CONSTRUÇÃO DE SABERES DOCENTES: A INFLUÊNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17931550
Flaviano Santos Costa1
RESUMO
Este artigo analisa a construção de saberes docentes e a influência da formação continuada no exercício profissional de professores que atuam nas séries finais do ensino fundamental. A partir de uma perspectiva crítica, discute-se a formação continuada como política educacional capaz de promover desenvolvimento profissional, autonomia e reflexão sobre a prática pedagógica, articulando a teoria às demandas reais da escola. Fundamentado em autores como Tardif, Pimenta, Imbernón e Freitas, o estudo evidencia que os saberes docentes são plurais, históricos e produzidos no cotidiano escolar, sendo influenciados pelas condições de trabalho, pelas relações coletivas e pelas políticas públicas educacionais. Conclui-se que a formação continuada deve ser permanente, colaborativa e contextualizada, considerando os desafios sociopedagógicos das séries finais do ensino fundamental, de modo a fortalecer a identidade docente e qualificar os processos de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Formação de professores. Saberes docentes. Ensino fundamental. Formação continuada. Docência.
ABSTRACT
This article analyzes the construction of teacher knowledge and the influence of continuing education on the professional practice of teachers working in the final years of elementary education. From a critical perspective, it discusses continuing education as an educational policy capable of promoting professional development, autonomy, and reflection on pedagogical practice, articulating theory with the real demands of school contexts. Based on authors such as Tardif, Pimenta, Imbernón, and Freitas, the study highlights that teaching knowledge is plural, historical, and produced in everyday school life, being influenced by working conditions, collective relationships, and public educational policies. It concludes that continuing education must be permanent, collaborative, and contextualized, considering the socio-pedagogical challenges of the final years of elementary education, in order to strengthen teacher identity and improve teaching and learning processes.
Keywords: Teacher education. Teaching knowledge. Elementary education. Continuing education. Teaching practice.
Introdução
A formação de professores, historicamente, no Brasil, tem sido marcada por desafios estruturais que impactam a qualidade da prática pedagógica. Para além da formação inicial, a formação continuada representa um processo imprescindível para a construção de saberes docentes, especialmente nas séries finais do ensino fundamental, período caracterizado pela complexidade de conteúdos, heterogeneidade discente e demandas sociais emergentes. Segundo a LDB nº 9.394/1996, a formação docente deve articular teoria e prática e garantir que o professor esteja preparado para enfrentar os desafios contemporâneos da educação (BRASIL, 1996).
Assim, é necessário compreender que a construção de saberes docentes ultrapassa a aquisição de técnicas, envolvendo reflexão, criticidade e produção de conhecimento a partir da prática. Tardif (2002) argumenta que os saberes docentes são plurais e construídos na relação entre experiência, cultura profissional, teorias pedagógicas e realidade escolar. Desse modo, discutir a influência da formação continuada significa refletir sobre um campo de saber em constante movimento, que exige atualização permanente e processos formativos consistentes.
A consolidação da formação continuada como política indispensável à valorização docente está diretamente relacionada ao reconhecimento da escola enquanto espaço de produção de saberes, e não apenas de transmissão de conteúdos. Nesse sentido, autores como Pimenta (2012) ressaltam que a prática pedagógica não pode ser compreendida como simples execução técnica, pois está imersa em dimensões históricas, políticas, afetivas, sociais e epistemológicas. Assim, o desenvolvimento profissional docente requer constante reflexão sobre o fazer pedagógico e sua relação com a realidade dos estudantes e da comunidade escolar.
Além disso, a complexidade das séries finais do ensino fundamental demanda que a formação continuada seja planejada de forma contextualizada. Nessa etapa, o professor lida com adolescentes em diversas fases do desenvolvimento cognitivo e socioemocional, ao mesmo tempo em que precisa garantir aprendizagens que dialoguem com o aprofundamento dos componentes curriculares. Para Imbernón (2010), a formação continuada só produz impacto real quando é capaz de integrar os desafios cotidianos da escola às discussões teóricas mais amplas, superando a visão fragmentada de cursos superficiais que pouco dialogam com a realidade escolar. Assim, a formação deve assumir caráter crítico, interdisciplinar e colaborativo.
