LEI Nº 11.340/2006: UMA IMPLICAÇÃO FILOSÓFICA CONTEMPORÂNEA NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

PDF: Clique Aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10396233


Glaucio De Souza Adolfo Reduzino


RESUMO
A violência contra a mulher na sociedade brasileira infelizmente não é algo novo, desde o primórdio as mulheres tiveram seus direitos suprimidos somente pelo fato de serem do sexo feminino. Diversos documentos históricos retratam a quão violentada era a mulher e muita das vezes esse tipo de violência ocorria não somente no ambiente público, mas no privado e devera das vezes era aceito pela sociedade pois fazia jus ao papel da mulher a submissão ao homem. Da restrição do voto ao dever de gerar filhos, a mulher só passou a ter um pouco mais de garantias e ser vista pela lei como vítima em casos de agressão doméstica a partir da criação da lei maria da penha que promoveu garantias tanto no âmbito público tanto quanto no privado Em uma sociedade imbuída pelo senso comum, onde o dito popular ‘’ em briga de marido e mulher não se mete a colher” se transformou em ferramenta de defesa para o agressor. No entanto, mais uma chama se acendeu quando a proteção e garantia das mulheres trans, passaram a ter efeito legal na lei Maria da Penha
Palavra-chave: Lei maria da penha. Mulher. Filosofia. Ética. Justiça.

1. Introdução

O ano de 2006 foi um ano marcado pela criação da lei 11.340/2006 considerada um marco histórico na luta contra a violência doméstica contra a mulher.

A lei maria da penha tem como escopo a prevenção e o combate contra todo tipo de violência contra a mulher, mas infelizmente muitas das vítimas ainda têm medo de denunciar seus companheiros seja por medo por questões éticas, morais ou religiosas.

Mas como fazer para mudar esse quadro onde centenas de mulheres sofrem maus tratos e por questões éticas e morais não denunciam seus agressores, O problema se torna ainda maior em caso de mulheres negras, moradoras de comunidades e trans que sofrem uma dupla agressão, pelo fato de não conseguirem atendimento humanizado devido ao racismo institucionalizado

Este trabalho tem por objetivo principal demonstrar os tipos de violência sofrido pelas mulheres biológicas e mulheres trans, dando ênfase as mulheres negras e pardas em especial moradoras de comunidades carentes onde o poder paralelo domina objetivos específicos, demonstrar a relevância da lei tanto na questão filosófica tanto quanto na questão social; explanar sobre a importância da justiça brasileira em face do direito social; descrever como esta lei pode salvar e amparar centenas de mulheres por dia.

A presente pesquisa possui metodologia de revisão bibliográfica, utilizando-se de pesquisas em livros, revistas, artigos e trabalhos subsequentes para enriquecimento do trabalho pautado. A pesquisa bibliográfica possui por finalidade demonstrar a relação entre a filosofia e o Direito brasileiro

2. Dos tipos de violência 

A violência se apresenta de 5 formas e são elas:

I - Violência física Conduta que ofende a integridade ou saúde corporal;
Chutes, socos, empurrões etc.

II - Violência psicológica
Conduta que cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Isolamento social é o mais comum nestes casos, privando e selecionando principalmente do convívio familiar.

III- Violência sexual
Conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

A não utilização de meios contraceptivos e a indução ao aborto são práticas recorrentes

IV - Violência patrimonial
Conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

A subtração de bens moveis, assim como a retenção deles como forma de coação e aprisionamento da vítima, são os mais relatados

V - Violência moral
Conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Este é um tipo de violência que afeta não só a vítima, mas em geral a todos que a cercam

Segundo Bourdieu, a dominação masculina também impõe pressões aos próprios dominantes; porém com desdobramentos distintos, tendo em vista que, de alguma maneira, os homens sempre podem se beneficiar com isto, “por serem, como diz Marx, ‘dominados por sua dominação’” (p. 42). como a desigualdade, condições financeiras e sociais, e seu uso provém da necessidade de poder que os indivíduos de uma determinada realidade têm.

