OS NEURÔNIOS-ESPELHO: O RISCO DA CULTURA MEDIADA POR TELAS E ALGORITMOS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17556499
Nilton Pereira da Cunha1
RESUMO
A primeira infância é um período crítico para a formação das bases neurológicas, afetivas e sociais que sustentam o desenvolvimento humano. Nesse contexto, os neurônios-espelho desempenham papel decisivo ao possibilitar que a criança aprenda observando, sentindo e interagindo com outras pessoas. No entanto, a crescente mediação das relações infantis por telas e algoritmos compromete esse processo natural. Quando a criança substitui a presença humana por estímulos digitais, ela recebe sinais reduzidos de expressão facial, entonação e reciprocidade emocional, elementos essenciais para o desenvolvimento da empatia, linguagem e autocontrole. A cultura digital apresenta conteúdos desenhados para capturar atenção e gerar dopamina, criando um ambiente de interação artificial que reforça respostas imediatas e reduz o exercício de habilidades sociais. Esse cenário ameaça a plasticidade cerebral infantil, deslocando o eixo do aprendizado do encontro humano para a programação algorítmica. Como consequência, há riscos de empobrecimento das conexões neurais responsáveis pela comunicação, regulação emocional e construção de vínculos. O artigo alerta que, sem a preservação de experiências reais de convivência, afeto e imitação social, a influência pode ser moldada mais por algoritmos do que por pessoas, comprometendo o desenvolvimento integral e a saúde emocional das futuras gerações.
Palavras-chave: Neurônios-espelho. Cultura Digital. Algoritmos. Primeira Infância.
ABSTRACT
Early childhood is a critical period for the formation of the neurological, affective, and social foundations that underpin human development. In this context, mirror neurons play a decisive role in enabling children to learn by observing, feeling, and interacting with others. However, the increasing mediation of children's relationships by screens and algorithms compromises this natural process. When children replace human presence with digital stimuli, they receive reduced signals of facial expression, intonation, and emotional reciprocity—essential elements for the development of empathy, language, and self-control. Digital culture presents content designed to capture attention and generate dopamine, creating an artificial interaction environment that reinforces immediate responses and reduces the exercise of social skills. This scenario threatens the plasticity of children's brains, shifting the focus of learning from human interaction to algorithmic programming. As a consequence, there are risks of impoverishment of the neural connections responsible for communication, emotional regulation, and the building of bonds. The article warns that, without the preservation of real experiences of coexistence, affection, and social imitation, influence may be shaped more by algorithms than by people, compromising the integral development and emotional health of future generations.
Keywords: Mirror neurons. Digital culture. Algorithms. Early childhood.
1. INTRODUÇÃO
Os neurônios-espelho, descobertos inicialmente pelo neurocientista italiano Giacomo Rizzolatti e colegas, desempenham um papel crítico na formação da empatia, linguagem, imitação social e desenvolvimento moral.
Quando não ativados geram um prejuízo incomensurável ao equilíbrio do desenvolvimento dos sentidos humanos e neurológico. Eles são ativados quando observamos e participamos de ações e emoções humanas reais – como o sorriso da mãe, o tom de voz do pai, o choro de bebê sendo acolhido, o olhar que conecta e valida.
Esses circuitos funcionam como o “software social” do cérebro humano, configurando-se pela presença, reciprocidade e ritmo da interação humana.
Contudo, na cultura artificial mediada por telas e algoritmos, essa arquitetura neural encontra um ambiente empobrecido:
Não há olhar vivo, apenas pixels;
Não há reciprocidade real, apenas respostas programadas;
Não há variação emocional humana, apenas estímulos artificiais e imediatos;
Não há pausa afetiva, apenas fluxo contínuo;
Não há linguagem encarnada, apenas sons e imagens desconectados do corpo e do vínculo.
O resultado é um aprendizado social diluído, em que a criança é exposta a sinais que se parecem com comunicação, mas não constroem a ponte emocional e neural necessária para a empatia e a interação humana profunda.
