RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR PANE ELÉTRICA EM HOSPITAL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13989703


Mirela Reis Caldas


RESUMO
No presente trabalho, pretende-se analisar a possibilidade de responsabilizar civilmente o Estado em casos de panes elétricas ocorridas em unidades de saúde (genericamente entendidas como hospitais), tanto nas públicas quanto nas particulares, observando os desdobramentos jurídicos e a implicação prática caso o Estado venha a ser responsabilizado judicialmente pelo dano causado à vítima, especialmente em casos de falecimentos de pacientes. Para tanto, serão estudados os elementos dessa responsabilidade, o conceito de responsabilidade, a incidência ou não de responsabilidade do Estado quando ocorre pane elétrica em hospital particular, o eventual dever de responsabilizar das concessionárias de energia elétrica e as possíveis causas de exclusão da responsabilidade (caso fortuito e força maior). O estudo será feito à luz de entendimentos doutrinários sobre responsabilidade civil e análise de casos similares de responsabilização civil do Estado, desdobrando-se ainda na hipótese de ter no Estado a figura de garantidor universal.
Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado, Hospital, Pane elétrica.

ABSTRACT
In this work, we intend to analyze the possibility of holding the State civilly responsible in cases of electrical breakdowns occurring in health units (generally understood as hospitals), both public and private, observing the legal developments and the practical implications if the State may be held legally responsible for the damage caused to the victim, especially in cases of patient death. To this end, the elements of this responsibility will be studied, the concept of responsibility, the incidence or not of State responsibility when an electrical breakdown occurs in a private hospital, the possible duty to hold electricity concessionaires responsible and the possible causes of exclusion of responsibility ( unforeseeable circumstances and force majeure). The study will be carried out in the light of doctrinal understandings on civil liability and analysis of similar cases of civil liability of the State, also unfolding in the hypothesis of the State having the role of universal guarantor.
Keywords: State civil liability, Hospital, Electrical breakdown.

1. INTRODUÇÃO

Em janeiro de 2024, uma pane elétrica gerou fumaça no Hospital São Luiz do Morumbi, na zona sul de São Paulo. De acordo com o relatado pelo corpo de bombeiros na época, a situação foi ocasionada por um equipamento elétrico do prédio hospitalar1.

Em março do mesmo ano, a Santa Casa de Campo Grande, maior hospital de Mato Grosso do Sul, sofreu um “apagão”. Segundo a notícia, foi a quarta vez que a situação aconteceu neste ano. Em janeiro, o prédio registrou três desligamentos seguidos2.

Ainda em março, um “apagão” na região central de São Paulo deixou a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo sem energia elétrica. O hospital continuou funcionando à base de geradores3.

Em junho, três pacientes morreram sem oxigênio após pane em hospital de Santo André, no ABC paulista. O governo disse que estava apurando o que aconteceu e que os funcionários responsáveis foram afastados4.

Ainda em junho, um “apagão” no Hospital Estadual Otávio de Freitas, na zona oeste do Recife, fez com que o Estado transferisse pacientes para outras unidades. Na noite do dia anterior ao ocorrido, um problema na subestação de energia da unidade de saúde provocou o desligamento de todo o sistema5.

Vários hospitais públicos tiveram problemas elétricos por diversos motivos como relatado nas notícias acima, mas as panes não são um problema único e exclusivo de unidades de saúde públicas. Algumas possíveis razões para ser menos noticiado em ambientes particulares podem estar na (i) manutenção do edifício, (ii) uso de geradores modernos de energia e (iii) disponibilidade orçamentária.

Essas razões nem sempre estão presentes na área pública. Quando ocorrem incidentes sem vítimas em um pane elétrica, às vezes se resolve apenas com a transferência dos pacientes das áreas afetadas. Quando há vítima, a resolução pode não ser tão simples.

Questiona-se a existência de responsabilidade civil do Estado em panes elétricas ocorridas em unidades públicas de saúde, especialmente quando há o falecimento de pacientes, como postos de saúde, hospitais universitários e unidades de pronto atendimento - UPA.

Ainda, questiona-se a possibilidade de responsabilização do Estado por uma pane elétrica ocorrida em unidades particulares de saúde, como clínicas e hospitais particulares.

2. DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1. Dos pressupostos da responsabilidade civil

Em princípio, qualquer atividade que acarrete prejuízo pode gerar a responsabilidade ou o dever de indenizar (Freitas; Verner, 2024). Segundo Cavalieri Filho (2020), para que exista o dever de indenizar, não basta que o ato seja prejudicial a alguém, é necessário que também esteja presente a ilicitude na ação.

O termo responsabilidade pode ser utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso (Venosa, 2012).

Ocorrendo o dano, ocorre o dever de indenizar. A obrigação de indenizar surge através de fatores que são denominados pressupostos de admissibilidade. Sendo assim, o dever de indenização surge de um ato ilícito somente quando constar tais pressupostos (Freitas; Verner, 2024).

Os pressupostos ou fatores para compreensão do tema são importantes para identificar os elementos necessários para a caracterização da responsabilidade civil objetiva e subjetiva.

A responsabilidade civil objetiva está prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, e possui como pressupostos o ato ilícito, o nexo causal e o dano (Suris; Dias, 2024).

Por outro lado, a responsabilidade civil subjetiva está prevista nos artigos 927 e 186 do Código Civil, estando os pressupostos estabelecidos no art. 186 do CC, dentre os quais: a conduta do agente, que pode ser compreendida no comportamento humano voluntário que se expressa através de ação ou omissão, que gera efeitos jurídicos (Cavalieri Filho, 2020).

No entanto, é complexa a delimitação dos pressupostos necessários à configuração da responsabilidade civil, pois existe certa divergência entre os doutrinadores.

Para Maria Helena Diniz (2003), há três pressupostos: ação ou omissão; dano e relação de causalidade. Já para Silvio de Salvo Venosa (2012), há quatro pressupostos: ação ou omissão voluntária; relação de causalidade ou nexo causal; dano e culpa.

No tema em análise, a ação/omissão seria a falta do fornecimento de energia; o dano seria o prejuízo causado à vítima (exemplo a morte) e o nexo de causalidade seria a falta de energia em determinado equipamento que causou danos à vítima.

2.2 Da responsabilidade civil em hospital

Inicialmente, para facilitar a identificação e compreensão, será adotado o termo “hospital”, que representará qualquer unidade de saúde, como clínicas, UPAs, postos de saúde, hospitais universitários, apesar de suas individuais diferenças.

Pode-se falar em responsabilidade civil em decorrência da prestação defeituosa/falha de serviços médicos, que causarem danos ao paciente ou até mesmo sua morte. Na área particular, em relação a médicos (pessoas físicas), clínicas e hospitais (pessoas jurídicas). Na área pública, em relação ao ente público ao prestar/disponibilizar serviços médicos.

Quando se trata de energia elétrica em hospitais, unidades de pronto atendimento e clínicas, vários desdobramentos na responsabilidade civil podem ser analisados.

Equipamentos cruciais para manter o paciente vivo podem deixar de funcionar por conta de falta de fornecimento de energia, e o gerador de energia pode não estar funcionando ou não poder funcionar devido a riscos de incêndio, por exemplo.

Esses casos podem resultar no dever de indenizar a vítima, especialmente quando há mortes.

Contudo, não se pode deixar de ter em mente que existem casos em que pode haver exclusão da responsabilidade civil, um exemplo seria a não responsabilização de um hospital particular pela falta de energia ocasionada por uma obra pública urgente.

Aqui, abrem-se dois caminhos: (i) responsabilidade civil do Estado por pane elétrica em unidades públicas de saúde e (ii) responsabilidade civil do Estado por pane elétrica em unidades particulares de saúde [desdobramentos na teoria do risco integral, nas concessionárias de serviço público e/ou na responsabilidade objetiva].

2.2.1. Da responsabilidade civil do estado em pane elétrica em hospital público

A Constituição Federal - CF é um marco considerável no processo de democratização do país, por conter em seu escopo jurídico-legal a afirmação da cidadania. Além das liberdades civis, na nova cidadania, foram incluídas inúmeras ações que devem ser executadas pelo Estado (Machado, 2008).

