O BRINCAR COMO ATIVIDADE SÉRIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: RESGATANDO BRINCADEIRAS ATRAVÉS DAS GERAÇÕES

PDF: Clique aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15272705


Geysa Karla Mendonça dos Santos1
Ana Rita de Cássia Silva oliveira2
Cristiane de King e Campos3
Leandro Araújo da Silva4
Rejane Pereira Alves5


RESUMO
Este artigo tem o objetivo de apresentar o resultado do projeto “BRINCAR É COISA SÉRIA – RESGATANDO BRINCADEIRAS ATRAVÉS DAS GERAÇÕES” desenvolvido junto a turma do 3º ano B da Escola Municipal Dalício Faria Filho em Boa Vista, Roraima, como parte do planejamento do componente curricular de Educação Física e que contou com as orientações de profissionais com formação e atuação na área, assim como da pedagogia e que atuam com o componente de Arte e na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) de outras unidades educativas, mostrando que é possível trabalhar interdisciplinarmente mesmo sem estar na mesma unidade educativa. A sua aplicação baseou-se no desenvolvimento de uma pesquisa de campo, com elementos da investigação bibliográfica, de abordagem qualitativa, do tipo descritiva. Por meio de seu desenvolvimento, conseguiu-se, não só fortalecer o respeito entre todos, mas, também, aprimorar o repertório cultural e promover a inclusão, tornando a integração de alunos migrantes mais leve, saudável e prazerosa para todos. Concluiu-se que enriquecer o repertório de ensino e aprendizagem das crianças de forma lúdica, mantendo o interesse pelas aulas, também ajuda a fortalecer os laços familiares de amizade, respeito e cidadania, além de despertar a curiosidade em novas descobertas, mostrando que o brincar vai muito além do tradicional “futebol e queimada” bastante vivenciado nos dias atuais.
Palavras-chave: Brincar. Educação Física. Ensino Fundamental. Interdisciplinaridade.

ABSTRACT
This article aims to present the result of the Project “PLAYING IS A SERIOUS THING – RESCUING GAMES THROUGHOUT THE GENERATIONS” developed with the 3rd year B class at the Dalício Faria Filho Municipal School in Boa Vista, Roraima, as part of the planning of the Physical Education curricular component and which had the guidance of professionals with training and experience in the area, as well as pedagogy and who work with the Art component and in the Multifunctional Resource Room (MRR) of other educational units, showing that it is possible to work interdisciplinarily even without being in the same educational unit. Its application was based on the development of field research, with elements of bibliographic research, with a qualitative, descriptive approach. Through its development, it was possible not only to strengthen respect among everyone, but also to improve the cultural repertoire and promote inclusion, making the integration of migrant students easier, healthier and more enjoyable for everyone. It was concluded that enriching children's teaching and learning repertoire in a playful way, maintaining interest in classes, also helps to strengthen family ties of friendship, respect and citizenship, in addition to awakening curiosity in new discoveries, showing that playing goes far beyond the traditional “soccer and dodgeball” widely experienced today.
Keywords: Play. Physical Education. Elementary Education. Interdisciplinarity.

Introdução

Ao compreender que é através do brincar que a criança interage e constrói laços com seu meio social (VYGOTSKY, 2009), ou seja, é entre o imaginário e o real que ela cria e fortalece laços afetivos, com seu ciclo social, seja com novos amigos ou entre seus familiares, considerou-se relevante abordar nas aulas de Educação Física, algo que pudesse ser usado para fortalecer os laços afetivos dos alunos com seus colegas, servidores da escola e seus familiares.

Além disso, é no Ensino Fundamental, etapa mais longa da Educação Básica, que deve ser assegurada de forma obrigatória, mediante a garantia da continuidade de suas experiências e considerando-se as suas especificidades, tanto relacionadas ao seu contexto socioeconômico quanto cultural, tal como pontua a Proposta Curricular Municipal de Ensino Fundamental (PCMEF) dos Anos Iniciais Educação de Jovens e Adultos (EJA), a necessidade de se valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, por meio da articulação com as experiências vivenciadas desde a Educação (BOA VISTA, 2022).

