O IMPACTO DA REFORMA TRABALHISTA BRASILEIRA DE 2017: POLÍTICAS NEOLIBERAIS, PRECARIZAÇÃO E ALIENAÇÃO DO TRABALHADOR
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14053713
Pedro Luan Ferreira dos Santos1
Ricardo Mendes Pereira2
RESUMO
A reforma trabalhista de 2017 no Brasil, analisada sob uma perspectiva crítica, representa uma reconfiguração das relações laborais no país, com implicações profundas para a precarização do trabalho e para a alienação do trabalhador. Este artigo explora como a reforma, promovida sob o discurso de modernização e necessidade de adaptação global, ampliou modalidades de trabalho como o intermitente e a terceirização irrestrita, que desestruturam o vínculo formal e fragmentam os direitos dos trabalhadores. Com base em teorias marxistas e estruturalistas, o trabalho discute o impacto do enfraquecimento sindical, a subordinação das economias periféricas e a alienação que decorre da exploração laboral. Conclui-se que a reforma não trouxe melhorias concretas para as condições de vida da classe trabalhadora, servindo antes aos interesses do capital transnacional e consolidando o Brasil como uma economia dependente e submissa aos imperativos neoliberais.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista. Neoliberalismo. Precarização do trabalho. Sindicatos. Alienação.
ABSTRACT
Brazil's 2017 labor reform, analyzed from a critical perspective, represents a reconfiguration of labor relations in the country, with profound implications for job precarization and worker alienation. This article explores how the reform, promoted under the discourse of modernization and global adaptation, expanded employment modalities such as intermittent work and unrestricted outsourcing, thereby destabilizing formal job links and fragmenting workers' rights. Based on Marxist and structuralist theories, this study discusses the impact of weakened unions, the subordination of peripheral economies, and the alienation resulting from labor exploitation. The conclusion indicates that the reform has not brought tangible improvements to workers' living conditions, instead serving transnational capital interests and consolidating Brazil's position as a dependent economy subject to neoliberal imperatives.
Keywords: Labor Reform. Neoliberalism. Job Precarization. Unions. Alienation.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho visa compreender o impacto da reforma trabalhista de 2017, promulgada a partir do Projeto de Lei (PL) n. 13.467/2017, formulada pelo Governo Federal à época3, no Brasil, compreendendo suas consequências para a precarização das condições laborais e a fragmentação dos direitos dos trabalhadores. A reforma, justificada como uma adaptação necessária às dinâmicas globais e como um caminho para a modernização do mercado de trabalho, introduziu novas modalidades de vínculo, como o trabalho intermitente e a ampliação irrestrita da terceirização, ao mesmo tempo em que reduziu o papel dos sindicatos e flexibilizou normas protetivas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Esse processo reflete um movimento global, em que políticas neoliberais — incentivadas por instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) — impulsionam a liberalização dos mercados de trabalho, especialmente em países da periferia do sistema capitalista.
Para os teóricos marxistas e estruturalistas, as reformas neoliberais não são neutras, mas constituem ferramentas de controle e disciplinamento social, especialmente nas economias periféricas, onde as normas e proteções são flexibilizadas em prol da competitividade e de um modelo de desenvolvimento orientado pelo capital internacional. No Brasil, a reforma de 2017 pode ser interpretada como um exemplo dessa lógica de subordinação, onde o trabalho se ajusta às necessidades do mercado global, enquanto as conquistas históricas dos trabalhadores são desmanteladas.
Este trabalho também examina a alienação do trabalhador no contexto dessa reforma, observando como a flexibilização das leis laborais contribui para a fragmentação e desvalorização da classe trabalhadora. A introdução de contratos precários, como o trabalho intermitente e a terceirização em atividades-fim, aliena o trabalhador do processo produtivo e limita sua capacidade de organização e de luta por direitos. Além disso, a perda de financiamento obrigatório dos sindicatos, resultado da reforma, enfraqueceu substancialmente a estrutura sindical brasileira, intensificando a desigualdade de poder nas relações de trabalho.
