MATERNAGEM DE 0 A 3 ANOS NO SÉCULO XXI
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12797064
Valquíria Aparecida Trevesani1
RESUMO
O trabalho consiste primeiramente em uma revisão bibliográfica sobre o desenvolvimento da criança de 0 a 3 anos e a relação materno-infantil, com informações teóricas sobre a formação do vínculo mãe-bebê por meio de autores que são referências nesta área, como Freud, Winnicott, Lacan. De acordo com Winnicott (1994), maternagem é a forma como a mãe faz os cuidados do seu bebê de forma boa e protetora. Nestes cuidados estão incluídos o auxílio às atividades fisiológicas e o desejo, amor e aconchego investido. Isso apenas é possível pois a função materna se torna eficaz com o cultivo do prazer em fazer a realização dos cuidados com o seu filho, ou seja, para que o prazer da mãe domine a criança e está tenha prazer reconhecendo de forma receptiva que satisfaz suas necessidades. Dessa forma, torna-se possível ter a compreensão de exercer as atribuições maternas são de primordial importância para desenvolver a psique do bebê, em vista de que desenvolver a criança depende das relações primordiais que serão estabelecidas logo no início de sua vida. São apresentados alguns conceitos de constituição psiquica e olhar materno. Ao final foi feita uma analise com base na teoria de Winnicott adaptada para o século XXI dos cuidados maternos na criança de 0 a 3 anos.
Palavras-chaves: Maternagem; cuidado emocional; desenvolvimento infantil; delação materno-infantil.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem a intenção de desenvolver o tema “função materna” na constituição psíquica e o que ela implica em relação desenvolvimento da criança de 0 a 3 anos no olhar do século XXI. Este trabalho possui como referência principal estudos de Sigmund Freud, Jacques Lacan, Winnicott, entre outros autores.
Nas obras de Freud e Lacan é possível achar trabalhos que mostram que o indivíduo se constitui e não nasce pronto. Freud diz que o indivíduo é fundamentado na linguagem por já ser existente na história e no desejo de seus pais. Lacan, ao pegar a teoria de Freud, demonstra que o indivíduo é dependente dos demais para se constituir, sendo ele fundamentalmente discursivo. O indivíduo, ao ser colocado no discurso dos pais já está na linguagem, pois esses são os que o perpassam e transmitem os significantes das histórias familiares que vão gerar o sujeito.
Compreende-se a importância da relação materno infantil e os prejuízos que uma falha nessa relação pode causar. De acordo com Winnicott (2008), caso a mãe não saiba perceber no filho recém-nascido um ser humano, irá haver pouquíssima possibilidade de que a saúde da mente tenha um alicerce sólido de forma que a criança, posteriormente, possa possuir uma personalidade com estabilidade, com aptidão não somente para sua adaptação ao mundo, mas similarmente para ter participação em um mundo que exige que ela se adapte todo o tempo, principalmente considerando o século XXI e a sociedade moderna.
O autor ainda faz a afirmação de que para que os bebês se tornem adultos saudáveis, indivíduos com independência, porém com consciência social, é necessário que lhes seja propiciado um bom início, o qual esteja segurado, naturalmente, pela existência de um vínculo entre a mãe e o seu bebê: amor é o nome desse vínculo. (WINNICOTT, 2008)
É importante apontarmos que o referencial freudiano sobre o aparelho psíquico é base para todos os trabalhos psicodinâmicos, porém a escolha de utilização das teorias de Freud, Lacan e Winnicott apontam para uma escolha teórica que auxilia o estudo e compreensão do sujeito na abordagem da Maternagem dos 0 aos 3 anos.
Dessa maneira, o principal objetivo desse trabalho está em analisar sob uma visão psicanalítica a maternagem dos 0 aos 3 anos no século XXI.
2 METODOLOGIA
Como metodologia, foi adotada a pesquisa bibliográfica, documental e descritiva e, por isso, as ideias de diversos autores e pesquisadores que abordam o assunto foram investigadas. Em seguida, realizamos uma síntese de suas ideias e, além disso, acrescentamos as nossas ideias, alinhavando-as e apurando-as de acordo com os nossos objetivos.
