JUSTIÇA DE GÊNERO E O DESAFIO DA DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DE OPORTUNIDADES

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13358213


Diego Ribeiro de Meneses Ferreira


RESUMO
Este artigo científico de Direito tem como objetivo discutir a aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero, considerando a isonomia como um princípio norteador. Inicialmente, são apresentadas algumas reflexões filosóficas relevantes, como a teoria da justiça de John Rawls, que discute a importância da justiça distributiva na sociedade. Em seguida, são exploradas as problemáticas da aplicação desse conceito no contexto da equidade de gênero, levando em conta as desigualdades históricas entre homens e mulheres. Para abordar a temática da isonomia, é discutido o princípio da igualdade de oportunidades, questionando se ele é suficiente para promover a equidade de gênero. Além disso, são exploradas outras teorias que vão além da ideia de igualdade formal, como a teoria feminista da igualdade substancial. Por fim, são discutidas algumas políticas públicas que podem ser desenvolvidas para promover a justiça de gênero, a fim de alcançar a distribuição equitativa de oportunidades entre homens e mulheres.
Palavras-chave: justiça distributiva, equidade de gênero, isonomia, igualdade de oportunidades, teoria feminista.

ABSTRACT
This legal scientific article aims to discuss the application of distributive justice in the context of gender equity, considering isonomy as a guiding principle. Initially, relevant philosophical reflections are presented, such as John Rawls' theory of justice, which discusses the importance of distributive justice in society. Then, the problems of applying this concept in the context of gender equity are explored, taking into account the historical inequalities between men and women. To address the issue of isonomy, the principle of equal opportunities is discussed, questioning whether it is sufficient to promote gender equity. Additionally, other theories that go beyond the idea of formal equality, such as the feminist theory of substantial equality, are explored. Finally, some public policies that can be developed to promote gender justice, in order to achieve equitable distribution of opportunities between men and women, are discussed.
Keywords: distributive justice, gender equity, isonomy, equal opportunities, feminist theory.

1 – INTRODUÇÃO

A igualdade de gênero é um tema de extrema relevância e atualidade na sociedade contemporânea. Apesar dos avanços obtidos em relação aos direitos das mulheres, ainda há uma série de desigualdades que precisam ser enfrentadas para que haja uma verdadeira igualdade entre os gêneros. Diante disso, é necessário que haja políticas públicas e ações afirmativas que promovam a igualdade de oportunidades e recursos entre homens e mulheres.

Nesse contexto, a justiça distributiva surge como uma importante ferramenta para a promoção da equidade de gênero. Segundo John Rawls (2002), a justiça distributiva consiste na distribuição justa e equitativa de recursos na sociedade, levando em consideração as diferenças sociais e individuais. Para o autor, a justiça distributiva é uma forma de garantir que os indivíduos tenham acesso aos bens sociais necessários para viver uma vida digna.

Porém, ao se discutir a aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero, é necessário considerar os princípios de isonomia e igualdade substancial. A isonomia, segundo Inês Virgínia Prado Soares (2006), consiste no tratamento igualitário entre indivíduos que se encontram em situação igual ou similar. Já a igualdade substancial, conforme Nancy Fraser (2018), é uma abordagem feminista que busca garantir não apenas a igualdade formal entre homens e mulheres, mas também a igualdade material e a transformação das estruturas sociais que geram desigualdades.

Nesse sentido, este artigo científico tem como objetivo discutir a aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero, considerando a isonomia como um princípio fundamental para a promoção da igualdade entre homens e mulheres. Para tanto, será feita uma análise das teorias de John Rawls e da igualdade substancial feminista, bem como de exemplos práticos de políticas públicas que visam promover a igualdade de gênero. Através desse estudo, espera-se destacar a importância da justiça distributiva na promoção da equidade de gênero e apontar para caminhos possíveis para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

2 – A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA E A EQUIDADE DE GÊNERO: UMA REFLEXÃO TEÓRICA

2.1. Os fundamentos da justiça distributiva na obra de John Rawls

John Rawls é um dos principais teóricos da justiça distributiva, tendo influenciado significativamente o debate sobre o tema nas últimas décadas. Em sua obra "Uma Teoria da Justiça", Rawls apresenta um modelo de justiça distributiva que busca conciliar as demandas de liberdade e igualdade na sociedade.