Assim, ao iniciar o ano letivo, passou-se a observar as crianças em seus dez minutos de aula livre (final da aula de Educação Física), como bônus por bom comportamento. Percebeu-se que costumam brincar sempre com as mesmas brincadeiras, sendo futebol somente com meninos, queimada ou pular corda somente com meninas, havendo explicitamente a divisão de gêneros.

Nesse momento, passou-se a questionar, intimamente, o que poderia ser feito para aproximá-los. Foi então que surgiu a ideia de envolver as famílias também nesta jornada de descobertas e aprendizado, mesmo que indiretamente neste trabalho, reforçando o importante papel no processo de ensino e aprendizagem de seus filhos. Além disso, contou-se com a orientação de colegas da área de Educação Física, Arte e Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), de outras unidades educativas da rede municipal de ensino, que muito contribuíram com ideias sobre como fortalecer o trabalho proposto e a inclusão escolar e social, uma vez que fazia parte do contexto a presença de alunos venezuelanos e com deficiência.

Passou-se, então, a observar também o comportamento de muitas crianças em seus momentos de intervalos, brincando muitas das vezes sozinhas, ou envolvidas em algum conflito por território ou objetos que faziam parte daquele seu momento de “brincadeira livre”. Constatou-se que, como mediadora do conhecimento delas com o meio em que estão inseridas, deveria desenvolver algo que mudasse tal realidade tão cheia de conflito, isso porque é no brincar que as crianças vivem seu cotidiano, além de criar novos laços e fortalecer os já criados, independentemente da idade das crianças (BRASIL, 2013).

A infância é a fase mais importante da vida de uma pessoa, é nesta fase que muitas das vivências adquiridas marcam por toda a nossa trajetória, sendo muitas dessas vivências lembradas até mesmo no momento da velhice (RORAIMA, 2019), e por que não propor boas memórias para os alunos?

Ao observar o cotidiano das crianças e suas interações durante o horário do recreio na escola em que atendo 7 turmas do ensino fundamental I, sendo 3 turmas de 1º ano, 3 turmas de 2º ano e 1 turma de 3º ano, conseguiu-se identificar que a maioria brinca muito de apenas correr pelo refeitório, local destinado às refeições diárias dos alunos da escola, colocando-se em risco, bem como colocando a integridade física de seus colegas também em risco, além de realizarem uma brincadeira de bater as mãos no chão, que consta no ato de tentar virar um card de algum personagem de anime que está no chão, apenas com o vento gerado pelas mãos batendo no chão, essa brincadeira além de ser considerada anti-higiênica, gera conflito entre os brincantes, que podem resultar em agressão verbal ou até mesmo física.

Como precisava de uma intervenção rápida e precisa, optou-se por envolver a turma do 3º ano B na construção deste trabalho, uma vez que seria necessário que eles fizessem algumas anotações, entrevistas no local de ensino e em casa. Pediu-se, então, às crianças que dessem sugestões de como o recreio seria melhor aproveitado com brincadeiras. A maioria não sabia que brincadeiras usar, foi neste momento que se ofertou a elas conhecer brincadeiras de seus pais, avós e bisavós, este foi o ponta pé inicial para começar o projeto de aprendizagem.

Dessa forma, este trabalho foi desenvolvido com a turma do 3º ano B, composta por 30 alunos, da Escola Municipal Dalício Faria Filho, localizada na cidade de Boa Vista – Roraima, sendo usado o método de pesquisa de campo, com aportes da pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa, do tipo descritiva, em que os alunos entrevistaram os servidores da escola e seus familiares, sendo possível possível listar, conversar e discutir as brincadeiras que foram realizadas durante o desenvolvimento deste projeto, cujos resultados se apresentam nesse relato.

A importância do brincar no processo de ensino e aprendizagem e sua influência no convívio escolar, familiar e social através das gerações.

Usando a premissa de que criança saudável é a criança que se movimenta, as brincadeiras antigas ajudam no estimulo do desenvolvimento motor, afetivo, lateralidade, equilíbrio, estabilização, raciocínio lógico além de criar e fortalecer laços afetivos, é que se fundamenta a importância do brincar na infância e para o processo de ensino e aprendizagem (BRASIL, 2013).

