ETHOS SOCIALIS: UMA ABORDAGEM SOCIO FILOSÓFICA DO NOVO CÓDIGO CIVIL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10396277


Glaucio de Souza Adolfo Reduzino


RESUMO
O ano de 2002 se tornou um marco para o judiciário brasileiro com a criação do novo código civil, tendo em vista que o antigo regia desde o ano de 1916 indo contra as normas constitucionais promulgada em 1988.
O pilar do novo código civil é a eticidade, socialidade e operabilidade, neste bojo é possível se observar que o mesmo foi feito para acompanhar os novos avanços sociais sem deixar de lado os princípios éticos e morais que norteiam a sociedade contemporânea, abrindo espaço para um diálogo com outras disciplinas como a filosofia e a sociologia, dando assim mais celeridade aos processos judiciais e maior segurança jurídica tanto aos operadores do direito quanto aqueles que recorrem ao judiciário.
A isonomia vista no novo código civil é o exemplo mais claro que se pode ter em relação aos contratos jurídicos e o mesmo é explicito em relações de matrimonio onde casais homossexuais conquistaram o direito de ter os mesmos direitos de casais heterossexuais, retirando assim o pensamento colonial e homofóbico que predominava no antigo código civil, da mesma forma que recebe e tutela os diversos tipos de família presente na atualidade.
Observa se também a ética em relação aos contratos firmados entre pessoas físicas e ou jurídicas, assim como apresenta pluralidade de diálogos entre o direito e a sociedade.
Palavras-chave: Família. Direito Civil. Casamento

1 Introdução

Eleito democraticamente nas eleições presidências de 1994 e 1998 o então presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou sem vetos o novo código civil brasileiro escrito pelo jurista e filósofo Miguel Reale que convidou outros juristas para auxiliar na elaboração das leis para que as mesmas se enquadrassem no padrão da sociedade contemporânea que se mostra cada vez mais dinâmica.

Este trabalho tem por objetivo principal demonstrar a relação do direito civil com as disciplinas filosofia e sociologia

objetivos específicos, demonstrar a relevância da lei tanto na questão filosófica tanto quanto na questão social; explanar sobre a importância da justiça brasileira em face do direito social; descrever como esta lei ainda pode se adequar através de novas emendas a sociedade contemporânea e seus avanços sociais.

A presente pesquisa possui metodologia de revisão bibliográfica, utilizando-se de pesquisas em livros, revistas, artigos e trabalhos subsequentes para

enriquecimento do trabalho pautado. A pesquisa bibliográfica possui por finalidade demonstrar a relação entre a filosofia e o Direito brasileiro

2 Desenvolvimento

Desde os primórdios o homem como ser social sempre procurou manter laços sociais e a construção familiar é vista desde os primórdios até os dias atuais, mas o que hoje reconhecemos como família tem uma conotação bem diferente do passado como afirma Engels:

“A origem etimológica da palavra família, vem do latim famulus, quer dizer escravo doméstico, e então, família é o conjunto dos escravos pertencentes e dependentes de um chefe ou senhor. Assim era a família greco-romana, formada por um patriarca e seus famulus: esposa, filhos, servos livres e escravos”. (Engels, 1984)

Assim pode se observar que na antiguidade a família era uma propriedade daquele que há adquiria, tendo assim total domínio sobre suas vidas, mas, no entanto, com o passar dos tempos esse conceito foi sendo moldado aos avanços sociais, mas sem perder algumas características do patriarcalismo como é visto no código civil de 1916 que foi concebido sob constituição de 1891 como afirma Sérgio Barros