Para Rawls, a justiça distributiva se refere à distribuição justa dos bens sociais, incluindo riqueza, poder e oportunidades. Segundo o autor, a distribuição desses bens deve ser baseada em dois princípios fundamentais: o princípio da liberdade igual e o princípio da diferença.

O princípio da liberdade igual estabelece que cada pessoa deve ter um conjunto básico de liberdades iguais, que não podem ser negadas ou restringidas de forma arbitrária. Essas liberdades incluem a liberdade de pensamento, de expressão, de associação, de movimento e de escolha profissional.

Já o princípio da diferença afirma que a distribuição dos bens sociais deve ser organizada de tal forma que as desigualdades econômicas e sociais sejam justificadas apenas se beneficiarem os menos favorecidos da sociedade. Dessa forma, a desigualdade seria aceitável apenas se fosse acompanhada por um aumento na qualidade de vida dos mais pobres.

Rawls defende que o modelo de justiça distributiva baseado em seus princípios fundamentais é capaz de garantir a igualdade de oportunidades e a promoção do bem- estar social. No entanto, críticos apontam que a aplicação prática desses princípios pode ser difícil, especialmente em sociedades marcadas por profundas desigualdades.

Autores como Martha Nussbaum (2000) e Amartya Sen (1999) criticam a abordagem de Rawls, argumentando que ela não leva em conta a diversidade das condições de vida das pessoas e que, portanto, não é capaz de garantir a justiça distributiva de forma ampla e abrangente.

No entanto, a obra de Rawls continua sendo uma referência importante para o debate sobre justiça distributiva e seu modelo de princípios fundamentais tem sido objeto de análise e crítica por parte de diversos autores.

2.2. A aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero

A aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero é um tema que tem sido amplamente discutido nos últimos anos. Segundo Nussbaum (2000), a justiça distributiva é a distribuição equitativa dos recursos da sociedade, incluindo bens materiais e oportunidades, de forma a permitir que todos possam desenvolver suas capacidades plenas.

No entanto, a aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero requer uma reflexão sobre as desigualdades de gênero existentes na sociedade. Como afirma Sen (1999), a justiça deve levar em consideração as diferentes necessidades e capacidades de cada indivíduo e grupo social, incluindo as diferenças de gênero.

Nesse sentido, a aplicação da justiça distributiva na promoção da equidade de gênero deve incluir a identificação e eliminação das barreiras sociais que impedem o pleno desenvolvimento das capacidades das mulheres. Isso implica em garantir a igualdade de oportunidades para mulheres e homens em todos os aspectos da vida social, como educação, trabalho e participação política (NUSSBAUM, 2000).

Além disso, a aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero também deve considerar a redistribuição de recursos para compensar as desigualdades existentes. Segundo Sen (1999), a justiça distributiva requer que aqueles que possuem mais recursos contribuam de forma proporcional para a promoção da igualdade.

Assim, a aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero é um desafio complexo, que requer uma abordagem holística e multidimensional. É necessário considerar tanto as barreiras sociais que impedem o pleno desenvolvimento das capacidades das mulheres, quanto a redistribuição de recursos para compensar as desigualdades existentes.

2.3. As limitações da justiça distributiva na promoção da igualdade de gênero

Apesar da importância da justiça distributiva na promoção da igualdade de gênero, existem limitações em sua aplicação. Uma dessas limitações é que a justiça distributiva pode não levar em conta as diferenças individuais entre as mulheres, negligenciando as necessidades específicas de grupos marginalizados. Conforme aponta Fraser (2009), a justiça distributiva pode ser limitada em sua capacidade de reconhecer a multiplicidade de desigualdades que afetam diferentes grupos de mulheres.

Outra limitação da justiça distributiva é que ela pode não levar em conta as relações de poder existentes na sociedade. Como afirma Okin (1995), a justiça distributiva pode não ser suficiente para garantir a igualdade de gênero, uma vez que as mulheres podem estar em desvantagem devido às relações patriarcais de poder. Isso pode resultar em uma distribuição desigual dos recursos e oportunidades, mesmo que a justiça distributiva seja aplicada de forma equitativa.

Além disso, a aplicação da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero pode enfrentar resistência por parte daqueles que se beneficiam das desigualdades de gênero existentes na sociedade. Como aponta Young (1990), as relações de poder existentes na sociedade podem impedir a redistribuição equitativa dos recursos, uma vez que aqueles que têm mais recursos têm mais poder para manter suas vantagens.