Além disso, crianças que brincam em grupo, aprendem mais cedo o conceito de compartilhar, do ganhar e perder, assim como de gerenciar melhor os conflitos que possam surgir durante as brincadeiras, sejam elas individuais ou não. Afinal, brincar, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), se constitui, entre outros aspectos, uma aprendizagem essencial e parte do desenvolvimento infantil (BRASIL, 2017).

Sabendo disso, é fato inegável a influência que o brincar exerce no convício familiar, escolar e social das crianças, e, como tal, é uma tradição que vem se perpetuando de forma positiva ao longo das gerações, tal como evidencia a Proposta Curricular Municipal de Ensino Fundamental (PCMEF) dos Anos Iniciais Educação de Jovens e Adultos (EJA) que:

No Ensino Fundamental a escolarização e o ensino de conteúdos disciplinares são prioritários, mas é também determinante considerar as crianças e suas necessidades, em especial, a necessidade de brincar, relacionando-as com as intenções educativas. Afinal, propõe-se trabalhar com uma concepção de educação que: valorize os conhecimentos prévios do aluno e a realidade em que está inserido; problematize o ensino, faça uso de situação problema; permita o aluno posicionar-se e ser questionador; incentive a pesquisa dentro e fora da escola; garanta o brincar, falar, movimentar, pensar e o observar dos educandos, e envolva a família e a comunidade nos processos educativos (BOA VISTA, 2022, p. 32).

Sendo assim, a infância é a fase mais importante da vida de uma pessoa. É nesta fase que muitas das vivências adquiridas marcam por toda a trajetória, sendo muitas dessas vivências lembradas até mesmo no momento da velhice. E, por que não propor boas memórias para os alunos?

Assim, sem deixar que a tecnologia e as brincadeiras atuais deixem de fazer parte do cotidiano dos alunos, é possível unir o passado e o presente através da troca de experiências entre as crianças de hoje com as de ontem (pais e avós), mantendo a identidade de cada tradição e forma de brincar, além de fazer adaptações para a realidade do ambiente escolar e familiar.

Isso se torna fundamental, uma vez que “a interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da infância, trazendo consigo muitas aprendizagens e potenciais para o desenvolvimento integral das crianças” (BRASIL, 2017, p. 37). Logo, é nos anos iniciais do Ensino Fundamental, segunda etapa da Educação Básica, que se consolidam aprendizagens anteriores e ampliação das práticas de linguagem, da experiência estética e intercultural das crianças. Além disso, é a etapa mais longa, e está organizada para atender estudantes entre 6 e 14 anos de idade.

Por conta disso, o foco dessa etapa da Educação Básica é, justamente, na articulação de experiências já promovidas, na ampliação de aprendizagens essenciais e de práticas de linguagem, da experiência estética e intercultural. Diante nisso, sua organização é pensada considerando-se o desenvolvimento de habilidades e competências mais complexas e específicas das diferentes áreas do conhecimento escolar, tal como destaca Martinati e Rocha (2015, p. 312) que:

Assim, considerada a pedra angular da Educação Básica, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (DCNEF) de 9 (nove) anos, o Ensino Fundamental tem constituído foco central da luta pelo direito à educação, tendo, por sua vez, matrícula obrigatória. Por conta disso, o Ensino Fundamental deve ser ofertado em um ambiente educativo que tenha como foco à alfabetização e letramento, à aquisição de conhecimentos de diferentes áreas e ao desenvolvimento de diversas formas de expressão, onde o brincar não seja mais o centro do processo de ensino e aprendizagem, mas, constitua-se um dos elementos promotores do desenvolvimento infantil e do progresso escolar.

E, a escola exerce um papel imprescindível nesse processo. O caminho a ser percorrido impõe diversos desafios, seja para a escola, para a criança ou para a família, e, por isso, desenvolver um currículo que atenda a bagagem de conhecimentos que as crianças precisam ter acesso, sem perder de vista a importância do brincar neste contexto, é algo que deve acontecer de forma tranquila. Mas, isso só é possível se houver um planejamento que considere a criança em todos os seus aspectos.

