MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO E DESEMPENHO ESCOLAR
PDF: Clique Aqui
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10345960
Simonia Ferreira da Silva Néias¹
1. INTRODUÇÃO
A alfabetização é uma das primeiras interfaces dos alunos com a vida escolar, fato que envolve conflitos pessoais e sociais devido à transição da individualidade para a coletividade, da vida familiar para o convívio social. Em meio ao processo de adaptação à nova realidade, o aluno precisa também reorganizar seus processos mentais, migrando do pragmatismo para a abstração, agregando ao código linguístico falado a codificação escrita, transformando a percepção analógica de vida em reflexão lógica e interpretativa (SOARES, 2005). Precisa ainda ampliar seu universo social para incluir, além dos familiares, outras pessoas como colegas, professores e técnicos escolares. Precisa reorganizar sua rotina para desenvolver responsabilidades.
Em meio a todos esses desafios, o aluno ainda precisa dedicar-se ao aprendizado da leitura, escrita, interpretação de textos, cálculos, relacionamentos sociais, criatividade, pensamento crítico, dentre outras competências esperadas no processo de alfabetização (SOARES, 2005; MACEDO, 2018). A resposta aos métodos, técnicas e materiais empregados não é uniforme, como desejam os educadores. Alguns alunos, progridem facilmente no processo de alfabetização (TARGINO, 2017). Outros, nem mesmo conseguem desenvolver as habilidades mínimas esperadas. São vários os fatores descritos na bibliografia para explicar esse descompasso entre os alunos (DIOGO, 2011).
Partindo da hipótese de que a baixa eficácia no processo de alfabetização tem impacto direto no desempenho dos alunos nos anos finais do ensino fundamental, torna-se relevante investigar as causas do insucesso, como a heterogenia metodológica no processo de alfabetização (DIOGO, 2011; MOREIRA, 2013). Para isso, torna-se necessário levantar informações bibliográficas, analisando a evolução do conceito de alfabetização. Essa avaliação precisa incluir as mudanças metodológicas experimentadas pela escola ao longo do tempo, acompanhando as transformações sociais da globalização. A conformação familiar, as mudanças sociais, as diferenças sociais são possíveis fatores a serem considerados, com implicações diretas na escolha dos métodos de alfabetização.
Aplicar a literatura pesquisada à prática pedagógica de uma amostragem populacional permite que os sucessos e insucessos sejam submetidos a reflexão crítica. As conclusões alcançadas podem ser extrapoladas para um escopo maior, uma vez que a amostragem escolhida reflete a realidade média dos municípios brasileiros, em sua maioria do mesmo porte populacional e com as mesmas variáveis sociais. De que forma a eficácia no processo de alfabetização contribui para o desempenho escolar no ensino fundamental? A problemática nasce da percepção de que nem todos os alunos respondem da mesma forma ao processo de alfabetização. Enquanto alguns respondem positivamente, outros apresentam muita dificuldade. Torna-se interessante investigar os métodos de alfabetização empregados e o grau de sucesso e insucesso percebido nos três primeiros anos do ensino fundamental. Além disso, é importante verificar a relação entre desempenho escolar nos anos finais do ensino fundamental e a percepção de efetividade no processo de alfabetização (DIOGO, 2011).
O objetivo geral da pesquisa é analisar o impacto da efetividade do processo de alfabetização sobre o desempenho escolar no ensino fundamental. Para isso, é necessário identificar os principais métodos e materiais de alfabetização utilizados no processo de alfabetização, analisar os métodos de alfabetização à luz das motivações dos alunos em tempos de globalização da informação e do conhecimento e pesquisar junto a educadores a relação entre os métodos de alfabetização utilizados e a percepção de efetividade, bem como a participação da comunidade escolar na alfabetização das crianças.
A pesquisa tem um componente exploratório e descritivo no sentido de buscar na bibliografia os fundamentos da educação infantil, com foco na alfabetização. Foram priorizadas fontes que apresentem aspectos conceituais e metodológicos, com análises dos resultados alcançados. No fechamento de escopo, a pesquisa faz considerações sobre os métodos de alfabetização utilizados nas séries iniciais por meio da análise do posicionamento dos professores a respeito das ações de alfabetização por eles realizadas (LAKATOS, 2005).
