O DILEMA DA CESSAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA COM A INSTITUIÇÃO DA POLÍTICA ANTIMANICOMIAL PELO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17794627


José Amadeu Ribeiro Neto1


RESUMO
O presente trabalho de pesquisa visa demonstrar como a implementação da política antimanicomial mudou os parâmetros de aplicação da medida de segurança em consonância com a Súmula 527 do STJ, aumentando significativamente o risco de se colocar em liberdade indivíduos incapazes de ressocialização em razão da alta periculosidade em caráter incessável. Neste contexto, analisamos o caso de quatro assassinos em série que atualmente cumprem pena no Brasil, cujos casos foram amplamente divulgados nos meios midiáticos para avaliar como a Administração Pública lidou e está lidando com os novos parâmetros da internação psiquiátrica. Ato contínuo, abordamos ainda a condutopatia que é um quadro clínico “fronteiriço” entre a sanidade e a insanidade, e por esta razão de difícil diagnóstico, inclusive que pode passar despercebido na maioria das avaliações psiquiátricas. A metodologia aplicada neste trabalho será a pesquisa bibliográfica assim como análise de decisões judiciais. Portanto, mister se faz o estudo do presente artigo, uma vez que garante uma análise apurada dos mecanismos que o Estado utiliza para garantir a segurança da sociedade mesmo quando, em um primeiro momento, tem o dever constitucional de fazer cessar toda e qualquer penalidade aplicada.
Palavras-chave: política antimanicomial - medida de segurança - assassinos em série - periculosidade.

ABSTRACT
The present research aims to demonstrate how the implementation of the anti-asylum policy has changed the parameters for applying security measures in accordance with Precedent 527 of the Superior Court of Justice (STJ), significantly increasing the risk of releasing individuals incapable of resocialization due to their extremely high and ongoing dangerousness. In this context, the study analyzes the cases of four serial killers currently serving sentences in Brazil, whose crimes were widely reported in the media, in order to assess how the Public Administration has dealt—and continues to deal—with the new parameters surrounding psychiatric commitment. Subsequently, the discussion also addresses conductopathy, a clinical condition that lies on the “borderline” between sanity and insanity, making its diagnosis particularly challenging and often overlooked in psychiatric evaluations. The methodology applied in this work involved bibliographic research as well as the analysis of judicial decisions. Therefore, studying the present article becomes essential, as it provides a thorough examination of the mechanisms the State employs to ensure public safety, even when it has, at first sight, a constitutional duty to terminate any penalties imposed.
Keywords: anti-asylum policy; security measure; serial killers; dangerousness.

1. INTRODUÇÃO

A ideia de redigir o presente artigo científico precede e muito minha carreira acadêmica, surgiu exatamente na noite do dia 25 de novembro de 2.004. Naquela noite, o programa Linha Direta exibiu a reportagem jornalística sobre Febrônio Índio do Brasil, “o filho da luz”. Este que foi o primeiro a receber medida de segurança no Brasil ainda no início do Século XX, e permaneceu por quase toda sua vida recolhido em hospital psiquiátrico.

Entender sobre assassinos em série e porque a maioria deles não é submetido a medida de segurança é também compreender um pouco mais sobre a história do nosso país. Ainda criança no interior de Goiás, lembro do meu avô falar dos matadores em série que faziam justiça no Brasil de antigamente a mando de homens como Secundino Cipriano da Silva (1.895 - 1.964), o “Coronel Bimbim” e José Júlio de Andrade (1.862 - 1.953), o “Coronel Zé Júlio”.

Esse fato ajuda a explicar o porquê os antigos moradores do interior do Brasil temiam buscar a justiça, pois esta era feita na verdade pelos coronéis tal qual hoje são feitas pelas milícias e pelo tribunal do crime e mesmo que se tivesse razão, quem a buscasse estaria sempre em dívidas com este poder paralelo.

A temática da aplicação da medida de segurança deve ser debatida dentro do meio acadêmico e do nosso ordenamento jurídico, para que se possa tanto evitar o preconceito contra os portadores de transtornos psiquiátricos em geral, quanto para se individualizar quais indivíduos são potencialmente perigosos para o convívio na sociedade em caráter permanente.

A metodologia aplicada no desenvolvimento do presente artigo foi voltada à pesquisa bibliográfica, por intermédio da análise de decisões judiciais, artigos científicos e teses de mestrado que discutem os casos aqui estudados, além de livros de autores; pesquisas em sites específicos que também contribuíram com dados necessários e opiniões de especialistas.

De forma sucinta e objetiva, a viabilidade jurídica da cessação da medida de segurança é analisada no presente artigo de um prisma único, a partir da análise dos processos de execuções penais de quatro prolíficos assassinos em série brasileiros, Marcelo Costa de Andrade, “O vampiro de Niterói”, José Vicente Matias, “ O hippie canibal”, Thiago Henrique Gomes da Rocha, “O maníaco de Goiânia”e Dyonatan Celestrino, “ O maníaco da Cruz”.

