O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA E DIREITOS HUMANOS: UM OLHAR INTERCULTURAL PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15852147


Danilo Santos e Silva1


RESUMO
Este artigo busca refletir sobre a contribuição do ensino de língua inglesa na educação antirracista, destacando a interculturalidade crítica e o currículo enquanto valorizamos as múltiplas identidades e enfrentamos a realidade racista estrutural. Este estudo sugere que, embora as demandas sociais por pedagogia inclusiva com base nos direitos humanos estejam crescendo, a questão do ensino do inglês tem sido problemática. O ensino de inglês precisa ser sensível à justiça social, bem como ser capaz de valorizar a diversidade do inglês. Reenquadrado a partir de uma postura crítica em relação à língua e ao currículo, enfatizamos práticas pedagógicas que ligam o ensino de inglês a questões de cidadania, justiça social e respeito pela diversidade. Para isso, na tentativa de refletir sobre o potencial político e transformador da educação linguística, buscamos referências em autores como Moita Lopes (2006), Menezes Paiva (2003), Nilma Lino Gomes (2017), Tomaz Tadeu da Silva (1999) e Michael Apple (2000), entre outros. Como a educação brasileira é baseada no racismo estrutural, este estudo preocupa-se em considerar o papel do ensino de inglês no desenvolvimento de uma educação antirracista. O objetivo geral é descobrir de que maneiras a interculturalidade pode ser usada como um esforço crítico para incentivar a aceitação da diversidade e para promover a justiça social. Os resultados sugerem que abordagens pedagógicas críticas e inclusivas, que problematizam e utilizam formas subordinadas de conhecimento, podem fazer a sala de aula funcionar como um espaço resistente e emancipatório. É um espaço que desafia o currículo como uma disciplina que precisa passar por um remapeamento e reformulação em relação às posturas decoloniais e antirracistas. Este estudo explica como o trabalho de ensino da língua inglesa é transformador como formação política. Descobre-se que, quando dirigido por uma estrutura ética e crítica, o ensino de inglês pode contribuir enormemente para a formação de cidadãos cientes de seus deveres.
Palavras-chave: Ensino de inglês; interculturalidade crítica; currículo; antirracismo; justiça social.

ABSTRACT
This article seeks to reflect on the contribution of English language teaching to anti-racist education, highlighting critical interculturality and the curriculum as we value multiple identities and confront structural racist reality. This study suggests that while social demands for inclusive pedagogy based on human rights are growing, the issue of English teaching has been problematic. English teaching needs to be sensitive to social justice, as well as being able to value the diversity of English. Reframed from a critical stance towards language and the curriculum, we emphasize pedagogical practices that link English teaching to issues of citizenship, social justice and respect for diversity. To this end, in an attempt to reflect on the political and transformative potential of language education, we sought references from authors such as Moita Lopes (2006), Menezes Paiva (2003), Nilma Lino Gomes (2017), Tomaz Tadeu da Silva (1999) and Michael Apple (2000), among others. As Brazilian education is based on structural racism, this study is concerned with considering the role of English teaching in the development of an anti-racist education. The overall aim is to find out in what ways interculturality can be used as a critical effort to encourage acceptance of diversity and to promote social justice. . The results suggest that critical and inclusive pedagogical approaches, which problematize and use subordinate forms of knowledge, can make the classroom function as a resistant and emancipatory space. It is a space that challenges the curriculum as a subject that needs to undergo a remapping and reformulation in relation to decolonial and anti-racist stances. This study explains how the work of teaching English is transformative as political formation. It finds that, when directed by an ethical and critical framework, English teaching can make a huge contribution to the formation of citizens who are aware of their duties, of the present stifling and ethnic social scene.
Keywords: English teaching; critical interculturality; curriculum; anti-racism; social justice

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de uma educação antirracista no Brasil é uma questão urgente, que se infiltra no cotidiano das escolas, exigindo que educadores, funcionários e políticas públicas superem o legado histórico de desigualdade racial historicamente instituído no país. Aplicar isso ao ensino de inglês, ou de uma língua estrangeira, é mais um desafio, pois a língua em si não é apenas um sistema gramatical, mas um em que visões de mundo, narrativas e ideologias inteiras podem ser usadas para endossar ou contestar as relações de poder. O que é ensinado, como é ensinado e a quem é ensinado são questões curriculares que merecem ser interrogadas com base na justiça racial.