Dessa forma, é importante reconhecer as limitações da justiça distributiva na promoção da igualdade de gênero e buscar abordagens complementares que levem em conta as diferenças individuais entre as mulheres e as relações de poder existentes na sociedade. Conforme destaca Fraser (2009), é necessário combinar a justiça distributiva com outras abordagens, como o reconhecimento e a representação política, para garantir uma abordagem mais abrangente e justa para a promoção da igualdade de gênero.

3 – A isonomia como princípio fundamental para a promoção da igualdade de gênero

3.1. O conceito de isonomia e suas implicações na promoção da igualdade

A isonomia, como princípio jurídico, é um conceito presente em diversas Constituições ao redor do mundo, inclusive na Constituição Federal brasileira de 1988. Segundo o dicionário jurídico, isonomia significa "tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades". (MARTINS; GONÇALVES, 2021).

No entanto, a aplicação da isonomia na prática é complexa e muitas vezes conflituosa, principalmente no que diz respeito à promoção da igualdade de gênero. A discriminação de gênero é uma realidade presente em diversas esferas da sociedade, e a igualdade formal muitas vezes não é suficiente para promover a igualdade substancial entre homens e mulheres (OLIVEIRA, 2019).

Dessa forma, é necessário um olhar crítico e reflexivo sobre o conceito de isonomia e suas implicações na promoção da igualdade de gênero. Como aponta Martha Nussbaum, "a igualdade formal pode ser uma condição necessária, mas não suficiente para a promoção da igualdade substantiva" (NUSSBAUM, 2011, p. 132). Nesse sentido, a isonomia deve ser entendida como um princípio dinâmico e não estático, que deve ser adaptado às demandas da sociedade em cada momento histórico (SILVA, 2017).

Além disso, é importante ressaltar que a promoção da igualdade de gênero não se resume apenas à esfera jurídica, mas também envolve questões culturais e sociais profundamente arraigadas. Como argumenta Iris Marion Young, "a igualdade deve ser entendida como um processo de mudança social e cultural que exige uma mudança nas relações de poder entre homens e mulheres" (YOUNG, 1990, p. 35).

Nesse sentido, é fundamental o reconhecimento da diversidade de experiências e vivências das mulheres, considerando as interseccionalidades de gênero, raça, classe social, orientação sexual, entre outras. A aplicação da isonomia na promoção da igualdade de gênero deve considerar essas complexidades, buscando garantir que todas as mulheres tenham as mesmas oportunidades e acesso aos mesmos direitos que os homens.

Portanto, a discussão sobre o conceito de isonomia e suas implicações na promoção da igualdade de gênero é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É necessário um diálogo interdisciplinar entre o Direito e outras áreas do conhecimento, como a Filosofia e a Sociologia, para a compreensão dos desafios e possibilidades da aplicação da isonomia na promoção da igualdade de gênero.

3.2. A importância da isonomia para a promoção da igualdade de gênero

O conceito de isonomia é fundamental para a promoção da igualdade de gênero na sociedade. De acordo com Amartya Sen (2009), a isonomia se refere à igualdade de direitos e oportunidades, e não apenas à igualdade formal perante a lei. Nesse sentido, a isonomia não apenas exige que a lei seja aplicada de forma igual para todas as pessoas, mas também requer que as desigualdades existentes sejam identificadas e abordadas de forma eficaz.

Segundo Martha Nussbaum (2010), a isonomia deve ser entendida como um valor fundamental em uma sociedade justa e democrática. Para ela, a isonomia é uma condição necessária para que todas as pessoas tenham a oportunidade de desenvolver suas capacidades e alcançar seus objetivos de vida. A falta de isonomia pode levar à exclusão social e à marginalização de certos grupos, como as mulheres, que podem ser privadas de oportunidades educacionais e profissionais.

Nesse contexto, a isonomia desempenha um papel crucial na promoção da igualdade de gênero. Como observado por Iris Marion Young (2011), a falta de isonomia pode levar à perpetuação de estereótipos e preconceitos de gênero, o que pode prejudicar a igualdade de oportunidades para homens e mulheres. Além disso, a falta de isonomia pode dificultar o acesso das mulheres à justiça e à proteção contra a violência de gênero.

