LIDERANÇA E PSICANÁLISE: UMA UNIÃO IMPORTANTE

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10654976


Luiza Moura de Souza Azevedo1
Uanderson Pereira da Silva2


RESUMO
A interface entre liderança e psicanálise revela uma perspectiva intrigante sobre o comportamento dos líderes e a dinâmica da liderança. Liderança, como a habilidade de motivar e guiar pessoas em direção a finalidades comuns, é encontrada em várias áreas da vida, como nos negócios, política e educação. A psicanálise explora as motivações inconscientes e mecanismos de defesa que moldam os comportamentos e emoções humanas. Essa abordagem busca uma compreensão ampla do comportamento humano e das tomadas de decisões. Diante desses aspectos, o objetivo da pesquisa foi analisar como a psicanálise pode contribuir para o entendimento da dinâmica de liderança, em organizações. Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, onde foram utilizados artigos científicos publicados e indexados nas bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scielo (Scientific Electronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Medline (Medical Literature Analysis and Retrievel System Online), envolvendo o período de 2018 a 2023. Os resultados apontam que a interface entre liderança e psicanálise oferece uma abordagem inovadora e valiosa para compreender o comportamento dos líderes e a dinâmica da liderança. Essa integração entre liderança e psicanálise visa a compreensão holística do comportamento humano e das tomadas de decisões, fornecendo informações para a eficácia da liderança nas organizações.
Palavras-chaves: Liderança. Psicanálise. Comportamento organizacional.

ABSTRACT
The interface between leadership and psychoanalysis reveals an intriguing perspective on leaders' behavior and the dynamics of leadership. Leadership, as the ability to motivate and guide people towards common goals, is found in various areas of life, such as business, politics, and education. Psychoanalysis explores the unconscious motivations and defense mechanisms that shape human behaviors and emotions. This approach seeks a comprehensive understanding of human behavior and decision-making. In light of these aspects, the research's objective was to analyze how psychoanalysis can contribute to the understanding of leadership dynamics in organizations. It involved an integrative literature review, where published and indexed scientific articles from databases such as the Virtual Health Library (BVS), Scielo (Scientific Electronic Library Online), Lilacs (Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences), and Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) from the period 2018 to 2023 were used. The results indicate that the interface between leadership and psychoanalysis offers an innovative and valuable approach to understanding leaders' behavior and the dynamics of leadership. This integration between leadership and psychoanalysis aims to provide a holistic understanding of human behavior and decision-making, providing insights for leadership effectiveness in organizations.
Keywords: Leadership. Psychoanalysis. Organizational behavior.

1. INTRODUÇÃO

Nos tempos atuais, caracterizados por mudanças culturais e econômicas rápidas, bem como por ameaças significativas e oportunidades promissoras, a liderança desempenha um papel crucial na determinação do futuro de países, organizações, meio ambiente e, em última instância, em nossas vidas. Para aprimorar a habilidade humana de identificar e seguir líderes competentes, é fundamental compreender a dinâmica entre líderes e seguidores, bem como a personalidade das pessoas que anseiam assumir posições de liderança (Woss, 2021).

A liderança é um vínculo interpessoal inserido em um contexto específico, mesmo que o comportamento dos líderes seja influenciado por sua personalidade, eles só adquirem o papel de líder quando têm seguidores. E as razões pelas quais as pessoas optam por seguir alguém variam. Essas motivações estão relacionadas às necessidades e valores dos seguidores, assim como às características do líder. Além disso, os valores culturais e os desafios históricos também exercem impacto na dinâmica das relações entre líder e seguidor (Woss, 2021).

A psicanálise é uma teoria que inicialmente se preocupou com as enfermidades das histéricas e buscou formas de oferecer-lhes cura, centrando-se na psique humana individual. No entanto, ao ampliar seus ensaios teóricos, percebe-se que a psicanálise vai além do âmbito individual, inclusive pode oferecer uma base teórica que permite compreender a relação inseparável entre o social e o individual (Fernandes; Hur, 2022).

Embora a psicanálise não tenha sido originalmente desenvolvida para analisar o campo das lideranças e organizações, os estudos sobre o inconsciente trouxeram uma nova possibilidade de expandir o conhecimento sobre os fatos organizacionais. Essa abordagem destaca os espaços da dimensão do discurso subjetivo, das fantasias e das emoções, em contraposição aos pensamentos racionalistas e gerencialistas (Fernandes; Hur, 2022).

