ATIVIDADES EXPERIMENTAIS INVESTIGATIVAS PARA O ENSINO DE QUÍMICA: UMA REVISÃO DA LITERATURA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12797090


Diego Arantes Teixeira Pires1
Letícia Fernandes Braga2
Ânderson Jésus da Silva3


RESUMO
A Química é uma ciência essencialmente experimental, na qual não deveria haver dissociação entre teoria e prática. No entanto, é comum observar essa separação no ensino dessa disciplina, com a parte prática frequentemente limitada a experimentos ilustrativos que pouco contribuem para o conhecimento do aluno. Em contrapartida, a abordagem da experimentação investigativa surge como uma metodologia que utiliza atividades práticas como auxiliares no ensino de Ciências, priorizando o papel ativo do aluno na construção do conhecimento e o papel mediador do professor nesse processo. Buscando relacionar a Química com temas do cotidiano, as atividades experimentais investigativas buscam o desenvolvimento dos conceitos químicos, aliados ao entendimento do mundo que nos cerca. Essa abordagem se destaca por sua ênfase na contextualização e na formulação de hipóteses como características essenciais. O presente trabalho consiste em uma revisão da literatura que aborda a temática da experimentação investigativa aplicada ao ensino de Química, utilizando-se uma pesquisa de revisão narrativa.
Palavras-chave: Experimentação. Ensino de Química. Investigação. Contextualização.

ABSTRACT
Chemistry is essentially an experimental science in which there should be no dissociation between theory and practice. However, it is common to observe this separation in the teaching of this discipline, with practical parts often limited to illustrative experiments that contribute little to the student's knowledge. In contrast, the approach of investigative experimentation emerges as a methodology that uses practical activities as aids in the teaching of Science, prioritizing the student's active role in knowledge construction and the teacher's mediating role in this process. By seeking to relate Chemistry to everyday themes, investigative experimental activities aim at developing chemical concepts alongside understanding the world around us. This approach stands out for its emphasis on contextualization and hypothesis formulation as essential characteristics. The present work consists of a literature review addressing the theme of investigative experimentation applied to the teaching of Chemistry, utilizing a narrative review research.
Keywords: Experimentation. Chemistry Teaching. Investigation. Contextualization.

1 INTRODUÇÃO

O nosso país é marcado por influências educacionais externas, desde sua invasão pelos portugueses (e outros povos) a partir de 1500, até os dias atuais. A novidade é que, na atualidade, essas influências acontecem a partir de elementos político-ideológicas diligenciadas por entidades internacionais que “regulam” Estados ao “orientar” políticas de desenvolvimento, dentre as quais, a educação.

Para as reflexões que planejamos desenvolver no presente texto, utilizaremos as periodizações das ideias pedagógicas no Brasil, proposta por Saviani (2013, p. 19-20), as quais são organizadas em quatro períodos, a saber: 1º (1954-1759) Monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional; 2º (1759-1932) Coexistência entre as vertentes religiosa e leiga da pedagogia tradicional; 3º (1932-1969) Predominância da Pedagogia nova e; 4º (1969-2001) Configuração da concepção pedagógica produtivista.

Um exercício interessante, para os professores de ciências, é o de fazer paralelos entre essas periodizações das ideias pedagógicas e o movimento específico de consolidação do ensino de Química (Ciências) no Brasil, conforme tratado no texto de Schetzler (2010). Esse exercício traz à luz possíveis motivos que levaram o ensino de Química no curso secundário (atual Ensino Médio) a ser pouco valorizado nas terras tupiniquins. Em princípio, o ensino de Ciências é iniciado no Brasil só em 1862 com Química e Física juntas, sendo que a Química se separa da Física somente em 1925, com a reforma Rocha Vaz com um pequeno número de aulas nos dois últimos anos da educação básica (SCHETZLER, 2010, p.54).

Essa mesma autora vai afirmar que essa é uma “herança educacional, marcada durante 210 anos (1549-1759) pela educação jesuítica, caracterizada por ser escolástica, literária e desinteressada dos estudos científicos” situação continuada no período as aulas régias, caracterizadas por estruturas literárias e humanísticas (p. 54). Assim, temos que, historicamente, as ideias pedagógicas e planos educacionais são construídos majoritariamente em uma visão reprodutivista da sociedade brasileira, em um movimento fortemente influenciado por pensamentos externos, e regulados, na atualidade, por uma força mercantil.

Nessa esteira, observam-se negligenciados historicamente os estudos científicos. Como contrapeso, têm-se os trabalhos desenvolvidos no âmbito das entidades brasileiras de pesquisadores e professores do ensino de Química (Ciências) que tentam, nessa complexa composição da educação no Brasil, ressignificar o termo “ensinar”.

Na busca de se compreender todo esse cenário educacional na atualidade, precisamos buscar elementos na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, onde os objetivos da educação no Ensino Médio envolvem questões de desenvolvimento pessoal e social, sugerindo um aspecto amplamente formador, em que:

O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (BRASIL, 1996, p. 13).

Da mesma forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), lançados pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) em 1999 para orientar os professores na organização do currículo, indicam em sua última atualização, no ano de 2009, que a finalidade do ensino não é somente proporcionar ao aluno uma formação específica técnica, mas também uma formação geral, contextualizada, de modo a orientar cidadãos capacitados a exercer suas escolhas de forma consciente.

Os objetivos do Ensino Médio em cada área do conhecimento devem envolver, de forma combinada, o desenvolvimento de conhecimentos práticos, contextualizados, que respondam às necessidades da vida contemporânea, e o desenvolvimento de conhecimentos mais amplos e abstratos, que correspondam a uma cultura geral e a uma visão de mundo. Para a área das Ciências da Natureza, Matemática e Tecnologias, isto é particularmente verdadeiro, pois a crescente valorização do conhecimento e da capacidade de inovar demanda cidadãos capazes de aprender continuamente, para o que é essencial uma formação geral e não apenas um treinamento específico (BRASIL, 2000, p.6).

