INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA GESTÃO DO CONHECIMENTO: IMPLICAÇÕES, DESAFIOS E INOVAÇÕES NO SETOR DE RECURSOS HUMANOS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17931562
Anderson Roberto de Lacerda Menezes1
Tatiane Ketlyn Roncovsky Weiler2
RESUMO
Este artigo analisa o impacto da Inteligência Artificial (IA) na gestão organizacional, com foco articulado em três eixos: Gestão do Conhecimento (GC), inovação e processos de Recursos Humanos (RH), especialmente recrutamento e seleção. A pesquisa, de natureza qualitativa, baseia‑se em revisão bibliográfica integrativa da literatura científica recente, contemplando estudos teóricos e resultados empíricos sobre o uso da IA em organizações. Os resultados evidenciam que a IA tem potencial para otimizar processos de GC, ao automatizar a captura, organização e disseminação de informações, e para sustentar decisões mais rápidas e baseadas em dados, favorecendo ciclos contínuos de aprendizagem e inovação. No âmbito da inovação e do RH, destacam‑se contribuições da IA para a automação de tarefas rotineiras, a personalização de experiências de colaboradores e candidatos e a maior agilidade e assertividade em processos seletivos, ao mesmo tempo em que reposiciona o RH em direção a um papel mais estratégico. O estudo também aponta que esses avanços vêm acompanhados de desafios éticos e organizacionais, especialmente relacionados à transparência de algoritmos, à privacidade e qualidade dos dados e ao risco de reprodução de vieses presentes em bases históricas. A IA se configura como ferramenta poderosa para impulsionar eficiência, inovação e reconfiguração de práticas de GC e RH, desde que integrada de forma crítica e responsável, com governança adequada, desenvolvimento de competências humanas e preservação do julgamento e da mediação ética dos profissionais.
Palavras-chave: Inteligência artificial. Gestão do conhecimento. Inovação organizacional. Recursos humanos. Recrutamento e seleção. Automação de processos.
ABSTRACT
This article analyzes the impact of Artificial Intelligence (AI) on organizational management, with a structured focus on three main axes: Knowledge Management (KM), innovation, and Human Resources (HR) processes, particularly recruitment and selection. The research, qualitative in nature, is based on an integrative literature review of recent scientific studies, encompassing both theoretical discussions and empirical findings on the use of AI in organizations. The results show that AI has the potential to optimize KM processes by automating the capture, organization, and dissemination of information, as well as to support faster, data-driven decision-making, fostering continuous cycles of learning and innovation. In the domains of innovation and HR, the study highlights AI’s contributions to the automation of routine tasks, the personalization of employee and candidate experiences, and greater agility and accuracy in selection processes, while simultaneously repositioning HR toward a more strategic role. The study also points out that these advancements are accompanied by ethical and organizational challenges, especially those related to algorithm transparency, data privacy and quality, and the risk of reproducing biases embedded in historical datasets. AI thus emerges as a powerful tool to drive efficiency, innovation, and the reconfiguration of KM and HR practices, provided it is integrated critically and responsibly, with appropriate governance, the development of human competencies, and the preservation of ethical judgment and professional mediation.
Keywords: Artificial intelligence. Knowledge management. Organizational innovation. Human resources. Recruitment and selection. Processes automation.
1. INTRODUÇÃO
No cenário organizacional contemporâneo, marcado por rápidas transformações tecnológicas, a inteligência artificial (IA) desponta como uma das principais forças que reconfiguram modelos de gestão, processos internos e estratégias competitivas. A transformação digital, impulsionada pela IA, tem sido motor de mudanças não apenas na criação de produtos e serviços, mas também na forma como o conhecimento é produzido, organizado e utilizado, afetando profundamente a estruturação e a execução dos processos organizacionais. Com sua capacidade de processar grandes volumes de dados e identificar padrões complexos, a IA tem se mostrado uma ferramenta central no aprimoramento da Gestão do Conhecimento (GC), apoiando a geração de inovações e promovendo alterações significativas no panorama organizacional.