Portanto, a questão problema que embasou esse trabalho foi: Qual a contribuição da psicanálise para entender o funcionamento organizacional, ao explorar os aspectos individuais e inconscientes dos líderes?

A pesquisa realizada é uma revisão integrativa de literatura que buscou explorar as últimas descobertas e avanços na área de estudo em questão. Para isso, foram utilizados artigos científicos publicados e indexados em importantes bases de dados, como: BVS, Scielo, Lilacs e Medline, abrangendo o período de 2018 a 2023.

O artigo propõe uma abordagem atual ao combinar liderança e psicanálise, trazendo novas perspectivas sobre o comportamento e motivações dos líderes. As descobertas podem enriquecer teóricos e profissionais, desenvolvendo modelos e estratégias de liderança mais eficazes. Além disso, a pesquisa se justifica pela aplicação da psicanálise na liderança, sendo uma ferramenta que pode melhorar a tomada de decisões, a comunicação e o ambiente de trabalho nas organizações, promovendo crescimento pessoal e ampliando a aplicação prática da teoria em diferentes áreas da vida humana.

O trabalho foi organizado em capítulos para proporcionar uma melhor compreensão da temática abordada. O primeiro capítulo consiste na introdução, que oferece uma visão panorâmica de toda a pesquisa. Nessa seção, são apresentados o tema, os objetivos do estudo e a relevância da interface entre liderança e psicanálise.

No segundo capítulo, foi abordada a metodologia do trabalho. Sendo detalhados os procedimentos utilizados na pesquisa, bem como os recursos e técnicas empregados para coletar e analisar os dados. Essa seção oferece uma visão clara sobre a abordagem adotada no estudo.

O terceiro capítulo apresenta um breve histórico da psicanálise, são expostas as origens e principais fundamentos da teoria psicanalítica, com foco nas contribuições de Sigmund Freud. São discutidos conceitos como o inconsciente, mecanismos de defesa e a importância da análise da psique humana.

O quarto capítulo tratou sobre a discussão dos resultados e descobertas obtidas na pesquisa. Sendo exploradas as relações entre liderança e psicanálise, analisando como os aspectos individuais e inconscientes dos líderes influenciam seu comportamento e tomadas de decisões. Também é discutido o impacto da liderança na dinâmica organizacional, com foco em como a psicanálise pode contribuir para uma melhor compreensão dessas interações.

No quinto capítulo, houve apresentação das considerações finais do trabalho, com destaque para as novas descobertas e conclusões da temática. Nessa seção, foram apresentadas as principais informações obtidas a partir da pesquisa e suas implicações para o campo da liderança e da psicanálise.

O objetivo geral do trabalho foi analisar como a psicanálise pode contribuir para o entendimento da dinâmica de liderança, em organizações. Os objetivos específicos são: apresentar as concepções sobre liderança e suas características; investigar a relação entre psicanálise e liderança, explorando conceitos e teorias psicanalíticas em contextos organizacionais; avaliar o impacto da liderança nas organizações, considerando como as motivações inconscientes dos líderes afetam a comunicação, tomada de decisões e desempenho das equipes.

2. METODOLOGIA

Este estudo consiste em uma revisão integrativa de literatura. Para isso, foi formulada a seguinte pergunta central: Qual a contribuição da psicanálise para entender o funcionamento organizacional, ao explorar os aspectos individuais e inconscientes dos líderes? O desenvolvimento desta pesquisa começou com a busca de termos específicos nas áreas de Ciências da Saúde, utilizando os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) da BVS, Scielo, Lilacs e Medline. Os descritores utilizados em português foram: liderança, psicanálise e comportamento organizacional.

Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão para a seleção dos artigos: os artigos deveriam estar disponíveis eletronicamente, em português, ou inglês, e abordar aspectos relacionados a liderança, psicanálise e comportamento organizacional. Artigos que não tratasse dos objetivos do estudo foram excluídos.

A seleção dos artigos foi realizada para o período de abril de 2018 a 2023. A coleta de dados ocorreu em duas etapas. Na primeira etapa, uma busca avançada nas bases de dados foi realizada, detalhando o número de artigos encontrados em cada base científica. Após a seleção e identificação dos artigos que atenderam aos critérios de inclusão, todos os títulos e resumos foram lidos. Algumas dessas publicações eram duplicadas e, portanto, foram contadas apenas uma vez, resultando em uma amostra final de 8 artigos.