Em documento oficial mais recente, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2017 (BRASIL, 2017), para Ciências da Natureza no Ensino Médio, indica a importância de um ensino para a formação de cidadãos mais preparados para os desafios do século XXI. O documento destaca a valorização de abordagens contextualizadas, práticas investigativas e críticas, visando promover o desenvolvimento de uma cultura científica que seja relevante para a vida dos alunos e para a sociedade na totalidade. O Ensino Médio deve priorizar a formação de cidadãos científicos, críticos e participativos, e nesse sentido, a Química deveria apresentar grande importância. O papel da contextualização e de práticas investigativas recebem grandes destaques na BNCC (2017).

Mesmo com orientações aparentemente “modernas” nos documentos oficiais, que orientam o trabalho pedagógico no Brasil, não é de se estranhar que o ensino formal no Brasil, especialmente o Ensino Médio, ainda apresente grandes dificuldades (CEBRAP, 2013; ESTADÃO, 2014, DAI PRÁ, 2024).

Vários são os apontamentos para tal situação crítica, à qual atribuímos ter alicerce na herança histórica, retratada em linhas anteriores, e o desenvolvimento, no modo como é planejado e aplicado nas escolas públicas brasileiras. Nesse sentido, o processo ensino-aprendizagem tem se mostrado um tanto quanto engessado, imperativo e mecanizado, sem valorizar a participação ativa do aluno no processo ensino-aprendizagem (DAI PRÁ, 2024). Talvez, tal situação seja reflexo dos vários anos em que o ensino Tradicional e o Tecnológico ficou em voga em nosso país. Da mesma forma, a organização curricular e pedagógica das escolas tem privilegiado programas conteudistas, limitadores e pouco eficientes para a formação de cidadão participativo (DAI PRÁ, 2024).

Se a última fase da educação básica tem apresentado índices ruins de aproveitamento, no ensino de Química, a situação não é diferente, sendo igualmente crítica (DAI PRÁ, 2024). Ensinar uma ciência diante dos moldes atuais torna muito difícil o cumprimento do seu papel preceptor essencial, dando lugar e valorizando apenas conceitos, fórmulas, relações matemáticas vazias de significado, que torna o processo ensino-aprendizado algo repetitivo e desestimulante, tanto para os alunos, quanto para os professores, sem nenhuma relação com o cotidiano (CHASSOT, 1995; LUCA, 2001; QUEIROZ, 2004).

Não é difícil encontrar relatos de jovens, cursando o Ensino Médio, que declaram não declararam gostar da matéria de Química e que creditam que aprender Química não teria alguma utilidade para sua vida (ALBANO, 2023). Além disso, as metodologias e práticas pedagógicas, assim como a infraestrutura, ainda são os principais obstáculos apontados para o Ensino de Química (ALBANO, 2023). Esses apontamentos reforçam a ideia de que os currículos utilizados no ensino dessa disciplina são extensos, complexos e desconexos da realidade dos alunos. Também, que a educação básica é marcada pela inexistência de políticas que estabeleçam uma relação entre o interesse e o aprendizado dos alunos, ao invés disso, o currículo em voga é carente de significado e sentido para os alunos (CEBRAP, 2013; LUCA, 2001; RAMOS, 2011).

Nesse sentido, considerando que as metodologias e as práticas pedagógicas podem ser alguns dos obstáculos para o Ensino de Química, este trabalho apresenta o objetivo de realizar uma revisão da literatura sobre as atividades experimentais investigativas no Ensino de Química.

Para tal, realizou-se uma pesquisa de revisão narrativa, que fornece uma descrição e análise, na literatura, sobre um determinado tema (atividades experimentais investigativas), almejando uma visão geral (MARTINELLI, 2019; ROTHER, 2007). Visto a abrangência da temática, escolheu-se a revisão narrativa por possibilitar uma discussão ampliada (MARTINELLI, 2019). Diferente das revisões sistemáticas, as revisões narrativas não priorizam detalhar a metodologia para a busca das referências, nem os critérios para avaliação e seleção dos trabalhos (MARTINELLI, 2019; ROTHER, 2007). Realizou-se uma busca, não sistemática, e sem restrições de anos das publicações. Buscaram-se científicos e livros, nas plataformas Google acadêmico e SciELO, com os temas: desafios para o ensino de Química, estratégias para o ensino de Química, experimentação no ensino de Química e experimentação investigativa no ensino de Química. Selecionaram-se os trabalhos pelos números de citações e pelos autores com relevância na área (número de trabalhos publicados), além de trabalhos nos últimos 5 anos.

2 O ENSINO DE QUÍMICA E SEUS DESAFIOS

Alguns questionamentos podem ser feitos em relação ao ensino de Química para que se possa compreender realmente a sua importância e o seu significado. Um bom exemplo são os questionamentos levantados por Chassot (1995): “Para que(m) é útil o ensino de Química hoje em dia? Para respondermos essa pergunta, outras três se desdobram: por que ensinar Química? O que ensinar? Como ensinar?” (p. 37). Essa tríade nos leva a uma reflexão sobre como o atual formato de ensino age sobre a formação dos nossos alunos.

Roseli Schnetzler, uma importante professora/pesquisadora em educação Química no Brasil, relata que uma nova educação vem sendo construída por uma comunidade de professores/pesquisadores iniciando em “1981, no II Encontro de Debates de Ensino de Química (EDEQ), organizado por Attico Chassot, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, o tema foi ‘Como tornar o ensino de Química mais Criativo’”? (SCHNETZLER, 2010, p. 59).

Por isso, a resposta para a questão “por que ensinar Química” deveria ser clara, uma vez que está bem difundida, especialmente nas salas de aula, que a Química está em tudo a nossa volta. Segundo Chassot (1995), “a Química também é uma linguagem, assim, o ensino de Química deveria ser um facilitador da leitura do mundo” (p. 39). Desse modo, ensina-se Química para permitir que o cidadão possa interagir com o mundo. Isso implica que o conhecimento químico aparece não como um fim em si, mas com objetivo maior de desenvolver as habilidades básicas que caracterizam o cidadão: a participação e o julgamento (SANTOS; SCHNETZIER, 1996).

Na prática, a resposta dessa questão tem indicado, no senso comum escolar, que o objetivo do ensino de Química está basicamente relacionado ao cumprimento de programas pedagógicos formais já preestabelecidos. A justificativa resume em: “é assunto de vestibular”. Uma realidade que desintegra a individualidade e o interesse, tornando o ensino dessa ciência repetitivo, descontextualizado e limitado, como afirmam Luca (2001) e Queiroz (2004), por exemplo.