No caso da Educação Física Escolar, com seu currículo amplo e diversificado, esse é um componente curricular que exerce um importante papel no desenvolvimento do estudante, na medida em que se preocupa com “a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores” (BRASIL, 2017, p. 23).

Contribui para isso o fato do objeto de estudo da Educação Física ser a Cultura Corporal de Movimento, cuja vivência está alicerçada e organizada em práticas corporais evidenciadas por meio da abordagem cultural, seguindo unidades temáticas e objetos de conhecimento, onde o brincar perpassa toda a organização de seu currículo (BOA VISTA, 2022).

Tomando-se como base as competências voltadas para o corpo e movimento, práticas corporais e cultura, vida e saúde, formação cidadã, combate ao bullying, educação em valores, identidade e cultura, autonomia, inclusão, experimentação e valorização, o ensino de Educação Física, seguindo as premissas legais, deixa evidente que os conteúdos a serem abordados devem partir do contexto cultural de Roraima, da região norte, do Brasil e finalmente do mundo (RORAIMA, 2019).

Isso significa, conforme destaca Mello (2022) que, fica a critério dos professores decidirem como trabalhar com cada uma das unidades temáticas. No entanto, a estruturação e organização das aulas deve seguir uma sequência didática lógica, baseadas em três momentos distintos, que Boa Vista (2022) define como: contextualização (parte inicial), experimentação (parte principal) e avaliação (parte final), que deve ser concebida como instrumento de reflexão sobre a prática pedagógica, durante todo o processo, empregando critérios e instrumentos diversificados, de acordo com as dimensões conceitual, procedimental e atitudinal.

E, é nesse contexto de ensino que o brincar se insere como uma atividade séria que perpassa todas as gerações e que vem contribuindo com o desenvolvimento integral da criança em todas as fases de sua vida, pois exerce um papel importante no desenvolvimento nas habilidades físicas, cognitivas e socioafetivas, ajudando, portanto, no amadurecimento cerebral dos pequenos.

Os professores, sejam eles de Educação Física, Pedagogia ou que atuam em Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), por exemplo, contribuem significativamente para esse desenvolvimento, uma vez que é na escola que a criança dá início a vivência com outros ciclos, outras pessoas com diferentes tipos de temperamento, é o lugar também em que elas vivenciam os mais diferentes tipos de emoção que vão desde o chorar ao sorrir (VYGOTSKY, 2009).

Entender como o brincar é importante para o processo de ensino e aprendizagem, e como ele influencia no convívio escolar, familiar e social, é ponto fundamental para mostrar que é por meio desse ato que a criança mais aprende, e, é na escola, nos diferentes espaços, momentos e aulas, que elas mais têm acesso a esse mundo tão rico de fantasia, diversão e aprendizado, uma vez que faz-se necessário garantir os direitos de aprendizagem no conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.

Metodologia

Este trabalho teve como finalidade ampliar e fortalecer os laços familiares, aproximar a família das atividades desenvolvidas na escola, aproximar ainda mais alunos e funcionários do ambiente escolar, por meio de diálogos e trocas de vivências, além de permitir que o protagonismo infantil seja vivido em sua totalidade, dividindo o projeto em etapas, para que fosse divertido e prazeroso para todos os envolvidos. Prova disso é que o seu desenvolvimento contou com a participação, mesmo que indireta, de colegas da área de Educação Física, Arte e Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), de outras unidades educativas da rede municipal de ensino, que muito contribuíram com os seus conhecimentos interdisciplinares.

Para isso, desenvolveu-se um projeto ancorado na pesquisa de campo, com elementos da investigação bibliográfica, de abordagem qualitativa, do tipo descritiva, conforme propõe Gil (2010), por entender que é no Ensino Fundamental que se se organiza as experiências dos diferentes componentes curriculares, como é o caso da Educação Física, a partir da progressão das múltiplas aprendizagens, para que assim se desenvolvam competências e habilidades necessárias a formação do sujeito.

