FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES PARA LIDAR COM A INDISCIPLINA NO AMBIENTE ESCOLAR: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17836368


Sebastiana Pereira Saraiva1


RESUMO
Este artigo apresenta uma revisão bibliográfica sobre a formação continuada de professores e sua contribuição para o enfrentamento da indisciplina no ambiente escolar. Parte-se da compreensão de que a indisciplina constitui um dos principais desafios do cotidiano docente, afetando o clima de sala de aula, o rendimento acadêmico e as relações interpessoais, bem como a saúde mental de professores e estudantes. O objetivo central é analisar de que maneira a formação continuada auxilia no desenvolvimento de estratégias de manejo da indisciplina. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa e caráter descritivo, realizada a partir da consulta a artigos, dissertações e teses disponíveis em bases como SciELO, Google Acadêmico e bibliotecas virtuais, utilizando descritores relacionados à formação continuada, indisciplina escolar e gestão de sala de aula. Os estudos analisados evidenciaram que formações que articulam teoria e prática, valorizam a reflexão sobre a experiência docente e abordam explicitamente a temática da indisciplina tendem a favorecer a construção de estratégias dialógicas, mediadoras e preventivas. Conclui-se que a formação continuada, quando planejada de forma sistemática, colaborativa e vinculada às demandas reais da escola, contribui significativamente para a qualificação da atuação docente e para a promoção de ambientes escolares mais organizados, acolhedores e propícios à aprendizagem.
Palavras-chave: Formação continuada de professores; Gestão de sala de aula; Indisciplina escolar.

ABSTRACT
This article presents a literature review on continuing teacher education and its contribution to addressing indiscipline in the school environment. It starts from the understanding that indiscipline constitutes one of the main challenges of daily teaching, affecting the classroom climate, academic performance, and interpersonal relationships, as well as the mental health of teachers and students. The review included theses and articles available in databases such as SciELO, Google Scholar, and virtual libraries, using descriptors related to continuing education, school indiscipline, and classroom management. The studies analyzed showed that training programs that articulate theory and practice, value reflection on teaching experience, and explicitly address the issue of indiscipline tend to favor the construction of more dialogical, mediating, and preventive strategies. It is concluded that continuing education, when planned systematically, collaboratively, and linked to the real demands of the school, contributes significantly to improving the quality of teaching performance and promoting more organized, welcoming, and conducive school environments for learning.
Keywords: Continuing teacher training; Classroom management; School indiscipline.

INTRODUÇÃO

A indisciplina tem se consolidado como um dos principais desafios enfrentados no cotidiano escolar, manifestando-se por meio de comportamentos que vão desde o desrespeito às normas institucionais até conflitos constantes entre alunos e entre alunos e professores. Longe de ser um fenômeno pontual ou restrito a determinados contextos, a indisciplina revela tensões sociais, emocionais e pedagógicas que atravessam o ambiente escolar e exigem da equipe docente uma atuação cada vez mais complexa.

Seus impactos no processo de ensino-aprendizagem são significativos. A presença constante de comportamentos indisciplinados compromete o clima de sala de aula, tornando-o menos acolhedor e pouco propício à concentração e ao engajamento dos estudantes. Além disso, interfere diretamente no rendimento escolar, na medida em que o tempo e a energia que poderiam ser destinados às atividades pedagógicas são frequentemente desviados para o gerenciamento de conflitos. As relações interpessoais também são afetadas, enfraquecendo os vínculos de respeito, cooperação e confiança entre alunos, professores e demais membros da comunidade escolar.

Nesse cenário, as demandas sobre o trabalho docente tornam-se ainda mais intensas. Espera-se que o professor, além de dominar conteúdos e metodologias de ensino, seja capaz de gerir a diversidade de comportamentos, mediar conflitos e promover um ambiente de aprendizagem democrático e respeitoso. Tal realidade evidencia a necessidade de processos sistemáticos de qualificação e atualização profissional, nos quais a formação continuada se apresenta como espaço privilegiado para a reflexão crítica sobre a prática, a construção de estratégias de manejo da indisciplina e o fortalecimento da ação pedagógica.

Nesse contexto, a partir das lacunas identificadas na literatura e dos desafios vivenciados no cotidiano escolar, formula-se a seguinte questão de pesquisa, que orienta este estudo: Como a formação continuada de professores contribui para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento da indisciplina no ambiente escolar?