Por arremate, o principal objetivo do presente trabalho é debater como o Estado age durante e após o final do período estipulado para a imposição da medida de segurança em relação aos individuo inimputáveis e semi-imputáveis.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Dos Conceitos Científicos Essenciais

Para a melhor compreensão do presente trabalho, é necessário antes trazer a debate a concepção científica de alguns termos aqui utilizados. Foram buscadas não as ideias mais complexas mas sim as definições mais simplistas, visando possibilitar um entendimento acessível tanto a comunidade científica quanto aos leigos.

O primeiro dos conceitos são os “assassinos em série”, ou “serial killers”. Não há um consenso na psiquiatria sobre a definição de assassinos em série. Porém na criminologia, quando um assassino reincide em seus crimes com um mínimo de três ocasiões, tendo um intervalo de tempo entre cada um deles e com um padrão bem definido de vítima, além de um modo específico de agir também pré-definido temos aí um assassino em série. Aliás, o ponto mais importante para o diagnóstico de um assassino em série é um padrão bem definido no modo como ele pratica o crime e escolhe a vítima (MARTA, MAZZONI, 2010, p. 306-307)

A medida de segurança é uma providência distinta da prisão comum adotada pelo Estado pois é imposta ao agente inimputável ou semi-imputável que pratica um fato típico e ilícito, com base no grau de periculosidade do mesmo. Essa modalidade de sanção pode consistir em internação em Hospital de Custódia ou tratamento ambulatorial psiquiátrico e seu período mínimo é de 01 (um) a 03 (três) anos, podendo ou não se estender até a cessação de periculosidade constatada por perito judicial (DE FREITAS, ANA CLELIA et al, 2014, p.9).

A Psicopatia/Sociopatia é um distúrbio mental no qual o portador apresenta comportamentos antissociais e amorais sem apresentar arrependimento ou culpa, tem dificuldades para formar laços afetivos estruturados, não tem empatia, são egocêntricos e incapazes de aprender com a experiência (MACEDO, MASNINI; 2019; p. 53).

Já em relação a esquizofrenia, cujo senso comum reputa como loucura(na qual o doente tem delírios persecutórios sem conexão coma realidade dentre vários outros sintomas), sua definição científica mais moderna indica uma psicose crônica idiopática. Essa doença ainda não é totalmente compreendida pela ciência, aparentando ser um conjunto de diferentes doenças com sintomas em comum. Essa desordem mental é de origem multifatorial onde os fatores genéticos e ambientais parecem estar associados a um aumento no risco de desenvolver a doença (SILVA, 2006, p.1).

2.2. O Movimento Antimanicomial e o Delicado Momento da Decisão Judicial de Desinternação

A súmula 527 do STJ limitou a aplicação da medida de segurança ao tempo máximo da pena abstrata definida em lei. Devemos entender a medida de segurança não só como sanção mas também como um tratamento psiquiátrico destinado a reinserir o indivíduo em sociedade.

O busílis da questão carcerária brasileira atinente a aplicação da medida de segurança é se um indivíduo tem realmente sua periculosidade cessada pelo tratamento propiciado no decurso da medida de segurança ao ponto de poder retornar a sociedade após o cumprimento da pena, sem representar risco a sociedade.

A resolução nº 487 do CNJ que previu a extinção dos manicômios judiciários no nosso país resulta de um processo que começou com a promulgação da lei federal nº 10.216/2.001 no qual o Brasil reconheceu os direitos fundamentais dos portadores de transtornos mentais e se intensificou a partir do julgamento da ADPF nº 347 pelo STF que se reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucional no sistema carcerário brasileiro (Portal CNJ, 2025, p. 11).

Partindo da concepção mais simplista possível e que possa ser entendida até mesmo por um leigo, a internação é uma etapa mais intensiva da medida da segurança e o tratamento ambulatorial ainda pode ser uma etapa da medida de segurança no sentido do tratamento(que em alguns dos casos, perdurará pela vida inteira).

Entretanto, a decisão de desinternação é o marco temporal exato da reinserção do indivíduo na sociedade. Para o poder judiciário, o parecer favorável de cessação de periculosidade emitido ao final do período de desinternação é suficiente, na maioria das vezes, para o paciente deixar a custódia em tempo integral.

Sobre o exame de cessação de periculosidade, convém observar o seguinte ponto de vista doutrinário Prado e Schindler (2017, p. 634).

O exame de cessação, em regra, será realizado depois de transcorrido o prazo que varia de um a três anos, de acordo com o que foi fixado pelo juiz na sentença, sob a égide do argumento da periculosidade do agente. Enquanto a periculosidade do agente não cessa, mantém-se a execução da medida de segurança, o que pode resultar na permanência de pacientes por décadas na instituição. Esse caráter restritivo da medida, sem falar na falta de infraestrutura adequada e de pessoal nessas unidades, resulta na privação de outros direitos durante longo período da vida do paciente.