Foi realizado um levantamento de informações junto a professores do ensino fundamental, por meio de formulário semiestruturado aplicado por meios digitais. Nesse formulário, os professores especificam o método de alfabetização utilizado e a percepção de eficácia. Os dados foram tabulados graficamente para análise e considerações finais. A pesquisa tem três capítulos. O primeiro, com levantamentos bibliográficos sobre fundamentos da educação infantil e alfabetização, o segundo dedicado à motivação escolar em tempos de globalização e os desafios metodológicos decorrentes desse fenômeno para a alfabetização e o terceiro capítulo dedica-se à análise da pesquisa realizada junto aos professores (LAKATOS, 2005).
Do ponto de vista acadêmico, a pesquisa a pesquisa é relevante por discutir a interface entre a metodologia de alfabetização e a problemática de um mundo globalizado, onde as pessoas são inseridas de forma precoce no mundo da informação. Fenômenos ausentes na vida escolar há poucas décadas estão emergindo, o que exige da discussão acadêmica sobre alfabetização um olhar crítico e contextualizado. Portanto, trata-se de uma temática amplamente relevante. A pesquisa levantou também a problemática da formação acadêmica dos professores, das políticas públicas de alto impacto, que focam a compensação de escolas com alto índice de sucesso e eleição de escolas para políticas compensatórias. Discutiu também as problemáticas do entendimento conceitual por parte dos professores, que demonstraram dificuldade para compreender o conceito de alfabetização e letramento, com implicações nos métodos de ensino. Mesmo estando teoricamente propensos a entender o processo de ensino como uma construção na qual o aluno desempenha processo ativo, na prática muitos professores continuam posicionando-se como transmissores verticais de conhecimento. Isso demanda melhorias na qualidade da formação e proporcionar aos professores oportunidade para refletir sobre a prática e participarem de atualizações pedagógicas.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 A importância dos métodos de alfabetização
A escolha do método de alfabetização tem importante papel na eficácia do processo de alfabetização e nos impactos sobre a futura vida escolar dos alunos. Os métodos de alfabetização são estratégias definidas em função da cosmovisão pedagógica, o que inclui momento histórico em suas nuances políticas, filosóficas e econômicas, além de fatores como necessidade de acelerar a alfabetização e reduzir o percentual de analfabetismo na população (FERREIRO, 2011). Políticas públicas voltadas para a redução do analfabetismo, por exemplo, costumam estar associadas ao período de governo da equipe que os conduz, que no Brasil é de quatro anos. Assim, métodos que prometem resultados rápidos, nem sempre apoiados em eficácia, costumam ser priorizados. É importante também observar que os métodos de alfabetização não são, por si só, a causa do sucesso ou insucesso do processo, que envolve outros aspectos importantes.
Com o objetivo de comparar os principais métodos de alfabetização utilizados no Brasil, serão analisadas as características de cada um, suas vantagens e desvantagens à luz dos autores pesquisados. Inicialmente, os métodos foram agrupados conforme a abordagem macroscópica em sintéticos e analíticos. Os métodos sintéticos proporcionam a alfabetização iniciando-se nas partes e avançando para uma abordagem mais ampla. Os métodos analíticos percorrem o caminho oposto, começando em unidades mais amplas como textos e frases e avançando para unidades menores, como palavras, sílabas e fonemas.
2.2.1 Métodos sintéticos
Os métodos sintéticos consistem no uso de unidades menores que, conforme são realizados relacionamentos entre a forma falada e escrita, espera-se que o alfabetizando seja capaz de compreender o sistema de escrita. Muitas variações dos métodos sintéticos são usadas atualmente no Brasil, mesmo que alguns autores defendam a proposta de usar métodos analíticos. Como os métodos sintéticos foram muito comuns no final do século XX e alguns professores atuais foram alfabetizados por esses métodos, há uma tendência natural de tentarem reproduzir em sala de aula a experiência que tiveram.
As cartilhas usadas nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil usavam palavras iniciadas por determinadas letras sou sílabas, associadas a imagens que faziam parte da vida crianças. Assim, observando a figura, repetindo o nome do objeto representado, acabavam associando o som à grafia. Alguns autores questionam se essa associação proporcionada pelas cartilhas consiste em aprendizado de fato ou se limita a memorização de padrões sem compreensão do que significam. Magda Soares destaca que não é suficiente somente ensinar a ler, mas levar o aluno a desenvolver práticas sociais de escrita, o que define como letramento.
