O ESTUPRO NA FORMA DE ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO CARNAL: DESPROPORCIONALIDADE DA PENA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13801439
Gabriele Soares Batista1
Márcia Pruccoli Gazoni Paiva2
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar a proporcionalidade das penas previstas para condutas específicas em crimes sexuais, como ato libidinoso com foco no estupro, e especialmente no estupro de vulnerável. O estudo aborda o princípio da proporcionalidade em suas diversas dimensões e sua interação com o direito penal, os princípios constitucionais e o Estado Democrático de Direito. Examina a desproporcionalidade das penas para certas condutas, consideradas de menor gravidade, como o beijo lascivo e o toque de natureza sexual, e apresenta a posição da jurisprudência e do direito comparado sobre o tema. O trabalho visa elucidar conceitos do direito penal material relacionados ao crime de estupro e sua conexão com o princípio da proporcionalidade, discutindo aspectos legislativos da Lei nº 12.015/2009, assim como os conceitos de ofensa ao bem jurídico, condutas tentadas e consumadas, e as penas correspondentes. Além disso, analisa as consequências da violação de direitos, os aspectos sociológicos envolvidos e a questão da pena em termos temporais. Também explora a aplicação jurisprudencial do instituto da tentativa, como uma forma de relativizar o rigor penal, examinando a postura do legislador a esse respeito.
Palavras-chave: Ato Libidinoso, Pena, Estupro e Proporcionalidade
ABSTRACT
The objective of this paper is to analyze the proportionality of the penalties provided for specific conduct in sexual crimes, such as lewd acts with a focus on rape, and especially on the rape of a vulnerable person. The study addresses the principle of proportionality in its various dimensions and its interaction with criminal law, constitutional principles and the Democratic Rule of Law. It examines the disproportionality of penalties for certain conducts, considered to be of lesser gravity, such as lascivious kissing and touching of a sexual nature, and presents the position of case law and comparative law on the subject. The paper aims to elucidate concepts of substantive criminal law related to the crime of rape and its connection with the principle of proportionality, discussing legislative aspects of Law No. 12.015/2009, as well as the concepts of offense to the legal interest, attempted and completed conducts, and the corresponding penalties. In addition, it analyzes the consequences of the violation of rights, the sociological aspects involved and the issue of punishment in temporal terms. It also explores the jurisprudential application of the attempted crime institute, as a way of relativizing criminal severity, examining the legislator's stance in this regard.
Keywords: Lewd Act, Punishment, Rape and Proportionality.
1 INTRODUÇÃO
Com a implementação da Lei nº. 12.015, de 7 de agosto de 2009, ocorreram várias modificações nas condutas tipificadas como crimes sexuais. Essas modificações foram necessárias para acompanhar as mudanças constantes que ocorrem na sociedade. Um exemplo de alteração que a referida lei trouxe é a demarcação do ato libidinoso inserido na composição do art. 213 do Código Penal de 1940, que passou a ser considerada como estupro.
As notícias de abuso sexual são frequentes no Brasil, muitas vezes ocorrendo dentro do ambiente familiar, onde a maioria dos agressores faz parte do círculo próximo das vítimas. Esses crimes variam amplamente, desde atos libidinosos e conjunção carnal. Os agressores utilizam diversas estratégias para alcançar seus objetivos, podendo influenciar a vítima e até oferecer recompensas para coagi-la a participar do ato. O estupro e o estupro de vulnerável, são de extrema relevância no contexto jurídico e social contemporâneo, dado seu impacto profundo na dignidade humana e na integridade física e emocional das vítimas. A compreensão e a abordagem desses delitos exigem uma análise cuidadosa dos aspectos legais, sociais e psicológicos envolvidos, bem como a consideração da proporcionalidade na aplicação das penas.
A recente legislação tem causado preocupação quanto à desproporcionalidade da pena atribuída ao crime de estupro de vulnerável, na forma de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. No entanto, essa mudança gerou preocupações quanto à desproporcionalidade das penas aplicadas ao crime, o que pode resultar em uma desigualdade punitiva, em especial quando se trata de atos libidinosos que não envolvem conjunção carnal. A discrepância nas penas pode resultar em um tratamento desigual de condutas que, apesar de semelhantes em termos de impacto psicológico e emocional para a vítima, são penalizadas de forma distinta, gerando discussões sobre a justiça e a equidade na aplicação das sanções penais.
A pesquisa que se pretende realizar seguirá a metodologia qualitativa, bibliográfica, e explicativa, por meio de busca de conceitos de determinados termos jurídicos, com o entendimento de doutrinadores, jurisprudência, com o fim de demonstrar o modo como têm se posicionado os Tribunais Superiores e dos Estados sobre essas questões, que serão levantadas no decorrer da pesquisa.
2 ESTUPRO
Conforme estabelecido pela redação da Lei nº 12.015/2009, o art. 213 do Código Penal de 1940 define como crime de estupro o ato de coagir alguém, por meio de violência ou grave ameaça, a realizar ato sexual ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, cuja pena é reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos (BRASIL, 1940).
O novo dispositivo legal, portanto, abrange diversas situações que não se encaixariam na definição original do crime de estupro, o qual visa proteger a liberdade sexual da mulher, especificamente o direito de não ser forçada a manter relação sexual. Assim a característica essencial do crime de estupro é o constrangimento da mulher para a prática de conjunção carnal, representado pela introdução forçada do órgão genital masculino na cavidade vaginal, ocorrendo, assim, a consumação do crime. (CAPEZ, 2019).