No ano de 2024, o Conselho Nacional de Justiça promoveu uma pesquisa sobre a aplicação da medida de segurança nos estados do país que mais apresentam população carcerária, chegando aos seguintes números em relação aos exames que são levados em conta no processo de desinternação, conforme apresentado no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Avaliações e exames considerados nas decisões que determinam a desinternação

Fonte: Adaptado de CNJ (2024, p.166)

O STJ ao interpretar a Súmula 527, tem garantido a liberdade de sancionados ao final do prazo de cumprimento da pena inadmitindo sua continuação indefinida. Notemos o exato teor de uma decisão proferida agora mesmo no ano de 2.025.

DIREITO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. LIMITAÇÃO TEMPORAL . INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 527 DESTE SUPERIOR TRIBUNAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. I . Caso em exame 1. Embargos de declaração opostos ao acórdão denegatório de habeas corpus, no qual se manteve a imposição de tratamento ambulatorial, devido à inimputabilidade do paciente, por prazo indeterminado. 2. O paciente foi absolvido impropriamente do crime previsto no art . 157, § 2º, I e II, c/c o art. 29, caput, do Código Penal, sendo-lhe imposta medida de segurança pelo prazo mínimo de um ano, conforme art. 97, caput e § 1º, do Código Penal.II . Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se a medida de segurança aplicada ao paciente deve ser limitada ao tempo máximo da pena abstratamente cominada ao delito, conforme a Súmula n. 527 deste Superior Tribunal, ou se deve ser mantida enquanto não cessada a periculosidade do agente, nos termos do art. 97, § 1º, do Código Penal . III. Razões de decidir 4. A Súmula 527/STJ estabelece que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, sem fazer distinção entre medidas de segurança substitutivas de pena ou decorrentes de sentença absolutória imprópria. 5. Os precedentes que deram origem à Súmula n. 527 referem-se expressamente a casos de sentença absolutória imprópria, evidenciando a contradição da decisão embargada. IV. Dispositivo e tese 7 . Embargos acolhidos para sanar a contradição apontada e, reconhecida a aplicabilidade da Súmula n. 527/STJ ao caso concreto, conceder a ordem de habeas corpus para restabelecer a decisão de primeiro grau que extinguiu a medida de segurança imposta ao paciente.Tese de julgamento: "1. O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, conforme a Súmula n . 527 do STJ. 2. A medida de segurança imposta em sentença absolutória imprópria deve respeitar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito, não se aplicando indefinidamente enquanto não cessada a periculosidade do agente".Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art . 97, § 1º;Súmula 527 do STJ.Jurisprudência relevante citada: STJ, HC 174.342/RS, Rel. Min . Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 11/10/2011, DJe de 14/11/2011; STJ, AgRg no AREsp 357.508/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 16/12/2014, DJe de 3/2/2015; STJ, HC 286 .733/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 25/11/2014, DJe de 15/12/2014. (STJ - EDcl no HC: 894787 SP 2024/0066910-9, Relator.: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 06/05/2025, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJEN 12/05/2025) (Destaquei) (PORTAL JUSBRASIL, 2025).

Importante destacar que a medida de segurança tem sido extinta em alguns estados como Minas Gerais, por exemplo, até mesmo sem a realização do exame de cessação da periculosidade.

EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. EXTINÇÃO . PRAZO MÁXIMO. SÚMULA 527 DO STJ. INEXISTÊNCIA DE PERICULOSIDADE. RECURSO DESPROVIDO . I. Caso em exame 1. Agravo interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra decisão do Juízo de Execuções Penais da comarca de Belo Horizonte/MG, que julgou extinta a medida de segurança imposta ao recorrido com fundamento na Súmula 527 do STJ e no art. 96, parágrafo único, do CP . O agravante pleiteia a realização de exame de cessação de periculosidade. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se a medida de segurança pode ser extinta em razão do prazo máximo de pena abstratamente cominada ao delito, sem a submissão do sentenciado ao exame de cessação de periculosidade . III. Razões de decidir 3. A medida de segurança deve observar o limite máximo de pena abstratamente cominada ao delito praticado, conforme entendimento consolidado pela Súmula 527 do STJ, sob pena de configurar sanção estatal perpetuada, em desacordo com o art. 5º, XLVII, da CF/1988. 4. No caso em exame, o prazo máximo da medida de segurança foi alcançado, tendo em vista que o delito praticado pelo recorrido possui pena máxima abstrata de três anos. 5. A manutenção da medida de segurança após o cumprimento do prazo máximo implicaria em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao caráter excepcional da sanção . IV. Dispositivo e tese 6. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1 . O prazo máximo da medida de segurança não pode ultrapassar o limite da pena abstratamente cominada ao delito. 2. É cabível a extinção da medida de segurança quando alcançado o prazo máximo, sem necessidade de submissão a exame de cessação de periculosidade. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art . 5º, XLVII; CP, art. 96, p.u.; Súmula 527/STJ . (TJ-MG - Agravo de Execução Penal: 17121732420248130000, Relator.: Des.(a) Haroldo André Toscano de Oliveira (JD Convocado), Data de Julgamento: 17/03/2025, Núcleo da Justiça 4.0 - Especial / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 17/03/2025)” (Destaquei) (PORTAL JUSBRASIL, 2025).