Fonseca (2002) reforça o caráter da pesquisa descritiva, dizendo que seus dados devem ocorrer em seu Habitat natural, coletados e registrados para estudo, para que o pesquisador possa descobrir uma nova percepção sobre um determinado fenômeno. O contato com artigos publicados em revistas de caráter científico sobre o assunto, dissertações na área e autores que abordam o tema escolhido neste trabalho, forneceu embasamento para a reflexão acadêmica e para descobrir respostas para as questões que foram levantadas.
Marconi e Lakatos (2007) afirmam que a finalidade de uma pesquisa é descobrir respostas para as questões que são levantadas; a pesquisa parte de um problema que deve ser respondido, e as hipóteses levantadas podem ser confirmadas ou invalidadas.
Quando se menciona uma pesquisa descritiva, significa querer saber das características peculiares de um determinado grupo, utilizando um tipo de instrumento para verificar o que se deseja (GIL, 2008). No caso deste trabalho, será através da análise específica no contexto da gestão democrática na escola através do voto escolar.
A base bibliográfica ajuda na conceituação dos termos a serem explicitados no trabalho, bem como basear-se em teóricos, artigos e livros que abordam o assunto a ser discutido neste trabalho. Segundo Gil (2008), uma das vantagens da pesquisa bibliográfica está em permitir que o pesquisador um alcance um significativo número de informações maior do que sua pesquisa descritiva.
Para Gil (1991: 32) a pesquisa bibliográfica é “um estudo sistematizado, desenvolvido com base em material publicado, isto é, material acessível ao público em geral”. A pesquisa revisou a bibliografia produzida em artigos, TCCs, dissertações de mestrado, teses de doutorado, revistas e periódicos produzidos a respeito da importância da maternagem de 0 a 3 anos para o desenvolvimento da criança no olhar psicanalítico.
3 OLHAR MATERNO NA CONSTITUIÇÃO PSIQUICA
A constituição psíquica pode ser considerada é um processo pelo qual o bebê precisa passar para que venha a se constituir enquanto sujeito. Esse bebê, quando nasce, por não ser independente, necessita de outra pessoa para lhe dar um lugar de existência e, para isso, é preciso a linguagem. Nas próximas sessões será abordada uma visão da constituição psíquica e do olhar materno sobre ela.
3.1 CONTISTITUIÇÃO PSIQUICA
No momento em que ocorre o nascimento de uma criança é como se ela fosse somente um agrupamento de carne e osso, e para que nela se inscreva algo, é necessário que outra pessoa o faça por meio de significantes. A posição da mãe, ou de quem atua na atribuição maternal, tem base primordialmente em preencher tudo que o bebê necessita funcionalmente, entre elas, alimentar, promover a higiene, dar suporte, movimentar. Mas além da função de sobrevivência da criança, o individuo nessa posição também precisa dar à todas essas necessidades e fazer a inscrição de um sujeito nesse bebê. Dessa maneira, a atribuição materna faz o sustento para a criança de uma imagem que serve para ela tem como referência para se constituir de forma subjetiva.
Para Lacan, trata-se do período que o bebê está alienado sendo concebido pelo desejo da mãe, inserido na matriz simbólica dos pais, pois são estes que fazem a construção de sua história sem que ele possa opinar. Dessa forma, os ideais paternos serão referências que irão identificar e sustentar a constituição psíquica e irão impulsionar seu desenvolvimento.
É através do relacionamento mãe/bebê que a criança vai criando sua subjetividade e se transformando em um indivíduo desejado. A experiência do olhar e do toque entre a mãe e o filho estruturam o psiquismo e constituem a imagem corporal. É o desejo da mãe que vai dar impulso ao desenvolvimento da criança, e lhe fornecer elementos que irão fazer o estabelecimento de um lugar de onde lhe será possível iniciar sua subjetividade.
Jacques Lacan (1953) se refere ao Estádio do Espelho como sendo o processo de subjetivação do sujeito, ou seja, a conquista da sua identidade e prelúdio do complexo de Édipo. A relação mãe-bebê não é sustentável sozinha de forma que constitua um sujeito na criança. É necessário que se realize uma intervenção que auxilie a ela ser retirada desta fusão imaginária que foi construída no ínicio com a mãe.