A vítima é coagida e obrigada a realizar o ato sexual no crime de estupro. Os meios de execução envolvem a violência, como a agressão e a força física, para que a vítima seja dominada e se submeta à conjunção carnal ou a outro ato de libidinagem. Além disso, a grave ameaça é dirigida diretamente à vítima, podendo ocorrer também a tentativa do crime, e, por circunstâncias alheias, o ato pode não ser consumado. Trata-se de um crime comum, em que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tanto homem quanto mulher, e admite coautoria e participação. O sujeito passivo pode ser homem ou mulher (GONÇALVES, 2018).
O estupro é considerado um dos crimes mais graves estipulados pelo Código Penal de 1940, sendo classificado como um crime hediondo. Esse delito pode ocorrer tanto por meio de violência física evidente, caracterizando-se como agressão, quanto de maneira presumida, em casos envolvendo menores de 14 anos, pessoas com deficiência mental ou indivíduos incapazes de oferecer resistência (CAPEZ, 2012).
De acordo com a Lei nº 12.015 de 2009, o estupro passou a ser considerado hediondo devido à gravidade da violação, sendo o elemento subjetivo o dolo, acarretando todas as consequências legais atribuídas a esse tipo de crime. Além disso, a referida lei alterou o Título VI, do Código Penal, antes designado como "Dos Crimes Contra os Costumes", para "Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual". Portanto, é evidente que o estupro agora engloba a realização de qualquer ato libidinoso, independentemente se envolver ou não conjunção carnal, ampliando assim sua proteção legal, para incluir não apenas a liberdade sexual da mulher, mas, também, a do homem (BRASIL, 1940).
A violência, de um modo geral, é compreendida como:
Uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações (OMS, 2002, p. 5).
A nova redação do crime em análise trouxe mudanças significativas para o sentido do delito, ajustando-o à realidade da sociedade contemporânea. Passou-se a enquadrar a conduta de coagir qualquer pessoa, seja homem ou mulher, a manter relação sexual ou praticando ou consentindo em outro ato libidinoso. Assim, algumas condutas que, anteriormente, constituíam o crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal de 1940), agora abolido pela Lei nº 12.015/2009, passaram a ser consideradas como estupro, sem implicar em abolitio criminis. Ocorreu uma grande mudança de tipificação, em que a conduta, antes enquadrada como atentado violento ao pudor, agora, também, passou a se configurar como estupro, sujeita à mesma penalidade (NUCCI, 2011).
Dessa mesma forma, o que os Tribunais Superiores denominaram como continuidade normativa típica ocorreu, ou seja, os atos libidinosos e a conjunção carnal, que, anteriormente, eram crimes distintos, passaram a ser considerados um único crime, de acordo com o entendimento predominante, como um tipo misto alternativo, ou de conteúdo variado. Portanto, a prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso contra a mesma vítima, no mesmo contexto, constitui um único crime (CAPEZ, 2019).
Para tanto, a ação de constranger tem o significado de forçar e coagir a vítima a cometer a conjunção carnal, praticando ou permitindo que realize ato libidinoso. A conjunção carnal nada mais é que a penetração na vagina. O ato libidinoso, entende-se por outras maneiras de praticar o ato sexual que não envolvam a penetração vaginal. Estas incluem atividades sexuais não convencionais, como por exemplo sexo oral e sexo anal. Pode-se dizer que um comportamento libidinoso é aquele voltado para satisfazer os desejos sexuais e satisfazer a lascívia. Este é um conceito amplo, pois abarca qualquer ação com conotação sexual que tenha como objetivo final a gratificação da libido. Este ato pode ser constituído sem o contato direto com os órgãos sexuais, como, por exemplo, a masturbação na vítima (PRADO, 2019).
Conforme Capez (2019), não há de se falar em delito se o agente no ato da masturbação forçar a vítima a apreciar, pois nesse caso não houve crime algum, já que não ocorreu a participação física da vítima, passiva ou ativa, na realização do ato libidinoso. Neste sentido, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
Penal. Recurso Especial. Atentado violento ao pudor. Ausência de contato físico entre o agente e a vítima. Não caracterização do crime. Para a caracterização do crime de atentado violento ao pudor é imprescindível que o agente, na realização do ato libidinoso, mantenha contato corporal com a vítima, pois, sem a sua participação física ativa ou passiva, o delito não se configura. Não comete o crime tipificado no art. 214, CP, o ancião que, em face da recusa da vítima, menor de 7 anos, em tocar seu membro viril, masturba-se em sua presença. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 6º Turma, REsp 63.509-RS, Rel. Vicente Leal, DJU, 3-3-1997).
A prática de qualquer ato libidinoso diverso da conjunção carnal, contra a vontade da vítima, constituiu atentado violento ao pudor (art. 214), transformado em uma das modalidades de estupro (Lei n. 12.015/2009). Ressalte-se que, na prática do beijo lascivo, na prática de apalpar os seios das vítimas, quando elas estão vestidas, isso é um ato libidinoso diverso da conjunção carnal, na qual o agente utiliza a violência ou grave ameaça (BITENCOURT, 2020).
ESTUPRO DE VULNERÁVEL
O Direito Penal, especialmente no contexto dos "Crimes Contra a Dignidade Sexual", visa proteger a dignidade sexual, ao abordar o estupro de pessoas vulneráveis, sendo que a dignidade sexual é um elemento legalmente protegido (GRECO 2011). Para o regulador penal, mesmo que seja claro que a vulnerabilidade sexual da pessoa seja intensificada, isso não justifica o estupro. Como mencionado por Nucci (2020), a proteção dos interesses tutelados pelas normas criminais se relaciona diretamente com a liberdade sexual.