Após a releitura de cada um dos artigos selecionados, foi preenchida as informações relevantes de cada artigo, como: título, autores, ano de publicação, objetivos, metodologia e principais resultados da pesquisa. Essas informações estão resumidas nas análises apresentadas no Quadro 1:

Quadro 1 - Distribuição dos artigos inclusos na revisão integrativa, segundo as bases de dados científicas, em ordem decrescente de ano de publicação

Ano/Autor

Título

Objetivo/Metodologia

Principais resultados

Oliveira; Moreira (2023)

A Liderança Fundamentalista: Uma Abordagem a partir de Freud.

Destacar uma característica relevante nos segmentos religiosos fundamentalistas: o poderio dos líderes que, como a figura do grande homem abordado por Freud, são capazes de atrair, influenciar e mobilizar as massas, levando-as, inclusive, a posturas de intolerância e ataque contra a diversidade que constitui a sociedade.
Revisão de literatura.

Um líder influencia as pessoas através de sua personalidade marcante e ideias inspiradoras. Essas ideias podem despertar desejos antigos, apontar novos objetivos ou encantar as massas. Alguns líderes têm poder de influência, que surge de suas qualidades pessoais e capacidade de impor sua vontade sobre os seguidores

Carreiro (2022)

As contribuições da psicanálise para análise organizacional

Analisar quais contribuições que a psicanálise pode trazer para as organizações.
Pesquisa qualitativa.

A liderança desempenha um papel importante na problemática do indivíduo no ambiente de trabalho. As teorias do inconsciente são uma ferramenta relevante para entender os fenômenos decorrentes dessas interações. A conexão entre psicanálise e estrutura organizacional permite aprofundar a compreensão dos fatores psicológicos subjacentes que influenciam o comportamento dos líderes e dos liderados, e como isso afeta o ambiente de trabalho como um todo.

Maccoby;Cortina (2021)

Prologue: Leadership, Psychoanalysis, and Society

Compreender a relação entre líder e seguidor e a personalidade dos aspirantes a líder.

A personalidade dos líderes influencia seu comportamento, mas eles só se tornam líderes de fato quando têm seguidores. As razões pelas quais as pessoas seguem um líder variam conforme suas necessidades, valores e qualidades do líder. Além disso, valores culturais e desafios históricos também moldam essas relações líder-seguidor.

Sant’Anna (2021)

Liderança relacional semiótica: alternativas a um além do princípio do management?

Analisar as relações de liderança, por meio de conversações entre teóricos envolvidos na temática da criação de conhecimento em contextos heterotópicos e conceitos da semiótica psicanalítica lacaniana.
Revisão de literatura.

A abordagem relacional da liderança enfatiza a complexidade das interações e propõe uma análise inovadora, utilizando conceitos psicanalíticos para entender melhor as dinâmicas de liderança em contextos de criação e inovação.

Silva; Barbosa (2021)

O impacto do líder no comportamento dos colaboradores

Compreender como se dá o impacto do líder no comportamento dos colaboradores.
Revisão de literatura.

O estudo possibilitou identificar que a influência do líder no comportamento dos colaboradores ocorre principalmente através da motivação, além disso, foi possível perceber que a liderança situacional, segundo vários autores, é o modelo de liderança que se adapta melhor as situações obtendo mais resultados satisfatórios que os demais estilos de liderança.

Sant’Anna (2020)

Transferência e Espaço Transicional: Formulações Contemporâneas em Torno do Fenômeno da

Liderança.

Articular pilares centrais de estudos contemporâneos em torno da noção de liderança relaciona.
Revisão de literatura.

Há um ciclo que pode ser superado com uma abordagem ética que equilibre a orientação para tarefas e para as pessoas. Isso exige reflexão baseada em princípios que transcenda o campo do gerenciamento, que atualmente é mais influenciado por forças destrutivas, relações de dominação e menos foco em liderança.

Berenstein; Nobre (2020)

Poder nas organizações: uma visão psicanalítica sobre influências nos líderes

Compreender os elementos inconscientes que permeiam as relações de poder no ambiente organizacional, tendo como foco os trabalhadores em posição de liderança. Pesquisa bibliográfica.

Os resultados obtidos mostram que os sujeitos na organização estão passíveis de exclusão em caso de discordância da cultura organizacional e do não seguimento das regras não ditas, porém, impostas pela instituição, bem como a importância do mundo interno dos líderes.

Nakaguish; Nakaguish (2018)

Psicanálise nas empresas: saúde mental dos trabalhadores

Aborda as condições de trabalho, a situação da saúde mental dos colaboradores, diante das adversidades da sua vida pessoal e profissional, e como a psicanálise pode contribuir para minorar o sofrimento psíquico dos trabalhadores. Pesquisa qualitativa.