Devido a isso, apesar de desejarem usar os métodos sintéticos, muitos professores relutam em consentir publicamente sua preferência. Chegam a usar esses métodos “escondidos”, temendo ser criticados por colegas e pela direção de suas escolas. Na verdade, não deveria haver estigma em relação aos métodos, uma vez que cada professor deve ser livre para aplicar em sala de aula os meios necessários para levar seus alunos ao conhecimento, mesmo que precisem usar mais de um método simultaneamente, caso isso seja útil a seu processo de trabalho (FRANCIOLI, 2013).
2.1.2 Método alfabético ou soletração
O método de alfabético é um dos primeiros usados no final do Século XX. Consiste na memorização das letras, que pode ocorrer em ordem alfabética ou não. Depois que o aluno aprende a identificar as letras, é levado a descobri-las em palavras ou texto. O professor conduz o processo levando o aluno a soletrar as palavras, normalmente destacando as letras que pretende ensinar. Durante boa parte do tempo de alfabetização o aluno é levado a identificar as letras do alfabeto, para só depois partir para estruturas maiores, as palavras e textos. Muitas vezes, na tentativa de levar o aluno a decorar o alfabeto, eram realizadas cantinelas como be-a-ba, be-e-be, be-i-bi etc. Essas cantorias eram exaustivas e inúteis, pois dificilmente um aluno conseguiria, a partir da repetição cantada de letras, chegar à leitura de uma palavra.
Era usada uma espécie de cartilha denominada silabário, ou cartas do ABC, que tinham como finalidade facilitar o ensino do alfabeto e padronizar as formas de ensino. Um mérito apontado para esse método é que o nome das letras do alfabeto quase sempre coincide com o fonema que elas representam. Assim, ao memorizar o nome das letras do alfabeto, o aluno era capaz de deduzir a maior parte dos sons presentes nas palavras. O problema é que o nome de algumas letras agrupa fonemas diferentes daqueles que são representados, como é o caso da letra ‘N’ /ene/ e outras. Assim, ao soletrar a palavra ‘banana’, por exemplo, é preciso um elevado grau de abstração para associar os fonemas existentes na palavra às letras que os representam.
Dessa forma, mesmo depois de memorizar as letras do alfabeto muitos alunos demoravam para compreender a aplicação das letras na construção de fonemas, tornando-se “alfabetizados” que não sabiam ler. Em algumas regiões, possivelmente na tentativa de facilitar a assimilação dos fonemas, foram produzidos alfabetos regionais, que permaneceram como traço cultural nessas regiões. As letras do alfabeto foram adaptadas para representar os respectivos fonemas, de modo que as pessoas pronunciam ‘lê’, ‘mê’, ‘nê’, em vez de ‘éle’, ‘ême’ e ‘êne’. Outras letras do alfabeto tiveram seus nomes igualmente adaptados, sempre que causavam dificuldade de associação entre o nome da letra e o respectivo fonema.
2.1.3 Método fônico ou fonético
Diferente do método alfabético, que se concentra no nome das letras do alfabeto, o método fônico ou fonético parte dos fonemas mais simples avançando para os mais complexos. Esse método surgiu na Alemanha (1803) e França (1719) e consiste na associação entre grafemas e fonemas. Normalmente, inicia-se com o aprendizado das vogais, separadamente, apresentando ao aluno figuras ou objetos que se iniciam com o fonema em estudo. Em seguida, são apresentadas as consoantes. Aos poucos, o aluno é levado a construções cada vez mais complexas, que resultam na compreensão das sílabas e das palavras. As cartilhas utilizadas para alfabetização pelo método fonético eram bastante ilustradas, sempre destacando o fonema que seria estudado (CAPOVILLA, 2007).
Da mesma forma que ocorre com o método alfabético, nem sempre fonemas e grafemas coincidem. A escrita retrata os sons da fala humana de forma complexa, a partir de códigos específicos, de modo que nem sempre o método fonético, usado sozinho, é capaz de levar o aluno a desenvolver a leitura. A palavra ‘homem’, por exemplo, possui fonemas que são radicalmente diferentes dos respectivos grafemas. Foneticamente, a palavra é pronunciada como /ômein/, de modo que o grafema inicial e final não correspondem aos respectivos fonemas. Percebe-se assim que alfabetizar envolve processos complexos que não podem ser reduzidos à associação entre grafemas e fonemas.
Portanto, mesmo sendo vantajoso pelo fato da maioria das letras do alfabeto corresponderem aos fonemas, o método fonético apresenta dificuldades que o professor precisará resolver no processo de ensino. Isso aponta que esse método não resolve todas as dificuldades do ato de alfabetizar.