O crime de estupro de vulnerável contra indivíduo sem capacidade ou possibilidade de consentir, perpetrado com violência presumida, não está mais abrangido pelo art. 213 do Código Penal de 1940. Ele agora constitui um crime autônomo, definido pelo artigo 217-A, denominado "estupro de vulnerável". Confome consta no artigo 217-A do Código Penal de 1940, estupro de vulnerável é o ato de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos, cuja a pena é de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão (BRASIL, 1940).
No artigo em questão, a tutela penal tem por objetivo proteger a liberdade sexual em seu sentido mais abrangente. Principalmente a integridade ou inviolabilidade sexual das pessoas vulneráveis, que incluem os menores de 14 anos e aqueles que, devido a doença, deficiência mental ou outra condição, não possuem capacidade suficiente para consentir, de forma válida, em relação à prática de qualquer ato sexual, ou que, por qualquer motivo, não podem resistir a tal prática (PRADO, 2019).
Com a reforma estabelecida pela Lei nº 12.015/09, o crime de estupro é composto em Sujeito Ativo e Sujeito Passivo. O sujeito ativo é qualquer pessoa, ou seja, crime comum. Além do mais, o novo tipo penal contém não apenas a prática de conjunção carnal, mas também qualquer outro ato libidinoso, permitindo assim que qualquer um dos gêneros seja autor deste crime. Em relação ao estupro de vulnerável, se o agente for menor de 18 anos e, portanto, penalmente inimputável, ele comete um ato infracional análogo a um delito hediondo, submetendo a medidas socioeducativas conforme previstas no ECA (CAPEZ, 2019).
Já o sujeito passivo, é a vítima, ou seja, a pessoa que sofre com o ato de violência sexual. Como é um crime comum, pode ser qualquer pessoa, que não possa resistir à prática do ato e que esteja em situação de vulnerabilidade, seja por enfermidade ou deficiência mental, não possuindo discernimento para consentir no ato. Logo, tanto homens, quanto mulheres, podem estar na condição de sujeito passivo dessa forma de crime (CAPEZ, 2012).
As condutas tipicamente consideradas são a conjunção carnal, que se refere à relação sexual, ou a prática de outro ato libidinoso, englobando uma gama de atividades sexuais, desde beijos lascivos até penetração anal. A condição de vulnerabilidade da vítima é um elemento essencial para a caracterização desse delito, pois não são exigidos elementos como violência ou grave ameaça. Portanto, é irrelevante o consentimento eventualmente dado, em casos envolvendo idade ou deficiência mental (ESTEFAM, 2023).
Para Nucci (2011), o elemento subjetivo do tipo é o dolo específico, que obrigatoriamente envolve a intenção de satisfazer o desejo sexual. O agente deve estar integralmente consciente da condição que se encontra a vítima. A legislação eliminou a presunção de violência ou grave ameaça como elemento normativo do tipo penal. Sendo assim, para configuração desse novo crime, basta que o agente tenha sapiência de que a vítima é menor de 14 anos e decida praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com ela.
O momento consumativo do delito ocorre no momento que o agente pratica qualquer um dos atos sexuais, referido no tipo penal em análise. É importante destacar que, a tentativa ocorre quando o agente tenta realizar um ato sexual específico e não consegue, realizando depois outros atos preliminares que configuram atos libidinosos, sendo assim, o crime estará consumado. Nesse caso, se o agente tenta praticar a penetração e não consegue, mas realiza toques na genitália da vítima ou sexo oral, a partir disso o crime será considerado consumado, pois os atos praticados já são suficientes para configurar o ato libidinoso (CAPEZ, 2019).
Ademais, o artigo 217-A do Código Penal, trata do estupro de vulnerável, estabelecendo diferentes penas, conforme as circunstâncias do crime. No § 3º, está prevista a pena de reclusão de 10 a 20 anos, se da conduta resultar lesão corporal grave. Já no § 4º, a pena é de reclusão de 12 a 30 anos, se resultar na morte da vítima. Com a entrada em vigor da Lei nº 13.718/2018, foi incluído o § 5º ao artigo 217-A, que estabelece que as penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º são aplicáveis independentemente do consentimento da vítima ou de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime (BRASIL, 1940).
Pode suceder o concurso das causas de aumento de pena entre os artigos mencionados. Nos termos do parágrafo único, do art. 68 do Código Penal, o juiz pode limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua (CAPEZ, 2019).
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS RELACIONADOS À APLICAÇÃO DA PENA
Os princípios constitucionais penais que regem a aplicação das penas são fundamentais para assegurar que o sistema de justiça criminal opere de maneira justa e equitativa. No contexto brasileiro, esses princípios estão intrinsecamente ligados aos direitos fundamentais e à proteção da dignidade humana. Os princípios relacionados à aplicação da pena não apenas orientam o poder estatal na administração da justiça criminal, mas também garantem os direitos fundamentais dos indivíduos e fortalecem o Estado Democrático de Direito, ao promover um sistema de justiça justo, humanitário e eficaz.
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, segundo Bonifácio (2008), é um dos princípios com maior grau de indeterminação e também uma das fontes mais frequentemente consultadas na Constituição, principalmente por justificar as medidas adotadas pelo Estado Democrático de Direito em defesa dos direitos fundamentais. Ele estabelece uma sequência lógica e jurídica, dentro de um modelo democrático orientado para a justiça social, proporcionando uma interpretação coesa à Constituição, e realizando uma avaliação de valores considerando as normas e princípios constitucionais.