No Distrito Federal, a aplicação da medida de segurança já foi aplicada até mesmo por um período inferior ao que preconiza a legislação penal. Notemos a ementa da decisão judicial.

APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA. VIAS DE FATO. MATERIALIDADE E AUTORIA . DEMONSTRADAS. ACERVO PROBATÓRIO ROBUSTO. INIMPUTABILIDADE. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA . MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO. ADEQUADA. PERICULOSIDADE . PRAZO MÁXIMO. PENA ABSTRATAMENTE COMINADA. SÚMULA N. 527 DO STJ . 1. Tendo em vista os depoimentos judiciais e as demais provas dos autos, não há dúvidas de que a acusada praticou os fatos descritos na denúncia 2. A ameaça está inserida no capítulo dos crimes contra a liberdade individual, no art. 147 do Código Penal, restando caracterizada quando alguém expõe a intenção de causar mal injusto e grave a outrem, por palavra, escrito, gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de forma direta ou indireta, desde que a intimidação seja apta a causar temor na vítima . 2.1 Para a configuração do crime basta que a ameaça seja idônea e séria, causando fundado temor à vítima, independentemente do estado emocional do agente. 3. Para a fixação da medida de segurança, deve o julgador, a partir dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, considerar a periculosidade do agente, e não a natureza da pena privativa de liberdade a ser aplicável, sendo-lhe deferida a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável no caso concreto . Precedentes. 4. Em que pese o art. 97, § 1º, do CP determinar que o prazo mínimo da internação ou do tratamento ambulatorial deverá ser de 1 ano, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que esse dispositivo legal deve ser interpretado em conformidade com a redação da Súmula nº 527/STJ, que determina: "O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado" . Precedentes. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido apenas para estabelecer que o prazo de cumprimento da medida de segurança seja no máximo de 9 (nove) meses, mantendo inalterados os demais pontos da sentença. (TJ-DF 0711557-27 .2021.8.07.0004 1831083, Relator.: GISLENE PINHEIRO, Data de Julgamento: 14/03/2024, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 20/03/2024)” (Destaquei) (PORTAL JUSBRASIL, 2025).

No nosso ordenamento jurídico, em regra, o julgamento criminal é para o fato e não para o agente e isso ajuda e muito a explicar as decisões judiciais pela extinção precoce da medida de segurança (internação) independente de prova objetiva da cessação da periculosidade do agente. Contudo, quando se trata do indivíduo portador de transtornos mentais crônicos há que se ponderar e muito se um indivíduo tem condições de retornar ao pleno convívio social.

A ponderação destacada no parágrafo anterior é para que se evitem os erros do passado, no qual a Administração Pública colocou nas ruas indivíduos que voltaram a delinquir como Febrônio Índio do Brasil, “o filho da luz” e Francisco Costa Rocha “Chico Picadinho”.

2.3. Assassinos em Série, “Uma Minoria Barulhenta” e as Soluções Adotadas até Agora

Antes de seguirmos em frente, temos que fazer uma ressalva. É ponto pacífico na literatura cientifica psiquiátrica que a absoluta minoria dos portadores de transtornos mentais são violentos.

Corroborando com a tese disposta no parágrafo anterior, ora lanço mão da análise de um artigo científico atinente a revisão de bibliografia no campo de estudo da psiquiatria divulgado no jornal brasileiro da psiquiatria.

Neste artigo podemos citar tanto o ponto de vista de Monahan(1.992, p.511-521 apud Teixeira et al, 2007, p. 128) quanto o de Gattaz( 1.998, p.145-147 apud Teixeira et al, 2007, p. 128), sob a ótica de Teixeira et al (2007, p. 128) que assim observa.

Um ato grave de violência cometido por uma pessoa com transtorno mental grave é um evento relativamente raro (Monahan, 1992). Entretanto, quando ocorrem episódios de grande repercussão na mídia, o tema volta a ser foco de atenção e debate (Gattaz, 1998; Josef e Silva, 2003). Essa relação é intensamente reforçada por aspectos culturais e históricos, que desde o século XIX associam “loucura” a crime. Violência e transtorno mental associam-se na mente do público e os profissionais de saúde mental costumam sentir-se compelidos a dizer que esses medos são infundados.” (Destaquei)

Partindo do princípio que a maioria dos portadores de transtorno mentais não são violentos bem como no intuito de se efetivar os direitos fundamentais aos portadores de transtornos mentais em geral, a política antimanicominal já avança em todo o país. Notemos o mapa da expansão da política antimanicomial que está sendo implementada atualmente.

Fonte: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/novo-relatorio-da-politica-antimanicomial-confirma-avancos-em-todos-os-estados-do-pais/. Acesso em 05 de outubro de 2.025, ás 11 horas e 08 minutos.

Se por um lado, a política antimanicomial é imprescindível para dar um tratamento digno e humanizado aos portadores de transtorno mentais que não são violentos essa política pode ser desastrosa quando se trata de colocar na rua os portadores de transtornos mentais violentos como por exemplo, alguns assassinos em série.