O texto está estruturado em seções que desenvolvem uma análise crítica e contextualizada sobre a reforma trabalhista de 2017. A primeira seção examina a adoção das políticas neoliberais na América Latina e sua influência nas relações trabalhistas, destacando o papel das instituições internacionais nesse processo. Em seguida, o texto discute a legislação trabalhista brasileira antes da reforma, contextualizando as conquistas históricas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A seção subsequente apresenta as mudanças introduzidas pela reforma, abordando novas modalidades de trabalho como o intermitente e a ampliação da terceirização. Por fim discute-se os efeitos da reforma sobre a alienação do trabalhador e o enfraquecimento dos sindicatos, culminando em uma análise de suas implicações para a classe trabalhadora brasileira no contexto do capitalismo global.
2. NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA LATINA
A implementação do neoliberalismo na América Latina constitui um fenômeno que pode ser compreendido como parte integrante de uma reestruturação global do capitalismo, um movimento amplo que impactou profundamente as políticas econômicas e sociais dos países da região. Esse processo de reestruturação teve seu início nas décadas de 1970 e 1980, com o surgimento de políticas econômicas impulsionadas e patrocinadas por grandes instituições internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Essas políticas neoliberais tinham como objetivo principal reduzir o papel do Estado nas economias nacionais, promovendo uma abertura e liberalização dos mercados e incentivando a adoção de medidas de austeridade fiscal, que visavam equilibrar os déficits orçamentários e restaurar a "saúde financeira" das economias. Essas diretrizes e práticas estabeleceram as bases para o que, posteriormente, se consolidaria como o “Consenso de Washington” (BRESSER-PEREIRA, 1993), um conjunto de princípios econômicos que norteou as reformas neoliberais na região.
Até os anos 1970, a maioria dos países da América Latina adotava um modelo econômico desenvolvimentista, fundamentado, sobretudo, na teoria da dependência e na aplicação de políticas de industrialização por substituição de importações, um método que visava reduzir a dependência de importações estrangeiras para fomentar a produção local (FURTADO, 2009). Esse modelo de desenvolvimento econômico baseava-se em uma forte intervenção do Estado na economia, incluindo pesados investimentos em infraestrutura e a criação de mecanismos de proteção ao mercado interno. No entanto, a crise do petróleo em 1973, combinada com o aumento das dívidas externas de diversos países em desenvolvimento, gerou um cenário de estagnação econômica que abriu caminho para a entrada das políticas neoliberais na região. Esse contexto crítico favoreceu uma aceitação mais ampla das medidas propostas pelo Banco Mundial e FMI, que se apresentavam como uma solução para superar a crise e retomar o crescimento econômico.
A América Latina, marcada por economias profundamente endividadas e por Estados tradicionalmente intervencionistas, tornou-se um alvo estratégico das reformas estruturais sugeridas pelo Banco Mundial e pelo FMI. A partir da década de 1980, essas organizações passaram a condicionar a concessão de empréstimos e auxílios financeiros à implementação de reformas econômicas que seguiam rigorosamente os princípios neoliberais: a abertura dos mercados, a privatização de empresas estatais e a ampla desregulamentação de setores estratégicos. Esse processo pode ser analisado sob a ótica da lógica do sistema-mundo capitalista descrita por Wallerstein (1974), segundo a qual as economias periféricas, como as da América Latina, encontram-se subordinadas às economias centrais. Sob essa perspectiva, as economias periféricas são continuamente forçadas a adotar políticas que mantêm e reforçam essa estrutura de dependência, em que os países centrais exercem controle sobre os fluxos de capital e as condições econômicas globais, consolidando uma relação de desigualdade que sustenta a dinâmica do capitalismo global.
