INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE QUÍMICA E ARTES: PRODUÇÃO DE TELAS A PARTIR DE TINTAS ECOLÓGICAS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13801501


Francisco José Mininel1
Silvana Márcia Ximenes Mininel2
Vanderlucia de Souza Matos Squive3


RESUMO
Este trabalho procura abordar, numa perspectiva interdisciplinar, os conceitos científicos inerentes às disciplinas de Química e Artes. A partir das obras “Os Girassóis” de Van Gogh e “Guernica” de Pablo Picasso, trabalhou-se conceitos relativos aos fatores responsáveis pela degradação das obras de arte, histórico das mesmas e, também, conceitos de Química, tais como pigmentos vegetais, métodos de extração dos mesmos, solubilidade, polaridade das ligações e reconhecimento dos grupamentos funcionais. Nas atividades experimentais, foram preparadas tintas a partir dos diferentes pigmentos extraídos. As tintas preparadas pelos alunos foram utilizadas nas aulas de Artes para confecção de pinturas em uma releitura das obras pesquisadas. Percebeu-se que as aulas, na perspectiva interdisciplinar, suscitaram interesse por parte dos alunos e a contextualização dos conhecimentos químicos foi um facilitador da aprendizagem.
Palavras-chave: Perspectiva interdisciplinar. Pigmentos vegetais. Conceitos químicos. Contextualização.

ABSTRACT
This work seeks to address, from an interdisciplinary perspective, the scientific concepts inherent to the disciplines of Chemistry and Arts. Based on the works “Sunflowers” ​​by Van Gogh and “Guernica” by Pablo Picasso, concepts related to the factors responsible for the degradation of works of art, their history, and also concepts of Chemistry, such as plant pigments, methods of extracting them, solubility, polarity of bonds, and recognition of functional groups, were worked on. In the experimental activities, paints were prepared from the different pigments extracted. The paints prepared by the students were used in Art classes to make paintings in a reinterpretation of the works researched. It was noted that the classes, from an interdisciplinary perspective, aroused interest on the part of the students and the contextualization of chemical knowledge was a facilitator of learning.
Keywords: Interdisciplinary perspective. Plant pigments. Chemical concepts. Contextualization.

1 INTRODUÇÃO

No processo ensino-aprendizagem, existem algumas alternativas que podem ser observadas pelo professor de forma a propiciar condições adequadas para a ocorrência do aprendizado significativo em sala de aula. Para que esse processo ocorra, o conteúdo deverá ter caráter interdisciplinar, sendo o professor o responsável pela ligação entre as diversas disciplinas e seus conteúdos, de forma que o estudante possa reconhecer e compreender estas ligações. As metodologias devem promover o processo de ensino-aprendizagem através de atividades integradoras dos conhecimentos, colocando em contato disciplinas que aparentemente não estão correlacionadas como Química, Arte e História (GORRI & FILHO, 2009). O tema deve ser abordado de maneira a identificar os motivos e o contexto no qual o problema de pesquisa foi identificado.

Para Navegantes e colaboradores (2000), a interdisciplinaridade é uma abertura que permite o diálogo entre os diversos saberes, e esta tentativa de cooperação entre as disciplinas não é recente. No entanto, para colocá-la em prática deve-se ainda superar muitas barreiras. De acordo com Pombo (2008), uma disciplina apenas, é incapaz de esgotar o problema a ser analisado em questão, isto é, não consegue responder determinado assunto em sua totalidade. Augusto e colaboradores (2004) asseguram que a integração entre as disciplinas torna a complexidade do objeto de estudo mais fácil de ser compreendida. A interdisciplinaridade não pode ser vista apenas como a união de disciplinas ou métodos, mas sim como uma forma de enxergar a postura do aluno e sua interação com o ambiente em que está inserido, como aspectos fundamentais para sua aprendizagem (BONATTO et al., 2012).