Os neurônios-espelho são estimulados pela riqueza da vida social, sem isso, eles não amadurecem plenamente. A cultura algorítmica, por sua própria natureza, não é capaz de fornecer o terreno biológico que o cérebro infantil necessita para se desenvolver como cérebro humano pleno, especialmente em relação ao vínculo, olhar, toque e à reciprocidade emocional.
Por isso, a tela, através do mundo virtual, não apenas compete com o mundo real – ela o substitui antes que ele se consolide, reorganizando prioridades do cérebro, modificando a arquitetura neural e criando uma “socialização de simulação”.
2. A POLÍTICA MAIS EFICIENTE É A POLÍTICA DA COMPREENSÃO
Nesse contexto, a medida mais poderosa de saúde pública é educativa, preventiva e cultural:
Ensinar pais, gestante e cuidadores que o cérebro do bebê não se constrói com estímulos digitais, mas com vínculo humano.
Isso exige:
Programa de conscientização em maternidade, UBSs e pré-natal;
Capacitação de profissionais da saúde, assistência e educação infantil;
Campanhas públicas de comunicação direta e simples;
Formação continuada para creches e serviços de primeira infância;
Integração entre neurociência, direito, saúde e comunicação social.
Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de afirmar um princípio científico e civilizatório, enfatizando que a infância é um território biológico e social; o digital pode entrar, porém, a tecnologia deve vir só depois do desenvolvimento dos sentidos e da base neurológica da primeira infância e não nos primeiros anos de vida quando essa base está se formando.
Essa compreensão é fundamental e necessária, não trata apenas de se submeter a regras, leis ou recomendações, mas de uma mudança de mentalidade coletiva que reconheça que o desenvolvimento emocional, social e cognitivo das crianças depende essencialmente de interações humanas, afeto, presença e experiências reais no mundo.
A urgência é clara:
Educar agora para que o cérebro da próxima geração seja protegido, nutrido e plenamente humano.
Isso exige que pais, educadores, profissionais de saúde e gestores públicos atuem de forma integrada para garantir que a infância não seja colonizada por interesses tecnológicos e do mercado, mas resguardada como fundamento da vida social e da condição humana.
Somente assim poderemos construir uma sociedade capaz de equilibrar inovação e humanidade, onde a tecnologia serve ao desenvolvimento das crianças e não ao contrário.
3. O DESAFIO CULTURAL DA HIPER-TECNOLOGIZAÇÃO DA INFÂNCIA
Entretanto, a tarefa de conscientizar pais e cuidadores sobre a centralidade do vínculo humano e do ambiente natural no desenvolvimento neurobiológico enfrenta um obstáculo significativo: a cultura dominante que celebra a tecnologia como sinônimos de progresso inevitável.
Na lógica contemporânea, fomentar o contato precoce com dispositivos digitais é frequentemente apresentado como requisito para “não deixar a criança para trás” em um mundo altamente tecnológico.
Essa narrativa, reforçada por indústrias digitais, veículos de comunicação, instituições educacionais e até discursos governamentais, cria um sentimento quase moral entre pais e cuidadores, ou seja, proteger a criança do ambiente digital pode parecer, paradoxalmente, uma forma de privação ao avanço da perspectiva futura.
No entanto, esse processo opera como uma forma de pressão social, pela qual o acesso precoce à tecnologia é associado à competência, inteligência e preparo para o futuro.
Os pais necessitam compreender e ter a consciência que, preparar uma criança para o futuro tecnológico não é antecipar a tecnologia, mas fortalecer seu cérebro e suas emoções para que, quando chegar a hora certa, ela seja capaz de usar esses recursos com inteligência, equilíbrio e protagonismo.
Porém, o que se apresenta como inclusão pode, na verdade, antecipar exclusões futuras, uma vez que o cérebro exposto precocemente ao regime algorítmico não se desenvolve com a mesma robustez para funções afetivas, cognitivas e sociais fundamentais que realmente será necessária no futuro tecnológico.