2.1. INFLUÊNCIA E IMPACTOS
As reformas neoliberais adotadas na América Latina resultaram em profundas mudanças nos sistemas produtivos e nas relações de trabalho. No Brasil, as políticas neoliberais se intensificaram a partir dos anos 1990, especialmente durante o governo de Fernando Collor de Mello, com a abertura do mercado interno às importações e a privatização de empresas estatais (BIELSCHOWSKY, 1998). Essas reformas estavam alinhadas com o que Celso Furtado chamou de "ajuste estrutural", imposto pelas agências internacionais e que teve como consequência a desindustrialização e o aumento da dependência em relação ao capital estrangeiro (FURTADO, 2009).
O neoliberalismo também se caracterizou pela flexibilização das legislações trabalhistas, defendidas como uma forma de aumentar a competitividade das empresas e atrair investimentos externos. A desregulamentação do mercado de trabalho, a terceirização e a diminuição dos direitos trabalhistas são marcas desse período, reforçando a precarização das condições de trabalho e a diminuição do poder de negociação dos sindicatos (ANTUNES, 2018).
O impacto das reformas neoliberais na América Latina foi amplamente discutido por economistas e sociólogos marxistas e pós-estruturalistas, que destacam os efeitos negativos dessas políticas sobre a distribuição de renda e as condições de trabalho. A liberalização econômica e a redução do papel do Estado na regulação da economia geraram um aumento das desigualdades sociais, com a concentração de renda nas mãos de uma elite transnacional e a precarização do trabalho para a maioria da população (HARVEY, 2007).
Celso Furtado (2009) argumenta que o neoliberalismo intensificou a dependência estrutural da América Latina em relação às economias centrais, uma vez que as políticas de ajuste estrutural e as reformas econômicas implementadas sob a supervisão do FMI e do Banco Mundial levaram à desindustrialização e à fragilização das economias nacionais. No campo das relações de trabalho, a flexibilização resultou em uma fragmentação da classe trabalhadora, dificultando a organização sindical e a luta por melhores condições de trabalho.
3. DIREITOS TRABALHISTAS ANTES DA REFORMA
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943 durante o governo de Getúlio Vargas, foi um marco na regulação das relações de trabalho no Brasil. Inspirada no modelo corporativista e na legislação social europeia, a CLT consolidou uma série de direitos que buscavam proteger o trabalhador em um contexto de industrialização e urbanização aceleradas. Entre os direitos assegurados pela CLT estão a jornada de trabalho limitada a 44 horas semanais, o descanso semanal remunerado, férias anuais remuneradas com um terço adicional, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o décimo terceiro salário, e a proteção contra demissão arbitrária ou sem justa causa, além pagamento de horas extras e adicional noturno.
A CLT foi elaborada em um contexto no qual o modelo de emprego predominante era o trabalho informal, com vínculos empregatícios instáveis e proteções não garantidas por lei. E a introdução de tais direitos visavam garantir um mínimo de segurança e estabilidade ao trabalhador formal, assegurando que ele tenha acesso a condições dignas de trabalho e remuneração. Contudo, o cenário econômico e social atual, marcado pela globalização, por políticas neoliberais e pela crescente digitalização do trabalho, desafiou esse modelo.
4. A REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL
A reforma trabalhista aprovada no Brasil em 2017 (Lei n. 13.467/2017) deve ser compreendida dentro desse processo histórico de implementação das políticas neoliberais. Ela teve como principal justificativa a modernização das leis trabalhistas e a adequação às novas dinâmicas do mercado global, porém, na prática, resultou em uma maior flexibilização das relações de trabalho, o que gerou uma crescente precarização na qualidade de vida da classe trabalhadora brasileira. Aspectos como o trabalho intermitente, a prevalência do negociado sobre o legislado e a ampliação da terceirização são elementos que refletem a influência do ideário neoliberal, que busca reduzir o papel do Estado na regulação do mercado de trabalho e enfraquecer as instituições de proteção aos trabalhadores, como os sindicatos. (DIEESE, 2017).