A formação continuada e institucionalizada de professores, defendida por Silva (2018), é outro problema nesse cenário, já que os professores não são incentivados a buscarem novos conhecimentos e novas alternativas para a sala de aula, seja por falta de tempo, seja por falta de uma política clara de melhoria da educação.

(...) não estou negando que existam realmente pilares para se edificar uma educação para as novas gerações contribuírem com o avanço cultural e erudito da sociedade, até porque estou defendendo que um desses pilares passa pela valorização do professor, com formação inicial e continuada institucionalizada e histórica durante a carreira, mas isso tudo não na forma de modismos, sem as necessárias discussões e estudos, principalmente no diagnóstico e planejamento do processo educativo como princípio ontológico do trabalho docente, em todas as instâncias, do planejamento global do sistema de ensino à atividade-fim no processo ensino-aprendizagem em sala de aula (SILVA, 2018, p. 43, grifos nossos).

Mas afinal, ensinar Química para a prática cidadã, crítica e participativa é o mesmo que ensinar Química para o vestibular? Por que em vez de mergulharmos no ensino de configurações eletrônicas, conceitos de íons e átomos ou orbitais moleculares, não direcionamos a Química para a explicação de fenômenos Químicos presentes no cotidiano dos alunos ou contextualizado a sua vida comunitária? Trazer a eles conhecimento e sentido através da ciência, explicando, por exemplo, a Química envolvida no tratamento de águas, na produção dos nossos bens de consumo como plásticos, sabões e refrigerantes? Nessa perspectiva, vem a discussão sobre a questão: o que ensinar e como? Esse tema é bastante relacionado à pesquisa citada anteriormente, no qual os alunos não notam sentido em aprender algumas matérias, especialmente as de Ciências, uma vez que elas não estão ligadas à sua realidade (CHASSOT, 1995).

Na comunidade de pesquisadores do Ensino de Química há um certo consenso de que o conteúdo escolar deve trazer um aprendizado significativo para o aluno. Nesse sentido, é preciso que esse conteúdo contenha significados lógicos e psicológicos, ou seja, que envolvam o conteúdo, a experiência e a vivência do aluno (MOREIRA, 2012; NOVAK, 1981). Segundo a teoria da aprendizagem de Ausubel, é preciso integrar os conhecimentos novos aos conhecimentos prévios de maneira substantiva e não-arbitrária (AUSUBEL, 2003).

Se o estudante não consegue inter-relacionar o conteúdo escolar com a sua realidade e/ou seus conhecimentos prévios, acontece um tipo de aprendizado mecânico. Nesse, nenhuma interação ocorre entre a nova informação negociada durante o processo ensino-aprendizagem e aquela já armazenada, gerando uma aprendizagem memorística, sem significado e transitória (AUSUBEL, 2003; MOREIRA, 2012; NOVAK, 1981).

Muitos dos relatos de estudantes sobre a dificuldade de aprendizado de conceitos e implicações sociais da disciplina “Química” estão relacionados justamente com o modelo convencionalizado de ensino, que traz fortes elementos da pedagógica tradicional a qual não engloba o aluno integralmente no processo (ALBANO, 2023). Na verdade, o estudante é posto em uma posição tão imobilizada e passiva no processo de ensino-aprendizagem, que o empurra para a mecanização, para a formação de uma máquina de saber fórmulas, termos e expressões, mas não entende de fato o mundo que o cerca.

Santos e Schnetzier (1996) relatam em seu trabalho a necessária reformulação e organização do ensino de Química, de modo que não é suficiente apenas incluir pequenas motivações, como debates ou dinâmicas. É preciso encarar a educação por uma visão completamente nova e transformadora para, a partir daí, ensinar para a cidadania. Os autores propõem “novos conteúdos, metodologias, organização do processo de ensino-aprendizagem e métodos de avaliação” (p. 33).

Nessa lógica, é preciso observar os grandes desafios dos educadores, para buscarem estratégias e planejamentos adequados a fim de obter a solução dessas questões, as quais são: o ensino de Química para formar o cidadão; o ensino de Química integral e emancipador, que forme para o pensamento crítico e leitores do mundo em suas mais variadas formas (PIRES, 2020).

3 ESTRATÉGIAS PARA O ENSINO DE QUÍMICA

Diante da necessidade de trazer o ensino de Química para próximo à realidade dos estudantes, várias estratégias e alternativas vêm sendo especialmente pesquisadas e aplicadas em sala de aula, como uma possibilidade para agregar mais conhecimento e tornar o aprendizado mais significativo na formação estudantil e também tornar as aulas mais dinâmicas e interessantes.

Vale ressaltar que as estratégias didáticas para o ensino da Química devem valorizar o aluno no processo de aprendizagem, e não o professor. Independente de se utilizar tecnologias, experimentos, livros paradidáticos, o foco da aula deve ser sempre o aluno. Outra possibilidade para um ensino de Química que privilegie mais o papel do aluno no processo de aprendizagem é o estudo de caso. Muitas pesquisas se realizaram nesse âmbito (HERREID, 1994; PAZINATO; BRAIBANTE, 2014; SÁ; FRANCISCO; QUEIROZ, 2007; SILVA; OLIVEIRA; QUEIROZ, 2011; SOUSA; ROCHA; GARCIA, 2012), especialmente na tentativa de trazer a disciplina para um conceito mais atual e formativo, em vez de apenas informativo.

Apesar de ser uma técnica relativamente nova na sua aplicação no ensino de Ciências, o estudo de caso tem se mostrado uma ferramenta bastante eficiente no processo de ensino-aprendizagem. No estudo de caso, faz-se “uso de narrativas – os casos propriamente ditos – sobre dilemas vivenciados por indivíduos que necessitam tomar decisões ou buscar soluções para os problemas enfrentados” (SILVA; OLIVEIRA; QUEIROZ, 2011). Além de estimular uma participação mais crítica do aluno, o estudo de caso pode facilitar a contextualização da Química, além de um processo de investigação.