2.1.4 Método silábico
O método silábico parte das estruturas mais simples das palavras, as sílabas, que depois de compreendidas são ajuntadas para formar as palavras. Resolve o problema apresentado pelos métodos alfabético e fonético, pois remove a dependência da relação entre grafemas e fonemas. Em vez de memorizar as letras do alfabeto, o aluno é levado a memorizar sílabas como “ba, be, bi, bo, bu” etc. Depois de memorizar as vogais, o aluno é levado a associar cada consoante às respectivas vogais e formar palavras. O processo de ensino normalmente recorre a cartilhas, que associam as sílabas a desenhos para facilitar a identificação e memorização. Somente depois de dominar a leitura das sílabas e formar pequenas palavras é que o aluno entra em contato com frases e pequenos textos (RANGEL, 2017).
Destaca-se como vantagem para esse método o uso de unidades mínimas da fala, uma vez que na pronúncia, as sílabas são pronunciadas individualmente para formar palavras, por exemplo /ba-na-na/. Um dos problemas apontados para o método silábico é que, em busca da simplificação do ensino, são usadas frases dissociadas do uso social da língua. Assim, frases como “vovô viu o navio” e outras ainda mais abstratas nem sempre representam algo que o aluno vivencia.
2.1.5 Métodos analíticos
Os métodos analíticos de alfabetização partem do geral para o específico, ou seja, apresentam unidades maiores que o aluno precisa compreender antes que seja realizada a aprendizagem das unidades menores. Essas unidades maiores podem ser palavras, frases ou textos. Alguns pressupostos são considerados pelos defensores dos métodos analíticos, como a forma natural com que a linguagem é usada na fala. O uso social da língua parte de palavras situadas em um contexto com significado, e não na pronúncia de silabadas ou fonemas isolados. Assim, faz mais sentido expor a criança a uma palavra completa que a uma sílaba.
Além disso, as crianças percebem primeiro o todo para depois perceber as partes. Dessa forma, o pensamento natural da criança é perceber as palavras e frases antes de perceber suas sílabas. Além disso, é necessário considerar a função da alfabetização, que é conduzir o aluno para a compreensão do uso social da linguagem. Assim, compreender o significado das palavras torna-se mais importante que memorizar a estrutura de seus grafemas, fonema ou sílabas. Dessa forma, as palavras percebidas em um texto ou frase precisam ser de uso comum e concreto para as crianças e ter relação afetiva com elas. Conforme a estratégia de ensino, os métodos analíticos podem ser por palavração, sentenciação ou globais.
2.1.6 Palavração
Considerando que a palavra é a unidade linguística que guarda significado real para a criança, o método da palavração consiste em desenvolver um repertório relacionado à realidade da criança, partindo de objetos presentes no ambiente escolar. Partindo dessas palavras, o aluno é conduzido para formar frases ou pequenos textos. O foco nas palavras, que são unidades pequena, posiciona esse método em posição intermediária entre os métodos sintéticos e analíticos.
Para formar um repertório de palavras o aluno precisa memorizar a forma escrita de palavras usadas em sua rotina, o que pode ser feito por meio da grafia das palavras e a associação com os objetos que elas significam. Em sala de aula, etiquetas com a grafia das principais palavras podem ser coladas nos objetos. O próprio nome da criança é escrito várias vezes, de várias formas, para que possa ser memorizado, reconhecido e reproduzido pela própria criança. Podem ser usadas imagens, atividades de memorização e simulação de movimento de escrita, por meio da grafia efetiva ou de gesticulação.
No entanto, o foco na grafia das palavras pode comprometer a compreensão de estruturas menores, como as sílabas e fonemas. Isso pode dificultar, por exemplo, o aprendizado de palavras novas. Ao longo do processo de alfabetização, palavras já conhecidas são inseridas em pequenos textos com palavras novas. O professor desafia o aluno a identificar palavras que são desconhecidas e vai ampliando o vocabulário aos poucos. Após a identificação de uma nova palavra, o aluno é levado a sua memorização com posterior decomposição em sílabas e fonemas (ALVES, 2006).
O que diferencia basicamente o método da palavração do método da silabação é a escolha das palavras. No método silábico, são escolhidas palavras específicas para a memorização das sílabas. Na silabação as palavras são escolhidas aleatoriamente, com base na vivência do aluno e em seus interesses. A memorização das novas palavras e sua forma de escrita ocorre por meio da repetição (BAKKE, 2006).