Uma falha na avaliação de periculosidade acarretou na relativização da medida de segurança do assassino em série, Ademir Lopes do Rosário, conhecido como o “maníaco da Cantareira”. Ainda durante o processo de desinternação, quando apenas passava os finais de semana em casa, este voltou a delinquir matando e abusando de dois adolescentes em 2011.

Em 2015, o Estado de São Paulo inclusive foi condenado a pagar R$ 100.000 (cem mil) reais a mãe das vítimas de Ademir, além de dever pagar pensão mensal até a data em que cada um de seus dois filhos completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Na decisão, o Desembargador Relator mencionou que “se o programa de desinternação progressiva contasse com número adequado de profissionais e proporcionasse acompanhamento efetivo do paciente, não teriam sido permitidas as visitas domiciliares nos moldes em que foram deferidas" (PORTAL G1, 2015).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Do ponto de vista criminológico e psiquiátrico, esses dois indivíduos são assassinos em série, com reiteradas mortes cometidas através de um modus operandi e padrão de vítima bem definidos que em liberdade, possivelmente voltarão a matar.

Contudo, apesar de serem portadores de transtornos mentais atestados em laudos periciais, para o nosso ordenamento jurídico estes são equiparados a criminosos comuns, simplesmente pois entendem o caráter ilícito dos crimes, ou seja, tem o discernimento entre o “bem” e o “mal”.

São culpáveis na forma da lei e cumprem pena em presídio comum junto com outros presos. O preocupante é que em algum momento serão colocados em liberdade.

No nosso país, as penas por diversos crimes independentes são unificadas e hoje não podem ultrapassar 40 (quarenta) anos em regime fechado. Entretanto antes do ano de 2.020(vigência do pacote anti crime) esse prazo era de 30 (trinta) anos.

Recentemente a Netflix, lançou um seriado de sucesso mundial inspirado na trajetória do assassino em série norte americano Jeffrey Dahmer que chegou a praticar atos de canibalismo. Porém aqui mesmo no Brasil há um assassino em série canibal que diferentemente do norte americano, ganhará a liberdade em alguns anos, possivelmente em 2.036. Trata-se de José Vicente Matias, “O Corumbá”.

Esse criminoso brutal foi considerado imputável mesmo tendo matado a pauladas a turista espanhola Núria Fernandez Collada de 27 anos, em Alcântara - Maranhão, no ano de 2.005. Naquele ano também assassinou a turista alemã Marianne Kern, de 49 anos em Barreirinhas-Maranhão. Além ter cometido violência sexual, ele comeu parte do seu cérebro das vítimas e bebeu seu sangue num ritual de magia negra. José Vicente matou seis mulheres (o número pode ser maior) em quatro estados brasileiros, todos os crimes foram cometidos com requintes de crueldade. Em outro crime cometido em Goiânia em 2.004, a vítima Lidiane Vieira Melo. Lidiane, jovem de 16 anos, passou um dia e meio amarrada enquanto Corumbá bebia o sangue dela. Lidiane foi morta por estrangulamento e depois decapitada (PORTAL G1, 2025).

O criminoso José Vicente Matias é um artesão e andarilho que notadamente possui transtornos mentais, tanto que atribuiu a razão dos crimes a uma ordem sobrenatural. É um criminoso de jeito calmo e frio que no laudo psiquiátrico foi apontado como uma pessoa com transtorno de personalidade antissocial, que é o distúrbio caracterizado pelo desprezo por outras pessoas. Ele se aproximava das vítimas (todas mulheres jovens e de boa aparência), passando-se por tatuador para conquistar sua confiança e as levando para locais isolados em regiões de trilha ecológica para cometer seus crimes (PORTAL METRÓPOLES, 2024).

Thiago Henrique Gomes da Rocha, “o maníaco de Goiânia”, está preso desde 2.014 e tem saída prevista para o ano de 2.044 posto que a pena máxima no Brasil é de 30 (trinta anos) em regime fechado. Foi julgado e condenado por 35 homicídios, sendo réu confesso em todos. Somente no período entre janeiro e agosto de 2.014 matou 16 pessoas, apenas por serem mulheres, terem cabelo preto e boa aparência. Todas as suas penas somam mais de 700 (setecentos anos) de prisão. Na prisão foi diagnosticado como portador do Transtorno de personalidade antissocial pela junta médica, apontado também como de altíssima periculosidade. O laudo emitido pelo perito judicial foi bem claro ao atestar que não há qualquer tratamento para sua condição (PORTAL METRÓPOLES, 2024).

3.1. Os Inimputáveis: Dyonatan Celestrino, “O Maníaco da Cruz” e Marcelo Costa de Andrade, “O Vampiro de Niterói”

Esses dois assassinos em série, receberam medida de segurança pois foram considerados como incapazes de entender o caráter ilícito no cometimento de seus crimes e provavelmente permanecerão por toda sua vida internados em unidade psiquiátrica.