Quando um terceiro sujeito entra, ou seja, o pai, é permitido que a criança saia da alienação perante significantes da mão, tornando outros significantes também como referências.
Segundo Lacan (1999), o Complexo de Édipo pode ser descrito quando ocorre interferência paterna no relacionamento mãe-filho, fazendo a intermediação da relação especular do “eu” e do Outro. Com a castração simbólica o desejo da mãe não mais será o determinante para o desejo da criança, aparecendo dessa forma a falta e a possibilidade de se realizar o desejo. A atribuição paterna no Complexo de Édipo é a de ser um significante que irá substituir o significante materno.
É nessa fase que acontece o fim do estágio do espelho, no momento em que entra na vida da criança um terceiro, ou do pai desejar algo que faça a separação da mãe com a criança, quando o pai beija a mãe dando liberdade para a vida e para o amor e ao beijar o filho o desperta do sonho onde acreditava possuir a mãe, e lhe oferece um novo objeto para o seu amor.
É através do processo de se constituir subjetivamente que a criança irá se tornar sujeito e terá reconhecimento como tal, por este motivo o discurso sustentado pela função materna e paterna é primordial, tanto para constituir o psíquico, quanto para desenvolver funcionalmente a criança.
3.2 FUNÇÃO MATERNA
A Função Materna é considerada pela Psicanálise, como atribuição fundamental para estruturar e desenvolver a psique da criança. Não é necessário que seja prioritariamente realizada pela mãe real, mas também pode ser realizada pelo pai, pela avó, tia, babá, entre outros.
Winnicott (1994) nos fala que a atribuição materna é necessária, até mesmo antes do bebê nascer, por meio do desejo em qual os pais inserem o filho. É fundamentalmente importante o contexto do lar no qual a criança será gerada, ser harmônico e com bom convívio do casal, que são questões que irão ter influencia nos possíveis exercícios das atribuições maternas.
O desejo pela criança é um dos fatores primordiais que deve ser considerado na constituição da função materna. Por meio do ponto de vista psicanalítico, o lugar que a criança ocupa no desejo dos pais tem muito significado e tem fundamental importância devendo ser analisado. Através desse lugar da criança no desejo paterno é possível analisar como a função materna é estabelecida, considerando o desejo conscientemente ou não de cada individuo que se transforma em mãe.
Freud (1914) postula que que a possibilidade de se tornar mãe se alicerça infância da mulher. Por este pensamento, o fato de engravidar faz imposições à mulher de retornar de forma inconsciente às fases mais primitivas vividas por ela com sua mãe ou com o individuo que teve o exercício da função materna. Em relação a esse retorno algumas vezes as mulheres fantasiam e cria expectativas em relação à gravides, ao parto, ao bebê e seu desenvolvimento, que tiveram uma experimentação de forma gratificante ou frustrante, as quais tem a possibilidade de auxiliar ou não a mãe a ter prazer com a maternidade, a amar ou não o seu bebê.
Segundo Lacan (1999), a criança necessita que a mãe deseje para fazer o reconhecimento da sua vontade, porém ela não reconhece somente a vontade a partir da sua imagem especular, mas similarmente o faz a partir do corpo do Outro. Por meio do toque e da fala que a mãe direciona a este que chora, dando resposta ao filho, ela supõe entender a justificativa do seu pranto. Possuindo desse entender, a mãe investe no corpo-carne, mapeando uma zona erógena no corpo do filho e o amarrando a significantes. Isto é, a mãe, como Outro de linguagem, vai significando um corpo e, ao mesmo tempo, o nomeando, promovendo lugar ao bebê no discurso.
De acordo com Winnicott (2005), de forma, o conceito de preocupação materna primária nos diz respeito a um estado natural de sensibilização que as mulheres desenvolvem durante os últimos meses de gravidez, como forma de preparação para o exercício da função materna, retornando gradualmente ao estado normal nas semanas ou meses que se seguem ao nascimento.