Não se pode mais pensar no currículo como simplesmente sendo um corpo neutro de conteúdo. O currículo, como aponta Silva (2000), é um texto cultural e testemunha escolhas, oposições e silêncios. Em um contexto onde um grupo social específico, a pessoa negra, é sistematicamente desprovida de uma imagem curricular, constrói-se uma pedagogia da exclusão. Até este ponto, é especialmente importante problematizar o currículo de inglês a partir de uma perspectiva crítica e antirracista.

A interculturalidade crítica fornece uma lente teórica útil através da qual observar essa mudança. Walsh (2009) afirma que, para ter uma compreensão mais significativa da interculturalidade, devemos evitar a simples aceitação da diversidade, mas deve basear-se em uma abordagem confrontacional, descolonizadora e transformadora. Esta perspectiva é consistente com as bases pedagógicas de uma pedagogia crítica, na qual o professor é entendido como um sujeito político e o conhecimento como uma construção social. É assim que o ensino de inglês deixa de ser apenas uma operação a ser administrada tecnicamente, mas torna-se um domínio de educação cívica.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em sua versão mais recente expressa apreço pela diversidade e cuidado com o preconceito (BRASIL, 2018). Embora o documento ofereça alguns passos conceituais à frente, seu tom descritivo requer uma interpretação crítica e local por parte dos professores. De fato, um currículo que promove o respeito à diferença e que não materializa a representação e o protagonismo de sujeitos historicamente oprimidos corre o risco de ser reduzido a mera retórica.

Nesse contexto, este artigo sugere uma reflexão sobre a construção de práticas pedagógicas e currículos de inglês considerando uma perspectiva antirracista. Para tanto, utiliza um método qualitativo desde o início, a partir da análise de documentos oficiais, de referências teóricas contemporâneas e de práticas pedagógicas. O objetivo é considerar caminhos pelos quais a equidade racial é trazida para a educação linguística.

Ao argumentar ao longo do texto, discutem-se as bases de uma interculturalidade crítica, bem como a relevância de uma formação de professores antirracista, o potencial de ressignificação do currículo de inglês e os papéis dos mapeamentos da BNCC entre esses aspectos. A proposta pretende articular teoria e prática de forma a aprimorar a prática pedagógica voltada para desafiar o racismo estrutural e instigar e valorizar as identidades negras na escola.

2 CRÍTICA À INTERCULTURALIDADE E UMA PEDAGOGIA ANTIRRACISTA: FUNDAMENTOS TEÓRICOS

A interculturalidade crítica, conforme sugerido por Walsh (2009), representa uma ruptura epistemológica tanto das abordagens multiculturalistas quanto das folclóricas à diversidade. Para o autor, a interculturalidade só pode funcionar se problematizar os fundamentos do pensamento colonial, desnaturalizando a hierarquia entre diferentes modos de conhecimento e promovendo a transformação das relações de poder.

Ao enquadrar o ensino de inglês dessa maneira, estamos claramente indicando que o terreno em que o inglês é aprendido e ensinado é um espaço compartilhado no qual ocorrem lutas por poder simbólico, a língua não apenas como meio de comunicação, mas também como terreno simbólico.

No setor educacional do Brasil, Gomes (2017) é uma das principais figuras a sinalizar para uma pedagogia antirracista que enfatiza mais do que a incorporação simbólica. Para ela, é crucial enfrentar o racismo institucional inerente ao apagamento de referências negras no currículo, nos materiais didáticos e na formação de professores. A autora também especificou que "qualquer experiência de aprendizagem antirracista deve ser tratada como parte da política educacional do país, e não como uma ação avulsa". (Gomes, 2017, p. 36).

Silva (2000), em um relato sobre a construção da identidade no currículo, enfatiza que o conhecimento escolar constitui uma narrativa situada e permeada por relações de poder e interesses sociais. A crença no ensino neutro ignora o ponto central, contribuindo até mesmo para o mito e fazendo isso motivada por uma noção tecnicista de ensino. Existe, portanto, a necessidade de um currículo antirracista não apenas ser crítico e problematizador, mas também simbólico na reconstrução do ambiente escolar.

Tais perspectivas, conforme expressas em Pennycook (2018), trabalhos recentes em Linguística Aplicada Crítica, em um momento em que a hegemonia do inglês é problematizada em seu status de língua global, ajudam a informar esse debate. O autor sugere uma perspectiva decolonial na qual o ensino de línguas é libertado das normas eurocêntricas e é receptivo a vozes e culturas diversas. O aspecto dessa proposta que entendemos como relevante é destacado por uma proposta curricular completa, que valoriza o conhecimento africano e afro-brasileiro, bem como práticas, nas quais o inglês não é entendido como uma língua neutra, mas como uma arma política.