Dentro desse contexto, o papel da IA no setor de Recursos Humanos (RH) assume relevância particular, sobretudo em atividades como recrutamento, seleção e desenvolvimento de talentos. Historicamente responsável por funções essenciais de gestão de pessoas, o RH passa a contar com a IA como aliada estratégica, capaz de otimizar processos seletivos, apoiar decisões baseadas em dados e melhorar o alinhamento entre competências dos colaboradores e necessidades organizacionais. Tecnologias de IA permitem acelerar a triagem de candidatos, refinar critérios de aderência a perfis de vagas e, potencialmente, reduzir vieses cognitivos, ao mesmo tempo em que reforçam a importância de práticas éticas e de supervisão humana nos momentos decisórios.
A gestão do conhecimento, reconhecida como pilar da vantagem competitiva, envolve a sistematização, a circulação e o uso eficaz de informações e saberes no interior das organizações. Com a introdução da IA, essa gestão ganha nova dimensão, tornando‑se mais dinâmica, preditiva e adaptativa. Ferramentas como algoritmos de aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural oferecem insights sobre padrões de uso do conhecimento explícito e implícito, facilitando a integração de novos conteúdos e o desenho de experiências de aprendizagem personalizadas. Essa ampliação da capacidade de gerir conhecimento é crucial para sustentar ciclos contínuos de inovação em um ambiente de negócios em constante mudança.
Ao mesmo tempo, a aplicação da IA em processos de recrutamento, seleção e GC evidencia desafios significativos, especialmente ligados à privacidade de dados, transparência algorítmica e possíveis vieses presentes em bases históricas. A transformação digital baseada em IA não é apenas tecnológica, mas também cultural, exigindo das organizações o desenvolvimento de mentalidade voltada à inovação contínua, à aprendizagem e à responsabilidade no uso de dados. Nesse sentido, torna‑se fundamental adotar abordagens éticas e responsáveis, nas quais a IA complemente, e não substitua, o julgamento humano, preservando a humanização das decisões e a centralidade das pessoas.
Este artigo, fundamentado em revisão bibliográfica qualitativa, explora a relevância e o impacto da IA na gestão organizacional, com foco especial em sua aplicação na gestão do conhecimento, na inovação e nos processos de recrutamento e seleção. O objetivo é analisar como tecnologias baseadas em IA não apenas otimizam processos existentes, mas também atuam como catalisadoras de mudanças organizacionais mais profundas. Para isso, a primeira parte discute os impactos da IA na GC, seguida de uma seção que aborda a IA como fator de inovação nas empresas e, por fim, uma seção dedicada à sua utilização em recrutamento e seleção, destacando potencialidades e desafios no contexto empresarial contemporâneo.
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Impactos da Inteligência Artificial na Gestão do Conhecimento: Otimização de Processos e Personalização do Aprendizado nas Organizações
Os estudos recentes convergem na compreensão de que a inteligência artificial (IA) passou a ocupar posição central na transformação da gestão do conhecimento (GC), ao ampliar a capacidade das organizações de lidar com grandes volumes de dados e convertê‑los em informações úteis para a tomada de decisão (BUREI, 2025; SCHNEIDER et al., 2025). De modo geral, os autores concordam que a possibilidade de tratar dados estruturados e não estruturados redefine práticas tradicionais de armazenamento, recuperação e compartilhamento de saberes, encurtando o tempo entre a geração da informação e sua aplicação em contextos complexos e dinâmicos (BUREI, 2025; SCHNEIDER et al., 2025; VIOLA, 2025).
Há consenso de que uma das principais contribuições da IA para a GC reside na otimização dos processos de captura, organização e disseminação do conhecimento. Burei (2025) destaca o papel de tecnologias como processamento de linguagem natural e aprendizado de máquina na interpretação de documentos, extração de informações relevantes e classificação contínua de conteúdos, enquanto Schneider et al. (2025) enfatizam a automação de rotinas como fator de redução de retrabalho e aumento da consistência dos registros. Viola (2025) reforça essa perspectiva ao mostrar, em contexto institucional, que sistemas inteligentes voltados à organização do conhecimento favorecem o acesso a informações técnicas, normativas e gerenciais, fortalecendo transparência e eficiência.
Além da melhoria nos fluxos informacionais, os autores apontam que a IA impacta diretamente a criação de novos conhecimentos. Burei (2025) argumenta que a identificação de padrões e correlações em grandes bases de dados permite revelar insights que escapariam à análise exclusivamente humana; Almeida (2025) e Lima e Machado (2025) aproximam essa discussão do campo da estratégia, ao destacar que modelos preditivos podem antecipar tendências, riscos e oportunidades em setores intensivos em dados, como financeiro, tecnológico e setor público. Schneider et al. (2025) articulam essas contribuições ao mostrar que a integração entre IA, GC e indicadores organizacionais favorece estratégias mais alinhadas ao contexto, apoiadas em evidências e não apenas em intuições.