O que chama a atenção são os problemas que o poder público tem para aplicar a medida de segurança em plena consonância do que preconiza o nosso ordenamento jurídico pois não haverá instituições plenamente capacitadas para receber esses indivíduos com o fechamento dos manicômios judiciários determinado pela Resolução nº 487 do CNJ(que teve seus efeitos modulados por decisão judicial).

Dyonatan Celestrino, o “maníaco da cruz” matou três pessoas aos 16 anos, em 2.008, em Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul. Teoricamente teria de ter sido colocado em liberdade aos 21 anos pois cometeu ato infracional e não crimes propriamente ditos. Porém este foi considerado inimputável e cumpre medida de segurança até hoje. Do ponto de vista criminológico, este indivíduo é um assassino em série de altíssima periculosidade (PORTAL CNN, 2025).

O maníaco da cruz tem atualmente 33 anos e já passou mais metade de sua vida atrás da grades e provavelmente nunca mais deixará a tutela do estado pois sua periculosidade é incessável, o que tem sido atestado nos laudos psiquiátricos feitos todos os anos.

No dia 06 de setembro de 2.024, o juiz Alexandre Antunes que conduz a execução penal deste indivíduo (processo de nº 6003921-51.2020.8.12.0001), declarou incidentalmente a inconstitucionalidade da Resolução nº 487 do CNJ e admitiu que o Mato Grosso do Sul não tem um estabelecimento adequado para o tratamento do sancionado. Convém aqui destacar as principais razões de decidir do Magistrado.

Além disso, a Resolução n° 487/2023 do CNJ, ao determinar o fechamento dos hospitais psiquiátricos de custódia e o encaminhamento desses pacientes para Hospitais Gerais, CAPS e Serviços Residenciais Terapêuticos, proibindo novas internações, não leva em consideração o nível de periculosidade dos pacientes, ignorando a distinção entre doentes mentais perigosos e não perigosos, tratando todos os casos como se pudessem ser administrados no âmbito do SUS, em unidades comuns de saúde. Sem uma rede de suporte com infraestrutura adequada e sem hospitais de custódia, doentes mentais que cometeram crimes graves e que representam um risco significativo à sociedade podem começar a ser tratados em ambientes de saúde pública inadequados para as suas necessidades e para a segurança da população, podendo levar ao aumento de episódios de violência, reincidência criminal e ao abandono do tratamento psiquiátrico, ocasionando impactos sociais significativos. Entidades médicas como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) criticam a Resolução por não ter sido debatida com especialistas e por gerar riscos a segurança pública, incluindo o abandono de tratamento médico e o aumento da reincidência criminal. Além disso, faltam equipes multidisciplinares nas RAPS, hospitais com alas psiquiátricas e infraestrutura básica para implementar as medidas previstas na Resolução, tornando inviável a reinserção desses indivíduos em ambientes de saúde pública, eis que, além de necessitarem de cuidados específicos, podem ter comportamento violento, colocando em risco a segurança pública. Atento a essas considerações, não há outra conclusão possível senão a de que a Resolução n° 487/2023 do CNJ padece de inconstitucionalidade, por violação à harmonia e independência dos poderes prevista no art. 2º e a competência legislativa prevista nos arts. 48 c/c os arts. 22, I; 23, II e 24, XIV, todos da Constituição Federal. (...) (Destaquei) (Processo de nº 6003921-51.2020.8.12.0001) TJMS.

Se o Estado de Mato Grosso do Sul que possui um único assassino em série que cumpre medida de segurança está tendo problemas para efetivar a Resolução nº 487 do CNJ, imagine o Rio de Janeiro que possui uma das maiores populações carcerárias do país e por conseguinte, também possui muito mais internos em medida de segurança.

Dentre os apenados que cumprem medida de segurança no Rio de Janeiro, existe um caso peculiar, o “Vampiro de Niterói”, um indivíduo tão perigoso que obrigou o Estado a manter um manicômio judiciário(Hospital de Custódia Henrique Roxo) apenas para recebê-lo (PORTAL TERRA, 2024).

Marcelo Costa de Andrade, atualmente com 58 anos, recebeu da imprensa o apelido de “Vampiro de Niterói” pois foi condenado em razão de abuso, tortura e morte de 14 crianças e adolescentes entre agosto e dezembro de 1.991, chegando cometer necrofilia e beber o sangue das vítimas. Marcelo foi declarado inimputável e cumpre medida de segurança desde 1.993, ou seja a 32 (trinta e dois anos) (PORTAL ELETRÔNICO REVISTA GALILEU, 2024).

Importante destacar que Marcelo Costa de Andrade deveria ter sido colocado em liberdade em 2.023, quando completou-se o prazo máximo em que poderia ter ficado detido a luz da Súmula 527 do STJ, porém hoje sua internação não se dá mais pela esfera penal, mas sim pela esfera cível(na prática é um curatelado sob tutela do estado). Marcelo possui além de outros transtornos mentais, o desenvolvimento mental incompleto e hoje não pode mais se adaptar a sociedade além de praticamente não ter mais vínculos familiares.

Na decisão que indeferiu o pedido de liberdade de Marcelo Costa de Andrade em 02 de maio de 2.023, a juíza Roberta Barrouin Carvalho de Souza que preside o seu processo de execução penal de nº 0252668-59.2000.8.19.0001, menciona dentre suas razões de decidir.

