INTERAÇÃO DE CHÁS MEDICINAIS COM ANTIDEPRESSIVOS: IMPLICAÇÕES NA EFICÁCIA TERAPÊUTICA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14676350
Ítalo Carneiro de Oliveira
Nelson Pinto Gomes
Cláudio Calixto dos Santos Pontes
Maria Inez de Santana
Alekssandra Jasiunas Froio
RESUMO
Este estudo investiga as interações entre chás medicinais e antidepressivos, analisando como essas combinações podem influenciar a eficácia terapêutica e a segurança no tratamento da depressão. A revisão de literatura abrange artigos publicados entre 2007 e 2024, abordando os efeitos de fitoterápicos como camomila, valeriana e erva-cidreira sobre a farmacocinética de antidepressivos, como absorção, metabolização e excreção, além de seus impactos em neurotransmissores como serotonina e dopamina. Os resultados destacam tanto o potencial terapêutico quanto os riscos associados ao uso concomitante, como alterações na eficácia dos medicamentos e amplificação de efeitos colaterais. Apesar de evidências promissoras, a escassez de estudos clínicos robustos reforça a necessidade de pesquisas adicionais para estabelecer diretrizes seguras. Este trabalho enfatiza a importância da supervisão profissional na integração de terapias naturais e farmacológicas, visando um tratamento mais eficaz e personalizado.
Palavras-chave: chás medicinais. antidepressivos. interações medicamentosas. farmacocinética. saúde mental.
ABSTRACT
This study investigates the interactions between medicinal teas and antidepressants, analyzing how these combinations may influence therapeutic efficacy and safety in treating depression. The literature review covers articles published between 2007 and 2024, exploring the effects of herbal remedies such as chamomile, valerian, and lemon balm on the pharmacokinetics of antidepressants, including absorption, metabolism, and excretion, as well as their impact on neurotransmitters like serotonin and dopamine. The findings highlight both the therapeutic potential and the risks associated with concomitant use, such as altered drug efficacy and amplified side effects. Despite promising evidence, the lack of robust clinical studies underscores the need for further research to establish safe guidelines. This work emphasizes the importance of professional supervision in integrating natural and pharmacological therapies for more effective and personalized treatment.
Keywords: medicinal teas. antidepressants. drug interactions. pharmacokinetics. mental health
1 INTRODUÇÃO
A descoberta dos antidepressivos, no final da década de 1950, marcou um avanço significativo no tratamento dos transtornos depressivos. Essa inovação permitiu uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos biológicos envolvidos na depressão, levando a uma abordagem mais eficaz no tratamento dessa condição. Ao longo do tempo, a depressão passou a ser vista não apenas como um distúrbio emocional, mas como uma doença tratável, em uma perspectiva semelhante a outras condições crônicas, como diabetes e hipertensão arterial (SOUZA, 2015).
Até os anos 1980, os antidepressivos mais utilizados eram os tricíclicos (ADTs) e os inibidores de monoaminooxidase (IMAOs), que, apesar de eficazes, apresentavam diversos efeitos colaterais e riscos, principalmente pela inespecificidade de suas ações farmacológicas e pela possibilidade de reações adversas em caso de overdose. Nas últimas décadas, novas classes de antidepressivos foram desenvolvidas, trazendo opções mais seletivas e com menos efeitos indesejáveis, ampliando as possibilidades terapêuticas (SOUZA, 2015).
Contudo, mesmo com os avanços na farmacologia, o tratamento da depressão com antidepressivos ainda apresenta desafios. Embora cerca de 70% dos pacientes obtenham benefícios com esses medicamentos, uma parte considerável, entre 30% e 40%, não responde adequadamente ao primeiro tratamento, necessitando de ajustes terapêuticos ou a troca para outra classe de antidepressivos. Isso evidencia a complexidade da doença e a necessidade de explorar alternativas que possam complementar ou melhorar a eficácia dos tratamentos convencionais (AGUIAR, 2011).