De acordo com o autor, a mãe suficientemente boa é aquela que, ao longo os primeiros meses de vida da criança, tem identificação com ele e se adapta a suas necessidades, isto é, que possa ser suficientemente boa para que o seu bebê possa ter convívio com ela sem prejudicar sua saúde psíquica.
A mãe insuficientemente boa pode ter correspondência com uma mãe real ou com uma situação. Se falando de mãe real, Winnicott (1994) diz que é uma mãe que não consegue ter identificação com as necessidades da sua criança. Esta mãe não tem a capacidade de fazer o complemento da onipotência do lactante.
O fornecimento de um ambiente suficientemente bom na fase mais primitiva capacita o bebê a começar a existir, a ter experiências, a constituir um ego pessoal, a dominar os instintos e a defrontar-se com todas as dificuldades inerentes à vida. Tudo isto é sentido como real pelo bebê que se torna capaz de ter um eu, o qual, por sua vez, pode em algum momento vir até mesmo a sacrificar a espontaneidade, e até mesmo morrer (WINNICOTT, 2005).
Por outro lado, sem a propiciação de um ambiente inicial “suficientemente bom”, esse “eu” que pode dar-se ao luxo de morrer nunca se desenvolve. O sentimento de realidade encontra-se ausente, e se não houver caos em excesso o sentimento final será o de inutilidade. As dificuldades inerentes à vida não poderão ser alcançadas, e menos ainda o serão as satisfações. Quando não há caos surge um “eu falso” que esconde o “eu verdadeiro”, que se submete às exigências reage aos estímulos e se livra das experiências instintivas tendo-as, mas que está apenas ganhando tempo.
De acordo com Winnicott (1994), maternagem é a forma como a mãe faz os cuidados do seu bebê de forma boa e protetora. Nestes cuidados estão incluídos o auxilio às atividades fisiológicas e o desejo, amor e aconchego investido. Isso apenas é possível pois a função materna se torna eficaz com o cultivo do prazer em fazer a realização dos cuidados com o seu filho, ou seja, para que o prazer da mãe domine a criança e esta tenha prazer reconhecendo de forma receptiva que satisfaz suas necessidades.
Dessa forma, torna-se possível ter a compreensão de exercer as atribuições maternas são de primordial importância para desenvolver a psique do bebê, em vista de que desenvolver a criança depende das relações primordiais que serão estabelecidas logo no início de sua vida.
4 TEORIAS PSICANALITICA DE WINNICOTT
4.1 UMA VISÃO WINNICOTTIANA DA RELAÇÃO MÃE-BEBÊ
O desenvolvimento emocional primitivo é descrito na teoria winnicottiana abrangendo temas complexos. Neste trabalho, aborda-se os assuntos relevantes para a pesquisa realizada. Neste sentido, enfatiza-se a importância da mãe e dos cuidados maternos para o desenvolvimento do bebê. A relação mãe-bebê, segundo Winnicott (2000), é fundamental para a construção de um ambiente seguro e acolhedor que permite o desenvolvimento emocional saudável da criança.
Segundo Winnicott (2000), normalmente no fim da gestação o bebê já está maduro o suficiente para o desenvolvimento emocional, e entre os cinco e seis meses de vida o bebê obtém a capacidade de segurar um objeto e levá-lo à boca. Tal ação faz o bebê compreender que tem um interior e que as coisas vêm do exterior, percebendo que sua mãe tem um interior característico próprio. Essa descoberta é uma grande evolução em termos de desenvolvimento emocional. O processo de diferenciação entre o self e o mundo externo é gradual e crucial para a formação da identidade do bebê.
A personalização é favorecida por meio da integração, onde as experiências instintivas e os cuidados corporais maternos proporcionam a personalização satisfatória, que se resume no avultamento do sentimento de estar dentro do próprio corpo. “É pela ocorrência de um grau razoável de adaptação às necessidades do bebê, que é possível estabelecer, mais rapidamente, uma forte relação entre psique e soma” (ARRUDA; ANDRIETO, 2009, p. 99-100). A mãe suficientemente boa consegue responder de maneira adequada às necessidades do bebê, promovendo um ambiente que possibilita a integração da psique com o corpo.