Candau (2012), entre outros autores brasileiros, também insiste na relevância da formação intercultural dos professores como uma condição necessária para a implementação de uma pedagogia plural. A interculturalidade crítica, diz ela, é um "pré-requisito para a construção de uma sociedade democrática, pois permite que a diferença seja percebida de forma respeitosa, equitativa e dialógica". (Candau, 2012, p. 58).

Esse arcabouço teórico confirma o que se poderia pensar sobre a reinvenção do ensino de inglês envolvendo conteúdos que possuem a história e a cultura dos povos africanos e seus descendentes, como não periféricos, mas estruturais. Isso significa converter o currículo em uma zona de reconhecimento e valorização da diferença epistêmica, além da lógica que historicamente caracterizou a presença dos negros na escola, que é a lógica de subalternidade.

Na seção a seguir, gostaríamos de entrar em uma análise mais detalhada sobre o modo como essas compreensões teóricas têm sido mapeadas em práticas pedagógicas concretas nas escolas brasileiras, especificamente no ensino do inglês como língua estrangeira.

3 MÉTODOS ANTIRRACISTAS NO ENSINO DE INGLÊS.

Em termos de reformular a sua relação com o currículo, materiais educacionais e a própria língua, construir práticas pedagógicas antirracistas no ensino de inglês envolve a reposição. Por exemplo, a reposição dessa forma começa com o reconhecimento de que o inglês, como língua global para comunicação, também replica ideologias, silêncios e injustiças. Assim, ao invés de simplesmente se consumir, o inglês deve ser ensinado a partir de um ponto de vista crítico, possibilitando suas intersecções culturais históricas: o conhecimento obrigatório e a experiência (Pennycook, 2018).

Uma das práticas mais eficazes é trazer a cultura dos afrodescendentes e dos próprios africanos para as aulas de inglês. Por exemplo, isso pode envolver a seleção de textos, música, filmes, reportagens e biografias de autores, ativistas e artistas negros na diáspora, como Maya Angelou, Chinua Achebe, Chimamanda Adichie, Nina Simone (esperamos que isso não seja demasiado eurocêntrico). O professor, ao trabalhar com materiais fornecidos dessa forma, ajuda a quebrar a imagem estereotipada das pessoas negras e a ampliar o repertório cultural dos alunos.

Além da seleção de material, o próprio modo de ensino precisa ser repensado também. A pedagogia baseada em projetos é uma estratégia poderosa, que permite espaço para exercícios de integração desenvolvimentista, onde os alunos podem pesquisar temas como racismo, identidade, ancestralidade e representação em inglês. (Pennycook, 2018), quando se trata de comunicar seus resultados em relação aos professores e colegas de turma. Como Hooks (1994) sugeriu, a educação engajada deve romper com o Sistema Bancário de Educação tão prevalente em nossa sociedade atualmente e incentivar os alunos a participar criticamente, contribuindo para o que se conhece como Informação de Hollywood.

Existem instâncias da aplicação desses métodos apresentadas neste artigo - por exemplo, Ferreira (2010) descreve um projeto em desenvolvimento em uma escola estadual em São Paulo, onde alunos do ensino fundamental produziram um fanzine bilíngue sobre vidas negras importantes. A atividade envolveu debater padrões de beleza, resistência e estética negra: não era apenas uma questão de aprender línguas, mas também de construir consciência racial crítica. "Ao trabalhar com gêneros multimodais" (Ferreira, 2010, p. 93), o autor diz: "de repente, vozes historicamente silenciadas foram ouvidas e identidades negras puderam ser trazidas para o espaço escolar."

Outro exemplo importante é o uso da música de artistas negros como estratégia educacional. Faixas como Blackbird (The Beatles), recriada por Alicia Keys, ou "Glory" (John Legend e Common) oferecem oportunidades para discutir resistência, direitos civis e a luta pela igualdade. Com atividades envolvendo escuta crítica, tradução, produção de texto e debate que as sustentam, essas músicas podem se tornar um ponto de partida para reflexões ricas e socialmente relevantes.