A escolha deste tema justifica-se por sua relevância social, uma vez que a indisciplina interfere diretamente na aprendizagem e na saúde mental de professores e estudantes, gerando desgaste emocional, adoecimento e comprometendo a qualidade do processo educativo. Do ponto de vista acadêmico, evidencia-se a necessidade de sistematizar o que a literatura traz sobre a relação entre formação continuada e indisciplina, identificando concepções, estratégias, lacunas e possibilidades que permitam compreender de forma mais aprofundada como os processos formativos podem contribuir para o manejo desse fenômeno no contexto escolar.

O objetivo geral é analisar de que forma a formação continuada dos professores contribui para o enfrentamento da indisciplina no ambiente escolar. Seguidos dos específicos: identificar como a literatura define e caracteriza a indisciplina no contexto escolar; levantar concepções de formação continuada presentes nos estudos analisados; discutir limites e possibilidades da formação continuada para a melhoria do clima disciplinar na escola.

1. MEDODOLOGIA

Metodologicamente, este artigo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, pois se fundamenta em material já elaborado, “constituído principalmente de livros e artigos científicos” (Gil 2002, p. 44), tomando como foco produções que discutem a formação continuada de professores e o enfrentamento da indisciplina no ambiente escolar. A abordagem é predominantemente qualitativa, uma vez que busca compreender o fenômeno em profundidade, trabalhando com “o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes” presentes nos discursos dos autores (Minayo, 2014). Quanto aos objetivos, configura-se como uma pesquisa de natureza descritiva, pois, conforme Marconi e Lakatos (2017), esse tipo de estudo visa descrever, analisar e interpretar características de determinado fenômeno, delineando “o que é” a partir dos dados disponíveis na literatura.

As Informações foram obtidas por meio da consulta a publicações e artigos científicos disponíveis em plataformas como SciELO, Google Acadêmico e em bibliotecas virtuais institucionais, contemplando produções nacionais relacionadas à temática em estudo. Para a seleção do material, foram utilizados descritores como formação continuada de professores, indisciplina escolar, gestão de sala de aula, comportamento indisciplinado e formação docente. Foram incluídos, artigos, dissertações e teses publicados em língua portuguesa, que abordassem a relação entre formação continuada e indisciplina no contexto da educação básica. Trabalhos que tratavam exclusivamente de formação inicial, ou que abordavam violência escolar sem relação com a formação docente, foram excluídos do corpus de análise.

O processo de coleta e análise dos dados seguiu três etapas principais: (a) leitura exploratória, com exame de títulos, resumos e palavras-chave para verificar a pertinência temática; (b) leitura seletiva, na qual foram definidos os estudos que comporiam o conjunto final de obras analisadas; e (c) leitura analítica, voltada para o fichamento e a organização do conteúdo em eixos de discussão. A partir dessa sistematização, os estudos foram agrupados em categorias temáticas, tais como: concepções de indisciplina presentes na literatura, concepções de formação continuada a luz de Perronoud, e possibilidades da formação continuada diante dos desafios disciplinares na escola.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Indisciplina no Ambiente Escolar

A indisciplina no ambiente escolar é compreendida, de modo geral, como o conjunto de comportamentos que rompem com as normas de convivência e com os acordos estabelecidos pela escola, interferindo no desenvolvimento das atividades pedagógicas e nas relações entre os sujeitos. Quando se trata de um fenômeno complexo, historicamente produzido no interior da instituição escolar, e não apenas de um problema de falta de limites individual (Aquino, 1996).

É importante diferenciá-la de outros fenômenos, como conflito e violência. Do ponto de vista teórico, conflito e violência não são sinônimos. O conflito é compreendido como parte constitutiva das relações sociais, decorrente da presença de interesses, valores e expectativas divergentes entre os sujeitos. Autores como Charlot (2002) e Aquino (1996) ressaltam que o conflito, em si, não é algo necessariamente negativo: ele pode tornar-se oportunidade de diálogo, negociação e reconstrução de regras, especialmente quando mediado de forma pedagógica no contexto escolar.

A violência, por sua vez, é entendida como a ruptura desses processos de negociação, manifestando-se quando um sujeito ou grupo impõe sua vontade ao outro por meio da força, da intimidação ou de práticas que produzem dano físico, psicológico, simbólico ou moral. Minayo (1994) caracteriza a violência como um fenômeno social que envolve relações de poder marcadas pela violação de direitos e pela negação da dignidade do outro, enquanto Bourdieu (1998) chama atenção para as formas de violência simbólica, sutis, porém eficazes, presentes nas instituições, inclusive na escola. Assim, enquanto o conflito pode ser gerido de modo educativo, a violência implica um rompimento das condições de respeito e reconhecimento necessárias à convivência democrática.

