INDISCIPLINA ESCOLAR E TERCEIRIZAÇÃO DA FUNÇÃO EDUCATIVA DA FAMÍLIA: DESAFIOS PARA A ESCOLA CONTEMPORÂNEA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17836357
Sebastiana Pereira Saraiva1
RESUMO
Este estudo analisa a relação entre a indisciplina escolar e a terceirização da função educativa da família, bem como os desafios que se colocam para a escola contemporânea, partindo da compreensão de que a educação de crianças e adolescentes é uma responsabilidade compartilhada entre família, escola e sociedade, conforme preconizam o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal. Entretanto, a intensificação das jornadas de trabalho, as transformações nas configurações familiares e a fragilização de vínculos comunitários têm contribuído para que muitas famílias deleguem cada vez mais à escola o papel de educar integralmente seus filhos, não apenas do ponto de vista cognitivo, mas também ético, afetivo e comportamental. O objetivo é analisar de que maneira a indisciplina escolar se relaciona com a terceirização da função educativa da família, identificando os principais desafios que essa dinâmica impõe à escola contemporânea e ao processo de ensino-aprendizagem. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa bibliográfica que analisa contribuições de autores que tratam das relações família/escola, da indisciplina e da função social da educação, buscando compreender de que forma a terceirização da função educativa da família repercute no cotidiano escolar. Dessa forma, a indisciplina não pode ser atribuída exclusivamente à escola nem à família, exigindo diálogo, corresponsabilidade e ações articuladas entre os diferentes sujeitos educativos para a construção de um ambiente escolar mais democrático, respeitoso e favorável à aprendizagem.
Palavras-chave: Indisciplina escolar; Família; Terceirização; Escola contemporânea; Relação família/escola.
ABSTRACT
This study analyzes the relationship between school indiscipline and the outsourcing of the educational function to the family, as well as the challenges facing contemporary schools, based on the understanding that the education of children and adolescents is a shared responsibility between family, school, and society, as advocated by the Statute of Children and Adolescents and the Federal Constitution. However, the intensification of working hours, transformations in family configurations, and the weakening of community ties have contributed to many families increasingly delegating to the school the role of fully educating their children, not only from a cognitive point of view, but also ethically, affectively, and behaviourally. The objective is to analyze how school indiscipline relates to the outsourcing of the educational function from the family, identifying the main challenges that this dynamic imposes on the contemporary school and the teaching-learning process. Methodologically, it is bibliographic research that analyzes contributions from authors who address family/school relations, indiscipline, and the social function of education, seeking to understand how the outsourcing of the educational function from the family impacts daily school life. Therefore, indiscipline cannot be attributed exclusively to the school or the family, requiring dialogue, co-responsibility, and coordinated actions among the different educational actors to build a more democratic, respectful, and learning-friendly school environment.
Keywords: School indiscipline. Family. Outsourcing. Contemporary school. Family/school relationship.
INTRODUÇÃO
A indisciplina escolar é um dos temas mais recorrentes no cotidiano das instituições de ensino e nas discussões entre professores, gestores e famílias, pois reclamações sobre comportamentos desrespeitosos, dificuldades em seguir regras, falta de interesse e atitudes de confronto em sala de aula têm sido apontadas como obstáculos significativos para o processo de ensino-aprendizagem e para o bem-estar de toda a comunidade escolar. Ao mesmo tempo, observa-se uma mudança na forma como a sociedade compreende a responsabilidade pela educação das novas gerações.
A família, que historicamente desempenhou um papel central na transmissão de valores, normas de convivência e limites, em muitos casos tem deslocado para a escola grande parte dessa função educativa. Assim, espera-se que a instituição escolar, além de garantir o acesso ao conhecimento sistematizado, responda também por questões morais, afetivas e disciplinares, muitas vezes em contextos marcados por vulnerabilidade social, precarização do trabalho docente e falta de apoio psicossocial. Esse movimento pode ser entendido como uma terceirização da função educativa da família, na medida em que a escola passa a ser vista como principal, e em alguns casos, única responsável pela formação integral das crianças e adolescentes. Tal processo, entretanto, não ocorre de maneira isolada, mas está vinculado a transformações econômicas, culturais e políticas que afetam a organização das famílias e a própria escola.