A dignidade da pessoa humana é, sem dúvida, o mais crucial dos princípios constitucionais, embora não seja um princípio estritamente penal, sua posição de alta hierarquia e importância destacada no sistema jurídico, exige que seja tratado com a máxima consideração. Na Constituição, elege-se como base da República, juntamente com a soberania, a cidadania, os princípios sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político (art. 1º). Refere-se a conceder ao Estado Democrático de Direito uma perspectiva centrada no ser humano, reconhecendo o indivíduo como o objetivo primordial da ação estatal. Como um princípio inalienável, à dignidade humana exerce profunda influência na estruturação das sociedades e na formulação das leis e políticas (ESTEFAM, 2023).
Princípio da Legalidade
O Princípio da Legalidade, é o princípio que norteia as aplicações da pena. Encontra-se no art. 5º, XXXIX da Constituição Federal, que diz: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; esse princípio é um dos mais importantes do Direito Penal. A partir dele, a lei é considerada como um fator muito importante, pois ela é a base para o funcionamento ordenado e justo da sociedade, promovendo a convivência pacífica e a justiça social. Assim, pode-se definir como uma fonte do direito penal que pode ditar condutas sob ameaça de punição (GRECO, 2022).
De maneira simplificada, Bittencourt (2020) pode-se afirmar, segundo o princípio da legalidade, que a criação de regras, estabelecem que os crimes é responsabilidade exclusiva da legislação; isto é, nenhum evento pode ser caracterizado como delito e nenhuma punição penal pode ser imposta, sem que haja previamente uma lei que o defina como tal e estipule a respectiva penalidade.
Através da legislação, há a certeza jurídica de que o indivíduo não será penalizado caso não exista uma norma legal estabelecendo o crime, ou seja, especificando as ações vedadas (feitas ou deixadas de fazer) que são sujeitas a punição. Não se menciona a ocorrência de delito se não existir uma legislação que o tipifique como tal. O princípio da legalidade possui quatro funções fundamentais que são elas: 1º - proibir a retroatividade da lei penal, porém a lei penal não retroage, salvo se for para beneficiar o réu; 2º - proibir a criação de crimes e penas pelos costumes; 3º - proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar o agravar penas; 4º - proibir incriminações vagas e indeterminadas (GRECO, 2022).
Esse princípio, constitui uma verdadeira limitação do poder punitivo estatal, celebrado por Feuerbach, no início do século XIX, pela fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine lege (Não há crime, nem pena, sem prévia lei), encontra-se no art. 5º, XXXIX da Constituição Federal. No que tange às penas, o princípio da reserva legal, determina que nenhuma conduta pode ser considerada crime ou passível de pena sem que haja uma lei prévia que a defina desta forma, somente a lei pode consumar a pena.
Princípio da Pessoalidade da Pena
Por meio desse princípio, evita-se a penalização por ato de terceiros, ou seja, somente o autor da infração penal pode ser objeto de punição: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (art. 5.º, XLV, CF), (PRADO, 2019).
Desta forma, “a sanção penal não pode ser aplicada ou executada contra quem não seja o autor ou partícipe do fato punível.” (DOTTI, 2001, p.65). Assim, a característica relatada está justificada no fato de que “a pena é um medida de caráter estritamente pessoal, em virtude de consistir numa ingerência ressocializadora sobre o apenado” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006). A culpabilidade penal é sempre individual, pertinente ao ser humano, e unicamente de sua conduta ou omissão, não sendo aceita qualquer outra forma ou tipo por exemplo, por ato de terceiro, por representação, pelo resultado etc (PRADO, 2019).
Princípio da Individualização da Pena
Esse princípio encontra-se no art. 5º, XLVI da Constituição Federal, a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: privação ou restrição da liberdade; perda de bens; multa; prestação social alternativa; suspensão ou interdição de direitos (BRASIL, 1988). Na redação original consta no art. 2º, §1º, da Lei nº 8.072/90, que estabelecia que o indivíduo condenado por crimes hediondos e similares deveria cumprir sua pena em regime completamente fechado. Portanto, não era possível a movimentação entre regimes penais, como descreve Brasileiro (2020).
O princípio da individualização da pena visa assegurar que a sanção seja equitativa e proporcional ao delito praticado e às circunstâncias pessoais do transgressor. Este princípio busca uma penalidade que seja apropriada e individualizada, evitando, desse modo, o tratamento genérico e impessoal dos condenados. Dividido em três pilares: a Cominação, é quando o legislador, seguindo um critério político, avalia os bens que o direito penal visa proteger, determinando as penas para cada infração penal com base na sua relevância e gravidade; a Aplicação, a qual compete, ao julgador, ou seja, ao aplicador da lei. A individualização sai do plano abstrato e passa para o plano concreto; a última é a Execução, que está conforme o art. 5º da LEP, “Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal. “(GRECO, 2022).
Princípio da Proporcionalidade
O Princípio da Proporcionalidade é um importante pilar, utilizado para avaliar a validade e adequação das medidas tomadas pelo Estado. Ele estabelece que qualquer intervenção estatal deve ser necessária e adequada para alcançar seus objetivos, sem impor ônus desnecessários ou desproporcionais aos direitos individuais ou coletivos dos cidadãos. Embora não esteja explicitamente mencionado na Constituição Federal do Brasil, é amplamente reconhecido e aplicado pelo Supremo Tribunal Federal, como uma garantia constitucional implícita. Em outras palavras, a proporcionalidade exige que as ações governamentais sejam equilibradas, razoáveis e proporcionais à gravidade do problema enfrentado, garantindo, assim, o respeito aos princípios fundamentais de justiça e igualdade perante a lei (LOPES, 2020).