A origem do método de palavração e por extensão dos métodos analíticos é atribuída ao moraviano Juan Amos Comenius, um bispo protestante do século XVII, que defendia que aprender a ler consiste na compreensão do texto, muito mais que a memorização vazia de letras e sílabas. A principal motivação de Comênio era ensinar as pessoas a lerem a Bíblia, uma vez que ele tinha a intenção de catequizá-las.
2.1.7 Sentenciação
O ensino da leitura e da escrita tem como base as frases. São apresentadas frases completas aos alunos que, depois de entenderem o significado das frases, passam a analisar as palavras que a compõem e a estrutura dessas palavras. Essas frases são tomadas da oralidade das próprias crianças, ou de frases preparadas para serem usadas em sala de aula. Normalmente são escolhidas sentenças simples bem conhecidas pelas crianças, que são repetidas várias vezes e disponibilizadas para que as crianças tenham acesso por longo tempo, enquanto estudam toda a estrutura da frase em estudo (BRASLAVSKY, 2004).
A principal vantagem do método é levar as crianças a compreenderem a função social da língua escrita, percebendo que na escrita a linguagem cumpre uma função semelhante à linguagem falada. Assim, proporciona-se à criança uma percepção inteligente da linguagem escrita. O problema é que ao estudar frases como estratégia de alfabetização corre-se o risco de dificultar o aprendizado de novas palavras pela superficialidade da compreensão das estruturas básicas das palavras, ou seja, a função da grafia e da fonética.
Em uma tentativa de contornar esse problema, o professor deve proporcionar ao aluno contato com novas frases, muitas delas preparadas para ensinar novas palavras. Essas frases, conforme o caso, acabam estando dissociadas do uso natural da linguagem por parte dos alunos. Portanto, além do desafio de apresentar aos alunos novas frases, o professor precisa ficar atento para não deixar de transitar do geral para o específico, ou seja, analisar individualmente as palavras e a estrutura de cada uma delas. O uso excessivo de tempo na memorização das frases pode comprometer a compreensão das palavras e de suas estruturas (SOARES, 2010).
2.1.8 Método global
O método global parte de um texto simples, aproximado da linguagem natural das crianças na faixa etária do processo de alfabetização, que é lido várias vezes para que a criança tome contato com o texto e com as frases e palavras que o compõem. Primeiro, o texto precisa ser entendido, para só depois ser lido e decodificado em frases, palavras e sílabas. Várias iniciativas de introdução do método global foram realizadas no Brasil, principalmente em Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul (CARVALHO, 2009).
O método foi difundido no Brasil da década de 1930 pela psicóloga e pedagoga Lucia Monteiro Casasanta, que apresentou os pressupostos do método de contação de histórias como parte do processo de alfabetização, estabelecendo cinco fases para o uso de textos na alfabetização. Essas cinco fases partem da compreensão geral do texto para o estudo de frases, expressões, palavras, sílabas e fonemas. A autora produziu, além do pré-livro “As mais belas histórias”, uma série de livros de contos direcionados à alfabetização.
A principal vantagem apresentada pelo método é a apresentação de textos reais aos alunos, dentro de uma lógica que é natural a eles. O uso de fábulas já conhecidas pelos alunos facilita o processo e o torna mais natural. No entanto, em alguns casos são apresentados textos que soam artificiais e estranhos à realidade dos alunos, quando o professor tem o ensino da leitura como prioridade sobre o uso racional do texto. O foco excessivo no texto e na fábula pode dificultar o estudo das unidades menores, que são as frases, palavras e sílabas. Isso pode dificultar a compreensão de textos diferentes e o aprendizado de nova palavras. Além disso, como a repetição é usada como estratégia de memorização, um desafio ao professor é saber se o aluno de fato está lendo o texto ou repetindo por simples memorização.
3. VISÃO DOS PROFESSORES SOBRE MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO
Nessa fase a pesquisa dedica-se ao estudo de uma pesquisa realizada com professores do ensino fundamental. A pesquisa foi realizada por meio de formulário eletrônico preenchido pela internet, sem contato físico entre o pesquisador e os participantes, devido às restrições da pandemia. As respostas apresentadas pelos professores serão analisadas abaixo, à luz do referencial teórico já apresentado.