Diante desse cenário, este artigo tem como objetivo analisar de que maneira a indisciplina escolar se relaciona com a terceirização da função educativa da família, identificando os principais desafios que essa dinâmica impõe à escola contemporânea e ao processo de ensino-aprendizagem. Para isso, realiza-se uma revisão bibliográfica, abordando conceitos de indisciplina, o papel da família na educação, a relação família/escola e as implicações dessa reconfiguração de responsabilidades na vida escolar dos estudantes.
1. METODOLOGIA
Neste trabalho, foram aplicados os princípios de Gil (2008) para realizar um estudo exploratório, que se baseou em uma pesquisa bibliográfica composta por materiais previamente produzidos, incluindo livros e artigos acadêmicos. A coleta dos dados se deu por meios de artigos científicos publicados nas plataformas como SciELO, Google Acadêmico, bibliotecas virtuais. Como critério para a escolha das fontes, foram consideradas aquelas que tratavam da indisciplina no ambiente escolar, da relação família/escola, a terceirização das responsabilidades educativas e as práticas pedagógicas.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo, são apresentados os principais entendimentos sobre indisciplina escolar, ressaltando suas causas, manifestações e implicações para o processo de ensino-aprendizagem. Em seguida, aborda-se a função educativa da família, destacando o papel dos responsáveis na formação de valores, na construção de limites e no acompanhamento da vida escolar dos filhos. Na sequência, discute-se a relação família/escola, evidenciando avanços, desafios e possibilidades de aproximação entre esses dois contextos formativos. Por fim, trata-se da corresponsabilidade na educação, entendida como a necessidade de que família, escola e demais instâncias sociais assumam, de forma compartilhada, a tarefa de educar, criando condições para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes e para a construção de ambientes escolares mais acolhedores, participativos e democráticos.
2.1. Indisciplina Escolar: Conceitos e Abordagens
A indisciplina escolar é um fenômeno complexo, que não se reduz à simples quebra de regras, envolvendo conflitos de valores, disputas de poder, dificuldades de comunicação, contextos de desigualdade social e condições concretas do trabalho pedagógico. Para Rego (1996, p. 84), o conceito de indisciplina é o conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e numa mesma sociedade: nas diversas classes sociais, nas diferentes instituições e até mesmo dentro de uma mesma camada social ou organismo.
Em consonância com o dicionário, o termo disciplina é definido como regime de ordem; observância de preceitos ou normas; submissão a um regulamento. O termo disciplinar está ligado ao ato de sujeitar-se à disciplina; corrigir; fazer; obedecer; castigar. E o termo disciplinável como quem se poderia disciplinar. Paradoxalmente, o termo indisciplina expõe-se à desobediência e desordem.
No âmbito pedagógico, a indisciplina costuma ser entendida como um conjunto de comportamentos que interferem no processo de ensino-aprendizagem e no clima de convivência na sala de aula, como conversas paralelas constantes, desatenção, desrespeito a colegas e professores, descumprimento de combinados, agressões verbais ou físicas, entre outros. Segundo Ferreira (1986, p. 595) define o termo indisciplina como “procedimento, ato ou dito contrário à disciplina, desobediência, desordem, rebelião”. Tais comportamentos dificultam a organização das atividades, prejudicam o aproveitamento e geram desgaste emocional nos profissionais e nos estudantes.
É importante destacar que a indisciplina não pode ser analisada apenas como falta de limites por parte do aluno, ela é também expressão das relações estabelecidas entre sujeitos, estudantes, professores, gestores e famílias, e das condições de funcionamento da escola. Salas superlotadas, ausência de espaços de escuta, metodologias pouco significativas, falta de participação estudantil nas decisões, assim como a desvalorização do trabalho docente, podem contribuir para o aumento da indisciplina. Segundo Aquino (1996), a indisciplina nas escolas pode se apresentar de diversas maneiras, incluindo: desordem, agitação, ausência de limites, comportamentos inadequados, desrespeito, interrupções, atos de violência, vandalismo, entre outros, que prejudicam o desenvolvimento das aulas e impactam de forma significativa o aprendizado dos alunos.
Dentro desse cenário, Chagas (2001) sustenta que:
A indisciplina no meio educacional é vista como a manifestação de um aluno com um comportamento inadequado, um sinal de rebeldia, intransigência, desacato, traduzido na falta de educação ou desrespeito pelas regras pré-estabelecidas, na bagunça, agitação ou desinteresse (Chagas, 2001, p. 39).