Das violências a mais conhecida ainda é a violência física onde as marcas ficam no corpo da vítima por alguns dias ou semanas e nem sempre desaparecem, tornado se cicatrizes dolorosas física e psicológica no entanto a violência psicológica ainda muito presente na sociedade contemporânea se mascara a ponto de se tornar imperceptível a comunidade da qual a vítima pertence, no entanto as suas consequências são ainda tão quanto ou mais gravosas do que a violência física, pois a mesma podendo ser irreversíveis, como por exemplo a auto mutilação ou o suicídio.

Não obstante a violência patrimonial também pouco cogitada e amparada legalmente até mesmo pela forma da qual se configura, provoca na vítima uma série de infortúnios, inclusive ferindo os seus sentimentos de liberdade e igualdade, tendo assim suprimida também a sua capacidade de fuga de determinado espaço ou ambiente da qual está sendo mantida em situação degradante, esta situação se agrava por não ter meios econômicos para sair ou mudar do local.

A dignidade do ser pode ser compreendida em partes como valores morais e estes quando são de alguma forma afetados ou postos em contradição torna se elementar que ali há uma violência, que pode ser através de uma calunia, difamação ou injuria, geralmente esse tipo de agressão costuma acontecer em público, próximo a amigos e familiares da vítima que por muita das vezes acabam desvirtuando o quão grave é a situação, e alegam ser aquilo um momento de raiva ou no senso comum , palavras da boca para fora e não do coração.

Sexo para muitos ainda é um grande tabu a ser questionado principalmente no âmbito familiar, e como explicar para a família que está sendo abusada sexualmente pelo próprio companheiro.

Parece ser impossível, mas sim a violência sexual é muito comum, e se manifesta de diversas formas, uma posição desconfortável, anulação de direitos contraceptivos, obrigação de participar de orgias e bacanais e até mesmo obrigando a vítima a se prostituir. Orgias e bacanais não são puníveis pela lei, no entanto é uma atitude amoral e desavergonhada, que fere os princípios morais e éticos da sociedade na qual vivemos, porém, obrigar uma pessoa a tais práticas constitui um ato ilícito punível.

No entanto lidar com essas questões requer muito mais do que simples palavras pois vivemos em uma fase em que uma onda conservadora e moralista encobre muitos tipos de violência com falsa sensação de um cumprimento de dever da mulher.

Segundo Thomas Hobbes “os homens precisavam de um Estado forte, pois a ausência de um poder superior resultava na guerra. O ser humano, que é egoísta, se submetia a um poder maior, somente para que pudesse viver em paz e também ter condição de prosperar” (Hobbes 179)

No entanto muitas mulheres não recorrem ao estado como força superior e sim a homem, pois em uma sociedade marcada pelo machismo e arraigada pelo patriarcalismo acabam sendo subjugadas a uma violência continua.

Por sua vez John Locke entendia que” para solucionar este vazio de poder, os homens vão concordar, livremente, em se constituir numa sociedade política organizada” (LOCKE, J. 1689)

Desta forma nem sempre as leis positivadas servem como norte, mas sim os costumes de dada sociedade que são passados de geração em geração.

Independente do sexo biológico a mulher que sofre algum tio de agressão nem sempre consegue compreender que está sendo agredida, pois tem arraigado em mente que tudo aquilo que passa naquele momento é passageiro, outras acreditam que pelo fato de serem dependentes de seus companheiros seja economicamente ou emocionalmente merecem passar por isso, pois de alguma forma estão sendo repreendidas por erros que elas cometeram.

De acordo com Foucault:

“Durante a época clássica, deu-se toda uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Seria fácil encontrar sinais desta grande atenção que era então dada ao corpo – ao corpo que se manipula, que se modela, que se subjuga, que obedece, que responde, que se torna hábil ou cujas forças se multiplicam. (FOUCAULT, M.2008)

Pode se notar que a agressão, tem um caráter dominador que o filosofo francês Michael Foucault denomina como a docilização dos corpos indóceis, ou seja, a manipulação do ser humano através de punições sejam elas corpóreas ou extracorpóreas como por exemplo a tortura psicológica.

Não obstante percebe se que muitas mulheres que sofrem violência não se conscientizaram ainda que são vítimas e porque motivo não se vejam na condição de procurar ajuda e mesmo quando confrontadas mediante a situação da qual estão vivendo se negam a acreditar criando assim uma barreira exterior mais solida, seja se afastando dos amigos e familiares e em casos extremos vitimizando o agressor, dando desta forma total liberdade para que se prossigam as agressões.