Para alcançar a isonomia de gênero, é importante que as políticas públicas e as práticas sociais sejam avaliadas e reformuladas de forma a abordar as desigualdades de gênero existentes. De acordo com Catharine MacKinnon (2015), a isonomia deve ser entendida como um processo dinâmico de transformação social, que requer a identificação das estruturas e práticas que perpetuam a desigualdade de gênero, e a implementação de políticas e ações para mudar essas estruturas e práticas.

Em resumo, a isonomia é um conceito fundamental para a promoção da igualdade de gênero na sociedade. A garantia de igualdade de direitos e oportunidades é essencial para que as mulheres tenham acesso às mesmas oportunidades educacionais e profissionais que os homens, e para que sejam protegidas contra a violência de gênero. A isonomia deve ser entendida como um processo contínuo de transformação social, que requer a identificação e abordagem das desigualdades de gênero existentes.

3.3. As críticas à isonomia e sua relação com a igualdade substancial

O conceito de isonomia é fundamental para a promoção da igualdade de gênero na sociedade. De acordo com Amartya Sen (2009), a isonomia se refere à igualdade de direitos e oportunidades, e não apenas à igualdade formal perante a lei. Nesse sentido, a isonomia não apenas exige que a lei seja aplicada de forma igual para todas as pessoas, mas também requer que as desigualdades existentes sejam identificadas e abordadas de forma eficaz.

Segundo Martha Nussbaum (2010), a isonomia deve ser entendida como um valor fundamental em uma sociedade justa e democrática. Para ela, a isonomia é uma condição necessária para que todas as pessoas tenham a oportunidade de desenvolver suas capacidades e alcançar seus objetivos de vida. A falta de isonomia pode levar à exclusão social e à marginalização de certos grupos, como as mulheres, que podem ser privadas de oportunidades educacionais e profissionais.

Nesse contexto, a isonomia desempenha um papel crucial na promoção da igualdade de gênero. Como observado por Iris Marion Young (2011), a falta de isonomia pode levar à perpetuação de estereótipos e preconceitos de gênero, o que pode prejudicar a igualdade de oportunidades para homens e mulheres. Além disso, a falta de isonomia pode dificultar o acesso das mulheres à justiça e à proteção contra a violência de gênero.

Para alcançar a isonomia de gênero, é importante que as políticas públicas e as práticas sociais sejam avaliadas e reformuladas de forma a abordar as desigualdades de gênero existentes. De acordo com Catharine MacKinnon (2015), a isonomia deve ser entendida como um processo dinâmico de transformação social, que requer a identificação das estruturas e práticas que perpetuam a desigualdade de gênero, e a implementação de políticas e ações para mudar essas estruturas e práticas.

Em resumo, a isonomia é um conceito fundamental para a promoção da igualdade de gênero na sociedade. A garantia de igualdade de direitos e oportunidades é essencial para que as mulheres tenham acesso às mesmas oportunidades educacionais e profissionais que os homens, e para que sejam protegidas contra a violência de gênero. A isonomia deve ser entendida como um processo contínuo de transformação social, que requer a identificação e abordagem das desigualdades de gênero existentes.

4 – A igualdade substancial feminista e a transformação das estruturas sociais

O conceito de igualdade substancial feminista implica em compreender que a igualdade formal, prevista em lei, não é suficiente para garantir a igualdade real entre homens e mulheres. Segundo Waltraud Schelkle (2019), a igualdade formal é a igualdade perante a lei, que prevê a igualdade de oportunidades para homens e mulheres em termos de emprego, educação e outras áreas. No entanto, a igualdade formal não considera as desigualdades estruturais existentes na sociedade, como a divisão sexual do trabalho e a desvalorização do trabalho realizado por mulheres, por exemplo.

Para a filósofa feminista Nancy Fraser (2019), a igualdade substancial é aquela que promove a transformação das estruturas sociais que geram desigualdades, como a divisão sexual do trabalho e a opressão de gênero. Essa transformação requer não apenas a igualdade formal, mas também a redistribuição de recursos e a reestruturação dos arranjos institucionais.

Nesse sentido, é fundamental que a justiça distributiva considere não apenas a igualdade formal, mas também a igualdade substancial. Conforme argumenta Martha Nussbaum (2019), a igualdade substancial requer o desenvolvimento de capacidades básicas para todos os indivíduos, independentemente de gênero, raça ou classe social. Isso implica em reconhecer que a distribuição de recursos deve levar em consideração as desigualdades estruturais existentes na sociedade.