Garantida na CF, no art. 196, a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Por meio de políticas sociais e econômicas, o Estado tem o dever de reduzir o risco de doenças e outros agravos, além de garantir o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

É fato que, no Brasil, os serviços de saúde pública possuem diversas deficiências, o que acar­reta transtornos e danos, muitas vezes irreparáveis, à população que busca tal prestação, que são menos privilegiados financeiramente (Gomes, 2009).

Nesse sentido, a responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, § 6°, da CF) é o ponto de partida para que se possa chegar a uma conclusão sobre a obrigação estatal de reparar ou indenizar os da­nos causados às vítimas pela prestação deficiente de serviços de saúde na ocorrência de pane elétrica.

Na responsabilidade objetiva, a ação culposa ou dolosa do agente causador do dano tem menor peso. Contanto que exista relação de causalidade entre o dano causado à vítima e o ato do agente, há o dever de indenizar, ainda que o ato tenha ocorrido culposamente (Rodrigues, 2002).

Se o dano é resultante de omissão estatal, a doutrina e a jurisprudência divergem. Alguns entendem pela responsabi­lidade objetiva e outros, somente se demonstrada a culpa do serviço (Gomes, 2009).

Em tese, o Estado responderia pelos danos causados em consequência do funcionamento anormal de seus serviços de saúde, excluindo essa res­ponsabilidade por meio de prova da regularidade do atendimento médico-hospita­lar prestado, decorrendo o resultado de fato inevitável da natureza (Gomes, 2009).

Suponhamos que, em um fatídico dia de chuva intensa, um poste de energia caia, deixando um hospital público de médio porte sem energia. O gerador de eletricidade não pôde ser ligado devido à inundação do subsolo do hospital, mas depois uma perícia confirmou que havia um problema técnico no equipamento e ele não teria funcionado independentemente da chuva.

Caso uma pessoa venha a falecer por uma parada cardíaca durante uma cirurgia de emergência, sem possibilidade de uso de equipamentos elétricos, constatado ainda que o desfibrilador não foi higienizado e devolvido a tempo ao local designado, há grande possibilidade de responsabilizar o Estado.

Em grandes tragédias, há uma série de erros. No caso hipotético relatado, houve diversos acontecimentos que podem ser entendidos como causadores do dever de indenizar do Estado.

Caso houvesse um processo, haveria total possibilidade de o ente público pagar indenização à família da vítima. Adota-se aqui a responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco administrativo.

Em um determinado caso real em Santo André (SP) durante a pandemia de Covid-19, o Estado foi responsabilizado pela pane de energia elétrica que interrompeu o fornecimento de oxigênio aos pacientes, levando à morte de todos que respiravam por aparelho naquele momento.

Na indenização de R$ 150 mil para os familiares de uma vítima, foram considerados a extensão do dano, a capacidade econômica das partes, o grau de culpabilidade e o fator de desestímulo (Família, 2022).

A indenização não levou em consideração a gravidade do estado de saúde da vítima. Se o seu pulmão já estava bastante comprometido ou se tinha qualquer outra comorbidade. Sendo irrelevante, inclusive, se ela se encontrava entre a vida e a morte. O fato é que a vítima estava viva em um instante, e, no momento seguinte, veio a falecer em razão de falha no sistema do hospital (Família, 2022).

Em casos assim, entende-se pela necessidade de responsabilizar o Estado pela morte da vítima após a pane elétrica.

Ainda, em casos de omissão genérica, pode ser aplicada a responsabilidade subjetiva. Nesses casos, a inércia do Estado não se apresenta como causa direta, mas concorre para o resultado, havendo a necessidade de se provar que uma ação teria evitado o evento danoso.

São casos em que o não agir lesou o particular de alguma forma (Oliveira, 2024), pode-se ter como exemplo a não transferência de pacientes por parte da Administração Pública na falta de energia em um hospital, não tendo sido providenciado gerador elétrico, e, por conta da inércia, ocorre o falecimento de pacientes que necessitavam de oxigênio (concentrador de oxigênio estacionário por exemplo).

2.2.2. Da responsabilidade civil do estado em pane elétrica em hospital particular

A responsabilidade civil do hospital é objetiva em relação aos serviços por ele prestados. Nesse sentido, as falhas da equipe de profissionais que lá atuam configuram defeito nessa prestação, e a instituição deve indenizar o paciente prejudicado (Responsabilidade, 2015).