O terceiro processo, o mais complexo, é o de realização, no qual se compreende a existência do mundo e aprende a se relacionar com ele, estabelecendo relação entre a ilusão e a fantasia. A ilusão ocorre através da mãe, que tende a ser o primeiro objeto com quem o bebê estabelecerá um vínculo. O seio é visto pelo bebê como um objeto externo que, quando está faminto, cria ideias. A partir das visões, do cheiro e das sensações sobre o objeto a satisfazê-lo, o bebê desenvolve uma noção de confiança e segurança. Esse processo é essencial para a construção de um sentimento de continuidade e de realidade.
Neste contexto, a mãe desempenha um papel essencial na proteção do bebê e, embasada numa constância, pode acrescentar riqueza de modo proveitoso ao desenvolvimento. Na fantasia, não há freios, tendo uma conotação de algo mágico, mais primitivo que a realidade e que tem um desenvolvimento de acordo com a experiência da ilusão. A fantasia permite que o bebê explore diferentes possibilidades e experiências emocionais, essencial para o desenvolvimento de uma mente criativa e adaptável.
Desta forma, compreende-se a importância da mãe e de seus cuidados no processo do desenvolvimento emocional primitivo. Um bebê não pode existir sozinho, psicológica ou fisicamente, ele necessita realmente de uma pessoa que cuide dele no início da vida, propiciando-lhe um ambiente satisfatório para o seu desenvolvimento, percebendo e atendendo às suas necessidades básicas (ARRUDA; ANDRIETO, 2009, p. 100). A mãe suficientemente boa ajusta suas respostas conforme o crescimento do bebê, promovendo um equilíbrio entre o suporte e a liberdade.
Além disso, a mãe suficientemente boa é capaz de suportar as frustrações do bebê, permitindo que ele gradualmente aprenda a lidar com a realidade e desenvolva mecanismos de coping. Essa capacidade de suportar a frustração é crucial para o desenvolvimento da resiliência emocional. A mãe deve oferecer um suporte adequado, mas também permitir que o bebê experimente pequenas doses de frustração, o que é vital para a construção da capacidade de enfrentar desafios futuros.
No contexto contemporâneo, o papel da mãe se torna ainda mais complexo devido às demandas sociais e econômicas. A necessidade de conciliar o trabalho fora de casa com os cuidados maternos pode gerar tensões e desafios adicionais (ANDRADE, 2015). A rede de apoio social, composta por familiares, amigos e profissionais de saúde, se torna essencial para que a mãe possa desempenhar adequadamente seu papel (CARVALHO, 2015).
A introdução de alimentos complementares na primeira infância é outro aspecto crucial que requer atenção cuidadosa. A mãe deve estar atenta aos sinais de prontidão do bebê e introduzir novos alimentos de maneira gradual e segura (ALMEIDA, 2019). Este processo não é apenas nutricional, mas também emocional, pois envolve novas experiências sensoriais e interações sociais que são fundamentais para o desenvolvimento do bebê.
A participação do pai e de outros cuidadores na vida do bebê também é vital. Estudos mostram que a presença ativa do pai no cuidado diário contribui significativamente para o desenvolvimento emocional e social da criança (FREITAS, 2019). O envolvimento paterno oferece um modelo de comportamento e proporciona uma base de segurança adicional para o bebê.
Por fim, é importante considerar as políticas públicas e as iniciativas que podem apoiar as mães e as famílias. Políticas de licença-maternidade adequada, apoio à amamentação e programas de saúde mental materna são essenciais para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento infantil (BRASIL, 2018; PEREIRA; LIMA, 2016). Essas políticas devem ser continuamente avaliadas e ajustadas para atender às necessidades das famílias contemporâneas.