Assim, a igualdade substancial feminista requer a transformação das estruturas sociais, a fim de garantir a igualdade real entre homens e mulheres. Isso implica em reconhecer que as desigualdades de gênero são produto das relações sociais, que devem ser transformadas para garantir a igualdade de direitos e oportunidades para todas as pessoas.

4.1. O conceito de igualdade substancial e sua relação com a justiça distributiva

O conceito de igualdade substancial é fundamental para a discussão sobre justiça distributiva e equidade de gênero. Segundo Sen (2009), a igualdade substancial se refere a uma distribuição de recursos e oportunidades que permita que todos os indivíduos tenham capacidades básicas para viver com dignidade e autonomia. Isso implica em uma preocupação com a garantia de condições materiais, culturais e sociais que permitam que todas as pessoas possam realizar seu potencial e projetos de vida.

A justiça distributiva, por sua vez, busca assegurar uma distribuição equitativa dos recursos e oportunidades sociais, levando em consideração as necessidades e capacidades de cada indivíduo (Rawls, 2002). Nesse sentido, a igualdade substancial é um dos fundamentos da justiça distributiva, já que não basta apenas garantir a igualdade formal de oportunidades, mas é necessário promover uma distribuição mais justa e equitativa dos recursos.

4.2. A importância da igualdade substancial para a promoção da equidade de gênero

A igualdade substancial é especialmente importante para a promoção da equidade de gênero, pois reconhece que as mulheres têm enfrentado historicamente desvantagens estruturais em relação aos homens, o que se reflete em desigualdades nas esferas políticas, econômicas, sociais e culturais (Fraser, 1997).

Para alcançar uma verdadeira equidade de gênero, é preciso ir além da igualdade formal de oportunidades e considerar as desigualdades de fato existentes. Isso implica em promover políticas públicas e práticas sociais que permitam a superação dessas desvantagens estruturais, garantindo às mulheres as mesmas condições de acesso aos recursos e oportunidades que os homens, bem como o reconhecimento e valorização de suas contribuições para a sociedade.

4.3. A transformação das estruturas sociais como caminho para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária

Por fim, é importante destacar que a transformação das estruturas sociais é um caminho necessário para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, em que a igualdade substancial e a justiça distributiva sejam efetivamente alcançadas. Essa transformação implica em mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas, de forma a superar as desigualdades estruturais que afetam diversos grupos sociais, incluindo as mulheres.

Para Fraser (2003), essa transformação passa pela realização de três tipos de mudanças: mudanças culturais, que envolvem a transformação de valores, crenças e representações simbólicas; mudanças políticas, que implicam em uma maior participação e representação dos grupos subalternos nos processos de tomada de decisão; e mudanças econômicas, que permitem uma maior distribuição dos recursos e uma diminuição das desigualdades sociais.

Portanto, a promoção da igualdade substancial e da justiça distributiva no contexto da equidade de gênero exige ações concretas e efetivas para a transformação das estruturas sociais. Isso inclui a implementação de políticas públicas que visem a equidade de gênero, a promoção de mudanças culturais que desconstruam estereótipos de gênero e a luta contra a violência de gênero em todas as suas formas.

Nesse sentido, é importante destacar a necessidade de uma abordagem interseccional, que considere a interação das múltiplas formas de opressão e discriminação que afetam as mulheres, levando em conta não apenas o gênero, mas também a raça, classe, orientação sexual e outras identidades sociais.

Em suma, a promoção da justiça distributiva e da igualdade substancial no contexto da equidade de gênero é um desafio complexo, mas essencial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É necessário reconhecer as limitações da justiça distributiva e da isonomia e buscar uma abordagem mais ampla e interseccional para a promoção da equidade de gênero, que leve em conta as múltiplas formas de opressão e discriminação que afetam as mulheres. E, acima de tudo, é preciso agir de forma efetiva para transformar as estruturas sociais e garantir que todas as pessoas tenham acesso a oportunidades e recursos que lhes permitam viver com dignidade e liberdade.