Assim sendo, a interdisciplinaridade e contextualização são recursos complementares para ampliar as inúmeras possibilidades de interação entre as disciplinas e entre as áreas nas quais disciplinas venham a ser agrupadas. Juntas elas se comparam a um trançado cujos fios estão dados, mas cujo resultado pode ter infinitos padrões de entrelaçamento e muitas alternativas para combinar cores e texturas (BRASIL, 1998, p.8).

Diante do exposto, a interdisciplinaridade e a contextualização são estratégias metodológicas de grande relevância para a educação, as quais vêm sendo estudadas e aprimoradas em busca de uma educação de qualidade. Educação que priorize o estudante como agente principal na construção do seu próprio conhecimento, que proporcione relações dos conteúdos científicos com o cotidiano, para que estes tenham significado para a vida do estudante.

Assim, com o objetivo de tornar o processo ensino-aprendizado mais interativo e contextualizado, de instigar a experimentação e de tecer aproximações entre teoria e prática, realizamos uma oficina interdisciplinar com os estudantes da 2ª série do Ensino Médio no qual foram abordados os componentes curriculares Química e Arte, respectivamente. Para unir a Química com a Arte há muitos caminhos possíveis; os estudantes podem aprender Química praticando a arte, seja por meio de gravuras, desenhos em quadrinhos ou pinturas.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O ensino de ciências busca a formação crítica do aluno, revertendo seus conhecimentos adquiridos em ações voltadas à melhoria do meio onde vive. Portanto, o ensino de ciências ajuda na construção do conhecimento, utilizando para isso recursos que permitem aos alunos exercitarem sua capacidade de pensar, refletir e tomar decisões (CARVALHO et al., 2005).

Muitos trabalhos na área de Ensino de Química, têm demonstrado que o ensino da disciplina vem sendo construído em torno de atividades que levam à memorização de fórmulas e conhecimentos que dificultam o aprendizado dos estudantes e pouco contribuem para a motivação em aprender e estudar Química (MORTIMER, 2004; SCHNETZLER 2004; ARROIO et al, 2006).

Conforme Fracalanza, Amaral e Gouveia (1987):

“O ensino de ciências, entre outros aspectos, deve contribuir para o domínio das técnicas de leitura e escrita; permitir o aprendizado dos conceitos básicos das ciências naturais e da aplicação dos princípios aprendidos a situações práticas; possibilitar a compreensão das relações entre a ciência e a sociedade e dos mecanismos de produção e apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos; garantir a transmissão e a sistematização dos saberes e da cultura regional e local”.

A disciplina de Química, assim como as demais, objetiva desenvolver a competência da contextualização e nesse sentido uma das abordagens, pode ser trabalhada em um modo interdisciplinar que trata do meio científico, como por exemplo com a Arte.

Assim sendo, nesse contexto, inúmeras criações artísticas estabelecem conexões com diversas áreas do conhecimento. Similarmente, essa interseção entre arte e outros domínios estende-se à Química. De acordo com Orna (2011),

“não há nada na arte que não tenha algo a ver com Química. Todos os objetos de arte são substâncias materiais e, como tal, estão sujeitos às leis e às manipulações da química. Ao mesmo tempo, a química, em alguns casos limitados, também pode estar sujeita às manipulações do artista, sendo essas ciências essencialmente compostas”.

A contextualização dos conhecimentos da área supera a simples exemplificação de conceitos com fatos ou situações cotidianas. Sendo assim, a aprendizagem deve valorizar a aplicação dos conhecimentos na vida individual, nos projetos de vida, no mundo do trabalho, favorecendo o protagonismo dos estudantes no enfrentamento de questões sobre consumo, energia, segurança, ambiente, saúde, entre outras (BRASIL, 2018).

A reforma do pensamento unindo Ciência e Arte é mais do que uma metáfora inspiradora para os educadores. É também o caminho para perceber momentos em que os referidos saberes religados oferecem chances de ultrapassar os automatismos da prática cotidiana da sala de aula (OLIVEIRA et al, 2013, p.2).