“Com o patriarcalismo principiou a asfixia do afeto. Os patriarcas deram início à prática dos casamentos por conveniência, que com o passar do tempo proliferaram ainda mais, quando se somaram aos motivos patrimoniais os motivos políticos. Nessa evolução histórica, do primitivo casamento afetivo, passou-se ao casamento institucional, com o qual se buscou assegurar o patrimônio, dando origem à ideologia da família parental, patriarcal, senhorial, patrimonial. Esta se define pela existência de um pai e uma mãe com seus filhos sob o poder pátrio, fruindo de um patrimônio familiar, que deve ser mantido como base física e para segurança econômica da família. A família assim concebida e praticada acabou por revestir e mascarar interesses meramente patrimoniais, que muitas vezes deslocam, degeneram, sufocam ou até substituem as relações de afeto.” (BARROS, 2022, p. 7)

O casamento era uma forma de manter status ou riquezas, não se falava em amor e reciprocidade, mas no código civil de 2002 em seu artigo 1511 diz que “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. (VIEIRA, 2023, p. 333)

Sendo assim é possível interpretar que o casamento não vincula uma heteronormatividade, dando espaço para interpretação de comunhão entre duas pessoas que se unirão com intento de formar uma família baseada na reciprocidade de sentimentos.

Ainda é possível notar o qual ligado está o conceito de família ao casamento, no entanto o novo código civil de 2002 desvincula esse conceito através dos tipos de família que serão abordados ao longo do trabalho, demonstrando de forma clara e objetivo importância da interpretação filosófica e social diante do conceito de família.

2.1 tipos de família

Diferente do código civil de Bevilacqua o novo código civil já não adota o sistema de família apenas patriarcal, mas abre espaço para outros tipos de família que são elas:

Família Tradicional, ainda carregada de preceitos e preconceitos sãos as famílias compostas por um casal heterossexual e seus filhos nascidos dentro do casamento, em geral tem a religião cristã como base do casamento, excluindo os filhos concebidos antes do matrimonio e velando preconceitos contra os mesmos.

Família Homoafetiva:

Ao contrário do antigo código de Bevilacqua, este tipo de família se dá pela ausência do patriarcalismo, abrindo a possiblidade de casais homossexuais sejam ele constituírem família inclusive podendo adotar filhos tendo assim seus direitos e deveres equiparados ao casal heterossexual.

Neste diapasão abriu se um leque para que a comunidade lgbtqia+ pudesse ter um reconhecimento ainda maior, obtendo assim reconhecimento e segurança jurídica no matrimonio

Família Poliafetiva:

Ainda de pouco conhecimento e reconhecimento este tipo de família se dá pelo vínculo familiar de um casal mais uma terceira pessoa independente de suas orientações sexuais, casos como estes vem crescendo cada vez mais, porém ainda não há no ordenamento jurídico leis que aprovam ou recriminam esse tipo de família, abrindo se brechas para a discriminação social.

Família Monoparental:

Este tipo de família vem ganhando cada vez mais espaço na contemporaneidade visto que o número de mães e pais solos vem aumentando cada vez mais, sendo esta reconhecida no ECA através do Artigo 25 da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 que diz:

“Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.” (ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8.069/1990 - Atualizado até Dec.6.629/2008, 2019, p. 46)

Família Parental ou Anaparental:

Esta modalidade de família ainda que cause muito espanto, é a realidade de muitos brasileiros que por diversos motivos perderam seus genitores e passaram a viver sozinhos, é um exemplo irmãos mais velhos que criam os mais novos na ausência dos seus genitores, onde muitas das vezes escondem a sua real situação por serem menores de idade e terem medo de serem mandados para abrigos ou adoção e assim se distanciarem um dos outros

Pluriparental ou Mosaico:

Essa nova estrutura familiar é aquela constituída através do matrimônio ou da união de fato de um casal, onde um ou ambos de seus membros possuem filhos advindos de um casamento ou de relações anteriores, algo que se torna cada vez mais natural, observando se o número de pais e mães solos que vem aumentando cada vez mais, distanciando se assim das famílias tradicionais, porem sem perder o caráter de afetividade, respeito entre os membros, casos assim são vistos no dia a dia, onde padrastos e madrastas assumem um papel afetivo de pais e mães, em muitos casos os filhos passam até a adotar em seus registros de nascimento o nome do padrasto ou da madrasta por vias extrajudiciais ou seja, pelo próprio cartório de registro civil, sem a necessidade das vias burocráticas do judiciário