A avaliação, por sua vez, deve espelhar essa visão de aprendizagem. Uma avaliação antirracista aceita o conhecimento e a experiência dos alunos como válidos, honra seus caminhos por meio de diferentes testes e nutre sua autonomia. Isso significa construir ferramentas de avaliação que abranjam não apenas fatos, mas interpretação, reflexão crítica e promoção da autoria, permitindo que os alunos participem ativamente de seus estudos.

É importante enfatizar que essas práticas não são fenômenos separados, mas sim fazem parte de um processo total ético e politicamente comprometido em direção à mudança do currículo. A prática intercultural crítica deve envolver não apenas o desafio ao conteúdo dos currículos de diferentes maneiras (incluindo estratégias metodológicas), mas também significa fazer perguntas sobre o que deve ser avaliado, como isso pode mudar valores em todos os lugares, mesmo em nível escolar. Como Moreira e Candau (2012) colocam, "Uma interculturalidade que é crítica deve modificar estruturas no currículo, incluindo seu conteúdo, suas finalidades, seus métodos de operação e critérios para avaliação" (p. 182). Assim, de fato, é um processo contínuo de reconfiguração da educação — um processo de reconfiguração no qual cada nova opção pedagógica informa o projeto geral de construir uma escola democrática e antirracista.

4 SOBRE O PROJETO CEARENSE "SELO ESCOLA ANTIRRACISTA": UMA POLÍTICA PÚBLICA DE RECONHECIMENTO E TRANSFORMAÇÃO CURRICULAR.

A implementação de políticas públicas voltadas para a promoção da equidade racial no ambiente escolar tem se mostrado uma estratégia eficaz para o enfrentamento do racismo estrutural. No estado do Ceará, destaca-se o projeto Selo Escola Antirracista, uma iniciativa da Secretaria da Educação (Seduc) que visa reconhecer e incentivar práticas pedagógicas comprometidas com a educação para as relações étnico-raciais.

Instituído pela Lei nº 19.075/2024, o Selo Escola Antirracista certifica instituições de ensino que desenvolvem ações voltadas para a valorização da diversidade étnico-racial, o combate ao racismo e a promoção da equidade no ambiente escolar. A iniciativa busca não apenas reconhecer boas práticas, mas também fomentar a criação de projetos pedagógicos que integrem a temática racial de forma transversal ao currículo escolar.

A terceira edição do edital do Selo, lançada em março de 2025, reforça o compromisso do estado com a continuidade e o aprimoramento dessa política. As escolas interessadas devem apresentar projetos que contemplem atividades relacionadas a datas significativas, como o Dia da Consciência Negra e o Dia dos Povos Indígenas, além de ações que promovam a formação continuada de professores e a participação da comunidade escolar .

O impacto do Selo vai além da certificação. Ele promove uma cultura institucional que valoriza a diversidade e incentiva a reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas. Ao reconhecer e divulgar experiências exitosas, o projeto contribui para a disseminação de metodologias que enfrentam o racismo e promovem a inclusão, servindo de referência para outras unidades escolares.

Além disso, o Selo Escola Antirracista dialoga diretamente com as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que enfatiza a importância de uma educação que respeite e valorize a diversidade cultural, étnica e racial do país. Ao incentivar a implementação de projetos que abordem essas temáticas, o Selo contribui para a efetivação das competências gerais previstas na BNCC, especialmente aquelas relacionadas à empatia, ao respeito e à valorização da diversidade.

A iniciativa também fortalece a formação docente, ao exigir que as escolas desenvolvam ações de capacitação e sensibilização dos professores para as questões étnico-raciais. Essa exigência promove uma reflexão crítica sobre o papel do educador na construção de uma escola mais justa e inclusiva, alinhando-se às propostas de formação continuada que visam à transformação das práticas pedagógicas.

Em síntese, o Selo Escola Antirracista representa uma política pública inovadora que reconhece e valoriza o esforço das escolas cearenses na promoção de uma educação antirracista. Ao incentivar a implementação de projetos pedagógicos que abordem a temática racial de forma transversal e crítica, o Selo contribui para a construção de uma escola mais equitativa, democrática e comprometida com a justiça social.