Por considerar que a energia elétrica em muitos Estados é fornecida por concessionária de serviço público, para responsabilizar uma unidade de saúde particular por dano causado por pane na energia, considera-se responsabilizar a própria concessionária ou o Estado (tópico a seguir).

Em outras palavras, se a intenção é responsabilizar civilmente por pane elétrica, há que se responsabilizar quem fornece a energia, não a entidade particular, a menos que se trate de dano totalmente e facilmente verificado por gerador elétrico, por exemplo, do ente particular.

Nesse sentido, se um paciente em hospital particular vier a falecer devido a problemas com o gerador elétrico relacionados, por exemplo, com a falta de manutenção do equipamento, entende-se pela responsabilização do ente particular, por se tratar de problema técnico do sistema, não da energia elétrica fornecida como serviço essencial.

Se o serviço público de energia não foi suspenso ou interrompido e se a energia foi efetivamente fornecida, mas não destinada a determinado aparelho por erro do ente particular (ex. não foi feita a devida ligação dos fios dentro da unidade de saúde particular), não se vislumbra responsabilidade do Estado, pois o serviço público foi fornecido.

Afastar a responsabilidade do Estado quando o dano ocorre exclusivamente por ação ou omissão de entidade de saúde particular é importante para garantir que (i) haja a devida responsabilização do causador do dano, (ii) os cofres públicos não sejam abalados por ação/omissão de terceiro, sem relação com a Administração Pública e (iii) o ente público não venha a se tornar um garantidor universal subsidiário ou solidário da iniciativa privada.

2.3. Da concessionária de energia elétrica

Os serviços realizados pelos agentes públicos são executados em nome do poder público, no seu interesse, e considerados, por consequência, próprios da pessoa coletiva, política, a que são imputados (Mello, 2020).

Contudo, há serviços que o Estado escolhe atuar não diretamente, delegando o seu cumprimento aos particulares, que os executam em nome deles (particulares) e no seu interesse, devendo-lhes, portanto, ser atribuídos como próprios.

Como tais serviços são de caráter público, os particulares apenas os exercem por meio de delegação da Administração, cabendo ao Estado velar pelo modo do seu exercício (Mello, 2020).

Conforme o tipo de serviço que é fornecido e da situação que ocorre, a responsabilidade pode ser subsidiária ou solidária (não excluindo a das concessionárias ou sociedades de economia mista que prestem o serviço).

Na responsabilidade subsidiária, ocorrendo interrupções inesperadas no fornecimento, dificuldades das empresas privadas para restabelecer o serviço ou danos resultados da negligência no serviço prestado, o Estado responde civilmente por ser o titular do fornecimento do serviço, pois, nesses casos, a lesão ao consumidor é consequência da atividade estatal (outorga de serviços públicos a terceiros) (Estado, 2023).

Na responsabilidade objetiva, caso ocorra interrupção súbita e extensiva do fornecimento de energia, haverá a teoria da “falta do serviço”, criada pela doutrina francesa (Andrade, 2023).

Essa teoria explica que, quando ocorre a ausência da prestação do serviço "essencial" [como o de energia elétrica (Nunes, 2012)], surge a possibilidade de indenizar pela inexistência, má prestação ou retardamento do serviço.

A essencialidade do serviço é importante, porque a suspensão de seu fornecimento, em razão da inadimplência do pagamento da fatura, deve ocorrer mediante aviso prévio.

A título de aprofundamento, o art. 172 da Resolução n. 414/2010/ANEEL prevê a possibilidade de suspensão do serviço de fornecimento de energia elétrica em razão de inadimplência do beneficiário. Nesse sentido, segue julgado sobre o tema.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CEB. ENERGIA ELÉTRICA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO. INADIMPLEMENTO. DÍVIDAS ANTIGAS. IMPOSSIBILIDADE. MEIOS ORDINÁRIOS DE COBRANÇA. DÍVIDAS RECENTES QUITADAS. RELIGAÇÃO. 1. Não é possível a interrupção do serviço público essencial se o débito do consumidor é pretérito. Somente o inadimplemento de conta regular, entendida como a fatura referente ao mês do consumo, pode autorizar a interrupção do serviço público essencial, desde que previamente notificado o consumidor. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Os débitos pretéritos relativos a faturas de energia elétrica devem ser buscados pelas vias ordinárias de cobrança. 3. Apelação provida.
Acórdão 1216316, 07037724020198070018, Relator: HECTOR VALVERDE, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 13/11/2019, publicado no PJe: 21/11/2019.