Outro ponto relevante diz respeito ao papel das políticas públicas na promoção da formação docente. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2018, introduziu novas competências que exigem revisão didática, reorganização curricular e reinterpretação de práticas avaliativas. Contudo, tais mudanças não podem ser implementadas de forma eficaz sem que os professores recebam suporte formativo. Segundo Freitas (2020), a formação continuada torna-se elemento estruturante para que a escola não se torne apenas executora de prescrições legais, mas protagonista na construção de uma prática pedagógica reflexiva. Dessa forma, a formação deve fornecer condições para que cada professor seja pesquisador de sua prática, capaz de reavaliar estratégias de ensino e adequá-las ao perfil de seus alunos.
Nesse contexto, a construção de saberes docentes também está associada à socialização profissional. A troca de experiências entre pares e o trabalho coletivo são considerados pilares importantes para a formação de uma identidade docente crítica e autônoma. De acordo com Souza e Almeida (2019), a aprendizagem docente ocorre de forma mais significativa quando os professores compartilham dificuldades, analisam coletivamente suas práticas e constroem soluções pedagógicas em conjunto. Tal perspectiva rompe com a visão individualista do professor como profissional isolado, abrindo espaço para práticas formativas coletivas, que valorizem a cultura escolar e fortaleçam a profissão.
Mesmo reconhecendo a importância da formação continuada, ainda há desafios que precisam ser superados. Muitos programas oferecidos pelas redes de ensino permanecem desconectados das necessidades reais dos docentes, sendo aplicados como modelos padronizados e muitas vezes distantes da prática. Além disso, Freitas (2020) destaca que o excesso de burocratizações impostas aos professores pode comprometer a dedicação necessária às formações, que, em alguns casos, são desenvolvidas com pouco tempo, baixa carga horária ou ausência de acompanhamento. Isso demonstra que não basta oferecer cursos: é necessário garantir condições materiais, tempo pedagógico e suporte institucional adequado.
Diante disso, torna-se urgente repensar a formação continuada como eixo central da política educacional brasileira, compreendendo que investir na construção de saberes docentes significa apostar na qualidade da educação pública. A escola contemporânea exige um profissional reflexivo, capaz de transitar entre teorias, tecnologias, metodologias e realidades sociais complexas. Portanto, mais do que capacitar professores, a formação continuada deve possibilitar a constituição de sujeitos críticos e pesquisadores, que mantenham sua prática constantemente em reconstrução. Assim, discutir sua influência nas séries finais do ensino fundamental é refletir sobre a própria identidade docente e sobre o compromisso social da escola com a aprendizagem significativa e emancipatória.
Saberes Docentes e a Prática Pedagógica
Saberes docentes e prática pedagógica Os saberes docentes não são estáticos, mas resultam de vivências, estudos e desafios enfrentados cotidianamente. Para Tardif (2002), a docência se sustenta em quatro tipos principais de saberes: os saberes da experiência, os curriculares, os disciplinares e os pedagógicos. Esses saberes não se constroem apenas na formação inicial, mas se desenvolvem de forma processual na prática, quando o professor mobiliza diferentes conhecimentos para resolver situações reais de ensino. Nessa perspectiva, Pimenta (2012) destaca que a prática pedagógica deve ser compreendida como um espaço de investigação, em que o docente age, reflete e reconstrói concepções sobre ensino e aprendizagem. Assim, a construção de saberes docentes implica subjetividade, autonomia e reflexão contínua, sendo fundamental que as escolas criem ambientes formativos colaborativos. dar continuidade A compreensão dos saberes docentes exige reconhecer que a prática pedagógica não é neutra, pois está condicionada a fatores sociais, políticos e culturais que circunscrevem o trabalho do professor. Nesse sentido, Tardif (2002) afirma que os docentes atuam a partir de um conjunto de saberes que não se reduzem a técnicas ou conteúdos disciplinares, mas que são marcados pela história pessoal, pela cultura escolar e pelas demandas concretas dos estudantes. Isso significa que o ensino envolve tomadas de decisão complexas, nas quais o professor precisa analisar, interpretar e criar estratégias didáticas para atender diferentes necessidades.