Além disso, a Proposta Curricular Municipal de Ensino Fundamental (PCMEF) dos Anos Iniciais/Educação de Jovens e Adultos (EJA) (BOA VISTA, 2022), propõe, entre outros aspectos, que o ensino de Educação Física na escola seja pensado a partir da organização da progressão do conhecimento se fundamenta na importância que cada área do currículo escolar tem para a consolidação das aprendizagens essenciais ao desenvolvimento acadêmico dos estudantes.

O projeto teve o seu desenvolvimento constituído de cinco fases. A primeira teve início com uma roda de conversa onde se discutiu o que poderia ser feito para usar melhor o tempo de recreio e aula livre de Educação Física. A segunda, constituiu-se da realização da pesquisa sobre as brincadeiras que os funcionários da escola mais gostavam de brincar quando criança. Na terceira, eles entrevistaram um representante de sua família com o mesmo teor da entrevista anterior. Na quarta, foi o momento da socialização das brincadeiras descobertas nas entrevistas. E, por fim, na quinta, escolheu-se as brincadeiras que gostariam de vivenciar, sendo todas executadas nas aulas de Educação Física após uma explicação inicial do que elas representavam e de como eram realizadas, fazendo-se sempre, as adaptações necessárias para que todos pudessem vivenciá-la de forma dinâmica e divertida.

O resultado do projeto foi apresentado as famílias na Feira de Iniciação Científica (FEIC), etapa escolar, onde contou com a presença de familiares e foi aberta para a visitação de todas as turmas e avaliadores que selecionaram os melhores trabalhos para a etapa municipal. Um momento único para os alunos que viram como um simples projeto fez toda a diferença em suas vidas.

Análise e discussão dos resultados

Na perspectiva de fazer um resgate das brincadeiras de outras gerações com as crianças do 3º ano do Ensino Fundamental, turma B, da Escola Municipal Dalício Faria Filho, como forma de lhes garantir o acesso a aprendizagem em diferentes linguagens, o desenvolvimento do projeto “BRINCAR É COISA SÉRIA – RESGATANDO BRINCADEIRAS ATRAVÉS DAS GERAÇÕES”, focou no brincar como uma atividade séria que precisa ser vivenciada na escola, sendo necessário, para isso, ir em busca de estratégias e metodologias diferentes de ensino, não esquecendo que esse ato é a principal ferramenta de ensino e aprendizagem, integrando tanto as crianças estrangeiras quanto às nacionais, usando brincadeiras simples, de fácil entendimento e populares nos países abordados.

Inicia-se destacando que durante o período de acolhida e socialização do início do ano letivo, foi possível observar, que durante as aulas de Educação Física, alguns alunos brigavam muito, pois havia uma certa disputa por território, onde todos queriam ser sempre os primeiros em qualquer atividade, até mesmo no momento de se dirigir para a quadra, disputa essa ocorrida com empurrões, ás vezes até mesmo com xingamentos.

Isto acendeu o alerta de que precisava desenvolver algo que ajudasse os alunos a lidarem com suas diferenças, respeitando um ao outro e entendendo que precisamos ser sensatos e empáticos uns com os outros, como forma de lhes garantir o acesso a aprendizagem em diferentes linguagens, a partir do desenvolvimento de um currículo próprio constituído de Base Comum e Base Diversificada que deve considerar “características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos” (BOA VISTA, 2018, p. 21).

Devido a agenda da escola ter alguns outros eventos à serem realizados, como o Festival da Primavera, por exemplo, foi preciso mudar um pouco as aulas do projeto, e até o fim de agosto, conseguiu-se realizar aulas práticas de algumas brincadeiras antigas e tradicionais, o que considera-se suficiente, pois foram feitas algumas variações destas brincadeiras, como evidenciado nos anexos (imagens), sendo possível perceber a satisfação e alegria das crianças em cada nova descoberta, além de melhora significativa no comportamento da turma, principalmente na hora do intervalo, que ao invés de ficarem correndo pelos corredores da escola, como antes, agora usavam o espaço lúdico para brincar e ensinar a outros colegas as brincadeiras que outrora aprenderam, percebendo-se que conseguiu-se chegar ao objetivo final deste trabalho.