Segundo o filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham

“A natureza colocou a humanidade sob o governo de dois senhores soberanos, dor e prazer. Somente a eles cabe indicar o que devemos fazer, assim como determinar o que faremos. Ao seu trono estão atados, de um lado, o critério do certo e errado e, de outro, a cadeia de causas e efeitos” (Bentham, 1948, p. 1).

Nesse contexto, pesa a balança, pois é natural do ser humano devera das vezes põe o amor acima da lei deixando assim aberta a lacuna para que tais ilícitos possam perpetuar.

O pressuposto é reafirmado, em moldes similares, por James Mill:

“As posições que já estabelecemos no que tange à natureza humana, e que assumimos como fundamentos, são as seguintes: que as ações dos homens são governadas por suas vontades, e suas vontades por seus desejos; que seus desejos são direcionados ao prazer e ao alívio da dor como fins, e à riqueza e ao poder como os principais meios” (Mill, 1978, p. 69)

No entanto o desejo de aliviar as dores e os sofrimentos são reprimidos pelas ideias de que sem dor e sem sofrimentos nada se alcança.

3. Moral X Ética

Nos tempos atuais é muito comum confundirmos ética e moral, por vezes não fazemos distinção dessas palavras, obtendo, portanto, um tratamento igualitário. na diferença dessas duas palavras

As duas palavras possuem origens distintas e significados idênticos. a ética vem do grego “ethos”, que quer dizer costume, conduta, modo de agir, enquanto a moral surge do latim “mores” que do mesmo modo quer dizer costume, conduta, modo de agir.

Tendo base o direito penal como ciência jurídica do dever ser e não do ser, tendo como bussola a filosofia para nortear em casos em que a moral e a ética se opõem as leis penais nesse sentido é compreensível a dificuldade tanto da vítima tanto quanto do criminoso entenderem seus respectivos papeis pente a justiça.

Tomando como exemplo, mulheres que acreditam que apenas desempenham um bom papel de esposa, aquela mulher “Amélia” que lava, passa, cozinha e toma conta dos filhos e quando não desempenham este papel acreditam que a punição dada pelo companheiro, que é responsável pelo sustento financeiro é justa e merecida, pois estes valores que lhe foram passados de geração em geração são costumeiros e aceitos.

Por outro lado, no campo da ética tem que se observar que a racionalização do padrão violento incutido em uma determinada sociedade vem se naturalizando de uma forma da qual não há separação do certo e do errado, pois os valores éticos e morais são frutos de uma determinada sociedade que as padroniza de acordo com seus valores e crenças.

A ética cristã apresentada pelo filosofo e teólogo santo Agostinho nos da base para entender o quanto a lei e justiça são perenes em nossas vidas.

“Dessa maneira, sem a justiça não existe o direito e, tampouco, o Estado.” (Agostinho,1999)

Ainda segundo Santo Agostinho:

“o direito existe em função da religião. A justiça seria a lei de Deus, e a verdadeira justiça só poderia ser encontrada na Cidade de Deus. O direito natural, por conseguinte, vinha primeiramente da lei divina” (Agostinho, 1999)

Tendo a interpretação de que a justiça e o direito são acima de tudo algo divino e que a vida é o bem mais precioso para o direito, pode se alegar que valores morais por mais intrínseco que, seja, jamais deve se opor as leis positivadas, sendo estas a base de uma sociedade mais justa, tendo como princípio o direito natural.

Com relação ao Direito Natural na filosofia de Santo Agostinho, este seria encontrado no próprio indivíduo, que o deveria buscar em seu interior. Nos dias atuais, essa ideia é chamada de “moral”, que é encontrada no foro íntimo da pessoa, por fim, cumpre dizer que com relação ao conceito de justiça, para esse autor, nada mais era do que dar a cada um o que é seu.

A um ponto importante há se observar é a relação da ética para com o direito (a lei em específico), pois não podemos confundir essa relação, embora em alguns casos haja leis com princípios éticos.