Além disso, a prática docente está relacionada à construção de uma identidade profissional. Essa identidade não é dada, mas constituída progressivamente, à medida que o professor atribui significados às suas ações e compreende seu papel social na formação dos estudantes. Para Pimenta (2012), a docência exige postura investigativa, na qual o professor transforma a própria prática em objeto de estudo, superando o senso comum e atribuindo intencionalidade educativa às suas escolhas. Desse modo, a reflexão crítica sobre a prática torna-se elemento fundante da profissionalização docente.
Em uma perspectiva crítica, Imbernón (2010) chama atenção para o risco de se reduzir o trabalho docente a mera execução de políticas curriculares ou metodologias pré-formatadas. Quando a prática pedagógica se limita à reprodução de estratégias impostas ou descontextualizadas, o professor perde sua autonomia intelectual, tornando-se executor passivo de demandas burocráticas. Portanto, a construção de saberes implica resistência a modelos prescritivos e a busca por práticas que dialoguem com as necessidades reais dos estudantes e da comunidade escolar. A docência, nesse sentido, é ato político e ético, pois envolve escolhas que incidem sobre a formação humana.
Outro elemento relevante é o caráter plural dos saberes docentes, que demandam trabalho colaborativo e não individualizado. A escola como instituição social oferece espaços coletivos que possibilitam o compartilhamento de experiências, a produção de conhecimento pedagógico e a análise crítica das dificuldades da prática. Para Souza e Almeida (2019), o desenvolvimento profissional ocorre quando o professor interage com seus pares, problematiza sua atuação e coproduz soluções para desafios comuns do cotidiano escolar. Assim, o trabalho coletivo rompe com a lógica tradicional de isolamento docente e contribui para o fortalecimento da cultura profissional.
Portanto, os saberes docentes se constroem em constante movimento, atravessados pela experiência, pela reflexão crítica, pela interação entre pares e pela contextualização das práticas pedagógicas. Esses saberes constituem uma teia complexa que articula teoria e prática, subjetividade e coletividade, autonomia e responsabilidade social. Compreender tal complexidade é fundamental para reconhecer que a profissionalização docente não se esgota em formações pontuais, mas depende de condições estruturais e formativas que valorizem o professor como sujeito produtor de conhecimento.
Formação Continuada Como Política Educacional
A formação continuada deve ser considerada um direito e não uma ação esporádica. Segundo Imbernón (2010), a formação continuada deve valorizar o coletivo escolar, possibilitando que professores compartilhem experiências, discutam dificuldades e formulações metodológicas que respondam às necessidades reais de suas turmas. No entanto, muitas políticas ainda se baseiam em cursos superficiais e descontextualizados, sem impacto significativo na prática docente. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) reafirma a necessidade de atualização docente, ao propor competências que exigem domínio científico e metodológico. Porém, para que tais competências sejam concretizadas, é indispensável que as redes de ensino promovam formações interdisciplinares, permanentes e articuladas às demandas específicas das séries finais do ensino fundamental.