Essa mudança de comportamento leva a perceber que a criança, “ao ingressar na etapa do Ensino Fundamental também precisa do brincar” (MELLO, 2022, p. 12). E, por isso, não se pode esperar que ela permaneça sentada durante quatro horas individualmente e com uma série de atividades a ser cumprida e nas horas vagas não sinta vontade de se soltar livremente. “Além disso, uma aprendizagem não se dá apenas por meio de livro, caderno e lápis” (BOA VISTA, 2022, p. 58).

Dessa forma, considerando essas bases legais, destaca-se que inicialmente, o projeto começou com uma roda de conversa em sala de aula com os alunos da turma 3º ano B, onde se discutiu o que poderia ser feito para usar melhor o tempo de recreio e aula livre de Educação Física, de forma consciente, divertida, interativa e respeitosa com todos os colegas, questionando os alunos à respeito de seu conhecimento em brincadeiras que seus pais, tios e avós costumavam brincar quando criança, abrindo assim o início do projeto na prática (Anexo 1).

Esse momento de discussão inicial, além de importante, oportunizou, entre outros aspectos, perceber que, de fato, o brincar faz parte dos eixos estruturantes, assim como as interações, pois lhes assegura os direitos de conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se (MARTINATI; ROCHA, 2015).

Seguindo a sequência das aulas do projeto, orientou-se que os alunos se dividissem em grupos, pegassem seus cadernos e lápis, e saíssem pela escola entrevistando os servidores, perguntando-lhes seus nomes, funções, que brincadeiras mais gostavam de brincar quando criança e como se brinca com a tal brincadeira.

Após a coleta na escola, os alunos partiram para a terceira fase do projeto, que foi escolher algum integrante de sua família, e fazer a entrevista exatamente como fez com os servidores da instituição de ensino, perguntando-lhes seus nomes, grau de parentesco, brincadeira que mais gostava de brincar quando criança e como se brincava com ela (Anexo 2).

As descobertas permitiram, num contexto geral, as crianças aprofundarem seus conhecimentos sobre como eram as brincadeiras da época dos entrevistados, que, “além de proporcionar uma troca de convivência, valoriza a cultura local e também auxiliam na aprendizagem da lateralidade e espacialidade, componentes fundamentais para esta fase da criança” (CARBONIERI; EIDT; MAGALHÃES, 2020, p. 02).

Antes de partir para a fase quatro, foi realizada mais uma roda de conversa em sala, para discutir as brincadeiras encontradas na pesquisa de campo. Sugeriu-se que colocassem os nomes destas brincadeiras na lousa e que todos votassem em quais gostariam de vivenciar na prática, e até mesmo conhecer, já que a comunidade é bem escolar diversificada.

Foram inúmeras as brincadeiras coletadas pela turma, tais como: bandeirinha, amarelinha, pular corda, futebol de rua, cantiga de roda, peteca (bolinha de gude), Nintendo (videogame), caí no poço, pião, comida do peixe, arma de pincha (tampa de garrafa de vidro), queimada, pular elástico, manja esconde, pula linha, gemesson, três Marias, porrinha, iô iô, pé de lata, sete pecados, adedonha, cabra cega, etc.

Com essa coleta, foi possível os alunos votarem e escolher quais gostariam de vivenciar, entre as mais votadas estavam: barra bandeira, amarelinha, bolinha de gude, pular elástico, comida de peixe, queimada, pião, gemesson, iô iô, sete pecados, respectivamente nesta ordem. Permitiu, também, uma reflexão sobre as semelhanças e diferenças no modo de vida das crianças de uma época diferente da deles, nas diversas realidades do estado em que vivem e das regionalidades dos participantes da pesquisa, confirmando assim, o quanto é rica e diversa as brincadeiras locais, nacionais, regionais e estrangeiras, também, tal como pontua Carbonieri, Eidt e Magalhães (2020) que o brincar ocupa um espaço significati­vo e relevante. Além disso, é imperativa a compreensão de que esse ato é de suma importância no desenvolvimento psíquico infantil.