Família Natural:

Essa é a família onde um casal concebe ou adota um ou mais filhos e mantém uma união afetiva, formando um núcleo familiar, também conhecida como família tradicional ou cristã, devido os moldes históricos que remetem ao Brasil colônia onde o casamento era reconhecido pela igreja católica tendo assim o matrimonio como sinônimo de constituição familiar e consequentemente a procriação seguida de três princípios básicos como afirma o arcebispo Sebastião da Vide

“O primeiro era o da propagação humana, ordenada para o culto, e honra de Deus. O segundo era a fé, e a lealdade, que os casados deveriam guardar mutuamente. O terceiro era o da inseparabilidade dos mesmos casados, significativa da união de Cristo Senhor nosso com a Igreja Católica. Além destes fins o casamento era também remédio contra a concupiscência e assim São Paulo o aconselhava aos que não podem ser continentes.” (Vide, 1946, p. 104)

Extensa ou Ampliada:

Reflexo de uma sociedade dinâmica este modelo de família se faz não somente com a presença de pais e filhos, mas também sobrinhos e netos que compõe um núcleo familiar.

Fruto da violência e do abandono dos pais que muita das vezes faz com que crianças e adolescentes passem a conviver com parentes próximos seja na mesma localidade ou até mesmo em outro estado diferente de seu antigo domicílio

Família Substituta:

Neste caso o modelo de família é diferente das demais, pois em casos em que a criança ou adolescente passa a viver com uma família adotiva, independentemente de ter laços sanguíneos ou socioafetivos.

Em casos como este é comum crianças e adolescentes que vem de abrigos ou são resgatadas da rua e entregue para adoção, podendo estes serem adotados por famílias heterossexuais ou homossexuais

Família Eudemonista:

O modelo familiar contemporâneo é entendido como a convivência dos membros da família por meio de vínculos afetivos e de solidariedade mútua, sendo esta entidade familiar caracterizada pela busca da felicidade pessoal e pelo processo de vivência da independência e autonomia dos membros, pode ser exemplificada através de desenhos animados e livros, como Batman e Robin, branca de neve e os 7 anões

Família simultânea:

Neste contexto, novas formas familiares incluem as famílias paralelas ou simultâneas, entendidas como “famílias constituídas por dois núcleos familiares, sendo um deles comum a ambas as famílias, como é o caso de dona flor e seus dois maridos, no entanto essa modalidade de família é subentendida como algo desagradável aos olhos da sociedade, mas são as mudanças temporais que vão modificando os hábitos e costumes da sociedade

Família informal:

Dentre todos os modelos de famílias, a que mais cresce é a família informal, esta composta por um casal, hetero ou homossexual, que por meio da união estável constituem matrimonio, seja por conveniência da desburocratização tanto pela forma de ser feita a união como a dissolução.

3. Ética e estética

Moral e ética são as bases de uma sociedade, sem elas não haveria justiça e respeito, mas com o passar dos anos a ideia de moral e ética sofre algumas alterações, o que no passado era algo amoral e antiético hoje é naturalizado e até mesmo positivado, toma se como exemplo o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, neste diapasão pode se compreender a relação entre ética e estética, observando o que é bom e belo, sendo assim o bom é o respeito e a aceitação o belo por sua vez é visto e sentido quando o amor e o respeito são compartilhados em uma sociedade, como afirma Mukarovsky

La función estética significa, pues, mucho más que algo flotante en la superficie de las cosas y del mundo, como se suele considerar a veces. Interviene parte en la gestión de la relación no sólo pasiva, sino también activa entre el individuo y la sociedad, por un lado, y la realidad en el centro de la cual están situadas, por otro (MUKAROVSKY, 1977, p. 59)