Neste contexto é que a solução que ora se afigura mais adequada é aquela sinalizada pelo i. Parquet, com a migração do caso da esfera judicial para a cível, afeta à saúde pública - eis que se avizinha o tempo máximo em que o paciente poderá estar internado em HCTP - com sua futura transferência para hospital geral psiquiátrico, sem custódia, mas com prosseguimento dos tratamentos multidisciplinares de que necessita, os quais, por sua vez, terão de ser providenciados dentro da Rede de Assistência Psicossocial (RAPS) e pelo Centro de Assistência Psicossocial (CAPS) competentes de acordo com o território onde o internado vier a estar internado e, posteriormente, domiciliado. Independentemente das peculiaridades desta execução, destaque-se não será outra a postura que o Estado-Juiz haverá de adotar em todo e qualquer caso de medidas de segurança de internação com a entrada em vigor, já dentro de alguns dias, da Resolução 487 do c. CNJ, que visa dar concretude e efetividade à Política Antimanicomial no âmbito, dentre outros, da execução penal, como pode se conferir, v.g., em seus artigos 3º, V, VII, VIII e IX; 13, §1º; 16, I, 17 e 18. (...)Processo nº 0252668-59.2000.8.19.0001. TJRJ.

Antigamente, o desenvolvimento mental incompleto era chamado popularmente de “retardo mental”, e causava a internação por período indeterminado, mesmo de indivíduos não violentos(que hoje recebe tratamento ambulatorial e podem conviver com os familiares) em hospícios no qual estavam sujeitos a todas as violências imagináveis.

A internação pautada na interdição civil que foi aplicada ao “Vampiro de Niterói” não é uma solução jurídica que poderá ser aplicada a outros inimputáveis que conservarem sua autonomia e pleno desenvolvimento mental ao final da internação.

3.2. A Semi Imputabilidade, a Piromania e a Condutopatia: O Limiar Entre a Loucura e a Razão.

Se alguém contasse que em pleno ano de 2.025, agora mesmo em setembro, o poder judiciário brasileiro colocou em liberdade um assassino em série que praticou canibalismo, você acreditaria?

No dia 09 de setembro de 2.025, o juiz Haroldo de Araújo Abreu Neto que preside a vara de execuções penais de Jaru em Rondônia, cumpriu a lei e proferindo uma decisão no bojo da execução penal de nº 4000212-81.2005.8.22.0003, colocou em liberdade Djalma Campos de Figueiredo.

Djalma Campos de Figueiredo cometeu assassinatos em série com requintes de crueldade, inclusive praticando atos de canibalismo pois bebia o sangue e comia os olhos e orelhas das vítimas em Rondônia, chegando a fugir e ser recapturado duas vezes durante o cumprimento da pena (PORTAL G1, 2022).

Para o Estado de Rondônia, o fato deste indivíduo ter assassinado e cometido canibalismo não teve qualquer relevância ou influência no cumprimento de sua pena. Tanto que a analisar seu processo de execução não foi possível verificar qualquer avaliação psicológica ou psiquiátrica.

Situações como a do parágrafo anterior se repetem todos os anos e até todos os dias. O poder público, via de regra, não tem maiores preocupações com o quadro psiquiátrico e até mesmo com a saúde mental dos encarcerados.

Por mais incrível que pareça, o maior desafio para o poder público não são os inimputáveis (que possuem laudo psiquiátrico claro atestando essa condição) que cumprem medida de segurança mas sim aos semi-imputáveis(que em sua absoluta maioria, não passam por avaliação psiquiátrica) e acabam por não ser submetidos a medida de segurança ou a qualquer tratamento ou avaliação de sua condição mental.

São indivíduos que possuem algum grau de discernimento entre o certo e o errado, o estado mental destes indivíduos oscila entre a loucura e a razão.

O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento que o prazo máximo que um indivíduo semi imputável pode cumprir pena está limitado a pena estabelecida em sentença, ou seja a Súmula 527 do STJ também se aplica ao semi imputaveis, notemos o teor do acórdão logo abaixo.

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. SEMI-IMPUTÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA . PRAZO. 1. A medida de segurança substitutiva, aplicada ao semi-imputável na sentença condenatória, tem como limite máximo o quantum de pena estabelecido no decreto condenatório. 2 . Ordem concedida. (STJ - HC: 31138 SP 2003/0186511-7, Relator.: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 18/08/2005, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 06/02/2006 p. 330)” (Destaquei)

Segundo os números mais recentes publicados em 2.024 pelo CNJ, entre semi imputáveis e inimputáveis, existem 2.736 pessoas cumprindo medida de segurança no nosso país, sendo que 586 estão cumprindo tratamento ambulatorial. Notemos o gráfico colacionado que foi publicado no sítio eletrônico do CNJ.

Fonte: Disponível em: https://www.cnj.jus.br/politica-antimanicomial-estados-e-municipios-terao-mais-prazo-para-implementacao/. Acesso em 08 de outubro de 2.025, ás 14 horas e 25 minutos.