Sendo assim, partiu-se para as aulas práticas das brincadeiras mais votadas, respectivamente em suas ordens de escolha pelos alunos. Iniciou-se as aulas sempre com roda de conversa, onde era explicada cada etapa da atividade, convidava-se alunos que demonstravam algum conhecimento sobre a brincadeira abordada na aula do dia para ajudar na explicação, intervindo apenas quando se via necessidade, seguindo então para a prática das atividades do dia, de acordo com o planejamento semanal das aulas, além de seguir a agenda escolar da instituição e da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) (Anexo 3).

As aulas foram adaptadas de acordo com a realidade vivenciada, fazendo as adaptações necessárias, substituindo materiais se fosse preciso, solicitando o apoio das famílias, aproximando-os ainda mais da rotina escolar de suas crianças, fortalecendo os laços afetivos e sociais, prezando pelo respeito individual e coletivo, priorizando o protagonismo dos alunos, além de incentiva-los a experimentar novas experiências (Anexo 4).

Por fim, ao participar da Feira de Iniciação Científica (FEIC), etapa escolar, foram delegadas funções para alguns alunos que se destacaram no decorrer do projeto, estes iriam explicar origem, curiosidades e forma de jogar das brincadeiras para as quais foram sorteadas para a exposição em nosso stand. As crianças demonstraram conhecer bem sobre o que estavam explicando para os expectadores, além de ficarem bem à vontade ao explicar e demonstrar como brincar, interagindo e divertindo-se com os espectadores (Anexo 5).

Num contexto geral, ficou evidenciado, por meio desse relato de experiência, que, de fato, o brincar é “o meio pelo qual as crianças se apro­priam das formas mais elaboradas de conhecimento da realidade criadas pelo gênero humano, expressas nas ciências e nas artes, possibilitando-lhes sair dos limites da vida cotidiana” (BOA VISTA, 2018, p. 25).

E, é justamente por isso que Mello (2018) pontua o quanto se faz necessário desenvolver projetos dessa natureza, pois a temática, por si só, já representa um marco significativo para a criança e não pode acontecer sem a garantia de aprendizagens essenciais. Os próprios processos educativos precisam ser adequados à faixa etária das crianças como forma de garantir a continuidade e ampliação da escola enquanto espaço acolhedor para enfrentar os desafios dessa etapa.

Conclusão

Com o objetivo principal de ampliar e fortalecer os laços familiares, aproximando a família das atividades desenvolvidas na escola, dos alunos e funcionários, por meio de diálogos e trocas de vivências, permitindo que protagonismo infantil seja vivido em sua totalidade, a aplicação do projeto conseguiu-se, não só fortalecer o respeito entre todos, mas, também, aprimorar o repertório cultural de meus alunos, além de tornar a integração de nossos alunos migrantes mais leve, saudável e prazerosa para todos. Além disso este trabalho também tinha a intenção de promover novas descobertas, conhecimento, respeito, expansão da pluralidade e diversidade cultural.

Diante dos resultados obtidos, é um desejo expandir este trabalho não só para outras turmas das escolas, mas, para o grupo escolar no geral e até mesmo para outras escolas do município, por meio de parcerias, quem sabe no próximo ano, fazendo ajustes e melhorias de acordo com cada realidade comunitária. Afinal, trabalhar interdisciplinarmente e coletivamente, mesmo que de forma indireta, é bastante significativo, tanto para quem participa, quanto para quem contribui.

Este trabalho, portanto, buscou, não só enriquecer o repertório de ensino e aprendizagem das crianças de forma lúdica, mantendo nelas o interesse pelas aulas de Educação Física, mas, também, fortalecer os laços familiares de amizade, respeito e cidadania, além de despertar nelas, a curiosidade em novas descobertas e que o brincar vai muito além do tradicional “futebol e queimada”, possibilitando ainda, a inclusão educacional e social.

Assim, ao concluir este trabalho foi possível observar a mudança comportamental das crianças, em relação a tomada de decisão, uma vez que precisaram organizarem-se em grupos para vivenciar as brincadeiras apresentadas, demonstrando mais união e respeito entre eles

Além disso, trazer de volta brincadeiras vividas por cada uma, seus pais ou até mesmo avós, só deixou mais claro o valor cultural e emocional que as brincadeiras tradicionais têm, perpetuando-se através do tempo, além de que é através do brincar que a criança aprende e cria laços, além de trazer à seus familiares um sentimento de nostalgia, por lembrar que um dia foi criança e que usou a imaginação para criar, experimentar, fruir e construir seus ciclos de amizade e socialização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOA VISTA. Proposta Curricular Municipal para a Educação Infantil. Prefeitura Municipal de Boa Vista; Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Boa Vista, Roraima, 2018.