4.2 UMA MÃE SUFICIENTEMENTE BOA NA CONTEMPORANEIDADE: UMA (RE)LEITURA WINNICOTTIANA
A teoria de Donald Winnicott sobre a "mãe suficientemente boa" propõe uma perspectiva fundamental para entender a maternagem de 0 a 3 anos no século XXI. De acordo com Winnicott (2011), uma mãe suficientemente boa é aquela que consegue proporcionar um ambiente acolhedor e seguro, ajustando-se às necessidades do bebê à medida que ele se desenvolve. No contexto contemporâneo, essa teoria assume novas dimensões, considerando as mudanças sociais, econômicas e culturais que impactam a dinâmica familiar e a prática da maternagem. Em um mundo onde a informação é rapidamente disseminada e onde as expectativas sociais sobre a maternidade podem ser contraditórias e exigentes, compreender e aplicar a noção de "suficientemente boa" torna-se crucial para aliviar a pressão sobre as mães e promover um desenvolvimento infantil saudável.
No século XXI, a maternagem enfrenta desafios adicionais decorrentes da crescente inserção da mulher no mercado de trabalho. As mães contemporâneas muitas vezes precisam equilibrar as demandas profissionais com os cuidados intensivos exigidos por crianças de até três anos. Estudos indicam que essa dupla jornada pode gerar estresse e sentimentos de culpa, afetando a qualidade da interação mãe-bebê (ANDRADE, 2015). No entanto, Winnicott sugere que a mãe não precisa ser perfeita, mas sim suficientemente boa para proporcionar um ambiente seguro e facilitador do desenvolvimento infantil. Esse conceito oferece uma visão mais realista e compassiva da maternidade, permitindo que as mães reconheçam e aceitem suas próprias limitações enquanto se esforçam para atender às necessidades de seus filhos.
A importância do vínculo afetivo entre mãe e bebê é amplamente discutida na literatura recente. Segundo Figueiredo (2017), a relação inicial estabelecida entre mãe e filho é crucial para o desenvolvimento emocional da criança. Um vínculo seguro promove a confiança e a exploração do ambiente, elementos essenciais para o desenvolvimento saudável nos primeiros anos de vida. Nesse sentido, a mãe suficientemente boa é aquela que, apesar das imperfeições, consegue responder de maneira adequada às necessidades emocionais e físicas do bebê. Este vínculo seguro não apenas facilita a independência gradual da criança, mas também serve como uma base sólida para futuros relacionamentos e para o bem-estar emocional a longo prazo.
No cenário atual, a tecnologia também desempenha um papel significativo na maternagem. Embora a tecnologia possa oferecer suporte e informações valiosas, ela também pode ser uma fonte de distração. A presença constante de dispositivos eletrônicos pode interferir na qualidade do tempo de interação entre mãe e filho (SANTOS; SILVA, 2019). Winnicott enfatiza a importância da presença física e emocional da mãe, destacando que a capacidade de estar genuinamente presente é fundamental para o desenvolvimento do bebê. A introdução de limites no uso da tecnologia e a priorização de momentos de qualidade podem ajudar as mães a manter um equilíbrio saudável entre o uso de dispositivos e a interação direta com seus filhos.
As políticas públicas voltadas para a primeira infância têm reconhecido a importância de apoiar as mães nesse período crítico. Iniciativas como a licença-maternidade ampliada e programas de apoio à amamentação visam proporcionar melhores condições para que as mães possam se dedicar aos cuidados iniciais de seus filhos (OLIVEIRA, 2020). Essas políticas são essenciais para permitir que as mães ofereçam um cuidado de qualidade, alinhando-se aos princípios da maternagem suficientemente boa preconizados por Winnicott. Além disso, políticas que promovam a igualdade de gênero no trabalho e que incentivem a participação dos pais nas responsabilidades de cuidado também são fundamentais para criar um ambiente de apoio para as mães.
A prática da maternagem no século XXI também deve considerar a diversidade das configurações familiares. O conceito de mãe suficientemente boa pode ser ampliado para incluir outras figuras de cuidado que desempenham papel semelhante na vida da criança, como pais, avós e cuidadores (SOUZA, 2018). A flexibilidade na definição de quem pode ser essa figura de cuidado principal é crucial para atender às necessidades das famílias contemporâneas. Em muitos casos, as responsabilidades de cuidado são compartilhadas entre vários membros da família ou até mesmo entre profissionais de cuidado, e reconhecer essa diversidade é vital para entender a dinâmica do cuidado infantil nos dias de hoje.