Segundo Wallerstein (1974), essas reformas podem ser vistas como parte de uma reconfiguração do sistema-mundo capitalista, no qual o Brasil e outros países periféricos se alinham às demandas das economias centrais. O processo de flexibilização dos direitos trabalhistas serve, nesse contexto, para aumentar a exploração da força de trabalho e maximizar a acumulação de capital nas economias centrais. As reformas neoliberais, ao desmantelarem as conquistas dos trabalhadores, refletem um processo de "ajuste estrutural" que beneficia o capital internacional e consolida a dependência dos países latino-americanos.
A reforma aprovada representou uma profunda mudança na estrutura das relações de trabalho. O principal argumento utilizado pelos defensores da reforma foi a necessidade de modernizar a legislação para adequá-la às novas realidades econômicas e tecnológicas, alegando reduzir o desemprego e aumentar a competitividade das empresas. A dinâmica da prevalência do negociado sobre o legislado, permite que acordos e convenções coletivas prevaleçam sobre a legislação em diversos pontos, como jornada de trabalho, participação nos lucros e planos de cargos e salários; o trabalho intermitente, que regulariza a contratação de trabalhadores por períodos esporádicos, pagando apenas pelas horas efetivamente trabalhadas; e a terceirização irrestrita, que ampliou a possibilidade de terceirização para todas as atividades da empresa, inclusive as atividades-fim4. Antes da reforma, no Brasil, a terceirização era permitida apenas para atividades-meio, que são aquelas que, embora necessárias ao funcionamento da empresa, não estão ligadas diretamente ao seu objetivo principal. Exemplos de atividades-meio incluem serviços de limpeza, segurança, manutenção predial, entre outras.
Com a reforma, houve a liberação da terceirização para as atividades-fim, ou seja, uma empresa agora pode terceirizar também suas atividades principais. Isso permite que, em vez de contratar diretamente trabalhadores para exercer suas funções essenciais, a empresa recorra a outra empresa para fornecer essa mão de obra. Com a reforma, trabalhadores que seriam contratados conforme a CLT, deixaram de sê-lo, pois, com a possibilidade de serem contratados como “empresas”, os contratantes não têm mais a obrigação de arcar com os direitos do trabalhador, e, por essa economia de recursos e responsabilidade, elas tendem a priorizar e, em dado momento, exigir contratações sem vínculos empregatícios.
4.1. NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Com a reforma trabalhista, diversas novas modalidades de trabalho foram formalmente incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro. Entre as principais novas formas de trabalho, destacam-se:
4.1.1. TRABALHO INTERMITENTE
A introdução do trabalho intermitente foi uma das mudanças mais significativas da reforma de 2017. Essa modalidade permite que o trabalhador seja contratado para prestar serviços em períodos descontínuos, recebendo apenas pelas horas ou dias efetivamente trabalhados. Embora seja vista como uma alternativa para criar empregos em setores com alta variação de demanda, como comércio e eventos, essa forma de contratação tem sido criticada por precarizar as condições laborais, uma vez que o trabalhador intermitente não tem garantia de uma renda mínima mensal, ficando à mercê das convocações esporádicas do empregador (DIEESE, 2017).
4.1.2. TERCEIRIZAÇÃO IRRESTRITA
A terceirização, que antes da reforma estava limitada a atividades-meio (como limpeza e segurança), foi ampliada para todas as atividades da empresa, inclusive as atividades-fim. Essa mudança tem implicações diretas na precarização do trabalho, pois trabalhadores terceirizados, em geral, recebem salários menores, têm menos benefícios e enfrentam maior rotatividade de emprego em comparação com os trabalhadores diretamente contratados (ANTUNES, 2018). A terceirização irrestrita também enfraquece o vínculo entre trabalhadores e sindicatos, já que os terceirizados são, em muitos casos, representados por sindicatos de categorias diferentes ou com menos força de barganha.
