafia os métodos tradicionais, historicamente estruturados em aulas expositivas e centradas na figura do professor como principal detentor do conhecimento. A IA tem alterado significativamente essa dinâmica, permitindo a automação de tarefas repetitivas e a personalização do ensino, o que exige dos docentes a assunção de uma nova função: a de facilitador, curador e orientador do aprendizado. Esse novo papel implica direcionar os estudantes a fontes confiáveis, estimular o pensamento crítico e promover o uso ético das tecnologias, em vez de se limitar à mera transmissão de informações. A transformação do ensino jurídico é considerada inevitável e urgente, demandando um reposicionamento das instituições.
A pesquisa contemporânea demonstra que a IA já faz parte do cotidiano dos estudantes, em uma diferença estruturalmente maior do que a presença dessa tecnologia na rotina de docentes e instituições. No contexto jurídico, a IA oferece ferramentas que ampliam o acesso ao conhecimento, automatizam a pesquisa e aprimoram a experiência de aprendizado, sendo utilizadas, por exemplo, em simulações de casos e na análise preditiva de resultados.
A Inteligência Artificial (IA) já se estabeleceu como um elemento estrutural e cotidiano na experiência acadêmica dos estudantes de Ensino Superior, especialmente entre a Geração Z, que apresenta um índice de uso regular em atividades acadêmicas de 90%. Essa alta taxa de adoção contrasta drasticamente com a lentidão na incorporação da IA por parte dos docentes e das instituições. Essa diferença geracional e tecnológica é tão significativa que o uso da IA pelos discentes é considerado inevitável, sendo que a tentativa de proibição não se mostra uma estratégia eficaz, visto que 51% dos estudantes indicam que manterão o uso dessas ferramentas independentemente das diretrizes institucionais. Desse modo, a não proatividade das Instituições de Ensino Superior (IES) em estabelecer políticas claras e baseadas na prática cotidiana apenas amplia a lacuna existente entre os métodos de ensino e as novas formas de aprendizagem. O desafio imposto por esse cenário transcende a dimensão tecnológica, sendo fundamentalmente cultural, geracional e pedagógico, o que demanda que as IES estruturem diretrizes que transformem o uso espontâneo da IA em estratégias pedagógicas consistentes e em conhecimento prático (Jacomel, 2025).
2.2. O Perfil da Geração Z, a Cultura Digital e o Ensino Jurídico
A Geração Z e a cultura digital estabelecem um novo perfil de estudante de Direito, acostumado ao acesso imediato à informação e à comunicação rápida, o que torna a demanda por leitura e preparação longa frequentemente percebida como cansativa. Dados de 2024 mostram que 71% dos estudantes universitários brasileiros já utilizam ferramentas de IA em suas atividades acadêmicas, incorporando-a em tarefas como redação, revisão, organização de estudos e análise de dados. Embora o curso de Direito no Brasil ainda tenha como faixa etária mais representativa a dos 25 a 34 anos, a influência da Geração Z é inegável, demandando uma adaptação do ensino superior para lidar com essa heterogeneidade de estudantes e planos de vida, utilizando metodologias participativas como a única resposta possível.
A incorporação da IA deve ser vista como uma oportunidade de personalizar o ensino e desenvolver habilidades relevantes para o mundo atual, como o pensamento crítico, a resolução de problemas e a criatividade. No entanto, a dependência excessiva de ferramentas de IA pode levar à superficialização do aprendizado, influenciando a autonomia dos estudantes e potencialmente reduzindo a capacidade de análise e síntese.
O ensino jurídico deve ter um olhar prospectivo, formando profissionais que compreendam uma prática jurídica que se apoia em soluções tecnológicas, mas que preserva o protagonismo do estudante e a interação crítica com o docente. O foco deve, portanto, ser no desenvolvimento de habilidades e valores, e não apenas na transmissão de conteúdo (Klafke e Feferbaum, 2020)
2.3. A Lente Socioantropológica e a Crítica Ao Dogmatismo Jurídico
A análise do impacto da IA na formação jurídica sob a perspectiva socioantropológica é fundamental para ir além do aspecto técnico-normativo, abordando o Direito como uma ciência social aplicada, profundamente ligada à ética, à interpretação e ao contexto cultural e social. Historicamente, o ensino jurídico brasileiro tem se inclinado para o positivismo jurídico e o dogmatismo, negligenciando as contribuições da antropologia e sociologia. A abordagem socioantropológica, que tem natureza zetética, preocupa-se com o ser humano como centro articulador do pensamento jurídico e com o problema da decisão de conflitos sociais, que exige raciocínio crítico e sensibilidade.