As principais causas da indisciplina discutidas na literatura são múltiplas e interligadas. Entre elas, destacam-se fatores familiares, sociais, culturais e institucionais, que atravessam a vida dos estudantes e se refletem no cotidiano da escola. As condições socioeconômicas, as experiências de exclusão, a ausência de espaços de escuta e participação, bem como as mudanças nos padrões de autoridade e nas relações entre gerações, influenciam a forma como crianças e adolescentes se posicionam diante das regras. Em pesquisa realizada em uma escola pública de Campo Grande-MS, Juliani et al. (2018) mostram que a indisciplina, mais do que um problema individual do aluno, configura-se como óbice ao processo educativo, articulando-se às condições de trabalho docente, à organização da escola e às relações estabelecidas entre professores, estudantes e equipe gestora.

Do ponto de vista institucional, a organização da escola, o modelo de gestão, as relações de poder estabelecidas entre direção, professores e alunos, além da maneira como a sala de aula é conduzida, também contribuem para a emergência de comportamentos indisciplinados. Uma gestão de sala de aula centrada apenas no controle e na punição, por exemplo, tende a intensificar resistências, enquanto práticas mais dialógicas podem favorecer a corresponsabilização dos estudantes. (Juliani et. al., 2018). Nesse sentido, para os autores, a indisciplina precisa ser compreendida em articulação com as condições de trabalho docente, com a organização da escola e com as relações entre os sujeitos, e não apenas como problema de comportamento individual dos alunos.

As consequências da indisciplina para o processo educativo são significativas. Em termos pedagógicos, a recorrência de episódios de indisciplina compromete a aprendizagem, na medida em que desvia o tempo e a atenção das atividades didáticas, dificulta a concentração e diminui o engajamento dos estudantes. Nesse sentido, Luckesi (2011) ressalta que a qualidade do processo ensino-aprendizagem depende de um ambiente organizado e favorável ao trabalho pedagógico, pois “situações de desordem e conflito permanente tendem a inviabilizar o tempo, a atenção e a energia necessários para que a aprendizagem se efetive

Do ponto de vista dos professores, a necessidade constante de lidar com situações de indisciplina pode gerar sentimento de impotência, frustração e desmotivação, impactando sua saúde mental e seu vínculo com a profissão. Neste contexto, Esteve (1999) destaca que a exposição continuada a situações de tensão, conflito e falta de reconhecimento contribui para o mal-estar docente, podendo levar ao esgotamento emocional e ao afastamento progressivo da profissão.

Além disso, a indisciplina contribui para a construção de um clima escolar tenso e pouco colaborativo, marcado por relações fragilizadas, menor confiança entre os sujeitos e enfraquecimento do sentimento de pertencimento à comunidade escolar. Dessa forma, compreender a indisciplina em sua complexidade é condição fundamental para pensar estratégias formativas e pedagógicas que visem não apenas ao controle do comportamento, mas à construção de ambientes mais democráticos, respeitosos e favoráveis à aprendizagem.

2.2. Trabalho Docente e Desafios Contemporâneos à Luz de Perrenoud

O trabalho docente, no contexto contemporâneo, tem sido marcado por uma ampliação significativa de suas demandas. Para além do domínio de conteúdos e da utilização de metodologias de ensino, espera-se que o professor atue como mediador de conflitos, capaz de intervir em situações de tensão entre estudantes, entre estudantes e professores e, em alguns casos, entre escola e família. Soma-se a isso o papel de acolhimento emocional, uma vez que muitos alunos chegam à escola atravessados por questões sociais, familiares e pessoais que impactam diretamente seu comportamento e sua relação com a aprendizagem.

Nesse cenário, o professor é constantemente convocado a desenvolver e mobilizar competências, segundo Perrenoud (2000, p. 12) afirma que seu propósito é “falar de competências profissionais, privilegiando aquelas que emergem atualmente”. Nessa perspectiva, o autor compreende competência como a capacidade de o indivíduo agir eficazmente em um determinado tipo de situação, mediante a mobilização de diversos recursos cognitivos. As dez competências por ele anunciadas não esgotam todas as relações que se estabelecem em uma sala de aula, pois o exercício profissional engloba nuances subjetivas que requerem um olhar atento do educador, como é o caso da educação inclusiva e das demandas socioemocionais presentes na escola.

Quadro 1- Competências para ensinar segundo Perrenoud (2000)

Competência

Função

Organizar e dirigir situações de aprendizagem

Construir e dirigir situações didáticas

Administrar a progressão das aprendizagens

Observar e avaliar segundo um enfoque formativo

Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação

Desenvolver, compartir e praticar o apoio integrado

Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho

Motivar o desejo de aprender

Trabalhar em equipe

Elaborar e coordenar um projeto institucional

Participar da administração escolar

Fomentar reuniões informativas e debates

Informar e envolver os pais

Competências baseadas em uma cultura tecnológica

Utilizar novas tecnologias

 

Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão

Dilemas e competências

Administrar a sua própria formação

Projeto de formação comum

Fonte: Perrenoud, 2000.