No contexto da interdisciplinaridade entre Química e Artes, o trabalho com pigmentos vegetais pode proporcionar aulas interativas e prazerosas, de modo a garantir o aprendizado significativo de conhecimentos químicos aliados a importância das artes na vida cotidiana. Assim sendo, os pigmentos vegetais são substâncias coloridas e importantes constituintes de tintas. Eles podem ser retirados diretamente da natureza ou podem ser obtidos a partir de reações químicas. Os primeiros são chamados de pigmentos naturais e os segundos, artificiais ou sintéticos (VOLPE & MARQUES, 2016).

Uma das formas de obter as tintas para utilizar durante o ensino da Química é utilizando corantes naturais. Os corantes, são moléculas orgânicas que possuem a capacidade de absorver comprimentos de onda na região visível do espectro eletromagnético e, após absorver em determinada região, é possível observar uma cor específica (VANUCHI, 2019).

Os corantes naturais são geralmente divididos em três grupos principais: a) os compostos heterocíclicos (que compreendem as clorofilas presentes em vegetais, a heme e as bilinas encontradas em animais, b) os compostos de estrutura isoprenoide (os carotenoides, encontrados em animais e principalmente em vegetais) e c) os compostos heterocíclicos contendo oxigênio (os flavonoides, que são encontrados exclusivamente em vegetais). Além desses existem outros dois grupos de corantes presentes unicamente em vegetais: as betalaínas que são compostos nitrogenados e os taninos, que agrupam diversos compostos de estruturas altamente variáveis (BOBBIO,1992).

Dentro dessa perspectiva, o emprego de conhecimentos científicos pertinentes ou correlacionados a pigmentos e corantes como tema gerador para propostas de estratégias metodológicas, além de proporcionar uma reflexão epistemológica e didática, permite a significação/ressignificação dos conceitos químicos numa perspectiva de Ciência Tecnologia e Sociedade (CTS), uma vez que o currículo pautado nos pressupostos CTS trabalha as interrelações entre a explicação científica, planejamento tecnológico/solução de problemas e tomada de decisões sobre temas práticos de importância social.

3 METODOLOGIA

As atividades foram realizadas em uma sala do 2º Ano do Ensino Médio, com um total de 20 alunos em momentos de interação entre as disciplinas de Química, com duas aulas semanais e Artes, também com 02 aulas semanais. As aulas foram dadas tanto no laboratório de Ciências, como no laboratório de informática. Esses momentos pedagógicos foram importantes, tanto nas etapas de produção dos corantes como nas etapas de construção artística. Para finalização das atividades foram necessárias 04 aulas de Química e 04 aulas de Artes.

A primeira etapa consistiu na revisão bibliográfica, a partir da qual foi preparado o formulário a ser disponibilizado para os estudantes pela professora de Artes. A pesquisa foi realizada pelo Science Direct e Google acadêmico. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: pigmentos naturais, pintura a têmpera e pigmentos de plantas em obras de arte. Na sequência foi analisado a obra “Os Girassóis” de Van Gogh e “Guernica” de Pablo Picasso.

A produção de tintas seguiu o seguinte protocolo experimental, descrito nas Tabelas abaixo:

Tabela 1 – Erva Mate ou folhas de temperos: manjericão/hortelã/alecrim, outros (fonte para obtenção de pigmentos verdes)

Elemento

Processo

Diluente

Aglutinante + pigmento

Fixador

Folhas

Liquidificação/cocção/filtração

água

Cola branca

sal

5 a 10 uni.

2-3 min.

100 mL

50 mL + 50 mL

uma pitada

Tabela 2 – Açafrão (raízes raladas em pó): fonte para obtenção de pigmentos amarelos.

Elemento

Processo

Diluente

Aglutinante + pigmento

Fixador

Raíz/pó

cocção/filtração

água

Cola branca

sal

10 g

3 min.