Outro aspecto relevante é a saúde mental materna. Estudos recentes apontam que o bem-estar psicológico da mãe influencia diretamente a qualidade do cuidado fornecido ao bebê (PEREIRA; LIMA, 2016). A depressão pós-parto, por exemplo, pode comprometer a capacidade da mãe de responder às necessidades do bebê, destacando a importância de suporte psicológico adequado durante o período perinatal. Winnicott (2011) já enfatizava que uma mãe suficientemente boa é aquela que também cuida de si mesma. O acesso a serviços de saúde mental e a criação de redes de apoio emocional para as mães são medidas essenciais para garantir que elas possam desempenhar seu papel de maneira eficaz e saudável.
A rede de apoio social é outro elemento vital na maternagem de 0 a 3 anos. A presença de uma rede de suporte, incluindo família, amigos e profissionais de saúde, pode aliviar a pressão sobre a mãe, permitindo que ela desempenhe seu papel de maneira mais eficaz (CARVALHO, 2015). Winnicott ressaltava a importância do ambiente facilitador, e na contemporaneidade, essa rede de apoio é parte integrante desse ambiente. Grupos de apoio à maternidade, programas comunitários e a acessibilidade a serviços de saúde podem fornecer o suporte necessário para que as mães se sintam seguras e capazes em seu papel.
A amamentação é um componente central da maternagem nos primeiros anos de vida. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o aleitamento materno exclusivo é recomendado até os seis meses de idade, com continuidade até os dois anos ou mais (BRASIL, 2018). A prática da amamentação não só proporciona nutrição ideal, mas também fortalece o vínculo afetivo entre mãe e bebê, um aspecto fundamental na teoria winnicottiana. Estudos demonstram que a amamentação tem benefícios tanto para a saúde física quanto para o desenvolvimento emocional do bebê, reforçando a importância de políticas e práticas que apoiem as mães nesse processo.
A introdução de alimentos complementares e a construção de hábitos alimentares saudáveis também fazem parte da maternagem. Estudos demonstram que as práticas alimentares estabelecidas nos primeiros anos de vida têm impacto duradouro na saúde da criança (ALMEIDA, 2019). A mãe suficientemente boa é aquela que guia esse processo de maneira sensível e responsiva, respeitando os sinais de fome e saciedade do bebê. A criação de um ambiente alimentar positivo e a introdução de uma variedade de alimentos nutritivos são cruciais para estabelecer padrões alimentares saudáveis que a criança levará para a vida adulta.
A segurança física e emocional é outra área crucial. A criação de um ambiente seguro, onde o bebê possa explorar e desenvolver suas habilidades, é essencial para o crescimento saudável (LIMA, 2017). Winnicott enfatiza que a mãe suficientemente boa deve estar atenta às necessidades do bebê, proporcionando um espaço seguro para suas descobertas e desenvolvimento. A segurança física envolve a proteção contra acidentes domésticos, enquanto a segurança emocional envolve a construção de um ambiente previsível e consistente onde o bebê se sinta amado e protegido.
A interação lúdica é um aspecto importante da maternagem. Brincadeiras e jogos são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e emocional do bebê. A participação ativa da mãe nessas atividades fortalece o vínculo afetivo e estimula o desenvolvimento (MARTINS, 2016). Winnicott destacava a importância do brincar na construção do self da criança, e essa prática deve ser incentivada na maternagem contemporânea. Através do brincar, a criança aprende sobre o mundo, desenvolve habilidades sociais e cognitivas, e fortalece o vínculo com a mãe.
A educação parental é um recurso valioso para as mães do século XXI. Programas de educação parental fornecem informações e suporte prático para enfrentar os desafios da maternagem (RODRIGUES, 2020). Essas iniciativas ajudam as mães a desenvolver habilidades e estratégias para cuidar de seus filhos de maneira mais eficaz, alinhando-se aos princípios de Winnicott sobre a maternagem suficientemente boa. A educação parental pode incluir aulas sobre desenvolvimento infantil, técnicas de cuidado, e estratégias para lidar com o estresse e a ansiedade associados à maternidade.