Nos últimos anos, o uso de chás medicinais tem se popularizado como uma forma de tratamento complementar para distúrbios emocionais, incluindo a depressão. Chás como o de camomila, valeriana e erva-cidreira são comumente utilizados para aliviar sintomas de ansiedade e melhorar o bem-estar emocional. Embora esses chás possuam uma longa tradição no manejo de condições de saúde mental, as interações entre os compostos presentes neles e os antidepressivos ainda são pouco compreendidas, levantando questões sobre a segurança e a eficácia dessa combinação. A utilização conjunta de chás e antidepressivos pode interferir nos processos de absorção, metabolização e excreção dos medicamentos, afetando sua eficácia terapêutica ou aumentando a probabilidade de efeitos adversos (SILVA, 2017; DIAS 2017).
O presente estudo tem como objetivo investigar as possíveis interações entre os chás medicinais e os antidepressivos, analisando como esses compostos podem impactar o tratamento da depressão. A pesquisa buscará entender os mecanismos de interação entre os componentes dos chás e os antidepressivos, com foco nas implicações para a segurança e a eficácia do uso combinado dessas abordagens terapêuticas.
2. OBJETIVOS
2.1 GERAL:
Avaliar as interações entre chás medicinais e antidepressivos, investigando como essas interações podem influenciar a eficácia terapêutica dos tratamentos para depressão.
2.2 ESPECÍFICOS
Analisar os efeitos de chás medicinais na farmacocinética dos antidepressivos, incluindo absorção, metabolização e excreção.
Avaliar os impactos de chás medicinais sobre os efeitos colaterais associados ao uso de antidepressivos.
Investigar possíveis alterações nos níveis de serotonina, dopamina e outros neurotransmissores com a combinação de antidepressivos e chás medicinais.
3. METODOLOGIA
Revisão de literatura realizada no período de 01/12/2024 a 11/01/2025, onde foram analisados artigos disponíveis nas principais plataformas de divulgação científica, como Scielo, Google Acadêmico e PubMed. A pesquisa foi conduzida a partir dos descritores “interação de chás medicinais”, “antidepressivos”, “interações medicamentosas”, “efeitos terapêuticos” e “modulação de neurotransmissores”.
Foram incluídos artigos publicados no período de 2007 a 2024, nas línguas Inglês e Português. Os critérios de exclusão foram baseados na relevância do conteúdo, qualidade dos estudos e conformidade com os padrões estabelecidos pelo PRISMA. Foram selecionados 18 artigos que atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos, proporcionando uma visão abrangente das interações entre chás medicinais e antidepressivos, incluindo mecanismos bioquímicos e potenciais implicações para a prática clínica.
4. DISCUSSÃO:
A interação entre chás medicinais e antidepressivos é uma questão relevante devido ao crescente uso de terapias naturais para complementar os tratamentos farmacológicos, especialmente em transtornos psiquiátricos como a depressão. O uso de ervas como camomila, valeriana e erva-cidreira para o alívio de sintomas de ansiedade e insônia é comum entre os pacientes, mas as interações com medicamentos antidepressivos ainda não são totalmente compreendidas, o que levanta questões sobre a eficácia e segurança do uso concomitante dessas substâncias (DE JESUS, 2023).
Um dos principais desafios ao combinar chás medicinais com antidepressivos é o impacto que esses fitoterápicos podem ter na farmacocinética dos medicamentos, afetando sua absorção, metabolização e excreção. O chá de camomila, por exemplo, contém compostos como flavonoides, que têm sido associados à inibição de enzimas hepáticas do sistema CYP450, responsáveis pela metabolização de muitos antidepressivos. Segundo um estudo de NEVES (2019), a camomila pode interagir com antidepressivos que são metabolizados por essas enzimas, o que pode resultar em alterações nos níveis plasmáticos dos medicamentos, podendo aumentar o risco de efeitos colaterais ou reduzir a eficácia terapêutica.
