HANSENÍASE NO MARANHÃO, BRASIL: UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA (2024)

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14676372


Ítalo Carneiro de Oliveira
Thais Gisele Bastos Gonçalves
Andrio Correa Barros
Isabela Formiga Nogueira
Cláudio Calixto dos Santos Pontes
Alekssandra Jasiunas Froio
Eric Brito Ferraz
Maria Inez de Santana
Helton Zheus Azevedo Mota


RESUMO
Este estudo analisou o panorama epidemiológico da hanseníase no estado do Maranhão, Brasil, no ano de 2024, com ênfase na incidência, formas clínicas, distribuição geográfica e estratégias de controle. Os dados foram obtidos por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Os resultados indicaram que a maioria dos casos diagnosticados ocorre em estágios avançados, com predominância nas formas multibacilares. As maiores taxas de incidência foram observadas em adultos jovens (20-39 anos), enquanto idosos enfrentam barreiras significativas no acesso aos serviços de saúde, contribuindo para a subnotificação. O diagnóstico tardio e falhas nos registros foram identificadas como desafios críticos. Conclui-se que a ampliação de programas educativos e de rastreamento, aliada a políticas públicas eficazes, é essencial para promover a detecção precoce e reduzir a carga da hanseníase na região.
Palavras-chave: Hanseníase. Epidemiologia. Maranhão. Diagnóstico.

ABSTRACT
This study analyzed the epidemiological panorama of leprosy in the state of Maranhão, Brazil, in 2024, with an emphasis on incidence, clinical forms, geographical distribution, and control strategies. Data were obtained from the Notifiable Diseases Information System (SINAN). The results indicated that most diagnosed cases occur in advanced stages, with a predominance of multibacillary forms. The highest incidence rates were observed among young adults (20-39 years), while older adults face significant barriers in accessing healthcare services, contributing to underreporting. Late diagnosis and deficiencies in record-keeping were identified as critical challenges. It is concluded that the expansion of educational and screening programs, combined with effective public policies, is essential to promote early detection and reduce the burden of leprosy in the region.
Keywords: Leprosy. Epidemiology. Maranhão. Diagnosis. Prevention.

INTRODUÇÃO:
A hanseníase, conhecida popularmente como “lepra”, é uma doença infecciosa crônica, de caráter dermatoneurológica, sendo causada pela bactéria Mycobacterium Leprae (M. Leprae) (OMS, 2017). Classificada de acordo com o Código Internacional de Doenças (CID-10: A30). Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), a hanseníase é a terceira doença negligenciada mais significante em todo o mundo em termos de sua prevalência (ARAÚJO, 2003).

Historicamente, a hanseníase esteve associada a um intenso estigma social, especialmente nos estágios mais avançados, devido às deformidades físicas e incapacidades permanentes decorrentes da doença. Esse preconceito levou ao isolamento dos pacientes em colônias, configurando um dos capítulos mais sombrios e dolorosos da história da saúde pública e dos direitos humanos. Apesar de a cura ser atualmente acessível e eficaz, com taxas de recuperação superiores a 95%, a detecção precoce e a erradicação do estigma permanecem desafios significativos na luta contra a doença (ALVES, 2014).

Embora seja uma doença endêmica e de alcance global, a hanseníase continua sendo um problema de saúde pública. Em 2019, a OMS reportou 202.185 novos casos em todo o mundo. Desses, 29.936 (cerca de 93%) ocorreram nas Américas, com o Brasil contribuindo com 27.864 notificações. Um aspecto alarmante no país é o número de casos em crianças, com 1.545 (5,5%) dos novos diagnósticos ocorrendo em menores de 15 anos (MS, 2021).