De maneira geral, essa técnica busca colocar o aluno como foco principal em seu processo de aprendizagem, enfatizando o aprendizado autodirigido, em uma concepção focada na superação de situações-problema, no desenvolvimento de projetos de ensino e na interação entre as diversas áreas do conhecimento (HERREID, 1994; SÁ; FRANCISCO; QUEIROZ, 2007). O aluno é instigado a investigar, propor e testar hipóteses, elaborar soluções e debater. Tais fatos podem tornar facilitar o processo de ensino-aprendizagem e estimular o aluno para uma participação mais ativa nas aulas.

Apesar de pouco realizada no âmbito do Ensino Médio, as pesquisas relacionadas à aplicação do estudo de caso como estratégia pedagógica trouxeram como resultados o desenvolvimento de importantes habilidades na formação do aluno, como interpretação de problemas, capacidade de comunicação, trabalho em equipe, grupo cooperativo, solucionar problemas e capacidade de tomada de decisão (HERREID, 1994; PAZINATO, 2014; SÁ, 2007; SOUSA, 2012; SOARES, 2023).

Nesse sentido, o estudo de caso pode ser uma ferramenta eficaz, ao poder auxiliar no cumprimento de quesitos importantes relacionados ao atual papel do ensino de Química para formar cidadãos, ao ajudar os estudantes na interpretação de textos, promove a capacidade de identificação e resolução de problemas, contextualiza conceitos de Química, possibilita um trabalho com diferentes áreas do conhecimento, além de possibilitar a aplicação de conteúdos de Química em situações reais (PAZINATO; BRAIBANTE, 2014).

Vale destacar que as estratégias de ensino não são os únicos obstáculos para o Ensino de Química. Por exemplo, o professor e a Escola (correlacionada com a infraestrutura, por exemplo) também possuem papel decisivo para que as metodologias de ensino e aprendizagem sejam praticadas e alcancem seus objetivos (ALBANO, 2023). As escolas devem fornecer as condições para que as diferentes práticas de ensino funcionem em sala de aula.

Outra estratégia de ensino que recebe um destaque especial é a experimentação no ensino de Química. Dentre as estratégias mais citadas, a utilização da experimentação é a que mais se aproxima da realidade da maioria das escolas, e aquela com os quais os alunos se mostram mais familiarizados no ensino de Ciências (BARBOSA, 2017; SOARES, 2023). Mesmo assim, é uma prática pouco adotada no Ensino Médio, o que pode prejudicar o ensino de Ciências (BARBOSA, 2017). A Química é uma Ciência basicamente experimental, com isso, a falta de atividades práticas em sala de aula pode dificultar a real concepção desta Ciência, tornando o ensino desconexo para o aluno.

4 A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA

A experimentação no ensino de Química, dentre as estratégias utilizadas como recurso didático, sem dúvidas é aquela mais familiar, tanto para os professores, quanto para os estudantes. Levar os experimentos para os alunos, seja em sala de aula ou laboratórios, é uma atividade relativamente simples, mas que divide opiniões sobre a sua eficiência como metodologia alternativa. A eficiência das aulas práticas em laboratório tem sido questionada como ferramenta auxiliar no desenvolvimento cognitivo dos alunos de Química, e esse fato ocorre justamente pela maneira como a qual a experimentação é encarada em sala de aula.

Hoje em dia, apesar de a experimentação ser considerada importante aliada no processo de ensino-aprendizagem, o que se pode observar é que seu uso tem se restringido a uma alternativa não didático-pedagógica, mas sim exclusivamente motivacional (BORGES, 2002; GONÇALVES; MARQUES, 2006). Muitos professores trazem algumas rotinas de experimentos em sala de aula com a visão única de que fazendo dessa maneira os alunos se sentem mais motivados e facilita o aprender.

No entanto, essa visão simplista tem sido o maior problema da adequada utilização dessa ferramenta didática, restringindo a vivência dos alunos a atividades prontas, que não primam pelo raciocínio, nem observação e questionamentos. Usa-se a prática meramente para comprovar a teoria, o que é algo extremamente pobre educacionalmente. Da maneira como tem sido aplicada, a experimentação se mostra como uma “aula de curiosidade”, em que o aluno consegue, a partir da ciência, reafirmar aquilo que aprendeu na teoria (GONÇALVES; MARQUES, 2006). Esse conceito de laboratório tradicional engessa as possibilidades de aprendizagem do aluno, empurrando-o para uma concepção de Química abstrata, imutável e dogmática. Falta clareza nas atividades experimentais tradicionais, impedindo que os alunos compreendam o real sentido daquela aula (BORGES, 2002), adquirindo uma falsa concepção sobre a experimentação no Ensino de Química.

O papel pedagógico das atividades experimentais tem destaque nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). De acordo com esse documento,

[...] a experimentação na escola média tem função pedagógica, diferentemente da experiência conduzida pelo cientista. A experimentação formal em laboratórios didáticos, por si só, não soluciona o problema de ensino-aprendizagem em Química.
[...] Qualquer que seja a atividade a ser desenvolvida, deve-se ter a clara necessidade de períodos pré e pós atividade, visando à construção dos conceitos. Dessa forma, não se desvinculam “teoria” e “laboratório”(BRASIL, 2000, p.36).

Nesse sentido, podemos destacar a importância da experimentação no papel de formação cidadã dos alunos de Química. Entretanto, para entender a sua real função e como ela atua como facilitadora do processo de ensino-aprendizagem, é preciso reconhecer toda a sua evolução histórica e seus objetivos na educação, bem como o papel do professor e do aluno nessa dinâmica pedagógica.

5 CLASSIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS

Leite (2018) propõem uma classificação/categorização para as atividades experimentais. Tais práticas poderiam ser divididas em: (1) empírico-indutivista, (2) demonstrativas, (3) ilustrativas, (4) investigativas, (5) conceituais e (6) técnicas. A tabela 1 apresenta a divisão e a explicação para cada classificação.

Tabela 1: Classificação das atividades experimentais que podem ser utilizadas nas aulas de Química.

Classificação

Resumo

Empírico-indutivistas

Utiliza a experimentação apenas para comprovar a teoria, dando destaque para a observação e a descoberta. Não estimula a reflexão e o senso crítico.