100 mL

50 mL + 50 mL

uma pitada

Tabela 3 Colorau (sementes trituradas em pó): fonte para obtenção de pigmentos vermelho-alaranjado.

Elemento

Processo

Diluente

Aglutinante + pigmento

Fixador

semente/pó

cocção/filtração

água

Cola branca

sal

10 g

3 min.

100 mL

50 mL + 50 mL

uma pitada

Tabela 4 – Pó de café (grãos de café moídos): fonte para obtenção de pigmentos em tons de marrom.

Elemento

Processo

Diluente

Aglutinante + pigmento

Fixador

semente/pó

cocção/filtração

água

Cola branca

sal

10 g

3 min.

100 mL

50 mL + 50 mL

uma pitada

Tabela 5 – Carvão: fonte para obtenção da coloração cinza.

Elemento

Processo

Diluente

Aglutinante + pigmento

Fixador

carvão/pó

trituração/filtração

água

Cola branca

sal

10 g

3 min.

100 mL

50 mL + 50 mL

uma pitada

Fonte: https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/573385/2/OFINA%2001%20BRINCANDO%20COM%20AS%20CORES.pdf

A professora organizou os alunos em 04 grupos contendo 05 estudantes, de modo que realizassem a atividade experimental. As tintas produzidas com os pigmentos foram utilizadas nas aulas de Artes para a pintura de telas e expressão da criatividade dos alunos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nas aulas de Arte, a professora orientou os alunos para que fossem até o laboratório de Informática e que buscassem informações, em diferentes sites, sobre as obras “Os Girassóis” de Van Gogh e “Guernica” de Pablo Picasso. Visando a ampliação dos conhecimentos, a professora de Química coloca que quando o assunto é arte, dificilmente se pensa em química. Aparentemente são atividades tão distintas que até estão associadas a lados diferentes do cérebro. A realidade, entretanto, vem se mostrando bem diferente: desde a escolha dos materiais a serem empregados até as metodologias usadas na restauração de uma obra ou a definição de estratégias para prevenir sua degradação passam, em maior ou menor grau, pela química. Além disso, ainda tem “a mãozinha” que essa ciência dá na hora de determinar se uma obra de arte é autêntica ou uma falsificação.

Após as instruções da professora de Artes, os alunos inicialmente pesquisaram sobre a obra de arte “Os Girassóis” de Van Gogh. Dessa forma, um dos alunos (aluno A) cita o que encontrou em sua pesquisa:

Aluno A: “Van Gogh usou dois tipos de cromo amarelo, que é um pigmento sintético que estava amplamente disponível na época. Um desses tipos de cromo amarelo é bastante estável, porque tem uma tonalidade laranja, mas o outro tipo, que tem uma cor amarela pálida, é bastante sensível à degradação, por isso vai alterar sua cor ao longo do tempo. Os pesquisadores examinaram a pintura usando técnicas de alta tecnologia, incluindo microscopia eletrônica de varredura e mapeamento químico. Graças a esses métodos de ponta, eles conseguiram entender a feitura da pintura sem tirar cotonetes (“pequenas lascas”) ou amostras de pigmento de sua superfície (https://comonasceumpintor.com.br).”

A informação trazida pelo aluno A, serviu como base à explicação da professora sobre os pigmentos usado na obra de Van Gogh. Pode definir, juntamente com os alunos, a importância de pigmentos inorgânicos e orgânicos.

Na aula de Artes, a professora trouxe uma gravura com a obra “Os Girassóis” de Van Gogh (Figura 1), e discorreu sobre a mesma, solicitando que os alunos observassem os padrões de cores utilizados pelo artista, indicando também a técnica utilizada.