Apesar de sua origem ter raízes na Antiguidade, foi a partir do Iluminismo, especialmente através de Cesare Beccaria, na sua obra Dos delitos e das penas, que o princípio da proporcionalidade se estabeleceu como um fundamento penal legítimo. Para Beccaria, as sanções estabelecidas pela lei devem guardar proporção com os crimes cometidos e, em certo sentido, com o prejuízo causado à sociedade (GRECO, 2022). Como diz Beccaria (1764), dano à sociedade é a verdadeira medida dos crimes.
Para além da eficácia da pena na proteção do bem jurídico, a idoneidade implica que ela seja "adequada em termos qualitativos para alcançar o objetivo" e também que seja viável de ser realizada através de regras processuais e de execução penal. O princípio da razoabilidade, em seu sentido mais específico, requer uma conexão axiológica e, consequentemente, ajustável, entre a conduta realizada e a sanção legal/efeito jurídico, destacando-se a proibição de qualquer exagero. Assim, no que diz respeito à proporcionalidade entre os crimes e as sanções, é crucial haver sempre um justo equilíbrio - tanto de forma abstrata (pelo legislador) quanto concreta (pelo juiz) - entre a seriedade do ato ilícito cometido, do delito penal (desvalor da conduta e desvalor do resultado), e a pena estabelecida ou aplicada (PRADO, 2019).
Em síntese, a sanção deve ser proporcional ou adequada à gravidade ou extensão do dano ao bem jurídico causado pelo crime e a medida de segurança à periculosidade criminal do indivíduo. Destaca-se, o significativo papel desempenhado pela proporcionalidade em assuntos criminais, na ligação entre sanção e responsabilidade e na definição dos conceitos de defesa justa e de emergência, que solucionam o conflito de direitos no campo penal. A desproporcionalidade da pena ocorre quando há um desequilíbrio evidente entre a gravidade do delito e a severidade, da pena aplicada, como, por exemplo, na situação referente ao beijo lascivo, e estupro. Isso pode ocorrer em situações onde a punição é excessivamente severa para o crime cometido, violando, assim, o princípio da proporcionalidade (PRADO, 2019).
ESTUPRO DE VULNERÁVEL: A visão da doutrina sobre a Desproprocionalidade da pena
Os beijos de caráter lascivo, carícias intensas, toques em regiões íntimas, compõem os chamados "atos libidinosos distintos da conjunção carnal", sustentado por Cezar Roberto Bitencourt . O autor ainda ressalta que a disparidade entre a severidade e a censura do sexo anal e oral em relação a outros atos libidinosos é imensuravel, carecem de uma gravidade desproporcional (CAPEZ, 2019). Por pior que seja o beijo e por mais feia que seja a pessoa que o forçou, não pode condenar alguém por esse fato a cumprir uma pena de, pelo menos, 6 (seis) anos de reclusão, isto é, com a mesma gravidade que se pune um homicida (GRECO, 2022).
Afirma Damasio de Jesus que o beijo lascivo "caracteriza estupro quando há violência ou grave ameaça". Já Luiz Regis Prado também argumenta que o beijo lascivo ou com língua, forçado pela violência, tem menor gravidade penal em comparação ao coito anal. No entanto, ainda é considerado estupro de acordo com a legislação brasileira, e essa diferença deve ser levada em conta na dosimetria da pena. Como por exemplo, em uma situação em que o indivíduo entra na prisão e comenta com os detentos que está ali cumprindo uma pena de seis anos por ter forçado um beijo. No entanto, o Direito Penal não pode tratar dessa forma alguém cujo comportamento, não alcança a gravidade exigida pelo tipo penal previsto no art. 213 do Código Penal, sendo uma desproporcionalidade gigantesca (GRECO, 2022).
Sob a perspectiva constitucional, a desproporcionalidade entre o bem jurídico protegido e a natureza ou a extensão da pena, é incompatível com os princípios que garantem a justiça e a igualdade substancial. Quando uma sanção é desproporcional, ela configura uma clara injustiça comparativa, o que fere o princípio da proporcionalidade (PRADO, 2014).
É relatado por Estefam e Gonçalves (2023) que no Direito Penal atual, o sistema é fragmentado e carece de coerência, com a presença de muitos tipos penais desnecessários e a imposição de penas desproporcionais. Além disso, existem casos em que o juiz precisa reclassificar certas condutas para evitar uma flagrante desproporção entre a pena estabelecida e a pequena gravidade do ato cometido. Diante do cenário legislativo atual relativo aos crimes sexuais, poderia haver uma reclassificação do beijo lascivo na boca da vítima do crime de estupro (CP, art. 213) para o delito de importunação sexual (CP, art. 215-A), resultando em uma definição mais justa e alinhada com a gravidade real do ato.
Na visão da Jurisprudência Pátria
O caso a seguir, foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), destaca-se Acórdão proferido em 15/12/2011, assim ementado:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. TENTATIVA RECONHECIDA. PENA REDUZIDA. SATISFAÇÃO DA LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE MENOR. CONDENAÇÃO MANTIDA.
Autoria e materialidade comprovadas pelo conjunto probatório. Réu confesso. A palavra da vítima assume especial relevo nos crimes contra os costumes, mormente quando corroborada por outros elementos de prova como no caso dos autos. Condenação mantida. Tentativa reconhecida ao delito de estupro de vulnerável. Apelo parcialmente provido. Unânime.
(Apelação Crime, Nº 70046084836, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em: 15-12-2011).