Os operadores do direito atuantes na seara criminal sabem que o direito acompanha a sociedade e há uma figura recém descrita pela psiquiatria que ainda não possui um lugar claramente definido na nossa legislação e jurisprudência criminal: a condutopatia.

Como leigos na psiquiatria e partindo do senso comum, via de regra, nós enxergamos o indivíduo como louco ou são assim como o preto e o branco, o certo e o errado, porém o condutopata é um indivíduo cuja a mente oscila entre a loucura e a razão.

O termo foi criado pelo psiquiatra forense Guido Arturo Palomba (2021), que explica que a nomenclatura é criada por sufixação conduta, modo de agir em sociedade, somada a “phathos” que tem por significado doença/sofrimento, para designar indivíduos que ficam na zona fronteiriça entre a normalidade mental e a insanidade mental, que se manifesta por um desejo distorcido, o levando a um comportamento que na maioria dos casos fere o direito de terceiros seja praticando, roubo, furto, estelionato, assassinatos dentre outros crimes.

Não há um protocolo legal em relação sequer ao diagnóstico da condutopatia entre os encarcerados no sistema penitenciário brasileiro, o que é grave pois estes indivíduos são criminosos de altíssima reincidência e o mesmo se aplica em relação a outros transtornos mentais menos conhecidos como a piromania, por exemplo.

A piromania é um transtorno mental raro e ainda pouco conhecido ou mesmo estudado pela ciência mas fazendo uso do senso comum pode ser compreendido como a vontade incontrolável de atear fogo em bens ou mesmo em pessoas.

Felizmente, existe registro de uma apenas um único assassino em série no nosso país que seja piromaníaco, ou seja que mata usando fogo. O andarilho guianense Gordon Fowler foi preso em Boa Vista - RR em 2018 após atear fogo em duas casas de imigrantes venezuelanos, ninguém morreu mas cinco pessoas ficaram feridas, o que o levou a responder por tentativas de homicídio. O seu modus operandi era sempre o mesmo atacar durante a noite(jogando álcool, gasolina ou coquetel molotov) casas onde sabia que tinha muitos imigrantes do país vizinho e fosse de fácil acesso (PORTAL G1, 2018)

Ao analisar detidamente o processo de execução penal de Gordon Fowler (processo nº 1001020-02.2019.8.23.0010) pude verificar que este cumpre pena entre os prisioneiros comuns e não teve qualquer avaliação psiquiátrica e tampouco recebe acompanhamento psicológico. Devido a hediondez das tentativas de morte por incineramento das vítimas, Gordon Fowler ganhará a liberdade apenas em 2042.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em ligeira síntese, devo dizer que foi gratificante concluir uma pesquisa científica que ansiei por tanto tempo e poder trazer a debate perante a comunidade científica, a necessidade de uma aproximação mais estreita entre a psiquiatria e o direito concernente á execução penal.

O verdadeiro dilema da cessação da medida de segurança é que a lei obriga o estado a colocar em liberdade um apenado que foi institucionalizado por anos a um ambiente hostil e nada terapêutico e com a saúde mental naturalmente já abalada, este indivíduo tem grandes chances de reincidir.

Por outro lado, com a desativação dos hospitais psiquiátricos, não há no Brasil um ambiente seguro e terapêutico que possa receber os internos em medida de segurança, o que foi bem evidenciado com a análise do “Maníaco da Cruz” que o Estado de Mato Grosso do Sul não tem condições de tratar e o “Vampiro de Niterói” que é um indivíduo tão perigoso que tem um estabelecimento penal somente para si.

A maior constatação e a mais preocupante que tive ao redigir o presente trabalho é que condutopatas, piromaníacos e semi-imputáveis em geral não cumprem medida de segurança e nem recebem qualquer acompanhamento psiquiátrico ou mesmo psicológico em sua absoluta maioria.

Neste contexto, com a conjugação de interpretações da Súmula 527 do STJ e Resolução nº 487 do CNJ, a Administração Pública está colocando e colocará em liberdade indivíduos extremamente perigosos posto que a maioria assassinos em série, condutopatas e portadores de outros transtornos mentais que comprometam o caráter mas não a autonomia, podem escamotear sua condição perfeitamente dos agentes públicos.

Por derradeiro, a solução que se é possível vislumbrar é um investimento massivo no acompanhamento da saúde mental dos encarcerados em geral no país para que se possa minorar a reincidência criminal através da individualização das terapias adequadas a cada caso. O que é difícil pois apenas a pouco tempo a saúde mental foi reconhecida como questão de saúde pública.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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CNJ – Conselho Nacional de Justiça; CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Relatório de implementação de Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Nº 2. Resolução CNJ n. 487/2023. Brasília: CNJ, 2024. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2025/06/relatorio-politica-antimanicomial-v2-205-06-17.pdf. Acesso em: 24 set. 2025.

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1 Especialista em Tribunal do Júri e Execução Penal da Faculdade Legal Educacional S/A. E-mail: [email protected]