Tecido com desenho de personagem de desenho animado

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa
Figura 1. Obra “Os Girassóis” de Van Gogh.
(Fonte: https://comonasceumpintor.com.br)

Um outro aluno, denominado aqui de aluno B, trouxe mais informações sobre a obra de arte “Os Girassóis”. Segundo o aluno,

Aluno B: “Encontrei que o quadro do pintor está desbotando com o tempo. Esta não é a primeira vez que cientistas descobriram que o trabalho de Van Gogh se transforma significativamente com a passagem do tempo. Pesquisas anteriores descobriram que os pigmentos vermelhos do artista também estão perdendo seu brilho e desaparecendo para o branco. Como parte de um estudo divulgado há três anos, estudiosos internacionais também soaram o alarme sobre o potencial do pigmento amarelo de cádmio de Van de Gogh se desvanecer: https://comonasceumpintor.com.br”.

Nesse momento, houve discussão sobre quais agentes poderiam estar causando a deterioração das obras de arte. Após questionamentos da professora, os alunos indicam possíveis causas dessa deterioração. Alguns alunos colocam que o excesso de luz, poderia ser um dos fatores, outros indicam a umidade do ambiente. Após as discussões ocorridas em sala, a professora complementa com outras possíveis causas para a deterioração, dentre elas, o calor e a temperatura, poluentes e qualidade do ar e também a maresia (presença de cloro).

A resposta dada pelo aluno C, foi interessante pelo fato de que o mesmo buscou informações sobre a importância da obra de arte “Os Girassóis”, o que permitiu à professora de Artes trabalhar em sala as razões do artista em produzir tal obra. Dessa forma, segue o relato do aluno C:

Aluno C: “Em Os Girassóis, o amarelo expressa alegria e celebra a vida tocada pela luz divina. Lembremos que a flor de girassol recebe esse nome porque se orienta em direção ao sol. Por esse fato, somado à sua forma e cor, os girassóis são símbolos solares para Van Gogh, que relacionou o amarelo ao sol e à vida, e associou também o sol a Cristo, a quem considerava a luz do mundo. Lembremos também que quando Van Gogh concebeu a série de Arles, estava entusiasmado com a visita de Paul Gauguin, que se juntaria ao projeto da Casa Amarela. Dessa forma, o entusiasmado coração do holandês vibrava de gratidão nos Girassóis. Outro aspecto que vale ser observado são os diferentes estados de florescimento das flores nas pinturas: girassóis em botão, girassóis maduros e girassóis murchos. Assim, podemos interpretar a obra como a expressão da passagem do tempo e das idades, símbolo da vida e da impermanência (https://www.culturagenial.com/os-girassois-de-van-gogh/)”.

Outra obra analisada, tanto nas aulas de Artes quanto e Química, foi a obra “Guernica” de Pablo Picasso (Figura 2). Para iniciar o diálogo com os alunos, a professora busca fazer um histórico a respeito da obra de Arte e solicita que os alunos façam uma pesquisa de aprofundamento sobre a mesma. Dessa forma, os alunos iniciam via internet, a busca de informações sobre a obra e as anotações feitas são lidas em sala para que os alunos possam ir se apropriando dos conhecimentos acerca da obra Guernica. Um dos alunos, indicado como aluno D, traz a seguinte informação:

Aluno D: “Pintado dias depois de cidade no Norte da Espanha ser bombardeada pelos alemães, em 26 de abril de 1937, obra ultrapassou barreira de simples registro visual e se tornou um marco na história da arte. Uma obra que é mais lembrada do que o fato que ela representa. Esse é o tamanho da importância artística e histórica do quadro Guernica, de Pablo Picasso (1881-1973). A pintura – um óleo sobre tela de 3,5 metros de altura e 7,76 metros de comprimento – se tornou uma das mais emblemáticas do século 20, demonstrando os horrores e sofrimentos da cidade espanhola de mesmo nome, bombardeada pela Força Aérea alemã em 26 de abril de 1937 (https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/guernica/2017/04/19/guernica,863426/nos-80-anos-de-guernica-quadro-interativo-explica-tecnicas-de-picasso.shtml)”.