A indisciplina refere-se à ausência de disciplina, que se pode entender como um conjunto de regras, sejam estas impostas ou aceitas voluntariamente, que são necessárias para o funcionamento eficaz de uma instituição (Rocha, 1996). Dessa forma, é possível notar que a indisciplina pode provocar desordem no contexto escolar, comprometendo as normas da instituição e, consequentemente, o processo de ensino e aprendizagem. Assim, compreender a indisciplina escolar exige olhar para além do comportamento individual e considerar o contexto mais amplo no qual esses comportamentos se produzem, incluindo o papel da família e da sociedade na construção de valores, regras e expectativas.
2.2. A Função Educativa da Família
“Escola e família são instituições distintas, porém com funções complementares no processo de ensino-aprendizagem do aluno, uma funciona com o auxílio da outra.”
(Libâneo, 2000, p. 9).
A família é reconhecida como a primeira instância socializadora da criança, é no convívio familiar que se constroem os vínculos afetivos iniciais e se formam as bases para o desenvolvimento moral, emocional e social. No espaço doméstico, por meio de rotinas, diálogos, limites e exemplos, a criança aprende normas de convivência, respeito ao outro, responsabilidade e autocontrole. De acordo com Prado (1981, p.13), “a família é a única em seu papel determinante no desenvolvimento da sociabilidade, da afetividade e do bem-estar físico dos indivíduos, sobretudo durante o período da infância e da adolescência”.
Segundo Weil (1984), o comportamento das crianças no ambiente escolar e em casa é na verdade uma reação às atitudes de seus pais, pois o comportamento deles refletirá nas atitudes futuras dos filhos. Assim, foi constatado em seus estudos que a maioria dos problemas de comportamento como ausência de atenção e agressividade é reflexo da conduta dos pais, pois são protagonistas principais na socialização das crianças.
Do ponto de vista legal, documentos como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente atribuem à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, entre eles a vida, a saúde, a educação, a dignidade, o respeito e a convivência familiar e comunitária. Nesse sentido, o “art. 227 da Constituição Federal estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado garantir esses direitos e proteger crianças e adolescentes de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Brasil, 1988).
A escola é chamada a complementar esse processo, oferecendo ensino de qualidade e contribuindo para o desenvolvimento integral, mas não substituindo a família. Entretanto, as configurações familiares têm se tornado cada vez mais diversas, marcadas por diferentes arranjos (famílias monoparentais, famílias recompostas, famílias extensas, entre outras) e por novos desafios, como a conciliação entre trabalho e cuidado, a precarização das condições de vida e o aumento de situações de vulnerabilidade social. Esses fatores, somados, podem dificultar o acompanhamento cotidiano da vida escolar dos filhos, a supervisão das tarefas e a participação em reuniões e atividades na escola.
Quando a família se encontra fragilizada, seja por questões econômicas, emocionais ou estruturais, muitas vezes o diálogo com a escola se torna mais distante, e o estudante acaba chegando à sala de aula sem referências consistentes de limites e responsabilidades. Nessas situações, comportamentos de indisciplina podem aparecer como expressão de carências afetivas, inseguranças, frustrações e falta de orientação.
A expressão terceirização da função educativa da família pode ser utilizada para descrever o movimento pelo qual pais e responsáveis, transferem para a escola responsabilidades que vão além de seu papel pedagógico, esperando que professores e gestores resolvam questões que dizem respeito à educação moral, emocional e comportamental dos filhos. Para Dill e Calderan (2011), a terceirização da educação das famílias para a escola consiste no processo de transferência ou delegação da responsabilidade educacional moral das crianças para instituições externas, nesse contexto, os pais ou responsáveis estão delegando, assim, sua responsabilidade educacional a professores, diretores e outros membros da comunidade escolar.