Deve-se partir da premissa de que a relação jurídica que se estabelece entre os usuários do serviço público e as concessionárias de energia elétrica é de natureza "consumerista", o que significa que há aplicação do Direito do Consumidor.

Posto isso, temos que a responsabilidade solidária ou subsidiária do Estado na concessão de serviço público traduz que os contratos respectivos apenas transferem ao particular a execução do serviço e eventual rendimento, como se o próprio Estado prestasse ao diretamente o serviço ao consumidor (Mello, 2020).

Em casos de fornecimento de água e energia, por exemplo, o STJ já aplicou a teoria do “risco administrativo do negócio” (Estado, 2023). Esse risco é assumido pela empresa privada ao licitar determinada atividade com o poder público, comprometendo-se a ressarcir eventuais danos provenientes dos “perigos inerentes a sua atividade ou profissão”.

Em resumo, a concessão integral dos serviços pode não ser suficiente para afastar a responsabilidade solidária do Estado, que pode responder por possíveis danos na falha ou omissão da fiscalização do ente público (responsabilidade solidária). E, quando ficar comprovado que a concessionária não tem como arcar com a reparação devida, o Estado também pode responder (responsabilidade subsidiária).

São duas relações que reforçam a responsabilidade civil do Estado, mas que devem ser analisadas caso a caso para que o ente público não venha a responder por ato que deva ser indenizado única e exclusivamente por particular, para que não torne o ente público garantidor subsidiário ou solidário de toda e qualquer ação ou omissão originalmente designada a pessoa fora da área pública.

2.4. Da exclusão da responsabilização estatal

O Direito Administrativo brasileiro adota a teoria do risco administrativo, que independe de dolo ou culpa (Cacau, 2024), contudo o Estado não é obrigado a responder por fato que não deu causa, por esse motivo são admissíveis as denominadas excludentes da responsabilidade civil estatal.

A força maior pode ser entendida como um acontecimento involuntário, imprevisível e incontrolável, que rompe o nexo de causalidade entre a ação estatal e o prejuízo sofrido pelo particular. É admissível, por exemplo, a imprevista falta de energia elétrica, durante uma cirurgia, causada por tempestade (fato da natureza) (Federighi, 2021).

No caso fortuito, o dano é decorrente de ato humano ou de falha da administração. Temos como exemplo o rompimento de adutora, causando a falta de água no nosocômio e a pura e simples falta de medicamentos específicos, por descaso da administração.

A força maior exclui a responsabilidade estatal; o caso fortuito, contudo, não a exclui.

Não se vislumbra no caso de pane elétrica outras formas de exclusão da responsabilidade civil, como a legítima defesa, exercício regular do direito, estrito cumprimento do dever legal e culpa exclusiva da vítima (paciente).

Até poderia ser vista a exclusão da responsabilidade caso o próprio paciente fosse, clandestinamente, furtar ou apropriar-se dos fios do cabo de energia elétrica, mas não se trata exatamente de pane elétrica que resultou em dano à paciente que estava, por exemplo, acamado. Trata-se de paciente que indevidamente tornou-se sujeito ativo de crime.

Posto isso, em certos casos, como em danos ambientais, não há a possibilidade de se afastar a responsabilidade solidária do Estado mesmo havendo concessão integral dos serviços públicos. Já em outros casos, o Estado pode ser responsabilizado de forma subsidiária, necessitando esgotar previamente as tentativas de indenização pela concessionária. Assim, Estado poderá ser obrigado a ressarcir os danos se a concessionária não puder arcar (Silva; Lima, 2024).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à saúde pode ser entendido como um direito à justiça social, ancorado em princípios e ideais, que buscam o equilíbrio social, de forma que todas as pessoas que tenham os mesmos direitos. Não devendo ser usado como um poder individual absoluto e ilimitado a ser exercido contra o Estado.