Utilizando a teoria do filósofo inglês Jeremias Bentham, teoria esta, também adotada pelo professor Miguel Reale em sua obra “Lições Preliminares de Direito (2006, página 42)”. A teoria do “mínimo ético”, esta teoria representa um mínimo valor de questão ética adotada pelo direito. Pois nem todo corpo da norma é ético, porém é de alguma forma que o direito através da norma positive algum ponto de ética, tornando obrigatório tal cumprimento pela sociedade ou grupo coletivo. Referindo-se do então conhecido “dever ser” de Hans Kelsen, apesar de a norma ética estar constituída de um juízo de valor em que a própria sociedade culminou, devido às condutas positivas ou negativas e os costumes desta sociedade. Sendo, portanto, que esta norma axiológica resulte em uma imperatividade, tornando-se uma obrigação enraizada de sanção para a coletividade de indivíduos.

Contudo mencionado os preceitos éticos, que são os costumes, modos de agir de uma sociedade, devemos convir que o ser humano, um ser racional, está sempre querendo algo mais, diferenciando-se do animal, na qual todos compreendem seu comportamento, portanto afirmo que o ser humano é imprevisível, pois ora quer, ora não quer, ora é justo, ora injusto. Mediante estes fatos encontramos a carência de haver uma norma imperativa para que o indivíduo não desvirtue dos preceitos éticos.

A sociedade se cumpre de maneira obrigatória, ou seja, temendo a repreensão do Estado, há também as normas que a sociedade cumpre de maneira espontânea, livre, sem a imposição alheia.

Perante fato exposto onde encontramos a ética? A sociedade é ética quando cumpre a norma, temendo a coação, ou quando cumpre com espontaneidade? Devido esse conflito aqui estabelecido, para melhor esclarecimento do que emana a ética invoco a classificação bem-sucedida de Eduardo C. B. Bittar. A ética demanda do agente: a) conduta livre e autônoma; b) conduta dirigida pela convicção pessoal; c) conduta insuscetível de coerção.

Conduta livre e autônoma: Ocorre quando o agente pratica o ato ou conduta de livre consciência, sem interferência alheia, gerando uma conduta ética;

Conduta dirigida pela convicção pessoal: Ocorre quando há o autoconvencimento do indivíduo, transformando as ideias, ideologias, raciocínios e pensamentos em princípios da ação, há uma grande referência em valores, contudo uma decisão individual, gerando uma conduta ética;

Conduta insuscetível de coerção: Ocorre quando há norma ética, porém o agente age de forma livre, sem vício no seu consentimento, não se aplica a coação, gerando uma conduta ética, pois o indivíduo não age conforme coação;

Portanto se houver qualquer forma de coação, em função de que o indivíduo age forçado a cumprir tal norma, não falamos de ética, mas sim de um simples cumprimento de norma ética, na qual o indivíduo teme sanção. Aproveitando o momento exponho a afirmação de Miguel Reale: “Só temos, na verdade, moral autêntica quando o indivíduo, por um movimento espiritual espontâneo realiza o ato enunciado pela norma. Não é possível conceber-se o ato moral forçado, fruto da força ou da coação.”

3.1 Lei x ética

Onde prevalece o senso comum questões jurídicas são sempre postas em xeque, muitas das vezes o acesso ao conhecimento científico fica fora do alcance de pessoas onde o braço do estado ainda não alcança, todo conhecimento que se tem é de leis impostas principalmente pelo poder paralelo, que faz o papel de inquisidor e juiz, ditando regras e impondo leis que em sua maioria são sempre maléficas, como por exemplo impedindo que Página10 autoridades policiais sejam notificadas em caso de delito ocorrido na comunidade, mesmo em casos que se passe em ambiente privado, como é o exemplo de brigas entre casal.

No entanto mesmo quando conseguem se libertar de seus agressores e procuram ajuda em delegacias, nem sempre a resposta vem como deveria ser, pois em muitos casos a polícia não entra em determinadas localidades, dificultando a vítima, pois onde o poder público consegue alcançar, as medidas protetivas são validas, porém em comunidades tomadas pelo poder paralelo a lei não é respeitada.