No que se refere à personalização, há forte concordância sobre o potencial da IA para adaptar o conhecimento e a aprendizagem às necessidades específicas de indivíduos e equipes. Para Burei (2025), plataformas inteligentes que mapeiam perfis, históricos de uso e lacunas de competências conseguem recomendar conteúdos, cursos e experiências de aprendizagem sob medida, promovendo maior engajamento e retenção do conhecimento. Schneider et al. (2025) complementam essa visão ao relacionar ferramentas de aprendizagem adaptativa e learning analytics à construção de percursos formativos mais coerentes com os objetivos institucionais, aproximando metas individuais e organizacionais. Nesse ponto, a IA é vista menos como mera automação e mais como mediadora de uma cultura de aprendizagem contínua.
Autores também apontam que a IA favorece a articulação entre as diferentes etapas da GC, passando da visão fragmentada de processos para uma abordagem mais integrada. Burei (2025) destaca o papel de grafos de conhecimento, ontologias e taxonomias inteligentes na conexão de conteúdos dispersos e na identificação de especialistas internos, enquanto Schneider et al. (2025) ressaltam o uso de painéis analíticos para monitorar em tempo real o uso do conhecimento e orientar ajustes em políticas de informação e treinamento. Blumen e Cepellos (2023) concordam com essa perspectiva e chamam atenção para o fato de que essas tecnologias, quando integradas à estratégia, tendem a sustentar ciclos mais ágeis de inovação organizacional.
Por outro lado, há relativo equilíbrio entre entusiasmo e cautela quando se discutem riscos e limitações da IA na GC. Burei (2025) e Schneider et al. (2025) sublinham preocupações com segurança, privacidade e ética no tratamento de dados, lembrando que o uso intensivo de informações sensíveis exige políticas robustas de governança e conformidade com marcos regulatórios, como a Lei Geral de Proteção de Dados. Viola (2025) reforça esse alerta ao evidenciar que a opacidade de modelos algorítmicos pode dificultar a explicação de decisões automatizadas em contextos públicos, com impactos diretos na confiança social. Assim, embora reconheçam os ganhos de eficiência, os autores convergem na ideia de que a expansão da IA precisa ser acompanhada de mecanismos de controle e transparência.
As análises também indicam que os desafios não se restringem ao plano técnico ou jurídico, mas envolvem aspectos culturais e organizacionais. Almeida (2025) e Blumen e Cepellos (2023) observam que parte dos profissionais resiste à adoção de tecnologias inteligentes, seja por receio de substituição de funções, seja por falta de familiaridade com sistemas complexos. Viola (2025) acrescenta que essa resistência tende a aumentar quando não há comunicação clara sobre o papel da IA como apoio, e não substituto, da decisão humana. Nesse ponto, Schneider et al. (2025) defendem que iniciativas de capacitação e comunicação são tão importantes quanto a implantação tecnológica, pois ajudam a recompor a confiança e a legitimar o uso da IA na rotina de trabalho.
Os autores, em geral, concordam que a implementação bem‑sucedida da IA na GC exige uma estratégia integrada que alinhe tecnologia, processos e pessoas. Blumen e Cepellos (2023) e Schneider et al. (2025) enfatizam a importância de planejamento, definição de objetivos claros, revisão de fluxos de trabalho e critérios de qualidade de dados, ao passo que Almeida (2025) destaca o papel da liderança e da maturidade digital como fatores decisivos para que soluções de IA deixem de ser iniciativas isoladas e passem a compor uma arquitetura de GC orientada à inovação. Nesse sentido, a simples aquisição de ferramentas não é suficiente; é necessário redesenhar práticas, papéis e responsabilidades.