Do ponto de vista social, cria-se um paradoxo perverso: enquanto as evidências científicas e organismos globais – como a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertam para riscos do uso de telas na primeira infância, as forças do mercado promovem o contrário, vendendo uma promessa de desenvolvimento acelerado que não encontra respaldo na neurociência.
A primeira infância não é período de aceleração cognitiva artificial, mas de organização neurobiológica, maturação emocional e formação do vínculo humano.
A tecnologia, quando introduzida antes da consolidação dessas bases, atua mais como desorganizadora do que como facilitadora.
Essa lógica pode transformar a infância em um “território fértil à lógica mercadológica”, onde a criança é objeto de estímulo contínuo, e não sujeito de vínculo e sentido.
Estudos apontam que “o uso excessivo do mundo virtual e de exposição às telas estão associados a défices intelectuais e a questões de saúde mental”, especialmente em crianças, sobretudo quando esses meios são introduzidos antes da estabilidade dos vínculos e das redes de apoio humano.
Nesse contexto, a tecnologia deixa de ser complementar e passa a substituir interações humanas fundamentais, colocando em risco o desenvolvimento de bases neurológicas essenciais, como espelhamento, empatia e autorregulação emocional, que formam a base de toda a vida social.
Assim, a política pública precisa encarar a hiper-tecnologização não apenas como uma questão de regulação de instrumentos, mas como uma mudança cultural profunda que reafirma a infância como espaço de presença humana e não de aceleração mercadológica.
4. A IDEIA DE PROGRESSO E A CAPTURA EMOCIONAL DOS PAIS: A DISPUTA COM O MERCADO
A defesa crítica da tecnologia, como solução universal, cria um ambiente de culpabilização velada dos pais, isso, dos pais que tentam seguir as evidências científicas e proteger a infância dos seus filhos.
Esse mecanismo cultural se articula com condicionamentos emocionais: pais desejam o melhor para seus filhos, e o discurso hegemônico se aproveita desse afeto, transformando o marketing tecnológico em promessa de amor, cuidado e oportunidade.
Trata-se de um fenômeno psicocultural complexo, em que:
A mídia vende dispositivos como instrumentos educativos;
Empresas colhem dados comportamentais desde cedo;
Escolas introduzem telas sem base científica robusta;
E os pais, temendo a exclusão social dos filhos, cedem.
Como destaca Nicholas Carr2, o ambiente digital opera não apenas como ferramenta cultural, mas como estrutura de moldagem comportamental e econômica, interferindo diretamente na vida familiar, no ritmo relacional e no tempo emocional compartilhado.
Assim, não estamos diante de uma questão meramente individual, mas de uma disputa civilizatória sobre os fundamentos do desenvolvimento humano na era algorítmica.
A ausência de políticas públicas orientadas pela neurociência do desenvolvimento infantil se soma a um fenômeno mais amplo e estrutural: a pressão cultural, econômica e simbólica exercida pela indústria tecnológica sobre as famílias.
Na cultura contemporânea, consolidou-se a narrativa de que o contato precoce com dispositivos digitais é condição obrigatória para o sucesso no futuro.
Tal narrativa, porém, não nasce da ciência, mas da lógica mercadológica, que transforma a infância em objeto de disputa comercial e os pais em agentes involuntários de consumo tecnológico.
Como explica Byung-Chul Han, vivemos na sociedade do desempenho, que exige otimização permanente e antecipa a promessa de competitividade desde a gestação.
Pais e mães, imersos em uma cultura que exalta a tecnologia como sinônimo de progresso e eficiência, passam a sentir que negar telas às crianças significa negar oportunidades.
Han observa que “a autoexploração é mais eficaz do que a exploração externa”3, e isso se reflete no campo da parentalidade: pais se cobram por decisões que acreditam estar diretamente condicionadas ao futuro dos filhos.