Observa se que a ética e a estética caminham de mãos dadas, no entanto nem tudo que é belo para um é para o outro, porém a ética se faz presente na forma de respeitar as diferenças, e se reforça ainda mais na constituição federal de 88 no artigo 5° diz que:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes (VIEIRA, 2023, p. 9)

Porem se torna notório o desprezo e desrespeito pela carta magna no que concerne ao direito de liberdade e igualdade nos relacionamentos familiares, pois ainda é perceptivel a discriminção quanto as familias que não vivem sob a égedi dos ditos moralitas socias, familias que são constituidas por pessoas do mesmo sexo, religiões diferentes, ou ainda em casos que um ds conjuges possuam um ou mais filhos, não são bem recebidas pelos olhos das comunidades mais tradicionais, que ainda mantem em seu ceio a questão da tradição familiar colonial.

Ainda reforçada pelas palavras de Nery Junior

“O princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades (JUNIOR, 2014, p. 42)

Observa se que o princípio da isonomia presente na carta magna reflete de forma clara e objetiva nas relações sociais contidas no código civil, onde distância se cada vez mais de qualquer ato discriminatório que foi tão presente no passado, atrelado a esse princípio isonômico, está o artigo 1 do código civil que trocou a palavra homem por pessoa, igualando assim os gêneros sexuais e não coisificando aqueles que não se enquadravam nos moldes ditos sociais, ainda deve ser reforçado que o tratamento desigual entre os desiguais, parte da premissa de que ninguém sairá prejudicado por ter uma condição inferior ou superior, sendo assim tratar os iguais como iguais e desiguais com desigualdade é pôr na balança da justiça pesos e medidas justas que evitem qualquer tipo de injustiça ou discriminação

De acordo com Heráclito de Éfeso que defende que não há unidade natural no mundo, mas duelos e dualidade constante. “O mundo é um eterno devir” (Souza, 1985)

Este duelo visto por Heráclito, pode ser definido como mudanças sociais que ocorrem dentro da sociedade, muitas das vezes desafiando os moldes sociais, impostos e ditados como corretos e imutáveis, e tais comportamentos quando confrontados, são vistos como algo negativo tendo a discriminação e a exclusão como mecanismo de defesa e punição pela sociedade que funda seus princípios em moldes próprios desrespeitando o próximo e suas particularidades

Reforçado nas palavras do historiador Glaucio Reduzino:

“Tais mudanças, sempre são vistas com espanto pois é algo novo e como a sociedade é dinâmica, novas mudanças sempre irão surgir, cabendo o estado através de contratos sociais, proteger e assegurar que tais mudanças sejam respeitadas por todos (REDUZINO, 2023, p. 60)”

Como explicitado acima o dinamismo social pode ser descrito como a aceitação do novo em meio as mudanças sociais, como já dito, modelos de famílias que já existiam, porém não tinham o seu devido reconhecimento perante o ordenamento jurídico e nem aceitação social, favorecia a discriminação e o preconceito, abrindo margens para que o antigo regime patriarcal fosse mais uma vez exaltado como uma norma que deveria ser aceita e seguida por todos, como um manual ou cartilha que deve ser passado de geração em geração sem qualquer alteração, e caso haja um desvio de conduta, o individuo tem como punição a exclusão do meio social

3.1 Viva a sociedade alternativa

Com a música intitula sociedade alternativa lançada no ano de 1974 o cantor e compositor Raul Seixas demostrava a necessidade de uma evolução social, onde as pessoas pudessem fazer o que quisessem desde que não fosse contrário as leis, porém sem a necessidade de julgamentos sociais e preconceitos concebidos.

Mas não obstante é natural de uma sociedade com arraigada pelo preconceito social e racial, criminalize e exclua tudo aquilo que não vá de encontro aos princípios ditados no passado, que como uma cartilha são passados de geração em geração, sem se preocupar com os avanços sociais.

Para o sociólogo alemão Max Weber o homem como ser social desempenha um papel fundamental na sociedade, a de criar laços ao observar de forma criteriosa os diversos tipos de ações humanas ele criou a teoria da ação social, onde cada ação tinha como propósito um resultado final como afirma o próprio sociólogo.