O quadro clínico da hanseníase apresenta-se de diversas formas, com manifestações mais evidentes na pele, além de potenciais complicações envolvendo o sistema nervoso periférico, o trato respiratório superior e os olhos. A classificação operacional baseia-se no número de lesões cutâneas: a forma paucibacilar (PB), caracterizada pela presença de uma a cinco lesões cutâneas e baciloscopia negativa, apresenta menor risco de incapacidades físicas, contribuindo para a interrupção da transmissão. Já a forma multibacilar (MB), que se caracteriza por mais de cinco lesões cutâneas e/ou baciloscopia positiva, é a variante mais grave e altamente contagiosa (SANTOS, 2019).

OBJETIVOS:

Objetivo Geral:

Analisar o panorama epidemiológico da hanseníase no estado do Maranhão, Brasil, no ano de 2024, investigando a incidência, as formas clínicas, a distribuição geográfica dos casos, e as estratégias de controle implementadas, visando identificar os principais desafios e lacunas no enfrentamento da doença na região.

Objetivos Específicos:

  1. Investigar a incidência da hanseníase no Maranhão em 2024.

  2. Analisar as formas clínicas predominantes da hanseníase.

  3. Estudar a distribuição geográfica dos casos de hanseníase no Maranhão.

  4. Avaliar as estratégias de controle e prevenção da doença

  5. Identificar as barreiras no diagnóstico e tratamento da hanseníase.

METODOLOGIA:

Trata-se de um estudo de análise epidemiológica, de todos os casos notificados por hanseníase, no estado do Maranhão, no ano de 2024. O estado do brasileiro tem o total 217 municípios com extensão territorial de 329.651,495 km2, com densidade demográfica de 20,56 habitantes/km2, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 0,676.

Os dados foram obtidos através do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN), disponível no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), recebendo as notificações dos casos no estado do Maranhão no ano de 2024. Os dados para compor a pesquisa foram retirados da base pública de informações de saúde.

As variáveis de interesse foram ano de notificação (2024), distribuição das notificações segundo os meses do ano, faixa etária (0 a 9 anos; 10 a 19 anos; 20 a 59 anos; 59 a 80 anos), sexo (Feminino; Masculino)

Foram analisados os quadros clínicos inerentes a doença, analisando também a distribuição geográfica de casos entre os municípios. Variáveis sociodemográficas como sexo e faixa etária dos doentes também foram analisadas. A classificação dos casos foi feita separando os paucibacilares, com poucos pontos de infecção, menor risco de transmissão cruzada, e multibacilares, ocorrendo o contrário, múltiplas lesões e mais formuladas para contágio, sendo necessária atenção maior em controle.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Com base nos dados de 2024, a análise epidemiológica da hanseníase no Maranhão traz insights importantes sobre a distribuição desta doença ao redor do estado. Tomando como base as variáveis de faixa etária, sexo, regimes terapêuticos e formas clínicas, é possível identificar padrões que merecem foco específico no que se diz respeito às oportunidades para expansão das políticas de saúde

O gráfico 1 descreve a distribuição mensal dos diagnósticos de hanseníase no estado do Maranhão em 2024, totalizando 720 casos. Embora seja uma análise simplificada, esse gráfico permite que se interprete parte da dinâmica de notificação e identificação da doença no estado, fornecendo elementos parciais para discutir as ações de controle. Os dados indicam um pico expressivo dos episódios diagnosticados nos meses iniciais do ano, com 246 casos em janeiro e 34 em fevereiro.. A partir de março, uma queda mensal nos registros observa-se, com 166 casos no mesmo. Esse decréscimo é mais acentuado nos meses seguintes, chegando a 28 casos em dezembro.

Gráfico 1: Diagnóstico por mês (BRASIL. Ministério da Saúde. SINAM
GRÁFICO 2: Acompanhamento por faixa etária (BRASIL. Ministério da Saúde. SINAM)

No caso das faixas etárias, conforme ilustrado no gráfico 2, as maiores incidências são as de 20 a 39 anos; enquanto para baixa incidência, a 20 a 29 anos é destaque. Geralmente, esses grupos são socialmente ativos e têm alguma ocupação, seja ela o emprego ou outras atividades coletivas, aumentando a chance de contágio pela bactéria Mycobacterium leprae devido ao contato social frequente. Já as mais baixas faixas etárias (5-14)anos que abrangem, nas maiores incidências notificadas em crianças e adolescentes, são explicadas pela adoção eficaz dos programas sanitários, visto que a hanseníase é uma doença de notificação compulsória, A redução da detecção de casos entre os idosos também está associada a barreiras significativas à assistência enfrentada por essa população, incluindo limitações físicas, falta de transporte, desigualdade de atendimento e subnotificação.