5 – Políticas públicas e ações afirmativas para a promoção da equidade de gênero

5.1. Exemplos de políticas públicas que visam promover a igualdade de gênero

Diversas políticas públicas têm sido implementadas em todo o mundo com o objetivo de promover a igualdade de gênero. Entre elas, podem ser destacadas as cotas de gênero em cargos políticos e de liderança, como as adotadas na Noruega e na Índia (PISCITELLI; GREGORI; JARDIM, 2010); programas de incentivo à igualdade salarial entre homens e mulheres, como o Equal Pay Act nos Estados Unidos (LEE, 2018); e a implementação de políticas de licença parental igualitária, como as adotadas na Suécia (HARVEY, 2018).

Diversos países têm adotado políticas públicas para promover a igualdade de gênero e reduzir as desigualdades entre homens e mulheres. No Brasil, podemos citar o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e o Programa Mulher: Viver sem Violência, que visam, respectivamente, a capacitação profissional de mulheres e o enfrentamento à violência de gênero (BRASIL, 2016; BRASIL, 2013).

Na Islândia, por exemplo, foi implementada a lei de igualdade salarial, que obriga as empresas com mais de 25 funcionários a terem certificação de que pagam salários iguais para homens e mulheres (LEITNER, 2019). Na Noruega, foi estabelecida uma cota de gênero para a composição de conselhos de administração de empresas estatais, o que levou a um aumento significativo na participação de mulheres nesses cargos (ELGSTRAND, 2018).

5.2. A efetividade das políticas públicas na promoção da equidade de gênero

Embora existam políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade de gênero em diversos países, nem sempre elas têm efetividade na prática. Isso pode ocorrer devido a diversos fatores, como falta de recursos financeiros, falta de apoio político, resistência social e cultural, entre outros (MOSER, 2016).

No Brasil, por exemplo, apesar da implementação do Programa Mulher: Viver sem Violência, a violência contra a mulher ainda é um grave problema no país, com altos índices de feminicídio e violência doméstica (IBGE, 2019). Isso demonstra a necessidade de uma maior efetividade das políticas públicas e ações afirmativas na promoção da equidade de gênero.

5.3. A importância da participação da sociedade civil na implementação das políticas públicas e ações afirmativas

A participação da sociedade civil é fundamental para a implementação de políticas públicas e ações afirmativas que visem à promoção da igualdade de gênero. A sociedade civil pode atuar tanto na cobrança de políticas públicas efetivas, quanto na promoção de ações de conscientização e mobilização social (FARIA, 2017).

No Brasil, por exemplo, movimentos feministas e organizações não governamentais têm desempenhado um papel importante na luta pela igualdade de gênero, realizando campanhas de conscientização, mobilizando a sociedade e pressionando o Estado para a implementação de políticas públicas efetivas (SOUSA, 2019).

A participação da sociedade civil é fundamental para garantir que as políticas públicas e ações afirmativas sejam efetivas e promovam a igualdade de gênero de forma real e sustentável.

CONCLUSÃO

A igualdade de gênero é um tema relevante e atual que exige ações concretas para a sua efetiva promoção. Nesse sentido, este artigo teve como objetivo discutir a aplicação da justiça distributiva e da igualdade substancial como caminhos para a promoção da equidade de gênero. A justiça distributiva, embora seja um importante princípio da democracia liberal, possui limitações na promoção da igualdade de gênero, uma vez que não leva em consideração as desigualdades históricas e estruturais existentes. Nesse sentido, a igualdade substancial surge como uma proposta complementar à justiça distributiva, que visa transformar as estruturas sociais para que sejam mais justas e igualitárias.

Foi destacada a importância da isonomia como um princípio fundamental para a promoção da igualdade de gênero, e a necessidade de políticas públicas efetivas para a promoção da equidade de gênero. Nesse sentido, foram apresentados exemplos de políticas públicas que visam promover a igualdade de gênero, bem como a importância da participação da sociedade civil na implementação dessas políticas e na criação de ações afirmativas.

Conclui-se, portanto, que a promoção da igualdade de gênero exige uma abordagem multidimensional, que leve em consideração as desigualdades históricas e estruturais, bem como a transformação das estruturas sociais para que sejam mais justas e igualitárias. A justiça distributiva e a igualdade substancial podem ser importantes ferramentas nesse processo, desde que sejam utilizadas de forma complementar e integrada, em conjunto com políticas públicas efetivas e participação da sociedade civil. Somente assim será possível construir uma sociedade mais justa e igualitária para todas as pessoas, independentemente do seu gênero.

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1 Mestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Advogado. E-mail: [email protected]