A igualdade de gênero e o papel dos pais na criação dos filhos são aspectos que têm ganhado destaque. A participação ativa dos pais na maternagem alivia a carga sobre as mães e contribui para o desenvolvimento equilibrado da criança (FREITAS, 2019). Winnicott reconhecia a importância da figura paterna e outras figuras de cuidado, e na contemporaneidade, essa participação deve ser incentivada e valorizada. A promoção de políticas que incentivem a licença-paternidade e a participação ativa dos pais no cuidado diário das crianças é fundamental para criar um ambiente de suporte integral.
As mudanças sociais e culturais também influenciam a maternagem. A globalização e a urbanização trazem novas demandas e pressões, mas também oportunidades para práticas de cuidado inovadoras e inclusivas (NUNES, 2017). A teoria de Winnicott pode ser adaptada para considerar essas mudanças, promovendo uma maternagem que responda às necessidades contemporâneas. As influências culturais e sociais moldam as expectativas e práticas de maternagem, e a adaptação a essas mudanças é essencial para garantir que as crianças recebam o cuidado necessário para seu desenvolvimento saudável.
A autoeficácia materna, ou a confiança da mãe em sua capacidade de cuidar de seu filho, é um fator determinante para uma maternagem eficaz. A percepção de autoeficácia influencia o comportamento materno e a qualidade do cuidado oferecido (VASCONCELOS, 2021). Winnicott enfatizava que a mãe suficientemente boa é aquela que acredita em suas próprias capacidades, mesmo diante dos desafios. O desenvolvimento de programas de suporte que reforcem a autoeficácia materna pode ter um impacto significativo no bem-estar das mães e no desenvolvimento saudável das crianças.
5 CONCLUSÃO
É de fundamental relevância os cuidados maternos para o desenvolvimento da criança desde seu nascimento, em especial na primeira infância de 0 a 3 anos de idade. Desde a gravidez, o corpo do bebê pode ser e não ser considerado o corpo da mãe, em uma aparente contradição. Para Winnicott, a mulher grávida é “um segredo que vai se tornar bebê”. Partindo do conceito do desenvolvimento de corpo e psiquismo, de forma inevitável em conjunto, em uma ênfase à integração.
Na pesquisa da relação mãe-bebê e seu desenvolvimento, Winnicott constrói o conceito de mãe suficientemente-boa que, em contradição com o que muitas pessoas pensam, não é a mãe supostamente “perfeita”, mas sim, a mãe que se flexibiliza de forma suficiente para o acompanhamento da criança e de suas necessidades, as quais irão oscilar e evoluir no decorrer da maturidade e ganho de autonomia.
Estes conceitos Winnicottianos ganharam especial ênfase de estudo no período que vivenciamos, repleto de questões problemáticas relacionadas com eles. Sintomas frequentes em crianças atualmente, como crises de identidade, narcisismo, depressão, falta de sentido na vida, vários tipos de somatização, vícios, agressividade, se relacionam de forma intima a aqueles conceitos: “Há um vínculo entre a saúde emocional individual e o sentimento de sentir-se real.”
As contribuições de Winnicott são inquestionáveis na contemporaneidade, precisando apenas fazer algumas reformulações devido às diferentes épocas, assim como: o tempo da mãe para com o bebê, observando a qualidade desse tempo e não a quantidade dele. Além disso, há de se rever o papel da Educação Infantil e a profissão do educador dessa área, que serão especificados no decorrer desse estudo. Cabe deixar claro reafirmar que a família embora conviva em eternas mudanças, necessita ter um ambiente afetuoso para a solidificação saudável da personalidade de seus filhos, não importando se a genitora trabalhe fora ou não, sendo o que importa é a qualidade disponível desse tempo para com seus rebentos.
O que se espera é que as mães brasileiras tenham estrutura e condições para terem seus bebês em ambientes favoráveis, perto de pessoas humanas que possam lhe dar todo apoio e condições necessárias para poder criar seus filhos, pois nessa fase, ninguém sabe melhor das necessidades do bebê do que a mãe.
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1 Pedagoga, Professora de Ensino Fundamental e Educação Infantil, Pós Graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional, Educação Especial e Inclusiva, Alfabetização e Letramento.