O estudo do Direito, a partir dessa lente, deve ser ampliado para incluir a investigação de fatores reais do poder, bases econômicas, reflexos na vida cultural e social, e a crítica ideológica do ordenamento, sem se limitar à mera decisão de conflitos. A antropologia jurídica, em especial, analisa o direito como objeto cultural, que se constitui por meio das valorações humanas e busca a realização da justiça. Ao lidar com o tema da IA, a perspectiva socioantropológica é crucial para questionar como a tecnologia pode, se treinada com dados enviesados, reproduzir ou intensificar preconceitos e discriminações algorítmicas, comprometendo a isonomia e a imparcialidade do sistema de justiça.
2.4. Desafios Éticos e Regulatórios na Integração da IA
A Inteligência Artificial Generativa (IAG) levanta sérios desafios éticos e de integridade acadêmica, pois sua capacidade de gerar textos complexos pode facilitar o plágio ou reduzir a produção intelectual autônoma dos alunos. Em face dessa realidade, a pesquisa indica que, no Brasil, nenhuma das faculdades de Direito estudadas possui políticas institucionais formais sobre o uso ético de IAG em pesquisas acadêmicas. Essa lacuna regulatória (vácuo normativo e cultural) é agravada pela falta de capacitação docente, onde 58% dos professores afirmam nunca ter recebido treinamento formal sobre IAG, o que compromete a orientação ética e o uso seguro da tecnologia em sala de aula.
Em contrapartida, no âmbito da prática profissional, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já emitiu diretrizes (Recomendação 001/2024) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu marcos regulatórios (Resolução 615/2025) para o uso ético da IA. Essas normativas enfatizam princípios cruciais, como a supervisão humana e a responsabilidade integral do profissional (a IA como ferramenta, não substituta do julgamento), a verificação obrigatória de informações geradas pela IA para evitar "alucinações", e a transparência e consentimento informado do cliente sobre o uso da tecnologia. Esses marcos reforçam a necessidade de que a formação acadêmica reflita e incorpore esses princípios de governança e compliance para evitar a desumanização e garantir a supremacia do ser humano no sistema de justiça.
3. METODOLOGIA
O presente estudo adotou uma abordagem metodológica predominantemente qualitativa, de natureza exploratória e analítica, alinhada à tradição crítica do pensamento socioantropológico e sociológico do Direito. Utilizou-se a vertente hipotético-dedutiva e dialética, buscando analisar a educação do ensino jurídico brasileiro em razão da IA, testando a hipótese de que, apesar dos desafios, a tecnologia pode favorecer o aprendizado se contextualizada eticamente. A perspectiva zetética foi adotada, com o objetivo de refletir criticamente sobre a relação entre o ordenamento jurídico, o sistema educacional e as transformações sociais impostas pela IA.
A investigação procedimental baseou-se em pesquisa bibliográfica e documental, com a análise de textos doutrinários, artigos científicos, e legislação pertinente, incluindo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). O levantamento documental abrangeu normativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como a Resolução 332/2020 e a mais recente 615/2025, e a Recomendação 001/2024 da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que fornecem um panorama regulatório da prática profissional impactada pela IA. Tais documentos foram essenciais para fundamentar as discussões sobre a ética e a compliance que devem ser internalizadas na formação do estudante.
A delimitação do universo estudado concentrou-se no cenário do Ensino Jurídico Superior no Brasil, com um foco especial no perfil discente da Geração Z. Os dados sobre o perfil dos estudantes foram inferidos a partir de pesquisas demográficas (Censo da Educação Superior) e de estudos survey sobre o uso de IA na educação superior brasileira. Especificamente, foram utilizados os resultados de mapeamentos da adoção da Inteligência Artificial Generativa (IAG) nas faculdades de Direito de São Paulo, que oferecem um retrato representativo da postura institucional (neutra, promotora ou restritiva) e da capacitação docente em instituições de referência.