Entretanto, essa ideia não apenas distorce o conceito de desenvolvimento humano como se apoia em mecanismos sofisticados de persuasão cultural e econômica. Pierre Bourdieu4 denomina esse fenômeno de violência simbólica, uma forma de imposição invisível de valores dominantes que se tornam naturalizados.
Assim, o dispositivo eletrônico deixa de ser apenas um objeto e assume o papel de capital simbólico: possuir um smartphone, tablet ou acesso constante às telas tornam-se marcador de pertencimento, modernidade e capacidade econômica.
Nesse contexto, surge um agravante fundamental: a dimensão do status social. Muitas famílias, pressionadas por essa lógica, internalizam a falsa ideia de que a criança sem celular estaria em desvantagem social ou revelaria limitações financeiras dos pais. A ausência de telas passa a ser interpretada como atraso, incapacidade ou falta de condições materiais, quando, na verdade, constitui medida de proteção cerebral.
Trata-se de um mecanismo de coação psicológica em que a mídia, publicidade e o discurso econômico transformam o desejo legítimo de cuidado em obrigação de consumo. Como resultado, os pais tornam-se reféns e as crianças, as vitimas diretas desse modelo cultural.
Essa pressão, contudo, ignora aquilo que Winnicout5 demonstra de forma contundente: o desenvolvimento emocional e cognitivo saudável depende de um ambiente suficientemente bom, composto de presença humana, continuidade afetiva e experiências reais.
O estímulo humano, e não o digital, constitui o fundamento da formação das capacidades sociais, emocionais e cognitivas. Quando o mercado, através das telas, ocupa o lugar da experiência humana na primeira infância, compromete-se a base do amadurecimento.
Esse cenário contraria abertamente as principais recomendações internacionais. A Organização Mundial da Saúde (OMS)6 afirma que não deve haver exposição a telas antes dos dois anos (nós recomendamos antes dos três), já que o desenvolvimento infantil saudável depende de movimento físico, interação social e experiências reais.
A Academia Americana de Pediatria (AAP)7 adverte para os riscos neurocognitivos e socioemocionais associados ao uso precoce de telas, incluindo atrasos de linguagem, prejuízo em habilidades socioafetivas e dificuldades atencionais.
Não se trata apenas de “uso precoce e excessivo” de telas, mas, o problema já ultrapassa essa formulação. Estamos diante de uma mudança no encontro sináptico, justamente na fase mais crítica do desenvolvimento, quando as conexões neurais deveriam ser guiadas por experiências humanas, vínculos reais, exploração sensorial e contato social.
Hoje, porém, essas conexões estão sendo moldadas pela Neurocultura Digital, em que estímulos tecnológicos tomam o lugar das interações fundamentais para o amadurecimento cerebral.
Isso não é apenas precoce, mas estrutural e profundamente preocupante, pois significa que a base da arquitetura neural das crianças está sendo construída segundo a lógica das plataformas digitais, e não segundo as necessidades do desenvolvimento humano.
Nesse contexto, a UNESCO8 reforça que não existem evidências científicas sólidas de benefícios educacionais do uso de telas na primeira infância.
Proteger a infância, portanto não constitui retrocesso tecnológico, mas uma necessidade fundamentada em evidências neurocientíficas e em princípio éticos e civilizatórios.
A infância não pode ser convertida em mercado, nem submetida à lógica da performance, do consumo ou do status. A biologia humana possui um tempo que não pode ser acelerado pela urgência econômica, e a função da sociedade é resguardar esse tempo.
A construção do futuro humano depende de não introduzir tecnologia cedo nas vidas das crianças, mas assegurar que as crianças desenvolvam plenamente sua capacidade humana: atenção, linguagem, empatia, regulação emocional, imaginação e vínculo social.
O caminho para uma sociedade saudável exige reconhecer que a primeira infância é território protegido, e não arena de disputa comercial.