A formação continuada, enquanto política educacional, precisa ser compreendida como ação estruturante da escola pública, articulada ao currículo, à gestão e às necessidades formativas emergentes da prática pedagógica. Conforme determina a LDB nº 9.394/1996, é papel do Estado promover políticas que assegurem o aperfeiçoamento constante dos profissionais da educação, como fator indispensável à qualidade de ensino. Nesse sentido, a formação não deve se limitar a cursos eventuais, mas constituir-se como processo sistemático, contínuo e atrelado ao desenvolvimento profissional e institucional (BRASIL, 1996).
Segundo Imbernón (2010), “a formação continuada não deve ser vista como simples capacitação técnica, mas como construção coletiva de conhecimento fundamentada no diálogo entre os sujeitos da escola” (p. 47). Essa perspectiva rompe com modelos tradicionais centrados na transmissão de conteúdos prontos, defendendo uma postura reflexiva, investigativa e crítica sobre o fazer docente. Assim, a formação continuada deve favorecer o professor como pesquisador de sua prática, capaz de produzir saberes e ressignificar metodologias a partir das demandas reais da escola e dos estudantes.
Apesar disso, muitas políticas públicas ainda operam com formações desconexas, baseadas em ações pontuais, sem continuidade e sem envolvimento da escola no processo de planejamento. Essas formações, muitas vezes, são impostas pelas secretarias de educação de forma verticalizada, sem considerar contexto social, infraestrutura ou desafios específicos das séries finais do ensino fundamental. Como observa Pimenta (2012), “as políticas de formação docente frequentemente ignoram o cotidiano escolar, gerando intervenções que não dialogam com o processo real de ensino-aprendizagem” (p. 78). Dessa forma, o professor torna-se mero receptor de orientações, em vez de sujeito protagonista na construção de saberes.
A BNCC (2018), ao introduzir competências gerais e habilidades específicas, reforça a necessidade do desenvolvimento profissional docente capaz de compreender, interpretar e aplicar princípios epistemológicos e metodológicos em consonância com os contextos pedagógicos locais. Entretanto, a mera prescrição curricular não garante o aprimoramento formativo. Conforme afirma Freitas (2020), “a BNCC exige mais do que atualização técnica; demanda reflexão crítica, autonomia e reconfiguração das práticas de ensino” (p. 64). Isso significa que a prática educativa não pode se restringir à aplicação mecânica de competências, necessitando de um processo formativo que as contextualize e ressignifique.
A formação continuada também deve estar articulada ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, que representa a identidade institucional e orienta o trabalho coletivo. Conforme destaca Souza e Almeida (2019), o PPP precisa contemplar ações formativas que fortaleçam as especificidades do ensino, respeitando a pluralidade dos saberes docentes e as necessidades socioculturais dos estudantes. Assim, a formação continuada se sustenta no diálogo entre teoria e prática, vinculando o processo formativo às problemáticas do cotidiano escolar, como indisciplina, dificuldades de aprendizagem, avaliação e inclusão.
Outro aspecto fundamental diz respeito à formação colaborativa, que valoriza a troca entre pares e a produção coletiva de conhecimento pedagógico. Imbernón (2010) defende que o trabalho formativo precisa ocorrer “em comunidades de aprendizagem, onde professores analisam suas práticas e constroem alternativas para enfrentamento de desafios educacionais” (p. 52). Essa abordagem supera o individualismo docente, promovendo a construção social do saber, articulada às experiências compartilhadas.
No entanto, para que a formação continuada seja efetiva, é necessário que o professor tenha condições de participação. Muitos docentes, sobretudo nas redes públicas, enfrentam sobrecarga de trabalho, múltiplos vínculos empregatícios e jornadas exaustivas, o que dificulta o envolvimento em processos formativos de qualidade. Conforme alerta Tardif (2002), “o saber docente está intimamente ligado às condições de trabalho, que podem favorecer ou limitar sua produção” (p. 39). Dessa maneira, o investimento na formação não pode desconsiderar a garantia de tempo, infraestrutura adequada e políticas de valorização profissional.