A crescente introdução da Inteligência Artificial Generativa (IAG) no cenário educacional, notadamente no ensino jurídico, representa um duplo vetor: se por um lado alavanca a eficiência pedagógica e permite uma notável personalização do aprendizado, adaptando metodologias ao ritmo e às necessidades individuais dos discentes, por outro, estabelece desafios éticos e regulatórios que não podem ser negligenciados. A capacidade da IAG em otimizar tarefas administrativas e sugerir materiais de forma customizada, liberando o corpo docente para o fomento de habilidades mais estratégicas como o pensamento crítico, é inegável. Contudo, conforme alerta o relatório da UNESCO (2024), essa tecnologia deve ser implementada com um foco sólido na ética, na privacidade e na proteção dos dados dos estudantes. A personalização intensiva exige a coleta e análise de informações sensíveis, demandando das instituições a garantia de segurança e transparência regulatória para evitar a exposição e o uso inadequado desses dados. Assim, a evolução tecnológica exige uma adaptação constante, na qual o potencial transformador da IAG precisa ser rigorosamente equilibrado com medidas que preservem a integridade acadêmica, minimizando o risco de plágio e a potencial inibição do desenvolvimento da produção intelectual própria e autônoma dos alunos. Em suma, a IAG, embora seja uma ferramenta de potencial inclusão e qualidade, impõe a urgência de diretrizes claras que assegurem sua utilização responsável e centrada nos direitos humanos (Lacerda Martins, 2025).Parte superior do formulário
A análise dos dados buscou correlacionar a alta taxa de uso de IA pelos estudantes universitários (71%) com a notória ausência de políticas formais nas faculdades e a percepção de desafios pelos docentes, como a falta de treinamento e o risco de dependência tecnológica dos alunos. Essa triangulação de dados permitiu uma discussão aprofundada sobre o vácuo regulatório e cultural existente no ensino jurídico. A perspectiva socioantropológica permitiu que os resultados fossem interpretados não apenas como deficiências técnicas, mas como um reflexo da crise do modelo positivista e da necessidade de resgate da dimensão humana e ética do Direito frente à automação.
As limitações da pesquisa incluem a ausência de dados longitudinais sobre a evolução das políticas de IA nas instituições e a representatividade do perfil dos estudantes de Direito no Brasil, onde a maior parte das matrículas (77% na rede privada) e a faixa etária predominante (25-34 anos) indicam um universo mais heterogêneo do que apenas a Geração Z estrita. No entanto, a Geração Z (e os Millennials mais jovens) são os mais afetados pela cultura digital e pela IA Generativa, justificando a pertinência do foco na análise das transformações impostas por essa nova cultura digital no ambiente acadêmico.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados da análise revelam um cenário de transformações desiguais e dilemas institucionais profundos na educação jurídica brasileira, caracterizado pela discrepância entre a adoção tecnológica pelos estudantes e a resposta estruturada das faculdades. Por um lado, há um uso massivo da IA por parte dos universitários brasileiros (cerca de 71%) em tarefas acadêmicas, buscando otimização e eficiência. Por outro lado, o mapeamento institucional demonstra que nenhuma das faculdades pesquisadas possui políticas institucionais formais sobre o uso ético da IA Generativa (IAG), resultando em um significativo vácuo regulatório. A maioria das instituições adota uma postura de neutralidade (66,7%), permitindo o uso da tecnologia sem diretrizes claras, ou um incentivo limitado (25%), reforçando a fragmentação e a falta de governança.
Essa lacuna institucional é exacerbada pelo desafio da capacitação docente. A pesquisa indica que 58% dos professores de Direito nunca receberam treinamento formal sobre o uso de IAG. Essa defasagem compromete a capacidade do docente de atuar como facilitador e curador, conforme exigido pelo novo paradigma pedagógico, e impede a orientação eficaz dos alunos sobre a aplicação ética e crítica da tecnologia. Embora as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) exijam a inclusão de Direito Digital, letramento digital, e metodologias ativas, a implementação dessas ferramentas sem o devido preparo pedagógico do corpo docente fragiliza a qualidade do ensino e a integridade acadêmica.
Sob a perspectiva socioantropológica, um dos resultados mais preocupantes é o risco de dependência tecnológica e a consequente superficialização do aprendizado. O uso irrestrito da IA, especialmente pela Geração Z que já possui uma tendência à cultura do imediatismo, pode enfraquecer o desenvolvimento do raciocínio crítico, da capacidade de argumentação e do julgamento ético, habilidades que a IA pode complementar, mas jamais substituir. A essência do Direito reside na interpretação e na reflexão sobre a justiça, e a dependência de algoritmos pode levar à desumanização da prática jurídica, principalmente se considerarmos que sistemas de IA podem reproduzir vieses discriminatórios presentes nos dados de treinamento, afetando a equidade e a isonomia.
Em contraposição à fragilidade acadêmica, as normativas do campo profissional, como a Recomendação 001/2024 da OAB e a Resolução 615/2025 do CNJ, apontam o caminho para uma integração responsável. Estas diretrizes exigem a supervisão humana, a verificação obrigatória de informações geradas pela IA e a transparência com o cliente. Tais requisitos demonstram a consciência do setor regulatório sobre os limites da IA e o imperativo de preservar o julgamento humano, o acolhimento, a sensibilidade e a responsabilidade social. A discussão reside, portanto, em como levar esses princípios de governança para a sala de aula, transformando a IA de um potencial "atalho prático" em uma ferramenta que exige discernimento e responsabilidade.