A interpretação da ação deve tomar nota do fato fundamentalmente importante de que aquelas formações coletivas, que fazem parte tanto do pensamento cotidiano quanto do jurídico ( ou de outras disciplinas), são representações de algo que em parte existe e em parte pretende vigência, que se encontram na mente de pessoas reais( não apenas dos juízes e funcionários, mas também do “público”) e pelas quais se orientam suas ações). Como tais, tem importância casual enorme, muitas vezes até dominante para o desenrolar das ações das pessoas reais. Isto se aplica especialmente ás representações de algo que deve ter vigência ( ou não a deve ter). ( Um “Estado” moderno existe em grande medida dessa maneira- como complexo de específicas ações conjuntas de pessoas- porque determinadas pessoas orientam suas ações pela ideia de que este existe ou deve existir dessa forma, isto é, de que estão em vigor regulamentações com aquele caráter juridicamente orientado. (WEBER, 2004, p. 9)

Werber subdividiu as ações sociais em 4 tipos que são:

ação racional com relação a fins — é uma atitude tomada de modo racional com uma finalidade bem definida, como por exemplo o casamento e o planejamento familiar com relação a quantidade de filhos a conceber

ação racional com relação a valores — também tem uma finalidade bem determinada, mas é pautada nos valores morais daquele que a prática, como exemplo o casamento definido em bases éticas e morais, o casamento religioso é uma das formas mais comuns entre famílias cristãs, não sendo aceito casamentos homossexuais e nem a concepção de filhos antes ou fora do casamento, a dissolução do casamento também não é aceita, pois entende se que a família é algo sagrado e jamais pode ser dissolvida

ação irracional afetiva — os pilares desse tipo de atitude são o emocional e a paixão. A finalidade pode ser bem determinada, mas tudo o que há no meio não é claramente pensado, nesta modalidade de ação tem se o modelo das uniões estáveis onde no calor da emoção um casal se une, na intenção de formar família mas logo veem que não era o esperado, no calor da emoção constituições e dissoluções de união estável são feitas de forma impensadas

ação irracional tradicional — são todas as atitudes que uma sociedade realiza em seu dia a dia de forma automática, pautada em elementos culturais, por exemplo, relações de contratos sociais, compras, vendas e namoros são exemplos claros e concisos.

Porém onde a uma relação há poder e esse poder deve ser moderado para que não haja uma subjugação do próximo, nas relações familiares, principalmente nas mais tradicionais ainda se faz presente o que o historiador das ideias e filólogo Michael Foucault afirma que:

As relações de poder existem entre um homem e uma mulher, entre aquele que sabe e aquele que não sabe, entre os pais e as crianças, na família. Na sociedade, há milhares e milhares de relações de poder e, por conseguinte, relações de forças de pequenos enfrentamentos, microlutas, de algum modo. Se é verdade que essas pequenas relações de poder são com frequência comandadas, induzidas do alto pelos grandes poderes de Estado ou pelas grandes dominações de classes, é preciso ainda dizer que, em sentido inverso, uma dominação de classe ou uma estrutura de Estado só podem bem funcionar se há, na base essas pequenas relações de poder (FOUCALT, 2010, p. 231)

Assim pode se compreender que o poder familiar ainda na contemporaneidade carrega em si traços do passado em relação ao poder, onde o homem ainda mantém o status de poder e dominação perante a sociedade que ainda tem como a figura paterna o esteio da família, o que gera ainda muitas discussões perante o novo código civil, onde o homem deixa de ser o centro de poder e da lugar a pessoa, podendo esta ser uma mulher ou em casos de relações mosaicas, poliafetiva ou anaparentais o lugar de poder passa a ser dividido por todos como iguais.