Há forte concordância de que a IA produz melhores resultados quando combinada a modelos de GC que valorizam colaboração, transparência e participação dos sujeitos na construção de saberes (BUREI, 2025; SCHNEIDER et al., 2025). Almeida (2025) e Garcia e Mendes (2025) insistem que, embora a IA possa automatizar tarefas de baixo valor agregado e fornecer análises sofisticadas, a interpretação dos resultados e a definição de prioridades estratégicas continuam dependentes do julgamento humano. Burei (2025), Schneider et al. (2025) e Viola (2025) convergem ao defender que a GC mediada por IA deve ser entendida como uma parceria entre pessoas e sistemas inteligentes, na qual a automação expande, e não substitui, a capacidade reflexiva, criativa e ética dos profissionais. Nesse equilíbrio entre automação e protagonismo humano reside, segundo esses autores, a condição para que a IA fortaleça, e não fragilize, as bases da gestão do conhecimento nas organizações contemporâneas.
2.2. Inteligência Artificial e a Inovação nas Organizações
O debate contemporâneo sobre inovação organizacional aponta a inteligência artificial (IA) como um dos principais motores da transformação digital, embora os autores enfatizem ângulos distintos desse protagonismo (ALMEIDA, 2025; BUREI, 2025; SCHNEIDER et al., 2025). De forma geral, há concordância de que a IA amplia de maneira significativa a capacidade das organizações de transformar processos, modelos de negócios e práticas de gestão, mas divergem quanto ao grau de ruptura e às condições necessárias para que essa inovação seja, de fato, sustentável (ALMEIDA, 2025; BUREI, 2025).
A literatura revisada ressalta que a IA se consolidou como aliada estratégica da inovação ao oferecer ferramentas capazes de identificar oportunidades e otimizar processos com base em análises avançadas de dados (ALMEIDA, 2025; BUREI, 2025). Para Burei (2025), o diferencial está na conversão de grandes volumes de dados em conhecimento acionável, permitindo que organizações antecipem tendências e ajustem rapidamente suas estratégias. Almeida (2025), por sua vez, enfatiza que essa capacidade analítica reposiciona as empresas em ambientes competitivos, na medida em que viabiliza decisões mais tempestivas e alinhadas às dinâmicas de mercado. Em comum, ambos reforçam uma visão de inovação orientada por dados, em que a IA desloca a organização de uma postura reativa para uma atuação mais proativa.
No plano dos processos internos, há convergência quanto ao papel da IA na automação de tarefas operacionais e na liberação de tempo para atividades de maior valor estratégico. Schneider et al. (2025) argumentam que, ao assumir funções repetitivas e burocráticas, a IA permite que os colaboradores se dediquem a tarefas que exigem julgamento, criatividade e competências socioemocionais, o que tende a fortalecer a capacidade inovadora. Essa perspectiva é compatível com abordagens que tratam a IA como parceira na gestão do conhecimento, em que sistemas inteligentes cuidam de rotinas de processamento e disseminação de informações, enquanto as pessoas se concentram na produção de novos sentidos e soluções (BUREI, 2025). Há, portanto, uma concordância sobre a complementaridade entre automação e protagonismo humano na geração de inovação.
A relação da IA com clientes e usuários aparece como outro campo importante de inovação. Estudos que tratam da organização do conhecimento em contextos institucionais e de atendimento ao público mostram como chatbots e assistentes virtuais têm ampliado a capacidade de oferecer respostas rápidas, personalizadas e disponíveis em tempo real (VIOLA, 2025). Para Viola (2025), essa mediação tecnológica melhora a experiência do usuário e, simultaneamente, gera dados valiosos sobre necessidades e comportamentos, que podem retroalimentar processos de inovação em serviços e políticas. Almeida (2025) converge com essa visão ao destacar que a personalização das interações, apoiada pela IA, pode diferenciar organizações em mercados altamente competitivos, fortalecendo fidelização e reputação.
Apesar desse cenário promissor, a literatura introduz importantes contrapontos ao enfatizar desafios éticos e técnicos associados ao uso da IA como catalisadora da inovação. Burei (2025) chama atenção para questões como transparência algorítmica, proteção de dados e possíveis vieses embutidos em bases históricas, lembrando que a ausência de governança adequada pode minar a confiança de consumidores e demais stakeholders. Lima e Machado (2025) reforçam essa preocupação ao discutir IA no contexto de recursos humanos, destacando que a inovação tecnológica, quando descolada de princípios éticos e de marcos regulatórios, tende a gerar riscos reputacionais e legais. Nessa perspectiva, a inovação impulsionada por IA é vista como indissociável de mecanismos de controle, explicabilidade e responsabilidade.