5. CHAMADO À RESPONSABILIDADE PÚBLICA
Diante desse cenário, torna-se imprescindível reconhecer que a proteção da primeira infância não é apenas responsabilidade familiar, mas um dever do estado e da sociedade. A Constituição Federal9 estabelece, de forma inequívoca, que crianças devem ocupar lugar prioritário nas políticas públicas, garantindo-lhes proteção integral e absoluta prioridade.
A lógica que fundamenta esse princípio é clara: o desenvolvimento humano na primeira infância é o alicerce sobre o qual se constrói toda a trajetória cognitiva, emocional e social do indivíduo.
Portanto, qualquer negligência nesse período gera consequências não apenas individuais, mas estruturais, impactando o futuro social, econômico e cultural do país.
Entretanto, a realidade demonstra um descompasso entre o marco jurídico e a prática social. Enquanto a legislação brasileira reconhece a infância como bem jurídico protegido, a ausência de campanhas educativas, regulamentações específicas e políticas preventivas voltadas ao uso precoce de telas revela uma omissão estrutural.
Essa lacuna abre espaço para que interesses mercadológicos penetrem na formação infantil, conduzindo as famílias a decisões que, muitas vezes, violam o direito ao desenvolvimento saudável.
Como observa Keller: “A vulnerabilidade infantil exige ações proativas, e não meramente reativas10”, o que reforça a necessidade de políticas públicas que atuem antes do dano, e não apenas após sua constatação.
Do ponto de vista jurídico, o princípio da precaução exige intervenção mesmo diante da incerteza científica, priorizando a proteção diante de potenciais danos significativos ao desenvolvimento infantil. Contudo, aqui não estamos diante de incertezas, mas de evidências consolidadas.
A UNESCO também alerta que o uso indiscriminado de tecnologias pode impactar negativamente o desenvolvimento cognitivo e emocional, demandando políticas que orientem famílias, instituições e gestores públicos em direção a práticas saudáveis. Ignorar tais evidências é permitir que a lógica de mercado prevaleça sobre a lógica da vida.
Assim, o chamado à responsabilidade pública ultrapassa o campo meramente administrativo; trata-se de um compromisso civilizatório com a preservação das condições humanas fundamentais.
Proteger a primeira infância da colonização digital não significa negar a tecnologia, mas reconhecer que seu tempo de entrada deve respeitar primeiro o ritmo biológico e emocional da criança.
O Estado brasileiro deve assumir papel ativo na produção de diretrizes, programas educativos, formação de profissionais e campanhas de conscientização, garantindo que os pais não enfrentem isoladamente a pressão cultural e econômica que promove o consumo digital infantil.
Defender a primeira infância como território humano é, portanto, garantir o futuro cognitivo, afetivo e social de toda a sociedade.
Se compreendermos que o desenvolvimento dos neurônios-espelho é a base da empatia, linguagem, imitação criativa e da construção da presença humana, então ignorar sua formação na primeira infância é abrir caminho para uma cultura artificial que substitui vínculos por estímulos digitais e interações guiadas por algoritmos.
Uma sociedade que permite que suas crianças sejam moldadas prioritariamente por tela, e não por interações humanas ricas, abdica de sua própria humanidade e entrega o desenvolvimento afetivo e social a lógicas mercadológicas que veem a criança como dado e como consumidor em formação. Por isso, fazer da primeira infância um território protegido não é apenas uma escolha moral ou pedagógica, mas é um compromisso civilizatório.
Cabe ao poder público assumir sua responsabilidade histórica, garantindo políticas preventivas, educativas e regulatórias que coloquem o desenvolvimento humano acima dos interesses tecnológicos e comerciais, preservando a infância como espaço sagrado de vínculo, presença e formação emocional.
Sem isso, corremos o risco de produzir gerações neurologicamente conectadas, mas social e afetivamente desconectadas do que significa ser humano.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão do papel dos neurônios-espelho no desenvolvimento infantil reforça que aprender, sentir e se tornar humano é um processo essencialmente relacional. A infância depende do olhar, da presença e do vínculo para organizar o cérebro, regular emoções e construir competências sociais e cognitivas.