Em relação a casos de Hanseníase, a subnotificação pode ser explicada, em parte, pela menor utilização de serviços de saúde e pela dificuldade no diagnóstico clínico da doença em estágios iniciais, principalmente em idosos, cujas manifestações de hanseníase podem ser confundidas com as neuropatias causadas por alterações mais comuns, como diabetes mellitus ou outras doenças de pele (ARAÚJO, 2003).

Gráfico 3: Classificação por gênero (BRASIL. Ministério da Saúde. SINAM)

Em comparação com a proporção dos casos de hanseníase verificados na população em geral, a quantidade de registros caracterizados como do sexo masculino é discretamente predominante, o que poderia ser relacionado à exposição diferencial dos homens a fatores de risco ocupacionais e sociais, como atividades que demandam maior contato com grupos heterogêneos e múltiplos ambientes.

A subnotificação em mulheres poderia ser desenvolvida de maneira semelhante, quando barreiras socioculturais, como estigma, sobrecarga de trabalho doméstico e barreiras ao atendimento em saúde, poderiam resultar em rebaixamento da quantidade de mulheres no total da hanseníase registrada. Tais dados indicam a necessidade do desenvolvimento de medidas de intervenção diferencial de acordo com as dinâmicas de gênero para promover mais igualdade nos diagnósticos e tratamentos.

Gráfico 4: Carga bacilar – BACILOSCOPIA (BRASIL. Ministério da Saúde. SINAM)

Em relação à carga bacilar, ilustrado no gráfico 4, a distribuição dos casos de hanseníase demonstra maior predominância de MB do que de PB. Esse fato sugere que a maioria dos diagnósticos ocorre quando a multiplicação dos bacilos já é elevada e, por sua vez, os sinais e sintomas também são mais marcantes. Isso se deve, muito provavelmente, ao atraso diagnóstico presente em muitos casos, já que somente quando as lesões de pele e acometimento nervoso avançados tornam-se evidentes, o diagnóstico é feito.

Em contraponto, a menor porcentagem de casos PB pode refletir a dificuldade de reconhecimento da doença em formas mais brandas, o que exige atenção uma vez que a hanseníase PB frequentemente apresenta poucos sintomas ou mesmo em regiões com dificuldade de acesso à serviços de saúde pode haver subnotificação dos casos. Tudo isso esclarece ainda mais a falha na detecção precoce, importante para redução do risco de transmissão e repercussões futuras. Portanto, reforça-se a necessidade de diagnóstico oportuno por meio de programas educaivos e de busca ativa em áreas de alta endemicidade. É necessário ampliar o acesso ao diagnóstico precoce e tratamento adequado para diminuir a carga da doença em vigência e vetores.

Gráfico 5: Frequência de lesões cutâneas (BRASIL. Ministério da Saúde. SINAM)

Em relação à distribuição do número de lesões cutâneas em casos de hanseníase, a maioria concentra-se em 2-5 lesões, seguido por mais de 5 lesões. Os casos de 1 lesão e exatamente 1 lesão registraram baixas porcentagens, o que vem demonstrar que muitos casos foram descobertos somente em um estágio intermediário ou avançado quando os sinais e sintomas clínicos eram de maior intensidade, sejam pelo próprio paciente ou por profissionais de saúde.