Esse processo não se explica apenas por desinteresse ou omissão das famílias, está relacionado a mudanças estruturais, como jornadas de trabalho extensas, baixos salários, falta de políticas públicas de apoio à família, ausência de espaços comunitários de convivência e lazer, bem como à ideia difundida de que a escola deve dar conta de todos os problemas sociais. Para Facco (2024), a terceirização pode causar sérios problemas ao aumentar a desigualdade educacional e levar à perda de valores e princípios educacionais importantes, como o papel da família na educação dos filhos. Além disso, a terceirização da educação para a escola também pode desestimular os pais a se envolverem na educação de seus filhos. Na prática, tal terceirização pode se manifestar de várias formas:
Pouca presença da família nas reuniões escolares;
Ausência de acompanhamento das tarefas e da frequência do aluno;
Delegação total das responsabilidades de correção de comportamentos à escola;
Dificuldade de assumir limites e consequências em casa, esperando que a escola o faça sozinha;
Postura de defesa automática do filho diante de qualquer conflito, sem escuta dos profissionais da educação.
Quando a escola é colocada como única responsável pela formação integral do aluno, ocorre um desequilíbrio na relação família/escola, que tende a se expressar no cotidiano em forma de conflitos, desconfianças e, muitas vezes, aumento da indisciplina. O estudante passa a perceber mensagens contraditórias: em casa, determinados comportamentos são relativizados ou ignorados; na escola, são repreendidos e sancionados. Sem uma base comum de valores, regras e limites, torna-se mais difícil para a criança compreender as consequências de seus atos, desenvolver autorregulação e construir uma percepção coerente sobre o que é certo ou errado em diferentes contextos. Além disso, a ausência de diálogo entre família e escola pode levar a responsabilizações mútuas, a escola culpando a família pela falta de acompanhamento e a família atribuindo à escola toda a responsabilidade pela educação moral e disciplinar, fragilizando ainda mais o processo educativo.
Picanço (2012) destaca a importância da colaboração entre a família e a escola, ressaltando que um relacionamento harmonioso entre essas instituições é essencial para o desenvolvimento integral do estudante. Para isso, é necessário que cada uma compartilhe suas experiências, reconheça seus limites de atuação e respeite as demandas específicas da outra, construindo, em conjunto, estratégias de acompanhamento, canais de comunicação permanentes e acordos sobre normas de convivência. Dessa forma, previnem-se situações em que o estudante se vê no centro de discursos contraditórios e aumenta-se a possibilidade de que ele se sinta apoiado, orientado e acolhido tanto no ambiente familiar quanto no escolar.
2.3. Relação Família/escola e Corresponsabilidade na Educação
Para enfrentar a indisciplina escolar e os efeitos da terceirização da função educativa da família, é fundamental fortalecer a relação família/escol. O que significa superar uma visão de que a escola ensina conteúdos e a família educa em casa, como se fossem esferas estanques e independentes, pois a educação é um processo compartilhado e exige corresponsabilidade. Nesta perspectiva, Cortella (2014) destaca que a escola desempenha um papel importante na educação das crianças, complementando o trabalho dos pais e oferecendo um ambiente de aprendizagem adequado. Contudo, o autor ressalta que a família não pode se eximir de sua responsabilidade primeira na formação dos filhos, pois a terceirização dessa função para a escola pode resultar em perda de controle e de influência dos pais sobre a construção de valores e habilidades de seus filhos.
Uma relação saudável entre família e escola pressupõe diálogo, respeito mútuo e clareza de papéis. A escola precisa reconhecer os saberes e as dificuldades das famílias, acolhendo suas demandas e construindo estratégias de aproximação: reuniões mais dialógicas, projetos que envolvam a comunidade, canais de comunicação acessíveis, horários flexíveis e linguagem compreensível. Por sua vez, as famílias são chamadas a participar ativamente da vida escolar dos filhos, acompanhar seu desenvolvimento, valorizar o estudo e apoiar o trabalho dos professores, em consonância com Szymanski (2010) ao defender a participação das famílias como dimensão indissociável da qualidade da educação.
Nesta perspectiva, a escola, a família e a comunidade não devem andar de forma individual, pois uma depende da outra para que o progresso aconteça, “pais e sociedade formam uma rede de interação na qual a criança está envolvida” (Fraiman 1997, p. 32), sendo assim, essa interação deve ser de forma unânime pensando sempre no bem-estar da criança e no seu desenvolvimento.