Quando esse processo é deslocado para uma cultura mediada por telas e algoritmos, o desenvolvimento deixa de ocorrer prioritariamente no território humano e passa a ser orientado por lógicas digitais: rápidas, fragmentadas, autoplásticas e muitas vezes desreguladoras.
Não estamos diante apenas de uso precoce ou excessivo de tecnologias, mas de uma reconfiguração da ecologia relacional na fase mais sensível da formação das sinapses.
Ao substituir interações humanas por estímulos de tela, corre-se o risco de comprometer circuitos fundamentais de empatias, atenção, linguagem e autorregulação.
Em outras palavras, o desenvolvimento neural, que deveria estar ancorado no encontro real, na afetividade e na experiência corporal, é capturado por uma arquitetura digital que não foi desenhada para desenvolver cérebros, mas para capturar atenção e modular comportamento.
Assim, torna-se urgente reconhecer que a proteção da primeira infância exige também a proteção do ambiente afetivo, sensorial e social que constitui o ser humano. A tecnologia pode e deve ter seu lugar, porém não como mediadora primária da experiência infantil.
A tarefa coletiva: família, escola, sociedade e poder público, é garantir que o desenvolvimento humano aconteça antes da conexão digital, e não que seja substituído por ela. Cuidar da infância é, antes de tudo, preservar a humanidade em formação.
Se perdermos a infância para a lógica das telas e dos algoritmos, não perderemos apenas atenção, linguagem ou empatia, mas perderemos a própria capacidade humana de se reconhecer no outro e de constituir futuro junto.
Defender a presença, o olhar e o vínculo nos primeiros anos não é nostalgia analógica; é um ato de responsabilidade civilizatória. A tecnologia pode esperar. O cérebro infantil, não pode.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AAP – American Academy of Pediatrics. Media and Young Minds. Pediatrics, v. 150, n. 6, 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
CARR, Nicholas. Os superficiais: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Rio de Janeiro: Agir, 2011.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2021.
KELLER, H. Culturas e desenvolvimento: necessidade da primeira infância no contexto cultural: São Paulo: Hogrefe, 2014.
OMS – Organização Mundial da Saúde. Guidelines on physical activity, sedentary behaviour and sleep for children under 5 years of age. Geneva: WHO, 2019.
UNESCO. 2023 Global Education Monitoring Report – Tecnology in education: A tool on whose terms? Paris; UNESCO, 2023.
WINNICOUTT, Donald W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 2006.
1 Nilton Pereira da Cunha é Professor, Pesquisador, Escritor e Coordenador Educacional do Instituto Nacional de Evolução Humana. Graduado e Pós-graduação Lato e Stricto Sensu na área da Educação, também graduado e pós-graduado em Direito, com artigos e livros publicados em português e castelhano em vários países: Brasil, Argentina e Colômbia, tais como: O autismo e a interação social: Como desenvolver uma criança saudável na Era Digital; El autismo y la interacción social: como desarrollar una crianza saludable en la Era Digital; Educação, Família e Geração Digital: os desafios e perspectivas da pós-modernidade. @nilton.cunha.900. WhatsApp: +54 11 4989-3292.
2 CARR, Nicholas. Os superficiais: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Rio de Janeiro: Agir, 2011.
3 HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2021.
4 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
5 WINNICOUTT, Donald W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 2006.
6 OMS – Organização Mundial da Saúde. Guidelines on physical activity, sedentary behaviour and sleep for children under 5 years of age. Geneva: WHO, 2019.
7 AAP – American Academy of Pediatrics. Media and Young Minds. Pediatrics, v. 150, n. 6, 2022.
8 UNESCO. 2023 Global Education Monitoring Report – Tecnology in education: A tool on whose terms? Paris; UNESCO, 2023.
9 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
10 KELLER, H. Culturas e desenvolvimento: necessidade da primeira infância no contexto cultural: São Paulo: Hogrefe, 2014.