Gráfico 1 – Ao longo do ensino fundamental você percebe falhas de alfabetização?
Percebe-se na resposta dos professores que as falhas no processo de alfabetização são percebidas por 83,7% dos professores. Para 11,6% essa percepção se concentra nas séries iniciais, onde os alunos demoram mais tempo para dominar a leitura e escrita em função de uma alfabetização precária. Para 4,7% dos professores, conforme avançam no ensino fundamental os alunos conseguem compensar a deficiência do processo de alfabetização. Fica evidenciado que a alfabetização tem impacto direto no rendimento escolar, e que uma alfabetização precária compromete o rendimento dos alunos durante toda sua vida escolar, não somente nas séries iniciais do ensino fundamental (CIEGLINSKI, 2010).
Gráfico 2 – Em que momento do ensino fundamental ocorre a alfabetização?
Quanto ao entendimento do que significa alfabetização e como ela ocorre, percebe-se que os professores se dividem. Para 46,5% a alfabetização é um processo contínuo que perdura por todo o ensino fundamental. Conforme esse entendimento, cabe aos professores dos anos finais do ensino fundamental estar atentos às deficiências dos alunos e proporcionar atividades capazes de complementar sua formação inicial. Para 39,5% dos professores, a alfabetização ocorre nos dois primeiros anos do ensino fundamental. De fato, essa é uma percepção formalista, uma vez que compete aos dois primeiros anos da vida escolar proporcionar alfabetização e letramento, fato que não ocorre plenamente conforme bibliografia consultada.
Para 9,3% dos professores, a alfabetização ocorre ao longo de toda a vida da pessoa, em um entendimento amplo de alfabetização e letramento como domínio de competências para a vida. Há ainda um grupo de 4,7% dos professores que consideram a alfabetização uma meta a ser alcançada no primeiro ano do ensino fundamental, um posicionamento que transfere para os alfabetizadores a função de inserir o aluno no universo da leitura e escrita (CIEGLINSKI, 2010; COELHO, 2015; DIOGO, 2011).
Gráfico 3 – Principais dificuldades decorrentes de uma alfabetização ineficaz:
As principais dificuldades apresentadas por alunos com deficiência de alfabetização, segundo 88,4% dos professores, são a limitação para ler e interpretar textos, dificuldade para raciocinar a partir de problemas matemáticos, dificuldade para fazer uso social do processo de letramento e limitações para o raciocínio lógico. Para 9,3% as limitações estão no campo da leitura e interpretação de texto, enquanto para 2,3% dos professores as principais dificuldades estão no raciocínio a partir de problemas matemáticos. Percebe-se na resposta a essa pergunta que os professores esperam dos alunos alfabetizados competência que extrapolam os limites da leitura e da escrita, fazendo deles pessoas capazes de aplicar o letramento à vida social, muito mais que simplesmente ler e escrever.
Esse conceito ampliado de alfabetização aponta que os professores compreendem a complexidade do processo, conforme já observado nas questões anteriores, compreendendo que a alfabetização plena não é possível nos limites dos dois primeiros anos do ensino fundamental, sendo um processo que avança ao longo de toda a vida escolar, sendo percebido como mais importante ao longo do ensino fundamental. Essa construção conceitual impacta diretamente na percepção dos professores a respeito da eficácia da alfabetização (KRAMER, 2019; MACEDO, 2018).
Gráfico 4 – De forma estimada, qual seria o percentual de alunos com alfabetização ineficaz percebida nos anos finais do Ensino Fundamental?
A percepção dos professores a respeito da deficiência da alfabetização aponta que nos anos finais do ensino fundamental pode-se avaliar o percentual de alunos que continuam deficitários em relação à alfabetização. Há uma divisão quase proporcional dos professores a esse respeito. Para 32,6% dos professores, menos de 20% dos alunos apresentam alfabetização deficitária ao final do ensino fundamental. 30,2% percebem que esse percentual de deficitários está em torno de 20% dos alunos. 27,9% dos professores percebem que o déficit de alfabetização ao final do ensono fundamental chega a 40% dos alunos, enquanto 9,3% dos professores percebem esse déficit em mais de 60% dos alunos. Mais uma vez destaca-se nessa divisão equilibrada de percepção a questão conceitual do que significa alfabetização.