Figura 2. Obra “Guernica” de Pablo Picasso.
(Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/guernica)

A informação de que a tela Guernica foi pintada com tinta a óleo, suscitou em vários alunos o interesse em saber sobre o que seria esse tipo de tinta. Assim sendo, um dos alunos (Aluno D), encontra a seguinte informação:

Aluno D: “As tintas a óleo têm sido usadas de várias formas desde o século XIV. Anteriormente, o pigmento triturado numa emulsão de ovo era o meio de escolha na maioria dos ateliers de pintores. Materiais novos e mais estáveis, melhores métodos, assim como a experiência e o conhecimento científico acumulados do fabricante impõem uma diferença drástica na qualidade das tintas disponíveis para o pintor dos nossos dias. Hoje em dia, as tintas a óleo tradicionais são fabricadas essencialmente através do mesmo processo utilizado no século XV. O pigmento é misturado com um meio de óleo de linhaça (extraído da planta do linho) e, em alguns casos, com óleo de cártamo. Em vez de se moer cada cor manualmente, com uma pedra ou um almofariz de vidro, as tintas de melhor qualidade são produzidas atualmente através de uma variedade de métodos de moagem. As decisões sobre quantas passagens no moinho de três rolos são necessárias, que quantidade de óleo deve ser utilizada e que tipo de óleo, são determinadas com base nas características individuais de cada pigmento (https://manualdoartista.com.br/o-que-e-tinta-a-oleo/)”.

Partindo do interesse dos alunos em conhecer qual o tipo de óleo em que os pigmentos eram dissolvidos, a professora de Química coloca na lousa a estrutura química do óleo de linhaça e discute as características do mesmo. Aproveita a oportunidade para ensinar as funções orgânicas presentes na estrutura química apresentada (Figura 3).

Chemical Composition of Linseed Oil
Figura 3. Estrutura química do óleo de linhaça.
(Fonte: http://www.vias.org/church_paintchem/church_paint_018_04.html)

Um dos alunos (Aluno E) busca mais informações sobre o óleo de linhaça e compartilha com a turma. A professora novamente utiliza as informações trazidas pelo aluno para fazer o aprofundamento necessário em relação a polaridade e apolaridade de ligações e diferenciação de grupamentos orgânicos.

Aluno E: “A composição química do óleo de linhaça pode agora atrair nossa atenção. Sua análise final mostra que ele varia de acordo com o método de extração adotado, óleo prensado a frio contendo cerca de 78 por cento de carbono, 11 por cento de hidrogênio e 11 por cento de oxigênio; enquanto o óleo prensado a quente contém quase 3 por cento menos carbono e quase 3 por cento mais oxigênio - o óleo de linhaça, extraído por dissulfeto de carbono, ainda é mais pobre em carbono e mais rico em oxigênio. Parece que o óleo de linhaça consiste principalmente de três glicerídeos, chamados, respectivamente, linoleína, linolenina e oleína. Uma quantidade pequena, mas variável, de ácidos graxos livres, como palmítico e araquídico, também está presente. Linoleína, que está presente no óleo de linhaça na extensão de cerca de 20 por cento, é o glicerídeo do ácido linoleico, e tem a fórmula C57H98O6 (http://www.vias.org/church_paintchem/church_paint_018_04.html)” .

À medida que as atividades iam sendo finalizadas, percebia-se ao longo da investigação, uma gradual evolução da construção do conhecimento referente à temática trabalhada (conceitos químicos e conceitos relacionado as artes de modo geral).

Para consolidação do conhecimento, foi proposta na aula de Química a produção de tintas a partir de pigmentos, facilmente encontrados em casa ou supermercados. Dessa forma, propôs-se a interrelação de conteúdos abordados na disciplina de Química e na disciplina de Artes, atendendo a formatação de um projeto interdisciplinar, em que a partir da extração e obtenção dos corantes (Figura 4), os estudantes poderiam transformá-los em tintas (Figura 5) e usá-las em formas de expressão artística (Figura 6).