4.1.2. UBERIZAÇÃO
O fenômeno da "uberização" é caracterizado pela prestação de serviços sob demanda através de plataformas digitais, sem vínculo empregatício formal. Motoristas e entregadores que trabalham para aplicativos como Uber e iFood são exemplos de trabalhadores "uberizados". Embora esse modelo ofereça maior flexibilidade em termos de horários e locais de trabalho, ele também resulta em uma completa ausência de proteção social, como férias remuneradas, décimo terceiro salário ou seguro-desemprego. Além disso, esses trabalhadores são frequentemente remunerados por produtividade, o que os coloca em uma situação de instabilidade, precariedade e riscos para sua integridade física.
4.1.4. PJOTIZAÇÃO
Outro fenômeno que se intensificou com a flexibilização das relações laborais é a "PJotização", que consiste na contratação de trabalhadores como Pessoas Jurídicas (PJs), ou seja, como empresas, e não como empregados formais. Essa prática permite que as empresas reduzam seus custos com encargos trabalhistas, como FGTS e INSS, ao mesmo tempo em que transfere para o trabalhador toda a responsabilidade por sua própria proteção social. A PJotização é particularmente comum entre profissionais de áreas como tecnologia e comunicação, onde a demanda por serviços terceirizados é alta. No entanto, essa forma de trabalho também elimina os direitos previstos na CLT, como férias e décimo terceiro salário.
5. REFLEXOS NA VIDA DOS TRABALHADORES
As mudanças foram justificadas pelos defensores da reforma como necessárias para modernizar o mercado de trabalho e torná-lo mais dinâmico e competitivo em um contexto de economia globalizada. A flexibilização das relações de trabalho teria como objetivo incentivar a criação de empregos, reduzir a informalidade e aumentar a produtividade.
No entanto, as críticas às novas relações de trabalho introduzidas pela reforma são contundentes. Segundo Antunes (2018), a reforma institucionalizou a precarização do trabalho, ao enfraquecer os direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora e transferir para os trabalhadores a responsabilidade pela sua própria proteção e segurança no ambiente de trabalho. A introdução do trabalho intermitente, por exemplo, que permite a contratação de trabalhadores por períodos específicos e descontinuados, sem garantia de uma jornada mínima ou estabilidade, reflete uma tendência de "desregulação" das relações laborais.
São nítidas as problemáticas de todas as chamadas “novas relações de trabalho", mas regularização da terceirização, e principalmente a ideia de prevalência do negociado sobre o legislado é especialmente problemático em um país com uma alta taxa de desemprego e um mercado de trabalho marcado por forte assimetria de poder entre patrões e empregados. Com sindicatos enfraquecidos e trabalhadores em situações vulneráveis, o resultado tende a ser acordos que favorecem o empregador, em detrimento dos direitos dos empregados.
De acordo com um estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), terceirizados ganham, em média, 24,7% menos do que trabalhadores diretos e estão mais sujeitos a acidentes de trabalho devido à falta de treinamento adequado e às más condições de trabalho (DIEESE, 2017).
Ao longo dos últimos anos, os dados apontam que o crescimento do emprego advindo dessas novas modalidades de contratação contribuiu para uma precarização das condições de trabalho e para a manutenção de altos índices de informalidade no país. Para analisar o impacto dessa reforma na qualidade de vida dos trabalhadores, é importante analisar a expansão das relações de trabalho intermitente, por exemplo. O Gráfico 1 mostra o número de contratos intermitentes no Brasil
Gráfico 1 - Contratos Intermitentes no Brasil (2017 - 2023)
De acordo com o IPEA, em 2017 foram registrados 6.0295 contratos intermitentes no Brasil, em 2018, primeiro ano completo após a aprovação da reforma, o Brasil registrou cerca de 71 mil contratações nesta modalidade, número que subiu para mais de 155 mil em 2019. Esse aumento foi interpretado como uma evidência de “formalização” do emprego, contudo, ao regulamentar novas formas de vínculo sem garantias de estabilidade, a reforma funcionou como uma “máscara” para a informalidade, transformando trabalhadores formais em “informais legalizados”. Esses empregados, apesar de terem registros em carteira, não desfrutam das proteções laborais integrais. Assim, enquanto o número de empregos “formais” aumenta estatisticamente, as condições de trabalho e os direitos dos empregados permanecem fragilizados, resultando em um cenário de precarização institucionalizada.