Trata-se de uma Apelação Crime na Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, o processo é o nº 70046084836. A denúncia pelo Ministério Público de I.J.S (réu primário) nas sanções do Art. 217-A do Código Penal de um fato relativo a primeira vítima vulnerável do sexo feminino (Ka.A.- 13 anos) , e do Art. 218-A Código Penal, em relação a segunda vítima vulnerável do sexo feminino (Ke. A.- 11 anos), na forma do Art. 69 do Código Penal. A denúncia, em relação à primeira vítima, faz referência a passada de mão nos seios sobre a roupa, e em relação à segunda vítima, referente a exibição do pênis e masturbação na frente da vítima.
O acórdão no segundo grau reforma a sentença de primeiro grau, e à unanimidade dá parcial provimento a um dos pedidos de tentativa, para reconhecer a forma tentada com a redução penal de 10 anos em regime inicial fechado, para 4 anos e 8 meses em regime inicial semi-aberto. A aplicação da tentativa como forma de reduzir a desproporcionalidade do quantum penal. Os fundamentos do acórdão faz menção a menor lesividade da conduta, ao abalo a isonomia, e a ofensa ao princípio da proporcionalidade:
[...] os atos praticados pelo acusado (apalpar de mamas) têm lesividade muito inferior à do estupro consumado, ou de qualquer das possibilidades mais graves de cometimento do atentado violento ao pudor[...].é reconhecer, para estes casos, a forma tentada do delito [...]. Para o enquadramento do fato no tipo do artigo 217-A do CP, na modalidade consumada, em razão da prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, imprescindível tenha ele gravidade equiparável à conjunção carnal forçada, pena de inadmissível abalo à isonomia, proporcionalidade [...] Situações diversas exigem tratamento distinto [...], fundamentalmente na aplicação da pena.
[...] há de se diferenciar o delito consumado daquele em que não houver introdução, seja do membro viril, dos dedos ou, ainda, de objetos fálicos, em quaisquer orifícios corporais da vítima.”[...] agora estupro,[...] neste caso [...], ofende o princípio da proporcionalidade e, por isso, reconhece-se a forma tentada.
O Desembargador relator Cláudio Baldino Maciel, reconheceu a aplicação do instituto “tentativa” no ato libidinoso como a forma jurídica encontrada pelo Colegiado, para amenizar a pena na falta de simetria de gravidade entre a conduta de ato libidinoso.
O caso a seguir, foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), especificamente pela Sétima Câmara Criminal, na qual o relator do processo foi o Desembargador Volcir Antônio Casal. A seguir, será demonstrado a Ementa do Acordão proferida pelo TJRS, que reconheceu como uma minorante da tentativa com fundamento no princípio da proporcionalidade.
Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL, ART. 217-A, NA FORMA DO ART. 71, CAPUT, E ART. 226, INC. II, TODOS DO CP. CONDENAÇÃO. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR.
CERCEAMENTO DE DEFESA. Inexiste cerceamento de defesa em razão da perícia psicológica ter sido realizada no âmbito da investigação preliminar, pois o contraditório é diferido e exercido pelo acusado em momento posterior. MÉRITO. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. A prática delitiva foi demonstrada pelo relato das vítimas, os quais se mantiveram firmes e coerentes em todas as etapas da persecução penal, confirmando a prática delitiva. RECONHECIMENTO DA MINORANTE DA TENTATIVA COM FUNDAMENTO NO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A proporcionalidade está em nosso sistema como verdadeiro princípio geral de direito. É razoável e jurídica a aplicação da minorante da tentativa, para evitar o excesso punitivo, quando a conduta praticada envolver ato libidinoso em que seja desproporcional o apenamento cheio. Precedente do STJ refutando o punitivismo exacerbado. Precedentes deste colegiado. DOSIMETRIA DA PENA. Reduzida a pena na fração de metade, pelo reconhecimento da minorante genérica da tentativa.
(TJ/RS - Apelação Criminal, Nº 70085134930, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Volcir Antônio Casal, Julgado em: 24-09-2021) (grifo nosso).
Trata-se de Apelação Criminal julgada pelo Tribunal de Justiça, sobre a conduta envolvendo estupro e ato libidinoso. O crime de que se trata, é o estupro de vulnerável, tipificado no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, e foi analisado também sob as formas previstas pelos artigos 71, caput, e 226, inciso II, todos do Código Penal. Na sentença de primeira instância, o juiz condenou o réu por estupro de vulnerável, um crime que envolve a prática de atos libidinosos com uma pessoa em condição de vulnerabilidade. No caso em tela, o denunciado praticou ato libidinoso com a vítima para satisfazer sua lasciva. O magistrado aplicou uma pena inicial, cumprindo o seu papel, empregando a condenação que é relativa a esse crime ocorrido.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao analisar o recurso da defesa, reconhecendo a pena aplicada, evitou-se um excesso punitivo que seria desproporcional ao ato libidinoso em questão. Foram acordados os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso, redimensionando a pena privativa de liberdade, reduzida a pena na fração de metade, pelo reconhecimento da minorante genérica da tentativa.
Essa Ementa no mesmo sentido, destaca-se a seguinte decisão que foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), especificamente pela Sexta Turma, na qual o relator do processo foi o Ministro Sebastião Reis Júnior. Em seguida, será apresentada a Ementa do Acórdão proferida pelo STJ, onde foi julgado um recurso especial, para alterar a tipificação do delito e redimensionar a pena de liberdade do recorrido nos termos da presente decisão.
RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLAÇÃO DO ART 14, I E II, DO CP. PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. CONSUMAÇÃO CONFIGURADA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA FORMA TENTADA. PROCEDÊNCIA. NOVATIO LEGIS IN MELLIOS. VERIFICAÇÃO. OCORRÊNCIA. TIPO PENAL ADEQUADO AO CASO CONCRETO: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (ART. 215-A DO CP). HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO. APLICAÇÃO DO ART.
654, § 2º, DO CPP. REDIMENSIONAMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, QUE SE IMPÕE.
1. É narrado na exordial acusatória que o increpado aproveitou do momento em que a mãe da vítima (S B da S) não estava presente no recinto (saiu para buscar o filho na APAE), para submeter a vítima à prática de atos libidinosos diversos, consistente em o increpado passar as mãos pelo corpo da infante (pernas e nádegas), bem como ao entorno da vagina da adolescente, no intuito de satisfazer sua lascívia, sem penetração, enquanto esta tentava em vão se desvencilhar do ofensor.
2. Diante da inovação legislativa, apresentada pela Lei n. 13.718, de 24 de setembro de 2018, foi criado o tipo penal da importunação sexual, inserida no Código Penal por meio do art. 215-A. A conduta do recorrido, conforme descrita na inicial acusatória, consistente em passar as mãos pelo corpo da infante (pernas e nádegas), bem como ao entorno da vagina da adolescente, no intuito de satisfazer sua lascívia, sem penetração, não mais se caracteriza como crime de estupro, senão o novo tipo penal da importunação sexual.
3. Agora, "o passar de mãos lascivo nas nádegas", "o beijo forçado", aquilo que antes tinha que se adequar ao estupro para não ficar impune [...] "ganha" nova tipificação: o crime de importunação sexual. Não há mais dúvida: é crime! Dessa forma, verifica-se um tratamento mais adequado aos casos do mundo da vida e às hipóteses de absolvição forçada dada a única opção (estupro). [...] Assim como a Lei n. 12.015/2009 acabou com concurso material entre o estupro e o atentado violento ao pudor, unindo as duas condutas em prol do princípio da proporcionalidade (uma vez que a pena era muito desproporcional - no mínimo, igual à do homicídio qualificado!), a Lei n. 13.718/2018 vem, norteadora, trazer diretriz ao intérprete da lei, como se dissesse: não compare um coito vaginal forçado a um beijo lascivo no Carnaval! [...] o Estado deve proteger a liberdade sexual (sim!), mas não em prol do punitivismo exacerbado, mas em desconformidade com os princípios de Direito Penal. O STJ vinha colocando todos os atos libidinosos no mesmo "balaio", contudo, um beijo "roubado" não é igual a uma conjunção carnal forçada (onde se bate, se agride, se puxa os cabelos...). Sejamos justos (proporcionais) (e não hipócritas!)! No exato sentido da Lei n. 13.718/2018! (Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-set-28/limite-penal-significa-importu nacao-sexual-segundo-lei-1378118; Acesso em 24/1/2019).
4. Ao punir de forma mais branda a conduta perpetrada pelo recorrido, condiciona-se, no presente caso, a sua aplicação diante do princípio da superveniência da lei penal mais benéfica. [...] Em havendo a superveniência de novatio legis in mellius, ou seja, sendo a nova lei mais benéfica, de rigor que retroaja para beneficiar o réu (AgRg no AREsp n. 1.249.427/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 29/6/2018).
5. Não obstante a correção da decisão agravada, nesse ínterim, sobreveio a publicação da Lei n. 13.718, de 24 de setembro 2018, no DJU de 25/9/2018, que, entre outras inovações, tipificou o crime de importunação sexual, punindo-o de forma mais branda do que o estupro, na forma de praticar ato libidinoso, sem violência ou grave ameaça (AgRg no REsp n. 1.730.341/PR, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 13/11/2018).
6. Recurso especial provido para afastar o reconhecimento da tentativa. De ofício, concedida a ordem de habeas corpus a fim de alterar a tipificação do delito para a prevista no art. 215-A do Código Penal e redimensionar a pena privativa de liberdade do recorrido nos termos da presente decisão.
(REsp n. 1.745.333/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 26/2/2019, DJe de 14/3/2019.)
Do Inteiro Teor do respectivo Acórdão proferido pelo STJ, de nº REsp n. 1.745.333/RS no recurso especial acima destacado, verifica-se que a hipótese inicialmente, nota que o recorrente foi julgado por estupro de vulnerável, que logo após foi reconhecida por importunção sexual. A conduta imputada envolvia atos libidinosos que não chegaram à conjunção carnal, mas houve a prática de toques em partes íntimas da vítima. Na decisão de primeira instância, o magistrado aplicou a pena de acordo com o tipo penal de estupro.
O relator diz que o Estado deve proteger a liberdade sexual, mas não em prol do punitivismo exacerbado, mas em desconformidade com os princípios de Direito Penal. O STJ vinha colocando todos os atos libidinosos juntos, contudo, um beijo "roubado" não é igual a uma conjunção carnal forçada (onde se bate, se agride, se puxa os cabelos...). No exato sentido da Lei n. 13.718/2018, ao punir de forma mais branda a conduta perpetrada pelo recorrido, condiciona-se, no presente caso, a sua aplicação diante do princípio da superveniência da lei penal mais benéfica. [...] Em havendo a superveniência de novatio legis in mellius, ou seja, sendo a nova lei mais benéfica, de rigor que retroaja para beneficiar o réu. A decisão do STJ ao analisar o recurso especial, reconhece a desclassificação de estupro para importunação sexual.