Outro desafio refere-se à falta de monitoramento e avaliação dos impactos formativos na prática. Políticas de formação que não acompanham a implementação pedagógica tendem a se tornar ações burocráticas, sem efeito transformador na escola. Para Freitas (2020), “a formação só se legitima quando promove mudanças concretas na sala de aula” (p. 71). Assim, além de ofertar cursos, é necessário acompanhar a aplicação das propostas formativas, garantindo suporte pedagógico contínuo, equipe técnica qualificada e diálogo permanente com os professores.
Diante desse contexto, a formação continuada deve promover autonomia intelectual, criticidade pedagógica e compromisso social, elementos indispensáveis à construção de práticas educativas emancipadoras. A construção de saberes docentes só se realiza plenamente quando o professor se reconhece como sujeito formativo, capaz de refletir, investigar, transformar e resistir a modelos pedagógicos excludentes. Portanto, a formação continuada nas séries finais do ensino fundamental precisa ir além da capacitação técnica, assumindo função política, ética e investigativa, que fortaleça a profissionalização docente e a qualidade da educação pública.
Formação Continuada Nas Séries Finais do Ensino Fundamental
As séries finais do ensino fundamental apresentam desafios específicos: maior aprofundamento conceitual, diversidade de professores especialistas, adolescentes em processo de desenvolvimento cognitivo e socioemocional, dificuldades de aprendizagem acumuladas e impactos sociais contemporâneos (SOUZA; ALMEIDA, 2019). Nesse contexto, a formação continuada deve promover: Aprendizagem colaborativa entre docentes de diferentes disciplinas; Discussões sobre avaliação formativa e inclusão; Articulação entre teoria e prática interdisciplinar; Uso crítico de tecnologias educacionais; Metodologias ativas contextualizadas à realidade da escola. Nessa etapa da educação, "formações que partam das necessidades reais dos professores e dos estudantes produzem impacto direto na aprendizagem" (FREITAS, 2020, p. 67). Por isso, a formação continuada precisa dialogar com a vida escolar e não apenas com exigências burocráticas.
A formação continuada nas séries finais do ensino fundamental deve considerar a complexidade dessa etapa de escolarização, marcada não apenas pelo aprofundamento conceitual, mas também por transformações identitárias e sociais que afetam diretamente os processos de ensino e aprendizagem. Nessa fase, o estudante vivencia mudanças cognitivas, emocionais e sociais intensas, e tais aspectos repercutem nas dinâmicas escolares, demandando maior preparo docente (SOUZA; ALMEIDA, 2019). Assim, a formação continuada precisa propiciar ao professor condições para compreender tais especificidades e, a partir disso, desenvolver estratégias pedagógicas adequadas à realidade de seus alunos.
De acordo com Imbernón (2010), "a formação deve partir da prática, analisá-la, problematizá-la e retornar a ela com novos sentidos" (p. 56). Nesse sentido, quando aplicada ao contexto das séries finais do ensino fundamental, a formação continuada deve priorizar situações reais de sala de aula, tais como dificuldades de aprendizagem acumuladas, práticas de avaliação equivocadas, dificuldades de leitura e escrita nas diferentes disciplinas, bem como o desinteresse e indisciplina decorrentes de experiências escolares fragilizadas. Desse modo, a formação não pode descolar-se da realidade, sob risco de tornar-se ação meramente burocrática, como alertam Pimenta (2012) e Freitas (2020).
Outro desafio presente nessa etapa escolar diz respeito à fragmentação curricular. Com a presença de professores especialistas em cada disciplina, pode ocorrer o distanciamento entre os conteúdos, fragmentando a aprendizagem do estudante. Nesse sentido, a formação continuada deve incentivar o diálogo interdisciplinar, superando a lógica de compartimentalização do conhecimento. Tardif (2002) destaca que “os saberes docentes são híbridos, mobilizados em situações pedagógicas complexas que exigem constante articulação entre os conhecimentos” (p. 48). Portanto, a formação continuada que incentiva a interdisciplinaridade contribui para enfrentar desafios histórico-pedagógicos do ensino fundamental, como o excesso de conteúdos descontextualizados e o foco na mera transmissão de informações.