Percebe-se que para os professores que entendem a alfabetização como formadora de competências globais, que sejam capazes de preparar o aluno para relacionar-se de forma ativa com o mundo onde estão inseridos, o percentual de analfabetos funcionais é maior. Enquanto isso, para os professores que associam a alfabetização com a capacidade de ler e escrever, o percentual de alunos com alfabetização deficitária é menor. Assim, a conceituação de alfabetização e letramento impacta na percepção dos professores (MAINARDES, 2009).
Gráfico 5 – Como contornar os problemas da alfabetização ineficaz?
Como estratégia para contornar uma alfabetização deficitária, os professores são bastante enfáticos nas medidas compensatórias de reforço aos alunos. Para 67,4% dos professores, devem ser aplicadas aos alunos que apresentam problemas de alfabetização atividades específicas, com foco nas dificuldades percebidas. Para 32,6%dos professores, devem ser realizadas atividades complementares de reforço da alfabetização. Isso aponta que mesmo os professores das turmas finais do ensino fundamental entendem a importância da proatividade na recuperação dos alunos deficitários por meio de ações de complementação ou de correção em relação à alfabetização (MOREIRA, 2013).
Gráfico 6 – Quais são as consequências da alfabetização ineficaz para o aluno?
A alfabetização ineficaz apresenta uma série de problemas para os alunos, tanto nas séries finais do ensino fundamental quanto no restante da vida escolar e social. 83,7% dos professores apontam que esse déficit tem implicações sobre o acompanhamento do restante da turma, faz com que o aluno se sinta menos inteligente e capaz que os colegas, aumenta a possibilidade de evasão escolar ou faz com que o aluno encerre sua vida escolar ao final do ensino médio. Para 16,3% dos professores, o problema se concentra na dificuldade em acompanhar o restante da turma. Tendo em mente que os alunos mudam de escola e de turma ao longo de sua vida escolar, ao comparar-se com colegas que tiveram uma alfabetização eficaz, os alunos deficitários atribuem suas limitações a sua capacidade pessoal de aprender, em vez de perceberem que tiveram problemas no início da vida escolar. Isso pode resultar em traumas e estigmatização dos alunos.
A eficácia da alfabetização e letramento impacta diretamente o rendimento escolar, a formação de profissionais competentes para o desenvolvimento do país, com impacto direto no nível de desenvolvimento global do país. O Brasil é um país em desenvolvimento com déficit na produção de ciência e tecnologia, exatamente devido ao baixo desempenho escolar de sua população. Processos de avaliação externa das escolas são algumas iniciativas para provocar a melhoria nos resultados escolares, como as políticas de bonificação pelo desempenho escolar, com resultados divergentes (ARAÚJO, 2019).
Gráfico 7 – É possível corrigir falhas de alfabetização nas séries finais do Ensino Fundamental?
Percebe-se que 32,6% dos professores acreditam que ao longo da vida acadêmica os alunos conseguem superar as limitações de sua alfabetização. Para 25,6% dos professores, mesmo conseguindo superar suas limitações, esses alunos acabam sendo prejudicados por não conseguir acompanhar a aprendizagem dos demais alunos. Para 20,9% dos professores, o prejuízo de uma alfabetização deficitária é irrecuperável, mesmo que acreditem que o aluno consegue progredir na vida escolar, apesar das dificuldades. Enquanto isso, 16,3% dos professores acreditam que é possível recuperar a deficiência de alfabetização dos alunos nas fases finais do ensino fundamental sem que haja sequelas. Para 4,6% dos professores, os danos são irreparáveis e irreversíveis.
Gráfico 8 – Como a eficácia da alfabetização pode ser garantida?
Para garantir uma alfabetização eficaz, 32,6% dos professores defendem que os alunos que não apresentarem bom rendimento nos anos iniciais do ensino fundamental não deveriam progredir de série, permanecendo nas turmas de alfabetização. Para 30,2% dos professores, a solução está no processo de seleção e treinamento dos professores alfabetizadores, que devem ter vocação específica para essa atividade. Para 25,6% dos professores, o problema pode ser resolvido por meio da preparação técnica e metodológica dos professores alfabetizadores. Para 9,3% dos professores, os alfabetizadores deveriam receber atenção especial da equipe técnica da escola, considerando as implicações de seu trabalho para a vida dos alunos. Para 2,3%, os professores das turmas de alfabetização deveriam ser mais bem treinados e remunerados (CAGLIARI, 2010; KLEIMAN, 2016).
Gráfico 9 – Quais seriam as causas da ineficácia da alfabetização?