Outro ponto de concordância diz respeito ao fato de que a inovação baseada em IA não se esgota em mudanças tecnológicas, envolvendo também transformações culturais e na qualificação da força de trabalho. Lima e Machado (2025) salientam que a adoção de IA exige desenvolvimento de uma mentalidade digital e de inovação contínua, em que práticas e processos sejam constantemente revisitados. Schneider et al. (2025) acrescentam que, à medida que a IA assume tarefas rotineiras, cresce a necessidade de programas de requalificação que preparem colaboradores para atuar em parceria com tecnologias emergentes, evitando descompassos entre as capacidades da equipe e as demandas estratégicas da organização. O ponto de encontro entre esses autores é a percepção de que não há inovação sustentável sem investimento em competências humanas.
Os estudos convergem na defesa de que estratégias de inovação impulsionadas pela IA devem estar alinhadas a objetivos organizacionais que considerem, simultaneamente, desempenho econômico e impactos sociais mais amplos. Almeida (2025) propõe que a IA pode ajudar organizações a não apenas se adaptarem a futuros incertos, mas também a moldá‑los de forma ética e sustentável, desde que orientadas por critérios de responsabilidade e bem‑estar coletivo. Garcia e Mendes (2025), ao analisar a IA em processos de gestão de pessoas, reforçam essa perspectiva ao sugerir que o verdadeiro desafio não é apenas ganhar eficiência, mas utilizar o poder transformador da IA para construir ambientes de trabalho mais justos, inclusivos e inovadores.
Há um núcleo de concordância na literatura que reconhece a IA como facilitadora de inovações tanto incrementais quanto radicais, capazes de redefinir processos, produtos e modelos de relacionamento com clientes (ALMEIDA, 2025; BUREI, 2025; SCHNEIDER et al., 2025). Ao mesmo tempo, os autores alertam que esse potencial só se realiza plenamente quando a tecnologia é integrada a estratégias claras, sustentada por infraestrutura adequada, governança ética e desenvolvimento contínuo de pessoas (GARCIA; MENDES, 2025; LIMA; MACHADO, 2025). Nesse equilíbrio entre entusiasmo e cautela, a IA é vista não como fim em si mesma, mas como instrumento que, bem gerido, pode ampliar a capacidade das organizações de inovar com responsabilidade e compromisso social.
2.3. Recrutamento e Seleção com IA
A aplicação da inteligência artificial (IA) em recrutamento e seleção tem sido apresentada pela literatura como uma das faces mais visíveis da transformação digital em recursos humanos, embora os autores enfatizem dimensões distintas desse movimento (GARCIA; MENDES, 2025; LIMA; MACHADO, 2025; WEILER; PEREIRA, 2024). De um lado, predominam análises que veem a IA como aliada estratégica para tornar os processos mais ágeis e precisos; de outro, crescem os alertas sobre riscos éticos, técnicos e culturais que podem comprometer a equidade e a legitimidade das decisões de contratação (BUREI, 2025; BLUMEN; CEPELLOS, 2023).
Há relativa concordância de que um dos principais ganhos da IA em processos seletivos está na capacidade de processar grandes volumes de dados com rapidez, apoiando decisões mais embasadas. Estudos sobre transformação do recrutamento apontam que algoritmos de aprendizado de máquina podem analisar currículos, resultados de testes e informações de perfis digitais, identificando com maior eficiência candidatos alinhados às competências técnicas e comportamentais desejadas (WEILER; PEREIRA, 2024; GARCIA; MENDES, 2025). Pesquisas sobre IA em RH reforçam esse diagnóstico ao mostrar que a automação da triagem reduz tempo de contratação e aumenta a assertividade, especialmente em contextos de alta demanda e grande número de candidatos (LIMA; MACHADO, 2025).
Quando se discute vieses e justiça nos processos, entretanto, as interpretações divergem em nuances importantes. Alguns trabalhos defendem que a padronização e o uso de critérios objetivos tendem a mitigar vieses inconscientes presentes na análise exclusivamente humana, favorecendo uma seleção mais meritocrática e transparente (WEILER; PEREIRA, 2024; LIMA; MACHADO, 2025). Em contrapartida, autores focados em ética e gestão do conhecimento lembram que algoritmos são treinados com dados históricos e, portanto, podem reproduzir desigualdades pré‑existentes, caso não haja curadoria adequada das bases e mecanismos de auditoria permanentes (BUREI, 2025). Esse tensionamento revela que a IA pode tanto reduzir quanto reforçar injustiças, dependendo da forma como é concebida, alimentada e monitorada.