A psicanálise pode tratar neuroses dando oportunidade para a melhoria da qualidade de vida dos funcionários e líderes, pois assim o indivíduo vai desempenhar suas atividades com qualidade e melhoria com os conflitos de origem inconsciente, e equilíbrio em suas emoções.

Fonte: autores, 2023.

Dentre os artigos identificados a partir da busca nas bases de dados, a publicação mais antiga era de 2020 e a mais atual, de 2023. Foram selecionados para estudo 5 artigos no idioma português e 1 no idioma em inglês.

3. PSICANÁLISE E LIDERANÇA

Para melhor entendimento da liderança, é essencial entender a concepção de liderar, que indica a habilidade para motivar indivíduos a trabalharem com entusiasmo em prol de objetivos comuns, reconhecidos como beneficiando o bem-estar geral, apresentando um caráter inspirador que gera confiança e busca pela excelência (Machado, 2018).

Conforme Machado (2018), um líder inspirador é capaz de transmitir confiança em sua visão e no potencial das pessoas que o cercam. Ele incentiva a busca pela excelência, promovendo um ambiente de trabalho colaborativo e estimulante. Além disso, reconhece o valor e a contribuição de cada membro da equipe, incentivando o crescimento e o desenvolvimento pessoal e profissional de todos.

Mas nem todos os líderes possuem o conhecimento ou as habilidades necessárias para liderar com efetividade. Diante desse aspecto, é essencial entender quais os aspectos que levam a desenvolver uma liderança inspiradora, nas organizações. E para isso, o presente trabalho utiliza princípios de psicanálise para compreensão de características de uma liderança efetiva.

3.1 Concepção de liderança

A liderança é resultado da interação entre diversas dimensões, não se limitando apenas às relações entre superior e subordinado. Ela abrange não apenas o nível individual e organizacional, mas também o nível interorganizacional e societal. A liderança, por sua vez, valoriza a importância da multidimensionalidade, englobando tanto o contexto macro quanto as diferentes ambiências organizacionais e microfísicas em que atua (Sant’Anna, 2021).

Portanto, Berenstein e Nobre (2020) pontuam que, a liderança demanda habilidades profissionais e pessoais que nem todos possuem, e é surpreendente encontrar indivíduos com essas capacidades nos mais diversos locais e circunstâncias.

Nesse sentido, é importante destacar que o líder não é apenas um mero representante de uma empresa ou ocupante de um cargo, mas um indivíduo com seu próprio mundo interno. Antes de assumir qualquer posição, ele carrega consigo suas percepções, crenças e modelos que foram construídos ao longo de sua vida, inclusive durante a infância. Esses elementos influenciam profundamente sua forma de compreender e significar o mundo (Sant’Anna, 2021).

Portanto, para uma compreensão mais abrangente da liderança, é fundamental considerar não apenas suas dimensões externas e manifestações práticas, mas também explorar os aspectos intrínsecos e individuais que moldam a forma como o líder enxerga e atua no contexto em que está inserido (Oliveira; Moreira, 2023).

Nessa concepção, os líderes são vistos como pessoas que exercem influência sobre outras pessoas, não apenas por meio de sua posição hierárquica, mas também por suas características pessoais e carismáticas (Silva; Barbosa, 2021). Segundo Maccoby e Cortina (2021), a liderança é compreendida como um processo dinâmico de interação, no qual os líderes são capazes de motivar e inspirar seus seguidores, bem como de influenciar o ambiente organizacional e social em que atuam.

Maccoby e Cortina (2021) abordam a liderança como um fenômeno multifacetado que não se limita apenas às relações formais de poder, mas também envolve aspectos intrínsecos da personalidade e das motivações dos líderes. Diante desse aspecto, a teoria psicanalítica contribui para a compreensão mais profunda da liderança, ao examinar os aspectos inconscientes que influenciam o comportamento dos líderes e sua tomada de decisão.

3.2 Visão psicanalítica sobre influências nos líderes

A visão psicanalítica sobre as influências nos líderes, com base nos artigos mencionados, enfatiza a relação entre a saúde mental dos colaboradores e sua atuação como líderes nas organizações. A psicanálise reconhece que o indivíduo é afetado pelas adversidades tanto no âmbito pessoal quanto profissional, e que esses conflitos e dificuldades podem influenciar diretamente o seu desempenho e tomada de decisões no ambiente de trabalho (Berenstein; Nobre, 2023).