Outro fator que corrobora para a prática ilícita é a “Comos Law” que é imposta em quase todas as comunidades, onde a violência é marca registrada de poder e soberania perante o outro, prevalecendo acima de tudo a lei do silencio e da intimidação, outro fator que faz com que a vítima e familiares se tornem reféns do medo.

Observa se que além das dores físicas e psicológicas, o medo de represália por parte não só do agressor, mas também do poder paralelo, pois se uma ordem de prisão for executada em desfavor do agressor e ele morar em determinada comunidade, ainda corre se o risco de haver as devidas “cobranças” por ter chamado a polícia.

Em especial as mulheres negras e pardas, sofrem diariamente com o estigma e o preconceito de morar em comunidades, quando vítimas de abusos sexuais e agressões físicas, são taxadas como “mulher de vagabundo” fator esse que “apanha” porque gosta’, aliado ao medo o preconceito que recai sobre essas mulheres faz com que seus agressores não sejam denunciados, se tornando assim muito mais fortes.

Ledo engano achar que as agressões contra a mulher vêm só do companheiro, dados apontam que mulheres idosas sofrem os mesmos tipos de violência, seja verbal, psicológica e até mesmo a física e em sua maioria são os próprios filhos os agressores.

De acordo com A Centra Judicial do Idoso - CJI atendeu, durante o ano de 2019, a 192 casos de violência, sendo que em 115 deles a vítima era do sexo feminino e, em 124, os agressores eram os próprios filhos. (TJDFT)

A lei 11.340/2006 versa no artigo 5° que:

“Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:”

Ainda em seus parágrafos

I no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.

Neste primeiro parágrafo já demonstra que mesmo filhos respondem por violência contra a mulher.

II no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

É possível ver que a família constituísse não só em laços sanguíneos, mas também por afinidades, religião, cultura entre outros laços que o unem

III Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Em consonância com o parágrafo 3° ex companheiro também se enquadra na lei Maria da Penha quando este se torna o agressor

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Assunto ainda de grande debate, tanto jurídico tanto quanto social, mais uma vez evoca se a filosofia sobre a questão do sexo biológico e da identidade sexual, visto que segundo Parmênides “O ser é todo inteiro - se o ser tivesse partes, algo nele seria separado, não fazendo parte do ser, mas isso seria não ser. Consequentemente, o ser, sendo uno e indivisível, não pode ter partes” (PRÉ-SOCRÁTICOS. Os pensadores,1985)

Através do paradoxo apresentado por Parmênides podemos entender que o ser sendo uno e indivisível não importa qual seja seu sexo biológico ele sempre será um ser.

Heráclito de Éfeso defende que não há unidade natural no mundo, mas duelos e dualidade constante. “O mundo é um eterno devir”, (PRÉSOCRÁTICOS. Os pensadores,1985) afirma o filósofo com isso ele reafirma que há uma constante mudança, imprevisível, que caracteriza a natureza.

Tais mudanças, sempre são vistas com espanto pois é algo novo e como a sociedade é dinâmica, novas mudanças sempre irão surgir, cabendo o estado através de contratos sociais, proteger e assegurar que tais mudanças sejam respeitadas por todos.

Um ponto que vem chamando a atenção de juristas é o fato de que a lei protege a mulher do agressor, no entanto quando o agressor é também uma mulher. Neste contexto tem se o entendimento que Mulheres que mantenham uma relação homoafetiva e agridam sua companheira também poderão responder por atos de violência doméstica e familiar punidos por essa lei, visto que ela foi criada para dar proteção a vítima independente de quem seja o agressor.

4. Suplicio no socorro

A palavra suplicio é assim tão carregada de dor e sofrimento que a sua própria definição por si só já explica o motivo da qual muitas das vítimas de agressão doméstica não procuram as delegacias, por pior que seja a agressão, revivê-las ou ser culpabilizada pela violência sofrida

“Na maioria das delegacias, o tratamento está longe do esperado pelas vítimas, em especial na periferia." (G1, 2016)

A falta de delegacias especializadas é como uma extensão da violência que pois ao invés de oferecer acolhimento adequado a uma pessoa fragilizada, a polícia entrega um atendimento grosseiro, lento, intimidador e desdenhoso, perguntas como, por que não largou antes, o que tu fizeste para chegar esse ponto, tem certeza de que é isso mesmo que você quer?