Outro ponto de convergência diz respeito à experiência do candidato. Pesquisas sobre uso de tecnologias inteligentes em contextos institucionais e organizacionais mostram que chatbots, assistentes virtuais e plataformas interativas têm sido empregados para esclarecer dúvidas, informar etapas do processo e fornecer retornos mais rápidos, o que tende a melhorar a percepção dos candidatos sobre o profissionalismo e a inovação da organização (VIOLA, 2025; GARCIA; MENDES, 2025). Ao mesmo tempo, a literatura alerta que experiências excessivamente automatizadas, sem espaço para interação humana significativa, podem ser percebidas como frias ou impessoais, especialmente em etapas mais sensíveis da seleção (BLUMEN; CEPELLOS, 2023). Nesse sentido, os autores defendem a combinação de interfaces digitais ágeis com momentos de contato humano qualificado.
Os desafios mais enfatizados concentram‑se na transparência dos algoritmos, na qualidade dos dados e na dependência excessiva da tecnologia. Estudos que abordam ética da IA salientam que a opacidade de muitos modelos dificulta explicar por que determinados candidatos foram priorizados ou excluídos, o que pode gerar desconfiança e questionamentos sobre a legitimidade do processo (BUREI, 2025). Autores que discutem cultura e uso de tecnologia nas organizações acrescentam que o fascínio pela automação pode levar à sobrevalorização de indicadores numéricos em detrimento de dimensões subjetivas, como potencial de desenvolvimento, valores pessoais e adequação relacional, que são mais bem avaliadas por meio de interação humana (BLUMEN; CEPELLOS, 2023).
Nesse cenário, há forte consenso de que o fator humano permanece crucial nas etapas decisivas do recrutamento, como entrevistas aprofundadas, feedbacks e negociações. Estudos empíricos com recrutadores mostram que, mesmo em processos intensamente apoiados por IA, decisões finais tendem a combinar análises algorítmicas com juízos clínicos dos profissionais de RH, que captam nuances comportamentais, emocionais e contextuais que escapam às máquinas (GARCIA; MENDES, 2025; LIMA; MACHADO, 2025). Assim, a IA é vista de forma mais produtiva quando entendida como apoio ao discernimento humano, e não como substituta.
Para alcançar um equilíbrio efetivo, os autores recomendam que a IA seja integrada ao recrutamento como ferramenta complementar em uma arquitetura mais ampla de governança e gestão de pessoas (ALMEIDA, 2025; LIMA; MACHADO, 2025). Isso envolve definir critérios claros de uso da tecnologia, estabelecer procedimentos de auditoria de dados e algoritmos, capacitar equipes para interpretar resultados e comunicar de forma transparente as lógicas que orientam os processos seletivos (BUREI, 2025; BLUMEN; CEPELLOS, 2023). Ao mesmo tempo, destaca‑se a importância de alinhar essas práticas a objetivos organizacionais que combinem desempenho, diversidade e inclusão, de modo que a IA contribua não apenas para eficiência, mas também para um ambiente de trabalho mais plural e equitativo (ALMEIDA, 2025; GARCIA; MENDES, 2025).
A literatura indica ampla concordância de que a IA está reformulando o cenário de recrutamento e seleção ao oferecer ganhos de agilidade, precisão e capacidade analítica, mas também evidencia que tais benefícios vêm acompanhados de dilemas éticos e organizacionais que não podem ser ignorados (WEILER; PEREIRA, 2024; LIMA; MACHADO, 2025; BUREI, 2025). Aplicar essas tecnologias de maneira crítica, ética e humanizada aparece como condição central para explorar seu potencial, garantindo que a inovação tecnológica caminhe ao lado da justiça, da transparência e do respeito às pessoas envolvidas nos processos seletivos (ALMEIDA, 2025; BLUMEN; CEPELLOS, 2023).