Ao analisar essas competências, observa-se que elas dialogam diretamente com os desafios contemporâneos do trabalho docente. Organizar situações de aprendizagem e administrar a progressão das aprendizagens tornam-se essenciais diante de turmas heterogêneas, nas quais é preciso considerar ritmos, estilos e histórias de vida diferentes. A concepção de dispositivos de diferenciação e o apoio integrado relacionam-se à educação inclusiva, exigindo que o professor adapte estratégias, materiais e tempos de aprendizagem para que todos os alunos tenham oportunidades reais de participar e aprender.

Da mesma forma, trabalhar em equipe, participar da administração escolar e informar e envolver os pais respondem às exigências de uma escola que se pretende democrática e participativa, na qual as decisões são compartilhadas e o diálogo com as famílias é fundamental para o acompanhamento do percurso escolar dos estudantes. A competência de utilizar novas tecnologias, por sua vez, revela-se indispensável em um contexto em que recursos digitais e ambientes virtuais atravessam o cotidiano dos alunos e podem ser incorporados de maneira crítica e criativa ao processo de ensino-aprendizagem.

Nessa perspectiva, a docência envolve uma dimensão ética e relacional, que exige do professor disponibilidade para a escuta, respeito ao outro e compromisso com a construção de um ambiente de diálogo e de reconhecimento mútuo (Freire, 1996). Nesse cenário, o professor é constantemente convocado a desenvolver e mobilizar competências socioemocionais, como empatia, escuta ativa, autocontrole, resiliência e comunicação assertiva, para conseguir estabelecer vínculos, construir um ambiente de respeito e favorecer a participação dos estudantes.

Perrenoud (2000) revela que para o aluno progredir aos domínios visados pelo docente, este deve colocá-lo num nível ótimo de aprendizagem, ou seja, num nível de aprendizagem que não deve ser nem aquém nem além para não subestimar ou dificultar a aprendizagem do aluno. Contudo, os docentes devem considerar que cada criança traz consigo a sua bagagem cultural que favorece o seu desenvolvimento cognitivo. O autor ainda alerta que os professores devem romper com a pedagogia frontal, tradicional que procura ensinar da mesma forma para todos (as) alunos (as).

2.3. Formação Continuada e Enfrentamento da Indisciplina

A formação continuada de professores tem se configurado como um elemento central no enfrentamento da indisciplina escolar, na medida em que oferece espaços sistemáticos de reflexão, atualização e ressignificação da prática pedagógica. Imbernón (2010) enfatiza que a formação continuada deve promover processos de reflexão crítica sobre o cotidiano escolar, possibilitando ao docente rever concepções, reconstruir saberes e ressignificar sua prática a partir dos problemas concretos que enfrenta na escola.

Entendida como um processo permanente de desenvolvimento profissional, que se estende para além da formação inicial e se ancora no contexto real de trabalho (Nóvoa, 1992; Imbernón, 2010), a formação continuada possibilita aos docentes estudarem conceitos, analisar situações concretas de sala de aula, discutir estratégias de intervenção e construir, de forma coletiva, novas formas de organização do trabalho escolar.

No contexto brasileiro, documentos legais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 9.394/1996, o Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada de professores (Resolução CNE/CP n. 2/2015) reafirmam a formação continuada como direito do professor e condição para a melhoria da qualidade do ensino, incluindo a capacidade de lidar com problemas de convivência, conflitos e situações de indisciplina no cotidiano da escola.

Quando planejada de maneira articulada às demandas reais da escola, a formação continuada pode auxiliar os professores a compreenderem a indisciplina em sua complexidade, superando visões restritas e punitivas e reconhecendo a influência de fatores sociais, emocionais, institucionais e pedagógicos sobre o comportamento dos estudantes. Nessa perspectiva, Aquino (1996) enfatiza que a indisciplina não pode ser reduzida a um problema individual do aluno, mas deve ser entendida como um fenômeno relacional, produzido nas interações que se estabelecem no contexto escolar, o que exige processos formativos que ajudem o professor a analisar criticamente essas relações e a rever suas práticas pedagógicas.

Nesse sentido, destacam-se processos formativos que abordam temas diretamente relacionados à gestão da sala de aula, à mediação de conflitos, à comunicação não violenta, às práticas restaurativas e ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais, em sintonia com orientações presentes na Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2017), que enfatiza a importância da educação integral e da formação para a convivência democrática.