Segundo Berenstein e Nobre (2023), A psicanálise destaca a importância de trazer à consciência os conflitos e questões inconscientes que podem estar impactando o comportamento do líder. Ao tornar esses aspectos conscientes, o indivíduo pode encontrar maneiras mais saudáveis de lidar com suas emoções, reduzindo o sofrimento psíquico e melhorando sua qualidade de vida.

Além disso, a relação entre a saúde mental dos líderes e o poder nas organizações é abordada sob uma perspectiva psicanalítica. O poder pode ser entendido como uma expressão das dinâmicas psicológicas, relacionadas à busca por reconhecimento, autoestima e autoridade. Os líderes que possuem questões não resolvidas em seu inconsciente podem ser influenciados por esses conflitos na forma como exercem o poder e lideram suas equipes (Sant’Ana, 2021).

A contribuição de Sant’Ana (2020) para os estudos da liderança reside na apresentação de um conceito fundamental, que é a existência de uma relação transferencial entre o líder e o liderado. Nesse contexto, a relação transferencial é o ponto central do conceito de liderança, assim os seguidores tendem a projetar seus sentimentos e experiências no líder, abrindo caminho para que este responda a essas projeções com base em suas próprias fantasias subjetivas.

Essa relação transferencial entre líder e liderado é um fenômeno psicológico que pode influenciar significativamente o comportamento e a dinâmica das interações dentro de uma organização (Nakaguishi; Nakaguishi, 2018). Ao projetar suas expectativas e desejos no líder, os seguidores criam uma dinâmica complexa que afeta as decisões e ações do líder, bem como a forma como o líder percebe e responde às necessidades e demandas do grupo (Sant’Ana, 2020).

A psicanálise oferece uma abordagem para compreender as influências psicológicas e emocionais nos líderes, permitindo uma análise mais profunda de suas motivações, valores e atitudes. Com essa compreensão, é possível desenvolver estratégias para que os líderes possam lidar de forma mais saudável com seu poder e influência, promovendo um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo para todos os colaboradores.

Desse modo, a psicanálise desafia o paradigma cartesiano do sujeito puro ao explorar o conceito "penso, logo existo" e reconhecer que também existimos onde não pensamos. Freud questiona a dimensão racional do sujeito, mostrando que ele não possui poder absoluto, mas sim limites impostos pelo princípio da realidade. O princípio do prazer é confrontado pela limitação do poder do sujeito, resultando em um conflito entre desejos e possibilidades (Carreiro, 2022).

Carreiro (2022) afirmou que, embora a psicanálise não tenha surgido com o objetivo de analisar organizações, seus estudos sobre o inconsciente ampliam o conhecimento sobre fenômenos organizacionais. Ao destacar o discurso subjetivo, fantasias e emoções, busca-se compreender o indivíduo como um todo, não apenas como uma parte do seu desempenho dentro e para a organização.

Dessa forma, a psicanálise oferece contribuições importantes para o entendimento dos fatores psicológicos que influenciam os líderes nas organizações, possibilitando uma reflexão mais ampla sobre a dinâmica do poder e liderança nas relações de trabalho. A integração entre a Psicanálise e as ações de liderança se mostra relevante para promover o bem-estar dos colaboradores e o desenvolvimento de líderes mais conscientes e capacitados para enfrentar os desafios do ambiente corporativo.

4 DISCUSSÃO

4.1 Interseção entre liderança e psicanálise

A psicanálise tem desempenhado um papel significativo na compreensão da liderança, oferecendo uma abordagem única para analisar as complexas dinâmicas que envolvem os líderes e seus liderados. Algumas contribuições da psicanálise proporcionam uma visão mais profunda dos fenômenos relacionados à liderança e suas influências no contexto organizacional (Maccoby; Cortina, 2021).

Conforme Oliveira e Moreira (2023), a partir de Freud, pode-se observar como a teoria psicanalítica oferece informações sobre as motivações e traços de personalidade que moldam o estilo de liderança. A análise das genealogias inconscientes do líder pode revelar como crenças e experiências passadas podem influenciar sua abordagem de liderança e suas decisões no ambiente organizacional.

Segundo Carreiro (2022) as contribuições da psicanálise para a análise organizacional como um todo, possibilita compreender as dinâmicas grupais e as relações entre líderes e liderados, identificando os possíveis conflitos internos e as motivações que guiam o comportamento de ambos os lados.