De acordo com o sociólogo Émile Durkheim. “A família é um corpo social ligado pela solidariedade, seus componentes se dividem por idades e tarefas as mesmas podem estar ou não ligadas ao sexo do indivíduo” (DURKHEIM, 2014, p. 72)

Nesta toada é possível observar que Durkheim não faz distinção entre homem e mulher nas tarefas familiares, porém ressalta a questão da idade na divisão de tarefas que demonstra clara intenção de cuidado familiar, assim é possível afirmar que o modelo de família segundo a visão do autor muito se assemelha a família descrita no novo código civil, onde o poder não se concentra nas mãos de um só, mas se dá pela idade e experiencia de realizar as tarefas que cabem a cada um, tendo como base a solidariedade.

No caminho oposto Theobaldo santos acreditava que a família perfeita seria a família cristã, visto que seria composto por um casal heterossexual, onde obrigatoriamente deveria de ter a presença do casal, no entanto tutela a premissa da igualdade entre os familiares e a proteção dos filhos.

A família cristã representa o tipo mais perfeito e elevado de organização familiar. O cristianismo dignificou e espiritualizou ainda mais a família. Proibiu a poligamia. Fez desaparecer a autoridade absoluta do pai. Deu à mulher uma posição idêntica à do homem dentro do lar. Assegurou o direito dos filhos, com a proibição da venda ou do abandono dos mesmos. Emprestou ao matrimônio o caráter de sacramento. Tornou, portanto, a família uma instituição sagrada, inviolável e indissolúvel... (SANTOS, 1967, p. 38)

Diante do exposto é possível se observar as semelhanças com o novo código civil, que mesmo tendo sido reformulado ainda mantem em seu escopo traços do passado, mas sempre com abertura para interpretações sociológicas e filosóficas, para que possa de forma harmoniosa vir a acompanhar as evoluções sociais.

O sociólogo Karl Max afirma que o estado não inventa o conceito de família, mas sim tutela e reproduz o âmbito social, haja visto que com o passar dos anos o conceito de família foi se moldando e se modernizando e cabe ao estado apenas manter a ordem através de suas leis positivadas, dando segurança e amparo jurídico

“A família e a sociedade civil são os pressupostos do Estado; elas são os elementos propriamente ativos […] portanto: a divisão do Estado em família e sociedade civil é ideal […] a família e a sociedade civil são parte reais do Estado, existência espirituais reais da vontade; elas são modos de existência do Estado; a família e a sociedade civil se fazem, a si mesmas, Estado. Elas são a força motriz” (MARX, 2005, p. 19)

Reforçado nas palavras da filosofa Hanna Arendt

A companhia natural, meramente social, da espécie humana era vista como limitação imposta pelas necessidades da vida biológica, necessidades estas que são as mesmas para o animal humano e para outras formas de vida animal. Segundo o pensamento grego, a capacidade humana de organização natural cujo centro é constituído pela casa (oikia) e pela família. O surgimento da cidade-estado significava que o homem recebera, «além de sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o seu bíos politikos. Agora cada cidadão pertence a duas ordens de existência; e há uma grande diferença em sua vida entre aquilo que lhe é próprio (idion) e o que é comum (koinon)». (Arendt, 2007, p. 89)

Portanto, para Foucault, a luta contra a hegemonia da burguesia deve ser uma luta contravalores básicos baseados na moral judaico-cristã.

“A burguesia compreende perfeitamente que uma nova legislação ou uma nova constituição não serão suficientes para garantir sua hegemonia; ela compreende que deve inventar uma nova tecnologia que assegurará a irrigação dos efeitos do poder por todo o corpo social, até mesmo em suas menores partículas. E foi assim que a burguesia fez não somente uma revolução política; ela soube instaurar uma hegemonia social que nunca mais perdeu. (FOUCALT, 2008, p. 218)

Assim nas palavras de Foucault não é plausível que haja um engessamento do corpo social em relação a família, visto que os conceitos sociais mudam e vareiam de acordo com cada sociedade, hoje o conceito de família é bem controverso ao dos anos 50.