Figura 4. Alunos preparando tintas usando pigmentos vegetais.
(Fonte: próprio autor)
Figura 5. Tintas preparadas e aluna expressando sua criatividade.
(Fonte: próprio autor)
Figura 6. Telas pintadas pelos alunos com a tinta produzida.
(Fonte: próprio autor)

Dessa forma, segundo Silva e Zanon (2000), as atividades experimentais são importantes para o aprendizado de Ciências, pois favorecem as relações existentes entre os saberes teóricos e práticos, potencializando a construção do conhecimento. Nessa perspectiva, Galiazzi e Gonçalves (2004) concordam que, realizar um experimento seguido de discussão para interpretação de resultados, torna-se uma atividade experimental extremamente rica em termos de aprendizagem. Dessa forma, a experimentação é considerada uma estratégia eficiente para a criação de problemas reais, permitindo a contextualização e o estímulo de questionamentos sobre o tema a ser trabalhado (GUIMARÃES, 2009).

Do decorrer das aulas experimentais, foram trabalhados conceitos relacionados à separação de misturas, diluição de soluções, aglutinantes e pigmentos. Os alunos foram orientados a buscarem na internet as estruturas químicas dos pigmentos, onde, através da mediação da professora, identificaram grupamentos funcionais, observando a polaridade das estruturas dos diferentes pigmentos.

Tabela 5 – Pigmentos e plantas de onde são extraídos.

Nome do pigmento

Planta de onde é extraído

Fórmula estrutural

Clorofila

Manjericão

Erva-mate

Estrutura química da clorofila a e clorofila b. | Download Scientific  Diagram

Curcumina

Açafrão

Curcumina - Molécula da Semana - FCiências

Urucum

Colorau

Urucum – Wikipédia, a enciclopédia livre

Carvão

madeira

Fonte: Os autores.

Com o propósito de utilizar a tinta produzida, propôs-se a confecção de pinturas em cartolina, onde buscou-se fazer uma releitura das obras “Os Girassóis” de Van Gogh e “Guernica” de Pablo Picasso. Diante desse contexto, observou-se uma participação assídua e empolgante dos estudantes em todas as etapas, desde a produção da tinta, até a sua utilização para confecção das pinturas.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, buscou-se a interdisciplinaridade entre as disciplinas de Química e Artes. A correlação entre as duas disciplinas proporcionou momentos em que foi possível, além de desenvolver atividades relacionadas às disciplinas, discutir com os estudantes como as diferentes áreas de conhecimento estão relacionadas. Para a aquisição de conceitos na disciplina de Química e de Artes, foram estudadas as obras “Os Girassóis” de Van Gogh e “Guernica” de Pablo Picasso. A partir das atividades realizadas, como a produção de tintas a partir de pigmentos, estudou-se conceitos importantes da área de química, tais como processos de separação de misturas, métodos de extração de pigmentos, funções orgânicas e reconhecimento de grupamentos funcionais. Em Artes, buscou-se estudar o histórico das pinturas e fatores responsáveis pela degradação das mesmas. As tintas produzidas na aula experimental de Química foram utilizadas nas aulas de Artes para uma releitura das obras “Os Girassóis” e “Guernica”. O resultado do trabalho instiga o desenvolvimento de outras investigações dentro da mesma linha, bem como mostrou-se significativo para os alunos, os quais participaram com bastante curiosidade e protagonismo em todas as etapas do trabalho desenvolvido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Docente do Curso Superior de Engenharia Química da Universidade Brasil Campus Fernandópolis-SP. Doutor em Química pelo Instituto de Química-UNESP- Campus de Araraquara-SP. E-mail: [email protected]

2 Docente do Curso Superior de Engenharia Química da Universidade Brasil Campus Fernandópolis-SP. Mestre em Química pelo Instituto de Química-UNESP- Campus de Araraquara-SP. E-mail: [email protected]

3 Docente da Escola Estadual Carlos Barozzi. Fernandópolis-SP. Professora de Artes. E-mail: [email protected]