Maccoby e Cortina (2021) pontuam sobre a interseção entre liderança, psicanálise e sociedade, ressaltando a importância de compreender a liderança como um fenômeno multifacetado que transcende as relações formais de poder. A psicanálise pode enriquecer essa compreensão ao examinar os aspectos inconscientes que influenciam os líderes e como esses aspectos se refletem em suas ações e decisões como líderes.

De acordo com Sant'Anna (2021), a psicanálise expande a visão sobre a liderança, considerando não apenas as interações individuais, mas também as relações sociais e culturais que moldam a atuação dos líderes. Ainda Silva e Barbosa (2021) afirmam que há um impacto do líder no comportamento dos colaboradores, assim a análise psicanalítica pode revelar os mecanismos de transferência[3] e espaço transicional[4] presentes nas relações de liderança, influenciando diretamente o comportamento e a produtividade dos colaboradores.

Na relação de liderança, segundo Sant'Anna (2021), a transferência pode ocorrer quando os liderados atribuem ao líder características, sentimentos e atitudes que remetem a figuras de autoridade ou de cuidado em suas vidas passadas. Essas projeções podem ser positivas ou negativas e têm o potencial de influenciar a dinâmica da relação líder-liderado, afetando a forma como os colaboradores percebem, reagem e se relacionam com o líder.

Já o espaço transicional pode se manifestar na forma de um ambiente psicológico seguro, onde os liderados se sentem à vontade para expressar suas ideias, opiniões e emoções, sem medo de julgamento ou punição. O líder que consegue criar e manter esse espaço transicional pode promover um ambiente de trabalho mais criativo, inovador e colaborativo, estimulando a participação e o engajamento dos colaboradores (Sant'Anna, 2020).

Sendo assim, Sant'Anna (2020) apresenta formulações contemporâneas sobre o fenômeno da liderança, considerando a transferência e o espaço transicional como elementos fundamentais na compreensão do líder como figura de referência e sua influência sobre os liderados.

Segundo Sant’Ana (2020, p. 12):

para além da gestão de preferências psicológicas; atração e retenção de competências individuais, hereditariamente herdadas ou desenvolvidas, apreende-se dessas confabulações que alterações contextuais constituem componentes essenciais ao exercício da influência, do poder e da liderança, tanto quanto o recrutamento e desenvolvimento de estilos pessoais.

Desse modo, a dinâmica da liderança é influenciada por fatores contextuais que desempenham um papel essencial na influência, poder e liderança. Embora o recrutamento e desenvolvimento de estilos pessoais sejam importantes, eles não podem ser considerados isoladamente, sendo apenas uma parte do que molda a efetividade de um líder (Machado, 2018).

Para Sant’Ana (2020), essas mudanças contextuais incluem o ambiente organizacional, estrutura hierárquica, situação econômica, demandas dos stakeholders e condições sociais e políticas. Esses aspectos criam desafios únicos para os líderes e requerem abordagens diferentes para exercer sua influência e poder de forma eficaz. Por exemplo, em uma cultura de trabalho aberta e colaborativa, um estilo autoritário de liderança pode encontrar resistência e falta de engajamento dos colaboradores. Já em situações de crise ou mudanças rápidas, um estilo de liderança mais assertivo e orientado para a ação pode ser mais adequado para mobilizar a equipe e tomar decisões rápidas.

As expectativas dos seguidores em relação ao líder são moldadas pelo contexto, e uma equipe multicultural pode demandar um líder sensível à diversidade. A eficácia da liderança não se restringe às preferências psicológicas ou competências individuais, mas exige adaptação ao contexto específico. Líderes que compreendem e se adaptam a esses fatores contextuais têm maior probabilidade de exercer uma influência positiva e alcançar resultados significativos em suas organizações(Sant’Ana, 2020).

Portanto, a psicanálise oferece uma abordagem valiosa e enriquecedora para analisar a liderança e suas implicações no contexto organizacional. A compreensão dos fundamentos psicanalíticos na liderança pode fornecer uma visão mais abrangente e aprofundada desse fenômeno complexo, permitindo uma abordagem mais sensível e efetiva na gestão de equipes e na condução de organizações.

4.2 Impacto da liderança na dinâmica organizacional

A liderança emergiu como um assunto de grande interesse em todas as áreas, atribuindo-lhe a responsabilidade de impulsionar o sucesso de qualquer organização. Atualmente, o interesse nessa temática é considerado um imperativo, uma vez que as empresas buscam de forma incansável líderes ativos, competentes e eficazes como uma questão essencial para sobreviver em um mercado altamente competitivo (Berenstein; Nobre, 2020).