Mesmo com a suposta diminuição da informalidade, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), o índice de informalidade alcançou 39,4% da população ocupada em 2022, atingindo cerca de 39,3 milhões de pessoas. Tal crescimento evidencia a complexidade e o fracasso da reforma trabalhista na promoção de melhores condições de vida para a classe trabalhadora. Em 2023, a informalidade ainda abarcava 40% da força de trabalho.
O efeito das novas modalidades de emprego, especialmente as menos regulamentadas, têm sido notoriamente negativo para a qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros. A falta de garantias mínimas representa um desafio para os trabalhadores que têm dificuldades em planejar suas finanças e suas vidas de forma estável. Além disso, a ausência de benefícios tradicionais impacta diretamente a segurança e a saúde mental desses trabalhadores.
Gráfico 2 – Rendimento mensal real da renda trabalhadores brasileiros (2017 - 2023)
A insegurança gerada por esse tipo de vínculo gera uma série de implicações sociais. Sem a certeza de uma renda constante, muitos trabalhadores são forçados a assumir múltiplos empregos informais, o que agrava a precariedade e gera um impacto direto na sua saúde física e mental. Essa “uberização” do trabalho, na qual o trabalhador é remunerado de acordo com a demanda, representa uma transformação no sentido de que o trabalho se torna cada vez mais uma atividade sujeita às flutuações do mercado, retirando o caráter de direito que sempre foi associado ao trabalho formal e estável.
Diante do cenário de alta informalidade e das condições precarizadas de trabalho, algumas propostas de ajuste da reforma trabalhista devem ser debatidas. Defende–se a necessidade de estabelecer um sistema de proteção social que contemple todas as modalidades de trabalho, incluindo trabalhadores intermitentes e informais, garantindo-lhes um nível básico de segurança. A criação de uma renda mínima para trabalhadores intermitentes, por exemplo, poderia ser uma maneira de assegurar que eles tenham uma base financeira mínima, mesmo em períodos de baixa demanda (Almeida, 2022).
Outro ponto amplamente discutido é a questão da ampliação das fiscalizações nas empresas que utilizam as modalidades de terceirização para assegurar que as condições dos trabalhadores não estejam sendo violadas. Isso seria especialmente relevante em setores que, historicamente, apresentam maiores índices de terceirização, como construção civil, segurança privada e setores de atendimento e vendas (ALMEIDA, 2022).
5. 1. O ENFRAQUECIMENTO DOS SINDICATOS
Outro impacto significativo da reforma trabalhista foi o enfraquecimento dos sindicatos. Antes da reforma, o financiamento sindical era garantido por uma contribuição obrigatória, equivalente a um dia de trabalho por ano de cada trabalhador. Com a reforma, essa contribuição passou a ser opcional, o que resultou em uma queda brusca nas receitas dos sindicatos, enfraquecendo sua capacidade dos sindicatos de representar os trabalhadores em negociações coletivas e de fiscalizar as condições de trabalho. Segundo dados da Secretaria de Relações do Trabalho, a arrecadação sindical, que somava mais de R$ 3 bilhões em 2017, caiu para aproximadamente R$ 500 milhões em 2018, representando uma redução de quase 85%. Essa queda na receita sindical limita a atuação das entidades em ações coletivas, reduzindo sua capacidade de organizar greves, fiscalizar condições de trabalho e negociar aumentos salariais e benefícios.