Demonstrativas

A atividade experimental é realizada pelo professor, e os alunos observam o fenômeno, sem colocar a “mão na massa”.

Ilustrativas

A atividade experimental é realizada pelo aluno. Utilizada para melhorar a compreensão de determinado conceito ou ilustrar a relação entre variáveis. São empregadas para ilustrar princípios e/ou leis.

Investigativas

A atividade experimental vai ter início com uma situação-problema. Valoriza-se a perspectiva de resolução de problema, possibilitando a generalização e a previsibilidade. Sua utilização possibilita a construção do conhecimento e aprender a investigar.

Conceituais

A atividade experimental possibilita a reelaboração de um conceito, contribuindo para a reflexão e o processo intelectual.

Técnicas

A atividade experimental que possibilita a discussão de seguração de laboratório, descarte de resíduos/rejeitos e manuseio de vidrarias/equipamentos. Limita-se a valorizar procedimentos e técnicas, e não o pensamento crítico.

Fonte: Leite (2018).

Vale destacar que uma atividade experimental pode receber mais de uma classificação. Por exemplo, pode-se realizar uma atividade demonstrativa e investigativa, ampliando as opções de aplicabilidade.

6 A EVOLUÇÃO DA EXPERIMENTAÇÃO: DO LABORATÓRIO TRADICIONAL À EXPERIMENTAÇÃO INVESTIGATIVA

Por muitos anos, a experimentação incorporada ao ensino, não só de Química, mas de Ciências, foi encarada como uma estratégia didática para chamar a atenção dos estudantes diante das dificuldades que tinham com essas matérias. O que podemos chamar de laboratório tradicional é aquele no qual as aulas práticas são realizadas, normalmente, como uma confirmação da aula teórica, em que os alunos poderão, a partir de medições e observações de resultados, comprovar aquilo que lhe foi contado em sala de aula (BORGES, 2002; MERÇON, 2012), como se desenvolvessem um método científico.

Nesse modelo, as aulas são quase sempre como uma “receita de bolo”. As divisões rígidas entre o procedimento a ser realizado passo a passo, bem como as anotações das observações realizadas durante a “experiência” não colaboram efetivamente no processo de aprendizagem. Os alunos não fazem observações livres, são, a todo o momento, direcionados ao que devem observar. Não há construção de senso crítico, nem desenvolvimento de habilidades importantes como o raciocínio e a busca por soluções (FERREIRA; HARTWING; OLIVEIRA, 2010). Os aprendizes basicamente acabam tentando comprovar uma teoria apresentada em sala de aula, demonstrando a valorização do conhecimento como maneira de justificar verdades (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; SILVA; ZANON, 2000), contribuindo para manter a hegemonia de uma visão de Ciências objetiva, neutra, apoiada nas teorias surgidas da observação (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004).

Nessa estratégia, o aluno é passivo em sua rota de conhecimento, ele fica à mercê da direção que o professor tem que dar, pois sem ela, é incapaz de entender o sentido daquela aula. É assim que acaba se criando uma perspectiva bastante contrária ao real objetivo em aprender Química. Não se educa cidadãos dessa maneira.

Essa visão é entendida por alguns autores (BORGES, 2002; GALIAZZI; GONÇALVES, 2004) como uma inadequação pedagógica, que só corrobora com a ideia de ciência imutável e inacessível, que se disseminou nas escolas por muitos anos. Sem exercitar o raciocínio, a capacidade de questionamento e com dificuldades em relacionar as aulas experimentais com o cotidiano, os alunos acabam rejeitando a Química (LIMA, 2000; MERÇON, 2012), vendo-a como um conhecimento alcançado por um número limitado de pessoas – os cientistas – e não acessível a todos.

Esse laboratório tradicional, ou atividades experimentais tradicionais, como ainda vemos hoje, é ainda parte do que chamamos de conhecimento científico empírico-indutivista, em que o conhecimento provinha da observação, podendo ser dissociado da teoria ou cognições prévias, sendo, segundo Borges (1996), “observações numerosas, repetíveis, não conflitantes entre si”, de modo que as leis e teorias seriam determinadas indutivamente. Essa visão tem sido criticada pelos pesquisadores do ensino de Ciências na atualidade (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; SILVA, 2019; SILVEIRA, 2023). Segundo os autores, as observações e inferências são sempre baseadas na teoria, sendo ela a responsável por suas interpretações, não podendo haver essa divisão, “é preciso aprender a observar por toda observação ser feita a partir das teorias do observador, mesmo que implícitas” (p. 327).

Em contrapartida, a essa perspectiva de laboratório tradicional, podemos destacar a interpretação investigativa. Essa abordagem das atividades experimentais se mostra como uma estratégia muito mais complexa para enfrentar as dificuldades e necessidades do ensino de Química. Com ela, são possíveis explorações conceituais, valorizando conhecimentos que os alunos já possuam previamente, para a formação de redes cognitivas significativas, além de permitir o desenvolvimento de habilidades importantes (MARTORANO, 2007, SOARES, 2023).

Em oposição a uma prática experimental simplista, que via a experimentação apenas como atividade motivacional para o aprendizado, o conceito investigativo faz mais, procurando enriquecer teorias pessoais sobre a natureza das Ciências e entendendo a complexidade da relação entre a motivação e o processo de ensino aprendizagem (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; GONÇALVES; MARQUES, 2006; TAPIA, 2003).

Essa linha construtivista de aprendizagem traz argumentos que favorecem o conhecimento científico em detrimento do método científico - aquele construído com base em teorias que podem gerar nos alunos visões distorcidas sobre o que é a investigação científica, distanciando os alunos do processo de construção e evolução dos conhecimentos científicos (PRAIA, 2005). Dessa forma, uma visão contemporânea sobre a ciência admite que o conhecimento seja construído com base em teorias que orientam a observação.

O conhecimento científico é visto como um conjunto de hipóteses que são modificáveis e que tendem a fazer uma descrição da realidade e o método científico não é entendido como uma sucessão linear de etapas, mas antes um processo conducedente à elaboração de ideias sucessivamente mais complexa (MARTORANO, 2007, p. 82).