Além disso, a formação continuada precisa incorporar discussões sobre avaliação formativa, práticas inclusivas e gestão da aprendizagem, considerando a diversidade presente nas salas de aula. Conforme preconiza a BNCC (2018), o professor deve desenvolver competências que favoreçam o protagonismo do estudante, práticas colaborativas e avaliação diagnóstica. Todavia, sem formação adequada, tais diretrizes podem ser interpretadas de forma reducionista, transformando-se em exigências burocráticas. Segundo Freitas (2020), “não há inovação possível sem reflexão crítica sobre a prática, e sem ressignificação da avaliação como parte da aprendizagem” (p. 72). Portanto, a formação continuada deve ocupar papel central na apropriação crítica e consciente de políticas curriculares.
Outro aspecto imprescindível diz respeito ao uso de tecnologias educacionais. Embora a tecnologia tenha se tornado parte do cotidiano dos estudantes, muitos docentes ainda enfrentam dificuldades para utilizá-la de forma crítica e pedagógica. O uso inadequado de recursos tecnológicos pode transformar-se em simples entretenimento ou reforço de práticas tradicionais. Para Pimenta (2012), a formação deve promover reflexão sobre o sentido pedagógico das ferramentas, para que a tecnologia seja meio de produção de conhecimento, e não apenas acessório ou imposição técnica. Logo, a capacitação tecnológica deve estar articulada à prática e ao currículo, e não ser oferecida de forma isolada.
Por fim, vale destacar que a formação continuada produz impactos significativos na construção da identidade docente, fortalecendo a autonomia profissional. Quando os professores participam de formações colaborativas, de acordo com Imbernón (2010), "a escola transforma-se em comunidade de aprendizagem, onde todos constroem conhecimento de maneira coletiva" (p. 59). Essa perspectiva rompe com a ideia de professor isolado e abre espaço para o compartilhamento de saberes, planejamento conjunto e reflexão coletiva sobre a prática. Para Souza e Almeida (2019), o desenvolvimento desses espaços formativos cria cultura profissional sólida e combate a desvalorização histórica do magistério.
Portanto, a formação continuada nas séries finais do ensino fundamental deve superar visões tecnicistas e meramente operacionais, assumindo caráter crítico, investigativo e colaborativo, que reconheça a complexidade da docência. Quando articulada às demandas reais da escola, à BNCC e ao PPP, ela torna-se instrumento de valorização docente, melhoria da aprendizagem e fortalecimento da escola pública como espaço emancipador de formação humana.
A Profissionalização Docente e o Fortalecimento da Identidade Pedagógica
A formação continuada nas séries finais do ensino fundamental não apenas constrói saberes, como também fortalece a identidade profissional docente. A profissionalização da docência implica reconhecer o professor como sujeito histórico, intelectual e social, cuja atuação não se limita à transmissão de conteúdos, mas envolve tomada de decisões éticas, políticas e pedagógicas. Segundo Pimenta (2012), “a identidade docente é construída na reflexão sobre a prática, mediada pelas condições sociais e institucionais que constituem o trabalho do professor” (p. 41). Assim, a formação continuada deve valorizar processos que estimulem o protagonismo docente na construção de sua identidade profissional.
Nesse sentido, a profissionalização não pode estar dissociada das condições de trabalho. Tardif (2002) lembra que “os saberes docentes só se desenvolvem plenamente quando as condições reais de trabalho favorecem a produção do conhecimento” (p. 39). Portanto, investir em formação implica também garantir tempo de estudo, remuneração digna, planejamento colaborativo e infraestrutura pedagógica adequada. Caso contrário, a formação se torna retórica, sem materialidade que sustente mudanças efetivas na prática docente.