Ocorrendo a prestação não satisfatória do serviço de saúde pública que ocasione um dano, surge a responsabilidade civil do Estado.

De tal responsabilidade, há o dever de indenizar o cidadão lesado em virtude da ausência ou da falha no serviço de saúde, por meio reparação do dano ou de seu ressarcimento, mediante indenização.

Posto isso, cada cidadão tem meios de buscar ga­rantir o direito à prestação de um serviço de saúde pública digno e eficaz, fazendo jus aos ditames da Constituição Federal.

Deve-se ter em mente que a responsabilidade civil do Estado serve para indenizar financeiramente eventuais danos causados pelo ente público ou que a ele possam ser responsabilizados, ainda que não tenho causado diretamente o dano.

Destaca-se, ainda, uma visão interessante: obrigar o Estado a indenizar pode torná-lo um segurador universal. Isso pode ensejar certa vantagem ao setor privado de não responder única e exclusivamente ao deixar de fornecer energia elétrica, pela razão que seja.

Se toda e qualquer pane elétrica ocorrida em unidades de saúde for considerada responsabilidade civil do Estado, não haverá margem restringente para que exista um limite para obrigar o Estado a responder civilmente. Em outras palavras, havendo morte, indeniza.

Como indenizar uma vítima que morreu por uma pane elétrica em um hospital público? Talvez a resposta de alguns seja pela não indenização, pelo infortúnio da situação. Mas como não indenizar a família de quem estava vivo um segundo atrás e veio a falecer por conta de falha no sistema?

Não se pode negar a possibilidade de prejuízo financeiro a ser causado aos cofres público se o entendimento da responsabilização se tornar frequente e praxe jurídica, retoma-se aqui a ideia da Administração Pública como seguradora universal[6].

Em outra linha, há a visão da vítima como duplamente sofredora: suposta inação do Estado e falecimento. Ao haver uma sentença procedente, há outra batalha a ser vencida: o pagamento da indenização.

A mora do judiciário e o longo tempo do cumprimento de sentença fazem afastar o peso da responsabilidade do causador do dano, entendimento esse que serve para qualquer processo em tramitação no Brasil, especialmente para os que tiveram uma sentença procedente e esperam o alvará.

Quanto mais tempo houver entre o dano e a responsabilização (entendida como o efetivo pagamento da indenização), menor aos olhos do causador esse dano será, porque houve um lapso temporal, um esquecimento inerente do fato. A vítima falecida não tem consciência, mas seus familiares relembram o luto dia após dia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Para a notícia completa, acessar https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/01/11/pane-eletrica-causa-fumaca-no-hospital-sao-luiz-do-morumbi-e-pacientes-tem-de-ser-transferidos.htm. Acesso em 04/08/2024.

2 Para a notícia completa, acessar https://www.campograndenews.com.br/cidades/capital/pela-4a-vez-em-apenas-dois-meses-santa-casa-fica-sem-energia. Acesso em 04/08/2024.

3 Para a notícia completa, acessar https://www.metropoles.com/sao-paulo/santa-casa-funciona-a-base-de-gerador-apos-apagao-da-enel-no-centro. Acesso em 04/08/2024.

4 Para a notícia completa, acessar https://tab.uol.com.br/videos/?id=tres-pacientes-morrem-sem-oxigenio-apos-pane-em-hospital-04024D193960CCC96326. Acesso em 04/08/2024.

5 Para a notícia completa, acessar https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2024/06/pacientes-sao-transferidos-por-causa-de-apagao-no-hospital-otavio.html. Acesso em 04/08/2024.

6 No julgamento do ARE n° 1.392.660 AgR-ED, o ministro Gilmar Mendes se manifestou sobre a União como seguradora universal no caso em que ficou reconhecida a responsabilidade civil do Estado para reparar cerca de 75 milhões da empresa sucroalcooleira Jalles Machado S.A., em razão de suposta má intervenção do Estado na economia. O processo estava em cumprimento de sentença, logo não foi analisado pelo STF neste julgamento se haveria ou não responsabilidade civil.