Característica importante da experimentação investigativa é a análise dos conhecimentos prévios dos alunos, por ser a partir deles que será possível a construção de novos conhecimentos, fato baseado nas teorias construtivistas de ensino e aprendizagem (GIORDAN, 1999; ROSITO, 2008). Nessa estratégia, busca-se a estruturação e combinação de conceitos através do envolvimento do aprendiz (CACHAPUZ et al., 2000; SUART; MARCONDES, 2009). Ele passa a ser ativo no seu processo de aprendizagem ao ser permitido que investigue e faça hipóteses fundamentadas em suas observações e em seus próprios conhecimentos, desempenhando papéis que conduzam a responsabilidades partilhadas tanto com os professores, quanto com os colegas, valorizando sua capacidade de intervenção ao longo do trabalho investigativo (CACHAPUZ et al., 2000; SUART; MARCONDES, 2009). Além disso, segundo Ferreira (2010), os alunos “se libertam da passividade da mera execução de instruções, ao buscar relacionar, decidir, planejar, propor, discutir e relatar, ao contrário do que ocorre na abordagem tradicional”.

7 A EXPERIMENTAÇÃO INVESTIGATIVA

A experimentação investigativa tem como base o envolvimento do aluno na resolução de um problema. Nessa estratégia, o aprendiz é levado a formular hipóteses a partir de uma situação problematizadora, sendo que o mais importante é a aquisição de conceitos durante a etapa questionadora e de descoberta (SILVA.; ZANON, 2000). Nessa visão construtivista – em que a aprendizagem é um processo contínuo – o estudante vai desenvolvendo suas próprias teorias e construções pessoais, alicerçadas em sua experiência direta com o mundo, construindo e reconstruindo o objeto do conhecimento e procurando dar significado ao entendimento científico que lhe é apresentado.

Dessa maneira, faz-se extremamente importante a identificação das ideias prévias dos alunos, a fim de conhecer a percepção que eles já possuem sobre o tema, visando desenvolver e modificar essas ideias (PITOMBO; MARCONDES, 1994). Segundo Francisco Jr e colaboradores (2008),

A experimentação investigativa é empregada anteriormente à discussão conceitual e visa obter informações que subsidiem a discussão, a reflexão, as ponderações e as explicações, de forma que o aluno compreenda não só os conceitos, mas a diferente forma de pensar e falar sobre o mundo por meio da ciência (p.34).

As características mais importantes nessa estratégia didática são a contextualização, o questionamento, a discussão de argumentos e o diálogo. Esses pontos formam o eixo norteador para uma aprendizagem significativa e são de responsabilidade do professor (FRANCISCO JR; FERREIRA; HARTWING, 2008).

Então, deve-se destacar a importância do papel do professor, que deixa de deter o poder total do controle do aprendizado, para dividi-lo generosamente com os estudantes. Há uma troca de saberes pela qual se constrói um novo conhecimento. A mediação dos professores durante a experimentação investigativa é que direcionará o aluno para a construção de significados. É preciso que os professores entendam esse processo como dinâmico, recorrendo a mecanismos tais como leitura, escrita e diálogo para a condução adequada da ação, elevando à reflexão (FRANCISCO JR; FERREIRA; HARTWING, 2008; GALIAZZI; GONÇALVES, 2004). Segundo Cachapuz e colaboradores (2000), o professor passa a ter um papel organizador de estratégias e atividades que estimulem a problematização e formulação de ideias pelos alunos, tentando compreender mais as dificuldades do que resolvê-las.

Dentre as características citadas, a contextualização se faz muito necessária, pois o problema oferecido aos alunos para ser investigado precisa despertar o interesse de ser resolvido, e para isso, ele deve ser relacionado com a realidade em que vivem (BARBOSA, 2017; FERREIRA; HARTWING; OLIVEIRA, 2010; GIL PÉREZ; VÁLDES, 1996). De modo que é preciso estar atento para colocar os estudantes diante de situações-problema adequadas (FERREIRA; HARTWING; OLIVEIRA, 2010; GIL PÉREZ; VÁLDES, 1996). O trabalho desenvolvido por autores, como Galiazzi e Gonçalves (2004) e Zuliani (2006) apontam a investigação com fatos cotidianos como um elemento essencial para o processo de desenvolvimento conceitual dos estudantes, favorecendo seu aprendizado. Entretanto, não basta que a contextualização seja puramente relacionada a uma exemplificação dos fatos cotidianos, é necessário que ela seja utilizada de uma maneira que desenvolva atitudes e valores para a formação do cidadão, inter-relacionando conhecimentos diferentes e contribuindo para a reestruturação de novas percepções (BARBOSA, 2017; SILVA, 2009).

Os questionamentos pré e pós-laboratório são muito importantes também nessa estratégia. A investigação inicial das concepções dos estudantes é o mecanismo primordial para o favorecimento de uma aprendizagem significativa, enquanto os questionamentos após a realização da atividade prática desenvolvem um papel de rompimento das visões dos alunos, muitas delas dogmáticas (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004). Ao incentivar a formulação de hipóteses que resolvam o problema em questão, os aprendizes aprimoram seu senso crítico, bem como enriquecem seus argumentos, trilhando caminhos para a construção do aprendizado (HODSON, 1994). O papel das hipóteses é de fundamental importância, uma vez que exige capacidade criativa e criação conceitual por parte dos alunos, exercendo total influência na estruturação do conhecimento científico (GIL PÉREZ; VÁLDES, 1996; HODSON, 1994).

Nesse sentido, o papel do diálogo entre o professor e o aluno é de grande destaque, uma vez que se tem o que podemos chamar, segundo Hodson (1994), de negociação de significados. Segundo o autor, a imposição de significados prontamente pelo professor não auxilia os alunos no processo de aprendizagem. No entanto, a troca de saberes que ocorre com o diálogo e questionamentos após as observações e realizações da experimentação são um dos gatilhos acionados para os aprendizes conseguirem refletir, associando seus conhecimentos prévios à observação de novas ideias e conceitos e, a partir daí, formar novas redes cognitivas (FRANCISCO JR; FERREIRA; HARTWING, 2008; GALIAZZI; GONÇALVES, 2004). Francisco Jr. (2008) destaca ainda a importância do diálogo não só oral, mas também escrito, como parte do experimento, da sua interpretação e expressão do conhecimento científico.