O enfraquecimento sindical, em um contexto já longe do ideal, é um ponto de maior preocupação, pois muitas categorias profissionais, especialmente aquelas com menor poder de barganha, passam a depender de acordos coletivos firmados em condições desfavoráveis. A assimetria de poder entre empregadores e empregados, agravada pelo enfraquecimento sindical, pode resultar em acordos que desrespeitam direitos fundamentais dos trabalhadores, contribuindo para a precarização das condições laborais (OLIVEIRA, J. D.; JARDIM, M. C.; SILVA, S. J. D, 2021).
Essa mudança se alinha ao interesse do capital de reduzir o poder dos trabalhadores organizados, facilitando a implementação de modelos de trabalho mais flexíveis e, muitas vezes, mais exploratórios. A diminuição da atuação sindical contribui para consolidar a precarização laboral, pois o trabalhador perde uma importante rede de proteção e se vê mais vulnerável às condições impostas pelo empregador. Como observa David Harvey, o neoliberalismo busca enfraquecer as instituições de defesa dos trabalhadores para ampliar o espaço de atuação do capital, o que resulta em uma crescente desigualdade de poder entre patrões e empregados. Esse fenômeno de fragmentação dificulta a organização dos trabalhadores, que se encontram divididos em categorias e subcategorias com diferentes bases de representação e, consequentemente, diferentes condições de trabalho.
A comparação entre os direitos garantidos pela CLT e a realidade das novas relações de trabalho evidencia o quanto a flexibilização das normas laborais pode levar à precarização. Enquanto a CLT garante uma série de benefícios e proteções que visam garantir a dignidade do trabalhador, as novas formas de contratação priorizam a flexibilidade em detrimento da segurança.
6. CRÍTICAS ÀS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO BRASIL
Promulgada no Brasil como um marco de flexibilização das leis laborais, a Reforma Trabalhista exemplifica uma onda de reformas estruturais voltadas para adequação dos países periféricos às exigências do mercado global e do capital transnacional. Este modelo não representa um projeto emancipatório, mas sim um mecanismo para perpetuar as estruturas de dependência e subordinação econômica das nações periféricas frente aos centros do capitalismo global. No Brasil, ao invés de cumprir a promessa de gerar crescimento econômico sustentável e equilibrado, a reforma trabalhista trouxe precarização e insegurança para a classe trabalhadora, intensificando as dinâmicas de exploração e precarização das condições de vida dos trabalhadores (HARVEY, 2007; POCHMANN, 2014).
As instituições fundadas a partir do Consenso de Washington têm desempenhado um papel crucial na disseminação de reformas neoliberais em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. A lógica estruturalista entende que estas reformas não são meras adaptações econômicas, mas sim estratégias de submissão das economias periféricas aos interesses do capital estrangeiro, disfarçadas, como anteriormente, como uma "modernização" das legislações laborais, fiscais e, ou tributárias (WORLD BANK, 2017).
O relatório “Um Ajuste Justo”, elaborado pelo Banco Mundial, oferece uma análise das despesas públicas brasileiras sob a ótica de contenção e eficiência, sugerindo a redução de benefícios sociais e flexibilização de vínculos trabalhistas como forma de ajustar o déficit fiscal brasileiro. Essa perspectiva reflete uma visão neoliberal que considera os direitos sociais como barreiras ao desenvolvimento econômico e propõe a redução do papel do Estado como meio de facilitar a entrada do capital privado nas economias nacionais. No entanto, tais reformas, como observado na experiência brasileira, resultam em uma formalização precária, em que o trabalhador é exposto a um mercado de trabalho flexível, mas carente de direitos e proteções (GALEANO, 2008).