A necessidade de letramento digital emerge como um resultado crítico para a Geração Z. O letramento digital não se restringe à habilidade técnica de usar software, mas engloba a competência informacional (capacidade de buscar e avaliar criticamente informações), o pensamento crítico na solução de problemas, e a comunicação digital ética. Para a formação jurídica, isso implica a urgência em incorporar disciplinas sobre Direito Digital, Direito Cibernético e práticas remotas mediadas por tecnologias. Essa integração, que busca superar o modelo dogmático, visa formar profissionais aptos a lidar com as inovações, garantindo que o avanço tecnológico não resulte em exclusão digital ou na formação de juristas que dependam passivamente da tecnologia.
A discussão sobre a Inteligência Artificial (IA) no Direito demonstrou que essa tecnologia já é uma realidade concreta no Poder Judiciário (com 111 projetos identificados pelo CNJ) e não pode ser ignorada na formação acadêmica. Os principais desafios identificados incluem a necessidade de adaptar os currículos para que os estudantes compreendam e utilizem a IA de forma ética, a carência de infraestrutura tecnológica adequada e a urgência na capacitação dos docentes para atuar como facilitadores nesse novo ambiente. A IA no ensino jurídico demanda uma postura que vá além da submissão à lei, incentivando o raciocínio autônomo e o pensamento crítico, habilidades que a IA, por meio da análise de dados e personalização, pode ajudar a desenvolver. As oportunidades trazidas pela IA são significativas, destacando-se a personalização do ensino, onde algoritmos podem adaptar o ritmo, conteúdo e estilo de aprendizado para cada estudante, atendendo às necessidades da nova geração. A IA também se revela crucial para a análise de big data educacional, fornecendo insights valiosos para a gestão institucional e para a intervenção precoce em dificuldades de aprendizado dos alunos. A utilização de chatbots e assistentes virtuais, como o ChatGPT, é vista não como uma ameaça à educação, mas sim como uma ferramenta aliada que, se utilizada eticamente e sob orientação docente, pode ampliar as habilidades de pesquisa e o engajamento dos estudantes da Geração Z (Rios, 2023).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A integração da Inteligência Artificial no ensino jurídico brasileiro é um avanço inevitável que expõe as vulnerabilidades de um modelo acadêmico tradicional diante de um novo perfil discente, a Geração Z, profundamente imersa na cultura digital. A pesquisa confirmou a hipótese de que a tecnologia da informação e comunicação tem potencial para favorecer o aprendizado, desde que gerenciada de forma ética e eficiente, mas demonstrou que este potencial está severamente limitado pela ausência de governança e capacitação institucional. O desafio não reside na IA em si, mas na capacidade das faculdades de Direito de promoverem uma mudança estrutural, tanto normativa quanto cultural, para acompanhar a velocidade da inovação.
A perspectiva socioantropológica reforça que o propósito da formação jurídica transcende a mera aquisição de conhecimento técnico ou a eficiência otimizada pela IA. É fundamental cultivar a autonomia, o raciocínio crítico, a sensibilidade e o julgamento ético, qualidades humanas insubstituíveis pela lógica algorítmica. A docência, nesse contexto, é ideológica por excelência e essencial para a manutenção da qualidade do ensino, atuando como mediadora entre o conhecimento tradicional e as novas ferramentas, assegurando que a tecnologia sirva ao bem-estar humano e à justiça social.
Para que a IA seja uma aliada, e não uma ameaça, à formação dos juristas da Geração Z, é urgente a criação de políticas institucionais formais claras que regulamentem o uso da IAG em pesquisas e avaliações, combatendo o risco de plágio e a dependência tecnológica. Simultaneamente, a capacitação docente, que atualmente é insuficiente em muitas instituições, deve ser prioritária, transformando professores em orientadores aptos a integrar a IA de forma crítica e pedagógica, utilizando metodologias ativas e interdisciplinares, conforme preconizam as DCN.
Em síntese, o sucesso da IA no ensino jurídico dependerá do esforço coletivo para alinhar inovação tecnológica e reflexão crítica, superando o dogmatismo e abraçando a complexidade do Direito como fenômeno cultural e social. A preparação dos futuros profissionais exige que eles saibam dialogar com a tecnologia, compreendendo seus limites e implicações éticas. Somente com um arcabouço normativo sólido, um corpo docente preparado e uma mentalidade renovada será possível garantir uma educação jurídica de qualidade, formando profissionais capazes de aplicar a tecnologia com consciência e compromisso com a justiça no mundo em constante evolução.
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