Conforme Oliveira e Moreira (2023), a liderança está constantemente sob escrutínio e avaliação, o que aumenta o nível de competência exigido dos líderes. Eles devem possuir uma variedade de habilidades, incluindo: inteligência, capacidade crítica, iniciativa, planejamento, disponibilidade total ao trabalho e visão empreendedora, entre outras características. Cada vez mais, são requeridas qualidades heróicas para que esses líderes estejam preparados para enfrentar os mais diversos e desafiadores ambientes organizacionais.

Com isto pode-se perceber a importância do reconhecimento do mundo interno do líder, uma vez que este cria dentro de si um modelo de liderança que acredita dever ser seguido, contendo seus fantasmas, suas necessidades, desejos e inseguranças, e estes por sua vez, se não muito claros para o líder, o tornarão vítima de si mesmo ou seus subordinados vítima deles. Portanto, a liderança não pode ser compreendida apenas pelas teorias administrativas, recebendo um cuidado mais completo quando consideramos estes outros aspectos (Berenstein; Nobre, 2020, p. 5).

Neste contexto de incertezas e temores, a mente dos líderes, moldada por projeções e construções intelectuais baseadas em suas memórias, junto com seus fantasmas que dão sentido à vida através de defesas e paixões, representam elementos não imediatamente evidentes, exigindo investigação para compreender a realidade do líder (Sant’Ana, 2021).

Sant’Ana (2021) afirma que, se espera da liderança atitudes pessoais e proativas em relação aos objetivos empresariais, buscando oportunidades e recompensas imediatas, inspirando seus subordinados e estimulando a criatividade com sua própria energia.

As preferências psicológicas, estilos e abordagens de liderança estão relacionados - além da atração e retenção de perfis e competências profissionais - à criação e manutenção de ambientes de desenvolvimento ou espaços transicionais, que se alinham às formas de vínculo social presentes nas relações interpessoais, tanto dentro como entre organizações (Sant’Ana, 2020).

A relação líder-seguidor é uma dinâmica complexa que se estabelece dentro de um contexto específico. Maccoby e Cortina (2021), explora como essa relação pode assumir características igualitárias e antiautoritárias em sociedades pré-históricas de caçadores-coletores nômades, onde a liderança era discreta e não coercitiva, assim como ocorre nas comunidades contemporâneas nas demais organizações.

Maccoby e Cortina (2021) descreveram que, há seguidores que só aceitam a liderança quando se sentem ameaçados ou quando estão envolvidos em projetos promissores, atitudes também presentes em organizações atuais. As razões pelas quais as pessoas seguem líderes são diversas, Freud dizia que, as massas seguem líderes por serem coagidas ou por compartilharem a ilusão de que o líder as ama, tornando-o um ideal do ego. Também podem estar em busca de uma conexão emocional e de propósito.

As relações de liderança podem levar a comportamentos tanto progressivos quanto regressivos por parte dos seguidores, sendo assim líderes carismáticos tendem a provocar uma regressão nos seguidores, fazendo com que eles adotem o ideal do ego do líder como seu próprio, enquanto líderes inspiradores oferecem um exemplo progressivo para o qual os seguidores podem aspirar (Maccoby; Cortina, 2021).

A capacidade de liderar é cada vez mais importante em um contexto altamente polarizado, as empresas podem se tornar mais produtivas quando a liderança leva em conta os sentimentos e pensamentos dos trabalhadores (Machado, 2018).

Sendo assim, Maccoby e Cortina (2021), listam comportamentos e ações de líderes que motivam os funcionários. Tais ações de liderança têm eficácia em diferentes culturas, mas o tipo de relação líder-seguidor pode variar. A personalidade dos líderes é também um fator relevante na dinâmica líder-seguidor. Freud via líderes patriarcais como narcisistas, indivíduos fortes e independentes, que amam a si mesmos e aos outros apenas na medida em que servem às suas necessidades, já que muitos narcisistas alcançam posições de destaque em organizações.

A maioria das teorias de personalidade se concentra em motivos e temperamentos. Maccoby e Cortina (2021) sugerem que esses fatores são incompletos. Pessoas com o mesmo tipo psicanalítico se comportam de maneira diferente com base em suas filosofias pessoais, propósitos e valores. Outro elemento importante à personalidade da liderança é a estética dos líderes, como eles organizam as percepções daqueles que buscam liderar. Os líderes populistas capturam a mente dos seguidores com imagens e slogans.