Formações que articulam teoria e prática, favorecem o estudo de casos, a troca de experiências entre professores e a análise crítica do cotidiano escolar tendem a contribuir para o desenvolvimento de estratégias mais dialógicas, preventivas e inclusivas de manejo da indisciplina. De acordo com Gatti (2009), processos de formação continuada que tomam o cotidiano escolar como objeto de reflexão coletiva e analisam situações concretas do trabalho docente favorecem a construção de novas práticas pedagógicas e o desenvolvimento de estratégias mais qualificadas para enfrentar os problemas que atravessam a escola, entre eles a indisciplina.

Em vez de se limitar à lógica da punição, o professor passa a contar com um repertório ampliado de intervenções, que inclui o estabelecimento de combinados, a construção de regras compartilhadas, a escuta ativa dos estudantes, a reorganização de rotinas e o uso de metodologias que promovem maior engajamento e participação. Por outro lado, a literatura também evidencia limites importantes quando a formação continuada ocorre de forma pontual, descontextualizada ou desvinculada do projeto pedagógico da escola. A ausência de acompanhamento das práticas após as formações, a falta de tempo institucional para estudo e reflexão, bem como a pouca participação da equipe gestora nos processos formativos, dificultam a consolidação de mudanças mais profundas na cultura disciplinar da escola. Nesse sentido, autores como Gatti (2009) e Imbernón (2010) destacam que processos formativos esporádicos, centrados apenas na transmissão de conteúdos e desarticulados das necessidades concretas das escolas tendem a ter baixo impacto na transformação das práticas pedagógicas, reforçando a importância de propostas contínuas, contextualizadas e integradas ao projeto político-pedagógico.

Assim, o enfrentamento da indisciplina exige não apenas iniciativas individuais dos professores, mas políticas de formação continuada estruturadas, contínuas e coletivas, que envolvam toda a comunidade escolar, docentes, gestores, funcionários, estudantes e famílias na construção de ambientes mais democráticos, respeitosos e favoráveis à aprendizagem, em consonância com os princípios de gestão democrática e garantia do direito à educação previstos na LDB e no PNE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises realizadas ao longo deste artigo permitiram identificar que a literatura científica descreve diferentes modalidades de formação continuada voltadas ao enfrentamento da indisciplina escolar, incluindo cursos de atualização, oficinas, grupos de estudo, formações em serviço e programas institucionais articulados às políticas educacionais. De modo geral, tais formações enfatizam o desenvolvimento de competências relacionadas à gestão da sala de aula, à mediação de conflitos, à comunicação assertiva e à construção de relações mais dialógicas entre professores e estudantes.

Entre as estratégias de manejo da indisciplina, destacam-se o estabelecimento de combinados e contratos pedagógicos, o uso de metodologias ativas que favorecem o engajamento discente, a adoção de práticas restaurativas, o incentivo ao diálogo e à escuta qualificada, bem como ações voltadas à promoção de um clima de respeito e cooperação. Ao mesmo tempo, evidenciam-se lacunas importantes, como a predominância de formações pontuais, pouco articuladas ao contexto real das escolas, a ausência de acompanhamento sistemático das práticas docentes e a fragilidade de políticas mais estruturadas de formação continuada voltadas especificamente à temática da indisciplina.

Retomando a questão de pesquisa que orientou este estudo, “como a formação continuada de professores contribui para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento da indisciplina no ambiente escolar, pode-se sintetizar que a revisão indicou uma contribuição significativa da formação continuada para o desenvolvimento de estratégias de manejo conscientes, consistentes e pedagógicas. Os estudos mostraram que processos formativos que abordam explicitamente a temática da indisciplina, fundamentados em teorias educacionais e em práticas reflexivas, tendem a favorecer o ressignificar das concepções dos professores sobre o comportamento dos estudantes e o fortalecimento de sua atuação na gestão da sala de aula.

Portanto, o estudo apontou caminhos para pesquisas futuras, indicando a pertinência de investigações que envolvam intervenções formativas acompanhadas de avaliação sistemática de seus impactos sobre a indisciplina em diferentes níveis de ensino. Sugere-se a realização de estudos em contextos específicos, educação infantil, anos iniciais e finais do ensino fundamental, ensino médio, considerando as particularidades de cada etapa e as diferentes manifestações da indisciplina.

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1 Graduação em Pedagogia pela Faculdade Integradas de Ariquemes – FIAR (1994). Pós-graduada em Gestão Escolar pela Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR (2002). E-mail: [email protected]