Isso ocorre principalmente com mulheres negras, periféricas e trans que muitas das vezes acabam desistindo de dar queixa de seus agressores por conta do próprio estado que não garante os direitos positivados.

“A gente vem procurar e uma demora dessa? Já pensou se você volta para casa, você não fez nada, o cara pega e te mata?” (G1, 2016)

Relatos como este são corriqueiros, em muitas das vezes crime de agressão se torna um crime de homicídio, sendo que no código penal o bem jurídico mais valorizado por ele tutelado é a vida e mesmo assim o estado não cumpre o seu papel normatizador punitivo para que o bem tutelado seja resguardado.

A constituição federal de 88 em seu artigo 5 parágrafo III Diz que: "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (CF88)

Porém o que ocorre em muitas delegacias é um fato análogo a tortura, pois além de agredida muitas vítimas passam por constrangimentos e tortura psicológica, haja visto que, só o fato de estar em uma delegacia para muitas mulheres esse fato já é uma tortura, neste entendimento o estado fere tanto a constituição tanto quanto direito penal, que deveria prezar por esses valores segundo Paulo Sérgio Xavier de Souza

“Estes valores seriam, por exemplo, a vida humana, a integridade física e moral, a liberdade pessoal de ação e movimentos” (SOUZA, Paulo S. Xavier)

A morosidade e a falta de profissionais capacitados para a execução de dos ritos processuais, elevam os casos de feminicídio.

Claramente se vê o número de feminicídios ligado a omissão do estado omisso e misógino, a vista que inferioriza e menospreza as vítimas de agressão.

“Esse cenário é suficiente para que a questão da violência contra a mulher seja destaque no debate sobre segurança pública. Entretanto, o quadro ainda piora bastante quando a variável “cor e raça” é incluída na análise.” (Olerj, 2016)

Casos como esses tem como agravante a cor da pele, status social e o biológico, que por sua vez se torna um impasse por falta de conhecimento da vítima em requerer seus direitos, tanto quanto do estado para dar o amparo legal correto, o número de mulheres agredidas no ano de 2022 é assustador conforme mostra o gráfico abaixo o mais triste é que esse número é bem maior, porem nem todas as vítimas conseguem prestar queixa, seja por ingerência da família, ou pela ineficácia do estado, quando deixa que o poder paralelo dite as ordens exemplo comunidades tomadas pelo tráfico ou milicias, onde as leis são formuladas e aplicadas por aqueles que se auto intitulam os donos de determinada comunidade.

Fonte:gov Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

O que mais chama a atenção é o número de mulheres negras que são vítimas de feminicídio como mostra o quadro abaixo.

Segundo o olerj “No Estado do Rio de Janeiro, a situação é alarmante. As mulheres negras representam 63,7% das vítimas de violência seguida de morte; e mais da metade do total de mulheres que são agredidas fisicamente é negra – 54,5%” (olerj,2018)

5. Considerações finais

O presente trabalho possuiu como propósito principal abordar sobre os principais tipos de violência cometidos contra a mulher em especial as mulheres negras, moradoras de comunidade e mulheres trans, demonstrou através de ampla abordagem cientifica que a violência de gênero, não escolhe cor, faixa etária e muito menos classe social. Questões filosóficas foram abordadas a luz do direito para chamar a atenção em especial aos casos mais relevantes ao tocante moral e ética onde devera das vezes os fatores sociais elevam o patriarcalismo, reascendendo a chama do machismo, que muitas das vezes, se torna o estopim para a bomba chamada violência doméstica. Demonstrou também que o estado que foi feito para legislar e garantir que tais leis sejam de fato cumpridas, demonstra fraqueza, tanto na omissão do socorro tanto quanto no descaso as vítimas quando as rotulam pela cor, classe social e principalmente pelo gênero assumido no caso das mulheres trans.