Berenstein e Nobre (2020) pontuam que, todos os aspectos relacionados à liderança devem ser levados em conta para refletir sobre as influências que ela sofre da cultura organizacional e as influências que ela mesma causa nessa cultura. Essas influências podem contribuir para tornar a cultura organizacional facilitadora de um ambiente saudável e colaborativo, ou disfuncional e propensa a diversas patologias e fonte de sofrimento no trabalho. A personalidade do líder é moldada pelo contato com a cultura organizacional, ao mesmo tempo em que ele também a molda para se adequar a seus objetivos. Além do contato com a cultura organizacional, também há influências do modelo de sucesso da sociedade contemporânea.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do texto, ficou evidente que a liderança não se limita apenas às relações formais de poder, mas é influenciada por fatores intrínsecos à personalidade e motivações dos líderes.

A análise psicanalítica revelou a presença de mecanismos como transferência e espaço transicional nas relações de liderança, influenciando diretamente o comportamento e a produtividade dos colaboradores. Foi possível compreender que os líderes desempenham um papel crucial na construção do ambiente de trabalho e na forma como os colaboradores se relacionam e se engajam nas tarefas.

A liderança tornou-se um tema de grande interesse em todas as esferas da sociedade, e as empresas buscam ativamente líderes competentes e eficazes como uma questão de sobrevivência em um mercado competitivo. Diante dessa demanda crescente, os líderes são chamados a possuir características heróicas, como inteligência, capacidade crítica, iniciativa, visão empreendedora, entre outras, para enfrentar os desafios cada vez mais complexos dos ambientes organizacionais.

Neste contexto desafiador, a psicanálise desempenha um papel fundamental ao desvelar os elementos subjacentes, como o imaginário e os fantasmas dos líderes, que podem não estar claramente aparentes. A investigação da subjetividade dos líderes e dos pesquisadores estabelece uma relação dual essencial para compreender o imaginário e sua influência nas práticas de liderança.

A personalidade dos líderes também emergiu como um ponto de interesse na psicanálise. A noção de líder patriarcal, como proposta por Freud, revela traços de narcisismo e independência, mas estudos mostram que a presença de líderes com tendências narcisistas pode ser ambígua em sua eficácia e impacto nas organizações.

Os estudos sobre a diversidade de líderes homens e mulheres e as diferentes formas de liderança também contribuíram para uma compreensão mais completa desse fenômeno complexo.

Por fim, a análise das relações líder-seguidor mostrou que a construção de um ambiente colaborativo e de confiança é essencial para inspirar e motivar os colaboradores. O papel do líder carismático pode ser tanto inspirador quanto regrediente, enquanto o líder inspirador oferece um exemplo progressivo de um ideal de ego ao qual os seguidores podem aspirar.

Considerando tudo isso, é evidente que a relação entre liderança e psicanálise é rica em nuances e oferece uma perspectiva valiosa para a compreensão e o aprimoramento da liderança nas organizações. A psicanálise se apresenta como uma ferramenta poderosa para aprofundar a compreensão dos líderes, das dinâmicas interpessoais e do ambiente de trabalho como um todo, contribuindo para uma liderança mais eficaz e um ambiente organizacional mais saudável e produtivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Ph.D em Saúde Mental –H.C.pelo International Institute of Business Management & Research Technology (IIBMRT), Reconhecido pela UDSLA -USA. E-mail: [email protected], Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4026-8098

2 Ph.D em Ciências da Saúde, Logos University International (UNILOGOS), 4300, Biscayne Blvd, Miami, FL 33137, Estados Unidos. E-mail: [email protected], Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8927-78476

3 A transferência refere-se a um processo psicológico pelo qual os indivíduos projetam sentimentos, desejos, expectativas e fantasias do seu passado ou de suas experiências emocionais significativas em pessoas presentes no contexto atual (Silva; Barbosa, 2021).

4 refere-se a um espaço psicológico intermediário entre a realidade interna e a realidade externa, 12 influenciando diretamente o comportamento e a produtividade dos colaboradores.

 5 onde os indivíduos podem experimentar sua criatividade, imaginação e fantasia de forma segura. Esse espaço é especialmente importante na infância e na construção dos primeiros relacionamentos, mas também está presente ao longo da vida adulta em diversas situações, inclusive nas relações de liderança (Sant’Anna, 2020).