Segundo Hodson (1994), a experimentação no ensino promove a melhora em três tipos de aprendizagem: i) o entendimento conceitual, que se intensifica com a prática investigativa; ii) o conhecimento relativo ao procedimento: aprendendo sobre a relação entre observação, experiência e teoria, especialmente a partir do questionamento e diálogo; iii) aumento da capacidade investigativa.

As atividades experimentais investigativas, portanto, podem contribuir para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, caso sejam planejadas e executadas para privilegiar a participação do aluno (SUART; MARCONDES, 2009). Algumas habilidades que podem ser desenvolvidas nessa estratégia didática são relevantes, como a capacidade de investigar e se comunicar; trabalhar em equipe; questionar e solucionar problemas; tomada de decisão; formulação de hipóteses; raciocínio crítico e reflexivo; bem como o desenvolvimento de uma aprendizagem colaborativa. Além disso, têm o potencial de aumentar as relações sociais, atitudes e o crescimento cognitivo (FRANCISCO JR; FERREIRA; HARTWING, 2008; GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; MERÇON 2012; SUART; MARCONDES, 2009).

Em seu trabalho, Gil Perez e Váldes (1996) traçam alguns direcionamentos para a aplicação de atividades experimentais investigativas, de modo a favorecer a organização do conhecimento científico. Os autores destacam que “não são algoritmos que devem ser seguidos linearmente, mas um lembrete da extraordinária riqueza da atividade científica” (p. 156):

i) Apresentar situações problemáticas, de modo que relacione a atividade com o interesse do aluno;
ii) Favorecer a reflexão dos estudantes sobre a relevância e o possível interesse das situações propostas;
iii) Potencializar análises qualitativas, que auxiliem na compreensão e formulação de perguntas sobre o que se busca;
iv) Considerar a elaboração de hipóteses como atividade central da investigação científica;
v) Considerar as análises, com atenção para os resultados a partir dos conhecimentos disponíveis, das hipóteses manejadas e dos resultados dos demais estudantes;
vi) Análise detalhada dos resultados;
vii) Considerar possíveis perspectivas do estudo com outros níveis de complexidade, relacionando possíveis aplicações e repercussões negativas;
viii) Esforços de integração do estudo realizado com outros campos do conhecimento
ix) Conceder importância à memória científica, ressaltando o papel da comunicação e do debate;
x) Ressaltar a dimensão coletiva do trabalho científico, através da discussão e troca de ideias por intermédio de grupos de trabalho que interajam entre si.

Ainda nesse sentido, Ferreira (2010) e Soares (2023) trazem seis pontos importantes que uma atividade experimental deve trazer para ser considerada investigativa: (1) direcionada a partir de um problema ou de uma situação-problema, (2) envolver o aluno em formulação e testagem de hipótese, (3) propiciar a coleta e o registro de dados, (4) encorajar os alunos a formularem explicações com base nas evidências, (5) comparar as explicações propostas com outras alternativas e (6) proporcionar discussão das ideias entre os alunos.

Diante dessas observações, podemos concluir sobre a natureza construtivista da experimentação investigativa, colocando o aluno como centro principal do seu processo de aprendizagem, destacando a importância de seus conhecimentos prévios e o quão relevante é o adequado estímulo das suas ideias e seus questionamentos para a formulação de novos significados e conceitos.

8 NÍVEIS DE INVESTIGAÇÃO NA ABORDAGEM INVESTIGATIVA

Para que as atividades experimentais investigativas cumpram com o objetivo maior de estruturação do conhecimento científico, ela necessita ser aplicada de maneira muito cuidadosa. É preciso um planejamento delicado da atividade mais adequada conforme o nível de dificuldade para os alunos. Nesse sentido, pode-se dividir essas práticas com base no nível de investigação, ou seja, o quanto caberá ao aluno tomar frente ao processo investigativo e o quanto caberá ao professor.

Os níveis de investigação variam dos mais simples - em que o professor apresenta um problema e sua solução, e o aluno conclui suas observações - até o nível mais complexo - em que os alunos são responsáveis por todo o processo de investigação, desde a elaboração de problemas, roteiros, hipóteses e conclusões (BORGES, 2002; FERREIRA; HARTWING; OLIVEIRA, 2010).

Indiscutivelmente, os níveis são aplicados aos alunos a começar do modo mais simples, até que eles se acostumem com uma nova maneira de pensar e refletir, saindo das observações mecanizadas e partindo para discussões e formulações de questionamentos mais críticos. A partir da evolução da aplicação gradual da metodologia é que os alunos poderão extrair todos os benefícios para sua aprendizagem que a estratégia oferece.

Os papéis desempenhados pelos estudantes e professores nas diversas etapas envolvidas em uma atividade investigativa podem definir diferentes graus de liberdade conferidos ao aluno (BORGES, 2002; PELLA, 1961). Quanto maior é a solicitação feita ao aluno, maior é o nível de abertura do experimento e, maior será o grau de liberdade para tomar decisões na tentativa de resolver o problema.

Segundo o levantamento bibliográfico de Jiménez Valverde (2006), uma das primeiras definições de níveis de investigação esclarecem que o grau de abertura é baseado na proporção com que o professor facilita: i) o problema; ii) as maneiras e meios para resolver o problema; iii) a resposta ao problema. Ou seja, a quantidade de intervenção do professor é inversamente proporcional ao grau de abertura de uma prática investigativa.

Autores como Pella (1961), Herron (1971), Tamir (1977) e Priestley (1997) propuseram escalas de níveis de abertura em seus trabalhos, relacionando-as com as etapas das atividades investigativas. A seguir, a Tabela 2 indica um quadro resumo de algumas destas propostas.

Tabela 2: Nível de abertura de atividades experimentais

 

TRADICIONAL

INVESTIGATIVA

NÍVEL 1

NÍVEL 2

NÍVEL 3

Elaboração do problema

Não há

Professor

Professor

Aluno

Elaboração de hipótese

Não há

Não há, ou professor

Aluno

Aluno

Proposição dos procedimentos

Professor

Professor

Aluno

Aluno

Coleta de dados

Aluno

Aluno

Aluno

Aluno

Análise dos dados

Professor

Aluno

Aluno

Aluno

Elaboração da conclusão

Aluno/Professor

Aluno

Aluno

Aluno

Fonte: Pella, 1961

Pella (1961) considerou as seguintes etapas: proposição de problema, elaboração de hipóteses, elaboração de um procedimento experimental, coleta e análise de dados e elaboração das conclusões, podendo cada uma delas ser executada ou pelo professor, ou pelo aluno, correspondendo a um maior ou menor envolvimento intelectual do estudante no desenvolvimento das atividades.