Essa Ementa no sentido contrário, destaca-se a seguinte decisão que foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), especificamente pela Sexta Turma, na qual o relator do processo foi a Ministra Laurita Vaz. Em seguida, será apresentada a Ementa do Acórdão desprovido pelo STJ, onde foi julgado um agravo regimental.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO. DISSONÂNCIA DE JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. CONSUMAÇÃO. TENTATIVA. APLICAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. DESCABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 255, § 4.º, inciso III, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e da Súmula n. 568 também desta Corte Superior, pode o Relator, monocraticamente, dar provimento ao recurso especial quando o acórdão recorrido for contrário à jurisprudência consolidada neste Tribunal Superior. Além disso, a possibilidade de interposição de agravo regimental, com a submissão da insurgência ao Colegiado, esvazia a alegação de cerceamento de defesa.
2. O entendimento desta Corte Superior é firme no sentido de que, uma vez reconhecida a prática de atos libidinosos que configuram a forma consumada do crime de estupro de vulnerável, tipificado no art. 217-A do Código Penal, é descabida a diminuição da pena pela tentativa, nos termos do art. 14, inciso II, do mesmo Estatuto, sob o fundamento de que a reprimenda aplicada seria desproporcional.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.869.474/MS, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/06/2021, DJe de 30/06/2021.)
Trata-se de agravo regimental interposto por J. M. V, contra a decisão que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul. O Agravante sustenta, em resumo, que considerar o crime como consumado é evidentemente desproporcional, uma vez que a ação de tocar por cima das roupas não deveria receber a mesma penalidade que outras condutas abrangidas pelo mesmo tipo penal. Ele argumenta que a aplicação do artigo 14, inciso II, do Código Penal seria uma maneira de atenuar essa desproporcionalidade.
A posição dessa Corte Superior é clara ao afirmar que, ao ser confirmada a prática de atos libidinosos que constituem a forma consumada do crime de estupro de vulnerável, conforme o artigo 217-A do Código Penal, não é apropriado reduzir a pena pela tentativa, de acordo com o artigo 14, inciso II, do mesmo Código, sob a alegação de que a pena imposta seria desproporcional. Ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data 22/06/2021, à unanimidade negou provimento ao Agravo Regimental, nos termos do voto da Relatora, de que, uma vez configurada a consumação do crime de estupro de vulnerável, não é apropriado reduzir a pena com base na tentativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da pesquisa foi possível identificar uma discrepância na aplicação das penas, especialmente, no que se refere ao ato libidinoso em comparação com a conjunção carnal. A desproporcionalidade das penas atribuídas a essas condutas, levanta questões sobre a justiça e a equidade no sistema penal, evidenciando uma desigualdade punitiva que pode afetar a percepção de justiça para as vítimas e a efetividade das sanções aplicadas.
A análise das dimensões do princípio da proporcionalidade revelou que, embora a recente legislação tenha buscado atualizar e adaptar o tratamento dos crimes sexuais às novas realidades sociais, ainda existem lacunas e desafios significativos. Um exemplo importante dessa questão é ilustrado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no AgRg no REsp n. 1.869.474/MS, que foi mencionado acima. Neste caso, a Corte Superior decidiu que, uma vez consumado o crime de estupro de vulnerável, conforme o artigo 217-A do Código Penal, a redução da pena com base na tentativa é inaplicável. O entendimento da Ministra Laurita Vaz, relatora do caso, reafirma que não se deve aplicar a diminuição da pena prevista para a tentativa, pois isso seria desproporcional em relação à gravidade do crime consumado.
Este julgamento sublinha uma preocupação com a proporcionalidade das penas, alinhando-se ao princípio de que a gravidade da pena deve refletir adequadamente a seriedade do ato praticado. A decisão destaca a importância de não tratar como tentativa o crime já consumado, para evitar que a pena aplicada não seja desproporcional à natureza do delito. No entanto, também revela uma complexidade na aplicação das penas, especialmente quando se considera a inclusão de atos libidinosos em uma definição mais ampla de estupro.
A legislação, ao integrar atos libidinosos na definição de estupro, pode ter gerado um tratamento desigual para condutas que, apesar de semelhantes em termos de impacto psicológico e emocional, são penalizadas de forma diversa. Além disso, o estudo das jurisprudências e de doutrinas forneceu uma perspectiva valiosa sobre como diferentes sistemas jurídicos lidam com essas questões, oferecendo percepções sobre possíveis caminhos para uma aplicação mais equitativa das penas. A importância de considerar os aspectos sociológicos e psicológicos envolvidos na definição das penas é evidente, pois a abordagem penal deve refletir não apenas a gravidade objetiva das condutas, mas também o impacto profundo e duradouro sobre as vítimas.
As limitações deste estudo, incluem a necessidade de uma análise mais detalhada sobre a aplicação prática das penas, e a influência de fatores contextuais nas decisões judiciais. Uma reforma legislativa poderia corrigir essa desigualdade, distinguindo mais claramente entre os diferentes tipos de ofensas sexuais e suas respectivas penalidades. Diante dessa incoerência, há uma necessidade urgente de revisão dos art. 213 e 217-A do Código Penal de 1940, tanto pelo legislador quanto pelo STF, para assegurar que a punição corresponda de forma justa à gravidade do ato praticado, não ocorrendo uma injustiça no tocante à pena.
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1 Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim. E-mail: [email protected]
2 Márcia Pruccoli Gazoni Paiva, Professora Orientadora, Especialista em Ciências Criminais com Formação para o Ensino Superior pela Universidade Anhanguera-Uniderp, Pós graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Gama Filho, Advogada Criminalista. [email protected]