Outro fator é a família ainda que muitas das vezes seja a base para o fim da violência contra a mulher, se torna uma pedra no sapato do estado, visto que pela pressão feita pela família do agressor, para que não seja dada a queixa ou a própria família da vítima, pelo fato de acreditar que pelo fato de se envolver em processo, ira ferir a honra das famílias envolvidas, infelizmente casos assim não são raros fazendo assim com que tanto vítima quanto o agressor passem a ser invisíveis para estado, neste caso moral e a ética se sobrepõe a leis do estado, tornando ineficaz todo o esforço que o mesmo tem para coibir tais atitudes, fortalecendo assim a cultura de violência e ensejando para que politicas públicas de segurança sejam mal sucedidas.

Para que realmente a lei maria da penha tenha sucesso é necessário muito mais do que a prisão dos agressores é preciso implementar políticas públicas de conscientização e implementação de leis que visem não somente a prisão do agressor, mas demonstrar para a sociedade que todo ilícito penal tem suas consequências, e no caso de agressões contra mulheres não é diferente, inclusive que tal ilícito punível, não é passível de substituição da pena por doação de cestas básicas, trabalhos comunitários ou multas Adaptação nos currículos escolares reforçando a ideia de que a agressão, principalmente contaras mulheres é algo abominável tanto para o estado quanto para a sociedade em geral.

Cabe ao setor público e privado também contribuir para o incentivo contra a violência doméstica seja promovendo palestras e debates acerca da prevenção e possível denúncia do agressor.

Políticas públicas que fomentem incentivo ao trabalho formal e informal, evitando assim a dependência a financeira, cursos de especializações e desenvolvimento profissional também devem ser levados em conta visto que elevam a autoestima e geram empregos.

Logra se êxito políticas públicas que abordam não só de forma punitiva, mas também de forma correcional, para que a violência, principalmente a que vem arraigada de preconceitos e estereótipos estigmatizados.

Delegacias especializadas montadas em pontos estratégicos com equipe multidisciplinar de profissionais preparados para atender uma população específica e viaturas disponíveis para busca e apreensão do suspeito e objetos que possam ser utilizados como corpo de delito, além de testemunhas que possam comprovar o ilícito e corroborar nas investigações.

Não obstante cabe também a toda sociedade civil independentemente do tipo de agressão que presenciar ou tiver fundada suspeita de que uma mulher está sendo vítima de qualquer forma de maus tratos, devera imediatamente fazer a denúncia para as autoridades competentes, mesmo que esta não seja a vontade da vítima.

Nota se que ainda há um embate filosófico quando a ética e a justiça se contrapõem e esta questão só será resolvida através de um diálogo, multidisciplinar entre as ciências humanas e sociais, visto que a sociedade é dinâmica e a cada momento ações são tomadas, gerando contratos sociais positivados ou naturais e cabe ao estado vigiar e punir.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HOBBES, T. Leviatã. Tradução: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LOCKE, J. (1689). Carta sobre a Tolerância. Tradução F. Fortes, W. Ferreira Lima. Organização, introdução, revisão técnica, notas e comentários F F. Loque. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.

MILL, James. (1978), "Essay on government", in R. Lively e J. Rees (eds.), Utilitarian logic and politics, Oxford, Clarendon Press.

PRÉ-SOCRÁTICOS. Os pensadores. Seleção de textos e supervisão de José Cavalcante de Souza. Tradução de José Cavalcante de Souza et al. São Paulo: Abril Cultural, 1985.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Cidade: Saraiva, 2006, pág. 42; 44. Santo Agostinho, A Cidade de Deus, tradução, prefácio, nota biográfica e transcrições de J. Dias Pereira, vols. I e II, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991 (vol. I: livro I a VIII), 1993 (vol. II: livro IX a XV), 1442 pp.

SOUZA, Paulo S. Xavier de. Individualização da pena no Estado democrático de direito. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2006. P.34. https://bit.ly/3XvQq9y Consultas online

Código Penal. Disponível em: https://bit.ly/3XvQq9y Acesso em: 22 jan. 2023. Mulheres agredidas enfrentam o caminho difícil da ajuda. Disponível em: http://glo.bo/3XrZw7x Acesso em: 22 jan. 2023.

As mulheres negras são as maiores vítimas da violência. Disponível em: https://bit.ly/3whKAwN Acesso em: 22 jan. 2023.

Violência contra idosos: mulheres são as maiores vítimas e filhos os principais agressores. Disponível em: https://bit.ly/3wmlX24 Acesso em: 22 jan. 2023.