__________. Proposta Curricular Municipal de Ensino Fundamental (PCMEF) dos Anos Iniciais. Prefeitura Municipal de Boa Vista; Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Boa Vista, Roraima, 2022. Vol. 1.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

______. Base Nacional Comum Curricular. Educação é a base. Ministério da Educação; Secretaria Executiva; Secretaria de Educação Básica; Conselho Nacional de Educação; Conselho Nacional de Secretários de Educação – CONSED; União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME. Brasília, 2017.

CARBONIERI, Juliana; EIDT, Nadia Mara, MAGALHÃES, Cassiana. A transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental: a gestação da atividade de estudo. Psicologia Escolar e Educacional, 2020, v. 24.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2010.

MARTINATI, Adriana Zampieri; ROCHA, Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da. “Faz de conta que as crianças já cresceram”: o processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 19, Número 2, Maio/Agosto de 2015: 309-319.

MELLO, Bianca Atanes da Silva de. A criança e o processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Funtamental I. 2022. 29p. Artigo (Licenciatura em Pedagogia). Orientadora professora Andréia Mello Lacé. Universidade de Brasília, Brasília, 2022.

MELLO, Suely Amaral. A transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental: uma teoria para orientar o pensar e o agir docentes. EDUC. ANÁL., Londrina, v.3, n. 2, p. 47-71, Jul/Dez., 2018.

RORAIMA. Documento Curricular de Roraima. Conselho Nacional de Secretários Escolares – CONSED. União dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME. 3ª versão. Boa Vista, Roraima, 2019.

VIGOTSKY, Lev – Imaginação e Criação na Infância, Editora Atica, 2009.


ANEXOS

ANEXO 1 – RODA DE CONVERSA EM SALA DE AULA PARA INICIAR A PESQUISA DE CAMPO.

Fonte: Dados da pesquisa (2024).

ANEXO 2 – PESQUISA DE CAMPO COM OS SERVIDORES DA ESCOLA.

Fonte: Dados da pesquisa (2024).

ANEXO 3 – AULA PRÁTICA DE BARRA BANDEIRA (BANDEIRINHA).

Fonte: Dados da pesquisa (2024).

ANEXO 4 – BRINCANDO DE AMARELINHA E SUAS VARIAÇÕES.

Fonte: Dados da pesquisa (2024).

ANEXO 5 – CULMINÂNCIA DO PROJETO NA FEIC ETAPA ESCOLAR.

Fonte: Dados da pesquisa (2024).

1 Graduada em Educação Física (Centro Universitário do Norte – UNINORTE, 2018), e Especialista em Educação Física e Psicomotricidade (Faculdade Famart, 2022). E-mail: [email protected]

2 Mestre em Ensino de Ciências (UERR, 2022), Especialista em Gestão do Trabalho Pedagógico: Administração, Orientação e Supervisão (Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão – IBPEX, 2009) e em Educação Especial e Inclusiva (Universidade Barão de Mauá, 2017) e licenciada em Pedagogia (UERR, 2007) e em Educação Física (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima – IFRR, 2012). E-mail: [email protected]

3 Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Roraima (UERR, 2007), Especialista em Educação Especial – Formação Continuada de Professores para o Atendimento Educacional Especializado – AEE pela Universidade Federal do Ceará (UFCE). E-mail: [email protected]

4 Graduado em Educação Física (Universidade Federam do Amazonas – UFAM, 2017), Especialista em Educação Física Escolar (Faculdade de Educação São Luís, 2019). E-mail: [email protected]

5 Graduada em Pedagoga (Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil – FACETEN, 2010) e em Matemática (Universidade Estadual de Roraima – UERR, 2019), Especialista em Educação Especial e Inclusiva (Faculdade de Educação São Luís, 2022). E-mail: [email protected]