Outro aspecto relevante da profissionalização é a consolidação de uma cultura de pesquisa escolar. Para Imbernón (2010), o professor investigador analisa criticamente sua prática, identifica desafios, busca referências teóricas e constrói soluções coletivas. Essa postura rompe com visões tecnicistas e coloca o professor como intelectual orgânico da escola. Ao assumir esse papel, a formação deixa de ser espaço de simples consumo de informações e passa a ser locus de produção de conhecimento pedagógico contextualizado e emancipador.
O fortalecimento dessa identidade profissional também exige políticas educacionais que reconheçam o professor como protagonista da aprendizagem. Freitas (2020) afirma que “qualquer reforma educativa fracassará se não reconhecer o professor como sujeito ativo das transformações pedagógicas” (p. 83). Assim, a formação continuada não deve servir para operacionalizar reformas, mas para dar condições de autonomia, criticidade e protagonismo frente a elas. Somente dessa forma a escola pode resistir à padronização curricular e às práticas burocráticas, preservando seu papel humanizador.
Dessa forma, a profissionalização docente, baseada em formação crítica, reflexiva e colaborativa, fortalece a identidade pedagógica do professor, contribui para a autonomia intelectual e assegura o direito à aprendizagem de todos os estudantes. A formação torna-se, assim, prática política e emancipatória, que reconhece o docente como produtor de saberes e protagonista da transformação social.
A construção da identidade profissional docente está diretamente relacionada ao reconhecimento social do professor e às condições reais nas quais ele exerce sua prática. A formação continuada, quando articulada a políticas públicas estruturantes, contribui para a valorização da docência e para o desenvolvimento de competências críticas, investigativas e reflexivas. Por essa razão, Pimenta (2012) ressalta que “a formação docente, ao tomar como ponto de partida a prática educativa, problematiza o cotidiano escolar e permite ao professor construir conhecimentos a partir de sua realidade” (p. 56). Nesse sentido, a identidade docente se forma na intersecção entre experiência profissional, saberes pedagógicos e compromisso social.
Todavia, a construção dessa identidade não ocorre de maneira individual, mas coletiva e institucional. A escola precisa ser entendida como espaço de produção de conhecimento, e não apenas de aplicação de prescrições externas. Imbernón (2010) afirma que “a escola deve ser compreendida como comunidade de aprendizagem, na qual os docentes investigam, produzem e compartilham saberes profissionais” (p. 52). Assim, o fortalecimento da identidade pedagógica depende de processos formativos que incentivem a autonomia intelectual e a colaboração entre pares, para que a prática docente seja concebida como atividade crítica e criadora.
Nesse processo de profissionalização, a reflexão sobre a prática assume papel central. Freitas (2020) enfatiza que “a formação continuada só se concretiza quando se torna instrumento para interpretar a prática e transformá-la em ação intencional e ético-pedagógica” (p. 74). Isso significa que a formação não pode ser adestramento técnico nem mero cumprimento de metas. Pelo contrário, deve permitir ao professor ressignificar sua atuação, compreender a heterogeneidade dos estudantes e buscar caminhos pedagógicos que garantam o direito à aprendizagem, especialmente nas séries finais do ensino fundamental.
A profissionalização docente também deve considerar a dimensão política da profissão. A docência não é atividade neutra, mas prática que incide diretamente na formação humana e cidadã. Saviani (2013) afirma que “o trabalho educativo visa formar um indivíduo capaz de intervir criticamente na sociedade” (p. 15). Logo, uma formação continuada que se limita à técnica sem promover consciência crítica esvazia o papel social da escola e reduz o professor a executor de currículos. Portanto, profissionalizar a docência implica reconhecer o professor como sujeito histórico e intelectual, que atua mediante escolhas éticas e pedagógicas, orientadas pela justiça social e pela equidade.