Essas reformas representam a intensificação da “acumulação por despossessão”, na qual o trabalhador perde direitos para que o capital internacional amplie sua margem de lucro. Em vez de promover a emancipação econômica, as reformas trabalhistas tornam a força de trabalho mais vulnerável e sujeita às oscilações do mercado, retirando o Estado do papel de mediador e protetor das condições de trabalho, o que fortalece a dinâmica exploratória das empresas (MARX, 1867 [2023]).
Essa estratégia de mascaramento da informalidade faz parte de uma lógica de controle social, em que a flexibilização se transforma em um mecanismo de disciplinarização da força de trabalho. Ao regulamentar novos vínculos precários, o Estado legaliza práticas antes vistas como informais e oferece um alívio estatístico, mas sem mudanças significativas para a classe trabalhadora. Para os teóricos marxistas, esse processo representa a transformação do trabalhador em um “exército de reserva” para o mercado, que pode ser utilizado e descartado conforme as necessidades do capital, perpetuando o ciclo de pobreza e exploração (MARX, 1867 [2023]).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo examinar o impacto da reforma trabalhista de 2017 no Brasil, com ênfase na precarização das condições de vida dos trabalhadores e na perda de direitos historicamente conquistados. A partir de uma análise crítica baseada nas teorias marxistas e estruturalistas, especialmente aquelas que tratam da alienação do trabalhador no sistema capitalista, é possível identificar como flexibilização das leis trabalhistas promovem não apenas uma perda de direitos, mas também um distanciamento entre o trabalhador e o próprio processo de trabalho.
De acordo com Marx (1867), a alienação é intensificada quando o trabalhador perde o controle sobre o processo de produção e se vê “separado” da própria essência do trabalho, passando a ver-se apenas como uma mercadoria a ser utilizada conforme a necessidade do capital. Essa nova configuração do mercado de trabalho brasileiro força o trabalhador a se ajustar a demandas intermitentes, criando uma classe laboral constantemente disponível, mas sem garantias básicas de subsistência.
Esses processos não só intensificam tal alienação, mas fraturam a classe trabalhadora, e, a união da classe trabalhadora é essencial para a superação da exploração capitalista, uma vez que a classe só pode se emancipar se atuar coletivamente em defesa de seus interesses. No entanto, ao enfraquecer os sindicatos, a reforma trabalhista no Brasil desarticula essa unidade, transformando a classe trabalhadora em um conjunto de indivíduos isolados e alienados, que competem entre si e, assim, tornam-se mais suscetíveis à exploração. Esta alienação coletiva da classe impede a construção de um projeto emancipatório que seja capaz de romper com a lógica neoliberal e de construir uma alternativa ao sistema de exploração.
Conclui-se, portanto, que a reforma trabalhista não representa uma modernização positiva das leis laborais, mas sim uma ferramenta de disciplinamento e controle da força de trabalho, que reforça a alienação ao retirar dos trabalhadores o controle sobre suas condições e produtos de trabalho. A reversão deste cenário exige a construção de políticas que garantam direitos básicos a todos os trabalhadores e promovam a união da classe trabalhadora, única forma de superar a alienação e criar um mercado de trabalho justo e equilibrado, onde a dignidade humana seja preservada.
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1 Discente do Curso Superior de Relações Internacionais do Instituto de Educação Superior de Brasília Campus Campus Edson Machado. e-mail: [email protected]
2 Docente do Curso Superior de Relações Internacionais do Instituto de Educação Superior de Brasília Campus Campus Edson Machado. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). e-mail: [email protected]
3 Liderado pelo ex-Presidente Michel Temer (MDB)
4 As atividades-fim referem-se às funções ou atividades principais de uma empresa, ou seja, aquelas diretamente relacionadas ao seu objeto social e ao produto ou serviço que ela oferece ao mercado. São as atividades essenciais que caracterizam a empresa e definem sua razão de existir.
5 Número registrado entre novembro e dezembro.