Pensar no ensino de língua inglesa a partir de um currículo antirracista exige romper com a lógica hegemônica que tradicionalmente marginaliza saberes não europeus e silencia vozes racializadas. Tal movimento implica ressignificar o espaço escolar como um território de disputa ideológica e formação crítica. Nesse sentido, o ensino de línguas se configura como um campo de luta simbólica, como afirma Moita Lopes (2013, p. 41):

As práticas de letramento em inglês não devem ser vistas como neutras ou técnicas, pois elas envolvem a construção de identidades, subjetividades e relações sociais. O professor precisa se colocar como um agente que possibilita aos alunos negociarem seus posicionamentos em relação aos discursos dominantes e aos modos de ser no mundo.

Essa compreensão crítica rompe com a concepção tecnicista do ensino de línguas e aponta para a necessidade de se elaborar um currículo que enfrente o racismo estrutural de maneira ativa. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), apesar de reconhecer a diversidade como um princípio, ainda carece de uma diretriz explícita que aponte para a centralidade da questão racial. Como observa Paiva (2021, p. 98), não basta a diversidade como retórica:

A simples inclusão da palavra “diversidade” em documentos oficiais não garante uma prática pedagógica crítica. É preciso que os professores estejam conscientes das desigualdades sociais e que desenvolvam propostas de ensino que enfrentem, de fato, o racismo e as múltiplas formas de opressão nas salas de aula.

Com base nessa crítica, é necessário compreender o currículo como construção cultural e política. Ele não é um produto neutro, mas um projeto que pode ou reforçar desigualdades ou promover a equidade. Quando se insiste no ensino de uma variedade padrão do inglês, geralmente anglo-americana ou britânica, exclui-se deliberadamente o reconhecimento das vozes negras, indígenas e periféricas que também produzem e vivenciam a língua inglesa. Como destaca Moita Lopes (2006, p. 78):

O ensino de línguas estrangeiras não pode ser isento de ideologia. Ele participa ativamente da reprodução (ou contestação) de visões de mundo. Nesse contexto, assumir uma postura crítica significa trazer para o centro do currículo as histórias silenciadas, os corpos invisibilizados e as epistemologias marginalizadas.

O engajamento do(a) professor(a) com uma proposta antirracista passa, portanto, por sua formação continuada, por sua leitura crítica de materiais didáticos e pela escolha consciente de estratégias pedagógicas que valorizem a multiplicidade de experiências. Paiva (2019, p. 45) argumenta que é preciso criar condições para que os alunos desenvolvam sua autonomia crítica, e isso só ocorre quando os discursos sobre raça, poder e identidade são tratados de forma dialógica:

Ensinar inglês de forma crítica requer o uso de gêneros discursivos que provoquem nos estudantes o desejo de interpretar o mundo. Isso inclui a análise de letras de músicas, filmes, reportagens, blogs e outras produções que falem de realidades diversas e tragam à tona os conflitos sociais, inclusive os relacionados à raça.

Nesse cenário, o professor deixa de ser mero transmissor de conteúdos e passa a ser um mediador de debates que tensionam as narrativas coloniais. Incorporar ao currículo textos de autores negros, análises de produtos culturais africanos e afrodiaspóricos em língua inglesa, e discussões sobre racismo em contextos globais são ações concretas que dão corpo a uma pedagogia decolonial e antirracista.

Portanto, o ensino de inglês, ao se articular com a luta antirracista, transforma-se em prática emancipatória. Mais do que ensinar estruturas linguísticas, trata-se de formar sujeitos críticos, capazes de questionar os discursos de dominação e de construir novas formas de convivência pautadas na justiça e na equidade. Como resume Moita Lopes (2013, p. 39):

A sala de aula é um espaço político. É nela que podemos reconfigurar os modos como os estudantes compreendem o mundo e a si mesmos. Nesse sentido, o professor que assume uma postura crítica tem o potencial de abrir caminhos para uma educação transformadora, que não se limita a repetir o já estabelecido, mas que ousa imaginar novas possibilidades de existência.

5 METODOLOGIA

Este estudo é de natureza qualitativa, exploratório por natureza e teórico-documental na abordagem. Esta opção é justificada pelo nosso interesse em construir discursivamente os significados da educação antirracista no ensino de inglês, conforme apresentado nos documentos normativos, nas publicações do campo teórico e nas experiências de ensino referidas em artigos de revistas científicas. Os resultados foram fundamentados pela perspectiva da pesquisa educacional crítica, que considera a escola como um cenário de produção de significados e lutas simbólicas (Apple, 2005).