Isso indica a dificuldade em identificar casos leves em um estágio muito inicial uma vez que tais lesões clínicas podem ser quase desprezíveis ou podem passar despercebidas devido à uma falsa identificação como outra doença dermatológica comum. A baixa porcentagem dos registros sem informação indica a importância de um sistema de informação organizado e estruturado, com informações suficientes para a análise de situação de saúde. Já a predominância de múltiplas lesões orienta para a necessidade do diagnóstico precoce, para que, se um paciente com o bacilo estiver infectado, este desenvolva a doença de forma clínica com uma agressividade o suficiente para interromper a cadeia de transmissão. Em relação ao trabalho de conscientização da população sobre o que as lesões de hanseníase podem acarretar, é importante que a população saiba identificar com mais precisão e brevidade.

Gráfico 6: Esquema terapeutico (BRASIL. Ministério da Saúde. SINAM)

O Gráfico 6 demonstra a distribuição dos pacientes de hanseníase de acordo com o esquema terapêutico utilizado. Observa-se uma predominância significativa do regime PQT/MB (12 doses), destinado a casos multibacilares, em comparação ao PQT/PB (6 doses), utilizado para tratar casos paucibacilares. Essa diferença evidencia que a maioria dos pacientes é diagnosticada em estágios mais avançados da doença, quando a carga bacilar é maior e os sintomas já estão mais evidentes.

A presença de "outros esquemas substitutivos" em menor escala e de registros incompletos ou ignorados (Ign/Branco) aponta para possíveis falhas no sistema de registro e acompanhamento dos tratamentos. Essas inconsistências podem dificultar análises epidemiológicas mais precisas e a implementação de estratégias de controle mais eficazes.

CONCLUSÃO:

Portanto, a hanseníase permanece como um desafio significativo ao Maranhão, Brasil, tanto devido à sua prevalência quanto aos desafios no seu diagnóstico e tratamento. Embora seja uma doença tratável e curável, a análise do perfil epidemiológico com base nos dados do ano de 2024 indicou que a maioria dos diagnósticos resultam em estágio avançado, sendo mais frequentes os regimes terapêuticos para formas multibacilares.

O estudo evidencia que o diagnóstico da hanseníase é feita de maneira tardia, o que descreve a necessidade de novas estratégias eficazes para identificar a infecção em sua fase inicial. O presente estudo ressaltou a relevância das categorias, como faixa etária, sexo, formas clínicas de hanseníase ao se analisar a distribuição da doença. Por exemplo, a faixa etária mais elevada em adultos jovens de 20 aos 39 anos é justificada por sua maior interação social, no entanto, a detecção mais baixa em idosos pode ser atribuída a barreiras de acesso à saúde e subnotificação.

Além disso, as formas paucibacilares da hanseníase são mais difíceis de diagnosticar, o que sugere a complicação de identificação clínica. Outros dados apontam falhas no registro, na proporção dos ignorados e sem informação. Essa lacuna dificulta a policitação necessária para fins de controle. Dessa forma, politicamente, é primordial programas educacionais que evitem a relutância da população para sinais e sintomas e práticas para mitigar o estigma

A ampliação dos programas de rastreamento e monitoramento pode contribuir significativamente para a detecção precoce nas áreas endêmicas, possibilitando intervenções mais eficazes e oportunas. Com a implementação desses esforços, surge a perspectiva de uma redução expressiva na transmissão da hanseníase, promovendo um futuro mais igualitário e acessível, onde os benefícios do sistema de tratamento atual possam alcançar de maneira plena todos os indivíduos afetados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Elioenai Dornelles; FERREIRA, Telma Leonel; FERREIRA, Isaias Nery. Hanseníase avanços e desafios. In: Hanseníase avanços e desafios. 2014. p. 492-492.

ARAÚJO, Marcelo Grossi. Hanseníase no brasil. Revista da sociedade brasileira de medicina tropical, v. 36, p. 373-382, 2003.

BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Disponível em: http://www.datasus.gov.br. Acesso em: 8 dez 2024.

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MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Boletim Epidemiológico Hanseníase: número especial - Janeiro 2021. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/boletim_epidemiologico_SVS_numero_especial_jan_2021.pdf. Acesso em: 9 jan. 2025.

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