Sendo assim não há certo ou errado apenas a sociedade cumprindo seu papel dinâmico de mudanças e adequações no passar do tempo que expos de forma clara a existência de diversos tipos de famílias, descontruindo ideias e pré-conceitos formulados pela sociedade sobre o conceito de família.

3.2 Dissolução

Na contemporaneidade tornou se natural as dissoluções de famílias, o casamento que no passado era eternizado e romantizado nas palavras até que a morte os separe, hoje é caracterizado em até que o amor se acabe, filhos já não são mais impeditivos para que um casal se separe, a união estável facilitou em muito as dissoluções que ao contrário do casamento tradicional, onde as dissoluções são burocráticas e demoradas, isso se deve ao dinamismo social que tornou as sociedades mais liquidas, ou seja não há um bloco familiar perpétuo, como explicitado acima os diferentes tipos de família são construídos e reconstruídos de acordo com as vontades e necessidades sem seguir um padrão único, essa liquidez traz ainda em seu bojo uma sensação de liberdade perante as amarras socias, no entanto para o filósofo zigmum Baumam, toda essa liquidez é uma negativa frente ao corpo social.

Pergunte-se o que é realmente uma família hoje em dia? O que significa? É claro que há crianças, meus filhos, nossos filhos. Mas, mesmo a paternidade e a maternidade, o núcleo da vida familiar, estão começando a se desintegrar no divórcio … Avós e avôs são incluídos e excluídos sem meios de participar nas decisões de seus filhos e filhas. Do ponto de vista de seus netos, o significado das avós e dos avôs tem que ser determinado por decisões e escolhas individuais. O que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos “poderes de derretimento” da modernidade. Primeiro, eles afetaram as instituições existentes, as molduras que circunscreviam o domínio das ações-escolhas possíveis, como os estamentos hereditários com sua alocação por atribuição, sem chance de apelação. Configurações, constelações, padrões de dependência e interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho, para ser depois novamente moldado e refeito; essa foi a fase de “quebrar a forma” na história da modernidade inerentemente transgressiva, rompedora de fronteiras e capaz de tudo desmoronar. Quanto aos indivíduos, porém eles podem ser desculpados por ter deixado de notá-lo; passaram a ser confrontados por padrões e figurações que, ainda que “novas e aperfeiçoadas”, eram tão duras e indomáveis como sempre. (Bauman, 2001, p. 11)

Conclui se que a visão de Bauman é um tanto arcaica vista pelo ponto de vista da atual sociedade, tendo a base do conceito de família, sendo trocado por famílias no plural, pois não há mais um único tipo de família e sim diversos tipos de família que vão sendo construídas e reconstruídas de acordo com as necessidades e sociais.

4. Conclusão

O presente trabalho subdividiu-se basicamente em dois capítulos que se interligam através do conteúdo dos subtópicos, formando uma abrangência significativa da temática de modo harmonioso, visando responder o problema da pesquisa e atender os objetivos propostos.

No primeiro capítulo têm-se uma abrangência geral do conceito de família o qual aborda-se um sucinto histórico do mesmo na esfera jurídica brasileira e como situava-se cenário social do país. Nesse paradigma busca-se explanar sobre as questões filosóficas e jurídicas que englobaram o tema, respaldando-se na sua significância para a população geral.

No segundo capítulo têm-se uma contextualização social calcada sobre diversos pensadores que contribuíram para o conceito de família e suas constantes mudanças sociais no tempo.

De forma clara e concisa o presente trabalho pauto se em responder de forma sociológica e filosófica, os desafios do novo código civil ao que se refere o conceito de família na contemporaneidade principalmente no tocante das famílias homoafetivas, estas já recebidas e tuteladas pelo estado, porém sem a positivação da respectiva no código civil e que se torna um desafio contemporâneo tanto para os operadores do direito quanto para a sociedade em geral que busca uma resposta concisa sobre o conceito de famílias, respeitando as normas sociais, sem deixar de acompanhar as evoluções

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