Além disso, a valorização profissional está atrelada às condições objetivas de trabalho. Não se pode falar em profissionalização se não houver tempo de estudo, salários dignos e infraestrutura adequada. Tardif (2002) alerta que “os saberes docentes são condicionados pelas condições de trabalho; sem tempo, sem recursos e sem reconhecimento, não há desenvolvimento profissional” (p. 39). Dessa forma, as políticas de formação continuada devem dialogar com a valorização docente, garantindo que os professores sejam remunerados adequadamente, tenham carga horária para estudos e acesso a materiais e tecnologias apropriadas.
Por fim, a identidade profissional docente consolida-se quando o professor reconhece-se como protagonista da aprendizagem e produtor de saberes. Para que isso ocorra, é necessário que a formação continuada seja política permanente, crítica e emancipadora, possibilitando ao professor interpretar, questionar e transformar a prática. Assim, a profissionalização docente torna-se ferramenta fundamental para garantir uma escola pública democrática, inclusiva e humanizadora, capaz de formar sujeitos críticos e socialmente participativos.
Conclusão
A construção de saberes docentes nas séries finais do ensino fundamental revela-se um processo dinâmico, contínuo e historicamente situado, marcado pelas interações entre teoria e prática, pelas experiências profissionais e pelas condições socioculturais que permeiam o trabalho educativo. Como demonstrado ao longo deste estudo, a formação continuada assume papel determinante nesse percurso, constituindo-se como política educacional imprescindível à valorização e à profissionalização docente. Conforme afirmam Pimenta (2012) e Imbernón (2010), a formação não pode ser reduzida a ações meramente técnicas ou pontuais, devendo assumir caráter investigativo, crítico e colaborativo, que possibilite ao professor refletir sobre sua prática, produzir conhecimentos e reconstruir estratégias metodológicas em consonância com as necessidades reais dos estudantes.
Ao serem analisadas as especificidades das séries finais do ensino fundamental, observa-se que essa etapa exige intervenções pedagógicas sustentadas em saberes múltiplos, dada a heterogeneidade discente, a complexidade dos conteúdos curriculares e as demandas emergentes da vida escolar. Por isso, a formação continuada deve ultrapassar a mera atualização técnica e promover discussões que favoreçam o uso crítico de tecnologias, a avaliação formativa, as práticas inclusivas e a interdisciplinaridade, aspectos destacados por Freitas (2020) e Tardif (2002). Assim, os saberes docentes se constroem dialogicamente, em meio a desafios concretos da realidade escolar, tornando-se resultado de processos coletivos e não de intervenções individualizadas.
Nesse sentido, reconhecer o professor como protagonista da construção de saberes implica também assumir a formação continuada como política pública articulada à valorização profissional. Isso significa garantir condições objetivas de trabalho, tempo para estudo, remuneração adequada e espaços institucionais de colaboração e pesquisa. Tardif (2002) ressalta que a produção de saberes docentes está intrinsecamente ligada às condições de trabalho, o que evidencia que a formação só será transformadora quando acompanhada de políticas estruturantes que valorizem o docente e a escola como espaços de produção intelectual.
Por fim, conclui-se que a formação continuada, quando pautada na prática reflexiva, na autonomia intelectual e na construção coletiva de conhecimentos, fortalece a identidade docente e contribui significativamente para a qualidade do ensino nas séries finais do ensino fundamental. Assim, defender uma formação continuada crítica e permanente significa defender uma educação pública democrática, inclusiva e emancipadora, capaz de formar sujeitos conscientes e socialmente participativos. Portanto, investir nesse processo é investir na formação humana, no direito à aprendizagem e na construção de uma escola que, como afirma Saviani (2013), é instrumento fundamental de transformação social.
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1 Instituição: Christian Business School. Doutorando em Ciencias da Educação. Endereço: 40 rue Alexandre Dumas, Paris (Arrondissement de Paris). E-mail: [email protected]