3. METODOLOGIA
A metodologia adotada neste trabalho caracteriza‑se como uma pesquisa de natureza qualitativa, com caráter exploratório e descritivo, fundamentada em revisão bibliográfica integrativa sobre inteligência artificial, gestão do conhecimento, inovação organizacional e processos de recrutamento e seleção. A abordagem qualitativa justifica‑se pelo interesse em compreender significados, interpretações e implicações do uso da IA nas organizações, privilegiando a análise de conceitos, argumentos e evidências presentes em estudos recentes, em vez de mensurar variáveis em termos numéricos. O caráter exploratório e descritivo decorre do objetivo de mapear aplicações, benefícios, desafios e tensões associados à IA em diferentes frentes organizacionais, sistematizando achados que se encontram dispersos na literatura nacional contemporânea.
Como procedimento técnico, foi empregada uma revisão bibliográfica integrativa, que permite reunir, comparar e sintetizar resultados de pesquisas teóricas e empíricas já publicadas, compondo um quadro analítico abrangente sobre o fenômeno estudado. O corpus foi constituído por artigos científicos que abordam a relação entre IA e gestão do conhecimento, IA e inovação nas organizações, bem como a aplicação da IA em recursos humanos, com ênfase em recrutamento e seleção. Entre os textos considerados, destacam‑se estudos que tratam da IA como alavanca para processos de captura, organização e disseminação do conhecimento, como os de Burei e de Schneider et al., trabalhos que discutem impactos organizacionais mais amplos e dimensões culturais do uso de tecnologias, como Almeida e Blumen e Cepellos, e pesquisas que analisam a transformação dos processos seletivos e de gestão de pessoas mediada por IA, como Weiler e Pereira, Garcia e Mendes, e Lima e Machado. Também foram considerados aportes sobre a organização do conhecimento em ambientes institucionais públicos, como o estudo de Viola, por sua relevância na discussão sobre transparência, acesso à informação e mediação tecnológica.
A construção da análise deu‑se em etapas articuladas. Em um primeiro momento, realizou‑se a leitura exploratória dos textos para identificação de temas recorrentes e delimitação de eixos de análise: IA e gestão do conhecimento (com foco em otimização de processos e personalização do aprendizado), IA e inovação organizacional (com ênfase em transformação de processos, modelos de negócio e interação com stakeholders) e IA em recrutamento e seleção (abordando automação, experiência do candidato e desafios éticos). Em seguida, procedeu‑se a uma leitura analítica e ao fichamento dos artigos, registrando objetivos, conceitos centrais, contextos estudados, principais resultados e posicionamentos dos autores frente ao potencial e aos riscos da IA. Os dados extraídos foram então organizados em categorias temáticas alinhadas aos eixos definidos, permitindo agrupar contribuições relativas à automação de rotinas, personalização do conhecimento e do atendimento, uso de dados para inovação, questões éticas e de governança, e impactos sobre competências e cultura organizacional.
A partir dessa categorização, desenvolveu‑se uma análise comparativa, buscando evidenciar tanto convergências quanto divergências entre as perspectivas dos autores. Esse procedimento permitiu, por exemplo, aproximar as leituras de Burei e Schneider et al. sobre a IA como alavanca da gestão do conhecimento e da inovação, ao mesmo tempo em que destacou diferenças de ênfase entre a dimensão da aprendizagem contínua e a tomada de decisão orientada a dados. Da mesma forma, possibilitou articular a visão estratégica de Almeida sobre a IA como fator de reposicionamento competitivo com as reflexões de Blumen e Cepellos sobre limites impostos pela cultura organizacional e pela maturidade digital. No campo de recursos humanos, a comparação entre estudos de Weiler e Pereira, Garcia e Mendes e Lima e Machado permitiu discutir o duplo movimento de ganho de eficiência e surgimento de novos dilemas éticos nos processos seletivos automatizados.
O estudo assume como delimitação o fato de trabalhar exclusivamente com fontes secundárias, não realizando coleta de dados primários junto a organizações ou profissionais, de modo que as conclusões decorrem das evidências e interpretações presentes nas pesquisas analisadas. Além disso, concentra‑se em produções recentes do contexto brasileiro, o que favorece a pertinência ao cenário nacional, mas não esgota a diversidade de experiências internacionais com IA em organizações. Ainda assim, a metodologia adotada mostra‑se adequada aos objetivos do trabalho, na medida em que fornece um caminho sistemático de seleção, leitura, síntese e confronto de diferentes estudos, permitindo construir uma discussão fundamentada sobre como a inteligência artificial tem impactado a gestão do conhecimento, a inovação e os processos de recrutamento e seleção nas organizações.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados da revisão indicam amplo consenso de que a inteligência artificial (IA) passou a ocupar um papel estruturante na gestão do conhecimento, na inovação e nos processos de recrutamento e seleção, ao ampliar a capacidade organizacional de tratar grandes volumes de dados, automatizar rotinas e personalizar experiências. Em gestão do conhecimento, estudos mostram que sistemas baseados em machine learning, processamento de linguagem natural e grafos de conhecimento reduzem o tempo de captura, organização e disseminação de informações, permitindo que dados dispersos sejam convertidos em conhecimento acionável e apoiem decisões estratégicas. Essa combinação reposiciona a GC como função estratégica e aproxima o uso da IA de uma lógica de aprendizagem contínua e inovação.