Nessa abordagem, a atividade de nível 1 é a mais simples, cabendo ao professor propor uma situação-problema, bem como o seu procedimento, enquanto os alunos são responsáveis por elaborar uma conclusão e apresentar soluções. Enquanto a atividade de nível 3 é a mais complexa e exige que os alunos estejam envolvidos em todos os processos. De um modo mais resumido, Borges (2002) representou as atividades investigativas e o laboratório tradicional, contrastando-os com aspectos como o grau de abertura, o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relação a ela (Tabela 3).

Tabela 3: Comparação entre os aspectos do laboratório tradicional e das atividades investigativas.

Aspectos

Laboratório Tradicional

Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro pré-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da atividade

Comprovar leis

Explorar fenômenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado

Responsabilidade na investigação

Fonte: Borges, 2002.

O autor compara as características do laboratório tradicional e as atividades investigativas e delimita um contínuo entre os graus de liberdade, variando a participação dos estudantes e professores nas atividades propostas.

9 DESAFIOS E DIFICULDADES NA IMPLANTAÇÃO DE ATIVIDADES EXPERIMENTAIS INVESTIGATIVAS

Considerando o potencial formativo das atividades experimentais, apesar de bastante conhecidas, elas são pouco utilizadas no cotidiano do ensino de Química no país afora, não fazendo parte, de uma maneira geral, do processo de ensino-aprendizagem em muitas escolas.

Podemos destacar algumas questões que contribuem para esse panorama como: i) as dificuldades estruturais das escolas, que na sua maioria não possuem espaços de laboratórios de Ciências; ii) limitações profissionais dos professores; iii) questões comportamentais (GUIMARÃES, 2009),

A infraestrutura é o “empecilho” mais citado nas pesquisas realizadas com professores de Química (GUIMARÃES, 2009). Pelo fato de as escolas não apresentarem estrutura física adequada e equipamentos laboratoriais, os professores encaram a aplicação das atividades experimentais com grande dificuldade. Entretanto, existem maneiras de contornar a falta de laboratórios e equipamentos, como o uso de materiais de baixo custo para a realização de atividades práticas (GOI; SANTOS, 2003; GONÇALVES; MARQUES, 2006; MACHADO; MÓL, 2008; SOARES, 2023).

Dessa forma, as atividades com materiais alternativos são uma possibilidade para superar as dificuldades infraestruturais, bem como uma possibilidade de aproximação do cotidiano dos alunos (quando utilizamos materiais de baixo custo e facilmente encontrados para comercialização, geralmente se utiliza materiais presentes no cotidiano do aluno, o que pode facilitar a contextualização). Essa dificuldade acaba se somando a limitação profissional do professor, pois docentes que não se atualizam e não se comprometem com um ensino efetivo, não buscam alternativas para suplementar o aprendizado de seus alunos.

Além disso, especialmente em relação às atividades investigativas, muito se exige do professor, em que ele é peça essencial no desenvolvimento desse processo, pois tais exercícios exigem conhecimento e disponibilidade de tempo para planejar as melhores e mais adequadas práticas aos seus alunos. Com isso, surge a importância de profissionais bem formados e atualizados para realizar uma atividade experimental de qualidade. Ademais, o professor precisa estar bem preparado pedagogicamente e conceitualmente para exercer o seu papel como mediador da formação do novo conhecimento (GUIMARÃES, 2009; MACHADO; MÓL, 2008; SUART; MARCONDES, 2009).

Em relação ao comportamento dos alunos, é importante destacar que o professor precisa ficar atento ao tamanho das turmas e a agitação dos adolescentes (MACHADO; MÓL, 2008). Turmas muito grandes atrapalham o rendimento adequado, e precisam ser trabalhadas de maneira especial, dividindo-a em pequenas equipes para trabalharem juntas (MACHADO; MÓL, 2008). A agitação dos estudantes acaba por ser um desafio, uma vez que só se consegue bons resultados quando os alunos se sentem familiarizados com a atividade, encarando-a com naturalidade. Isso faz parte de um processo de inserção da experimentação na rotina pedagógica, incluindo instruções de noções de segurança, na prática laboratorial. Realizar atividade experimental com materiais de baixo custo e presentes no cotidiano dos alunos pode ajudar a aproximar o conhecimento cotidiano com o conhecimento científico, valorizando a contextualização do ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As atividades experimentais investigativas se configuram como ferramentas didáticas de grande relevância no Ensino de Química, podendo promover e incentivar uma aprendizagem significativa e contextualizada. Ao invés de meras práticas laboratoriais, as práticas investigativas podem convidar os alunos a assumirem o papel de protagonistas nas aulas, podendo participar desde a formulação de perguntas e hipóteses, até a coleta, análise e interpretação de dados.

Nesse processo, os estudantes podem desenvolver diversas habilidades essenciais para a formação científica, como o pensamento crítico, a criatividade, a colaboração e a comunicação. Além disso, as atividades experimentais investigativas podem contribuir também para a compreensão dos conceitos químicos de forma mais profunda e duradoura, pois os alunos conseguem não dissociar a relação teoria-prática para a assimilação dos conceitos.

Por fim, as atividades investigativas podem ser boas alternativas para promover o engajamento e a autonomia dos alunos, transformando as aulas de Química em ambientes de aprendizagem mais dinâmicos, motivadores e participativos. Essa estratégia de ensino pode abrir caminho para a construção de conhecimentos científicos de forma autônoma, preparando os alunos para os desafios do mundo contemporâneo.

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1 Professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Campus Luziânia. Doutor em Química (UnB). e-mail: [email protected]

2 Licenciada em Química pelo Instituto Federal de Goiás, Campus Luziânia. e-mail: [email protected]

3 Professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Campus Luziânia. Doutor em Educação (UnB) e-mail: [email protected]