As principais fontes de dados foram a BNCC (Brasil, 2017), a Lei 10.639/03 e os PCNs e publicações mais recentes de pesquisadores nas áreas de Linguística Aplicada, Estudos Culturais e Estudos para relações raciais interativas. Os requisitos de inclusão: atualidade das obras (publicações entre 2010 e 2024), relevância para o campo da educação linguística crítica e alinhamento com uma perspectiva decolonial.

Ao mesmo tempo, foi também levado em conta o relato de práticas pedagógicas disponíveis em revistas científicas e em repositórios institucionais, que discutem experiências de ensino de inglês comprometidas com a valorização da cultura negra. Trabalhar nesses relatórios permitiu o mapeamento de estratégias didáticas e curriculares construídas por professores com diferentes configurações escolares.

Inspirada pela pesquisa-ação crítica, a pesquisa é orientada pela premissa de que a teoria precisa dialogar com a prática, e que a produção de conhecimento educacional deve contribuir para mudar a realidade (Freire, 1996). Desta forma, a reflexão sobre o currículo de inglês e suas possibilidades antirracistas não está vinculada ao puramente acadêmico, mas projetada como intervenção formativa na prática de ensino.

Vale mencionar que, embora um estudo teórico, está fundamentado em práticas já consolidadas nas redes públicas de escolas e em cursos de Formação de Professores. Experiências como essas ilustram o potencial de um currículo que imagina o inglês como um veículo pelo qual subjetividades críticas e emancipadas podem ser forjadas.

Finalmente, a análise textual foi enquadrada pelas categorias de: representabilidade, decolonialidade, currículo crítico, preparação de professores e práticas pedagógicas intersecionais. Destas categorias emergiu um argumento ligando as preocupações teóricas da educação antirracista com instâncias específicas de ação pedagógica no ensino de inglês.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Criar uma educação antirracista em inglês não pode ser uma questão de mera boa intenção. deve ser um compromisso teórico, político e pedagógico. Neste artigo, procuramos mostrar que a interculturalidade crítica, expressa a partir da base das pedagogias antirracistas, traça caminhos sólidos para ressignificar o currículo e o trabalho em sala de aula. Discutimos, especificamente, a necessidade de incluir conteúdos que se concentrem nas culturas afrodescendentes e africanas, considerando representatividade, pertencimento e equidade curricular.

A BNCC, com todos os seus limites, é um ponto de partida inicial para essa transformação, desde que seja lida criticamente e aplicada sensivelmente no contexto da situação escolar. A inclusão do respeito à diversidade como uma competência transversal da educação básica nos convoca a imaginar práticas que desafiem o racismo e promovam a equidade. No entanto, esse ponto de entrada deve ser questionado e ampliado por meio do protagonismo dos professores, bem como da escuta ativa dos alunos.

Como dissemos, a formação de professores é um eixo nesse processo. Sem uma formação crítica, os professores em ação perpetuam uma estrutura arcaica na qual produzem invisibilidades e estigmas. Portanto, é preciso garantir que os programas de formação de professores, desde o início e subsequentemente, sejam fornecidos com a consciência linguística, cultural e política para que esses professores se tornem agentes de transformação.

As estratégias pedagógicas oferecidas demonstram que é possível imaginar e realizar um ensino de inglês sintonizado com o trabalho antirracista. Tarefas interdisciplinares, adaptação de autores originais e avaliação formativa de textos, bem como abordagens de gêneros de discurso crítico, têm trazido bons resultados. Para além de instrumentos técnicos, essas práticas revelam uma posição ética que defende a educação como um direito e valoriza a diversidade como um valor.

Mas também sabemos que ainda há um longo caminho a ser percorrido. O racismo estrutural é obstinado e se manifesta em toda a estrutura escolar, nos currículos escolares, nas relações sociais e nos imaginários coletivos. Superá-lo exigirá coragem, escuta, empatia e ação coletiva. O ensino de inglês como língua estrangeira, apoiado nessas ideias, pode ajudar poderosamente no desenvolvimento de seres humanos mais críticos, reflexivos e preocupados com a construção de uma sociedade melhor.

E, por fim, enfatizamos novamente a importância de esse debate ser mantido em espaços de formação, escolas, locais educativos e políticas públicas. Somente por meio de conversas contínuas, hábitos localizados e ação de nossa parte podemos avançar no trabalho de desenvolver um currículo de inglês genuinamente antirracista, intercultural e humanizador.

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1 Discente do Curso de Doutorado em Educação do Christian Business School , Florida-Estados Unidos. ORCID:0009-0005-9836-4287. e-mail: [email protected]