No campo da inovação organizacional, a IA é descrita como vetor de reconfiguração de processos, modelos de negócio e formas de relacionamento com stakeholders, fortalecendo a capacidade analítica das organizações e permitindo maior alinhamento entre estratégias e dinâmica de mercado. Autores destacam que a IA não apenas automatiza tarefas, mas reorganiza fluxos informacionais e sustenta uma cultura de inovação baseada em evidências. Ao mesmo tempo, ressaltam que tecnologia, isoladamente, não garante inovação, sendo condicionada por fatores como maturidade digital, liderança comprometida e abertura à experimentação.
Em recrutamento e seleção, os estudos evidenciam ganhos expressivos de eficiência e precisão, ao mostrar que algoritmos reduzem o tempo de triagem de currículos, apoiam decisões com base em dados e melhoram a experiência do candidato por meio de chatbots e plataformas interativas. Contudo, há tensão entre a expectativa de redução de vieses e o risco de reprodução de desigualdades, já que modelos treinados com dados históricos podem automatizar padrões discriminatórios se não forem auditados e ajustados. As análises sugerem que a IA não é intrinsecamente justa ou injusta, e que seus efeitos dependem da qualidade dos dados, da transparência dos algoritmos e da existência de mecanismos de governança.
Os autores convergem na ideia de que a efetividade da IA em GC, inovação e RH está condicionada ao desenvolvimento de competências humanas, à definição de objetivos organizacionais claros e à adoção de práticas éticas de uso de dados. A redistribuição de tarefas promovida pela IA torna indispensáveis programas de formação e requalificação, de modo que profissionais possam atuar em funções que exigem análise crítica, criatividade e julgamento ético. Em síntese, a IA potencializa a capacidade das organizações de inovar, aprender e selecionar talentos, mas esse potencial só se concretiza quando a tecnologia é integrada de forma crítica e responsável, preservando o protagonismo humano e a centralidade do conhecimento nas
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise realizada permite concluir que a inteligência artificial se consolidou como eixo estruturante da transformação organizacional, ao impactar de forma articulada a gestão do conhecimento, a inovação e os processos de gestão de pessoas, em especial o recrutamento e seleção. Os estudos revisados mostram que, quando bem integrada à estratégia, a IA acelera fluxos informacionais, suporta decisões baseadas em evidências, personaliza experiências de aprendizagem e interação, e amplia a capacidade de criação de novos produtos, serviços e práticas de gestão. Nessa perspectiva, a tecnologia não atua apenas como recurso de automação, mas como parceira cognitiva das organizações, contribuindo para ciclos mais curtos de aprendizagem, maior alinhamento às demandas de mercado e ganho de vantagem competitiva.
Ao mesmo tempo, os resultados reforçam que esse potencial só se realiza quando a IA é adotada de modo ético, crítico e responsável, apoiada por governança de dados, transparência mínima de algoritmos e desenvolvimento contínuo de competências humanas. A literatura destaca que riscos ligados a vieses, opacidade e uso inadequado de dados podem comprometer a justiça, a confiança e a reputação organizacional, especialmente em processos sensíveis como seleção de talentos e tomada de decisão estratégica. Nesse sentido, a IA deve ser concebida como ferramenta complementar, que amplia, e não substitui, o julgamento humano, exigindo investimentos em formação, comunicação e cultura de inovação orientada a valores. Organizações que conseguirem equilibrar automação e humanização tendem a estar melhor posicionadas para utilizar a IA como vetor de ambientes mais inclusivos, transparentes e sustentáveis no longo prazo.
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1 Discente do Mestrado em Administração pela MUST University. E-mail: [email protected]