Dizem os psicólogos e confirmam, na prática, professores e psicopedagogos, que não há desenvolvimento equilibrado e saudável da criança, sem a família. A escola contribui para socialização crescente da criança, porém, é na família que ela encontra todos os insumos necessários (autoestima, afetividade, confiança, motivações intrínsecas, quadro de emoções saudáveis, aceitação, autonomia, intencionalidade, decisão, maturidade, respeito, elementos de reciprocidade etc.) para aguar este processo de socialização e de sócio afetividade, chão e base de sustentação para o desenvolvimento da aprendizagem (Carneiro, 2010, p. 43).
A participação ativa da família exerce um papel extremamente significativo no desenvolvimento das crianças. Observa-se, de forma evidente, que o estudante que conta com acompanhamento familiar no contexto escolar tende a apresentar melhor desempenho em comparação aos demais, além de demonstrar excelente socialização com os colegas, melhor adaptação ao ambiente escolar e considerável progresso emocional, favorecendo o desenvolvimento da autoestima, da solidariedade e do autocontrole.
A corresponsabilidade implica que escola e família assumam, de forma articulada, a tarefa de orientar comportamentos, estabelecer limites e promover valores de respeito, solidariedade, responsabilidade e diálogo. Isso não significa que a escola deva substituir a família, mas que atue como parceira, oferecendo subsídios pedagógicos, espaços de escuta e formação, ao mesmo tempo em que conta com o compromisso efetivo dos responsáveis. Quando essa parceria se fragiliza e a função educativa é delegada quase exclusivamente à escola, é comum que os conflitos de convivência e situações de indisciplina se intensifiquem, pois os estudantes recebem mensagens contraditórias sobre regras, limites e responsabilidades. Nessa perspectiva, Libâneo (2012) reforça a ideia da escola como espaço de formação compartilhada e de construção de valores coletivos, em que a participação da família não é acessória, mas constitutiva do próprio projeto educativo.
Para que essa corresponsabilidade se concretize no cotidiano escolar, são fundamentais políticas públicas que incentivem a participação da família na escola, como prevêem a LDB e o Plano Nacional de Educação, por meio de mecanismos de gestão democrática, conselhos escolares, associações de pais e mestres, reuniões participativas e projetos de integração família/comunidade (Brasil, 1996; 2014). Nessa direção, programas de escola aberta, atividades culturais e esportivas, bem como projetos que aproximem a comunidade do espaço escolar, contribuem para fortalecer vínculos, prevenir situações de indisciplina e promover um ambiente mais colaborativo.
Também são relevantes as ações intersetoriais da assistência social e do Programa Saúde na Escola, a atuação de psicólogos e assistentes sociais na educação básica (Brasil, 2019) e as políticas de valorização docente, como piso salarial, planos de carreira e formação continuada, pois sem condições institucionais adequadas e profissionais minimamente reconhecidos e apoiados, a gestão democrática e a parceria escola–família tendem a permanecer apenas no plano do discurso, com pouco impacto na transformação das práticas e na qualificação das relações escolares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A indisciplina escolar frequentemente apontada como um dos principais problemas enfrentados por professores e gestores, não pode ser compreendida de forma simplista; ela é expressão de conflitos, desigualdades e contradições presentes na sociedade e nas relações entre família, escola e comunidade. A terceirização da função educativa da família, que delega à escola a responsabilidade quase exclusiva pela formação ética e comportamental das crianças e adolescentes, agrava ainda mais esse quadro.
Esse processo impacta o cotidiano das escolas, gerando sobrecarga sobre os profissionais da educação e contribuindo para o aumento de comportamentos indisciplinados. Evidenciou-se que nem a escola nem a família conseguem, isoladamente, dar conta da complexidade da tarefa educativa, é necessário construir uma perspectiva de corresponsabilidade, em que ambos os espaços, juntamente com a sociedade e o Estado, assumam seus papéis na garantia do direito à educação de qualidade.
Assim, fortalecer a relação família/escola, investir em formação docente, criar ambientes escolares participativos e garantir políticas públicas de proteção à infância e à adolescência são caminhos essenciais para enfrentar a indisciplina e superar a lógica de terceirização. Mais do que buscar culpados, trata-se de construir soluções coletivas, nas quais o diálogo e o compromisso com o desenvolvimento integral dos estudantes sejam o centro das ações.
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1 Graduação em Pedagogia pela Faculdades Integradas de Ariquemes – FIAR (1994). Pós-graduada em Gestão Escolar pela Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR (2002). E-mail: [email protected].