Por outro lado, a valeriana, conhecida por suas propriedades sedativas, é frequentemente utilizada para ajudar a melhorar o sono de pacientes com depressão, uma condição comum em muitos transtornos psiquiátricos. No entanto, um estudo de LINDOLFO (2014), indicou que a valeriana pode ter efeitos aditivos quando combinada com antidepressivos, especialmente no que diz respeito à sedação. Isso pode ser vantajoso para pacientes que apresentam distúrbios do sono, mas também pode aumentar o risco de sonolência excessiva e interferir na capacidade cognitiva, particularmente em indivíduos que já experienciam esses efeitos como efeitos colaterais dos antidepressivos.
Apesar dessas preocupações, há também evidências que sugerem que o uso de chás medicinais, como o chá de camomila, pode ser benéfico em contextos específicos. Um estudo realizado por Amsterdam et al. (2009) observou que a camomila pode ser eficaz na redução dos sintomas de ansiedade em pacientes com transtorno de ansiedade generalizada, sem interferir negativamente na ação de medicamentos antidepressivos. Isso sugere que, sob orientação médica, o uso de chás medicinais pode complementar o tratamento farmacológico sem causar interações adversas graves, desde que administrados com cautela.
Ainda assim, a escassez de estudos clínicos rigorosos sobre as interações entre chás medicinais e antidepressivos indica a necessidade urgente de mais pesquisas. Nicoletti 2007, destacam a falta de dados robustos sobre as interações entre fitoterápicos e antidepressivos, o que reforça a importância de estudos futuros que investiguem essas interações em profundidade. As evidências atuais indicam que, embora as terapias com chás possam oferecer benefícios terapêuticos, elas devem ser usadas com cautela, e o monitoramento dos efeitos adversos é essencial. A tabela 1 destaca as interações mencionadas nas literaturas acerta do uso de fitoterápicos e antidepressivos.
Fitoterápico | Classe de Antidepressivo | Efeito Observado | Mecanismo de Ação/Interação | Referência |
Camomila | ISRS (Fluoxetina, Sertralina) | Pode aumentar a concentração plasmática dos ISRS | A camomila contém flavonoides que inibem enzimas do sistema CYP450, afetando a metabolização de ISRS | NEVES, 2019 |
Camomila | Tricíclicos (Amitriptilina) | Potencial aumento dos efeitos sedativos e risco de toxicidade | Inibição do CYP450 pode aumentar a concentração plasmática do antidepressivo, intensificando efeitos sedativos | DE LIMA, 2020. |
Valeriana | ISRS (Escitalopram, Fluoxetina) | Aumento da sedação, risco de sonolência excessiva | Potencialização do efeito sedativo devido ao aumento da atividade GABAérgica, que pode ser amplificado com ISRS | LINDOLFO, 2014 |
Valeriana | Tricíclicos (Imipramina, Nortriptilina) | Efeito aditivo na sedação e sedação excessiva | Interação com os efeitos sedativos dos antidepressivos tricíclicos, resultando em sonolência e dificuldade de concentração | NICOLLETI, 2007. |
Erva-Cidreira Melissa officinalis | Antidepressivos gerais (ISRS, IMAO) | Efeito ansiolítico complementar, melhora do estado emocional | Efeitos ansiolíticos leves que podem complementar o tratamento, mas sem alterar significativamente a farmacocinética | NICOLLETI, 2007. |
Ginseng Panax ginseng
| ISRS (Paroxetina, Fluoxetina) | Pode reduzir a eficácia de antidepressivos devido à indução de CYP450 | O ginseng pode induzir o metabolismo de antidepressivos via CYP450, diminuindo sua eficácia terapêutica | NICOLLETI, 2007. |
Ginseng | Tricíclicos (Amitriptilina) | Aumento do risco de efeitos colaterais, como aumento da pressão arterial | Indução do CYP450, levando à redução da eficácia do medicamento e possíveis efeitos adversos cardiovascular | NICOLLETI, 2007. |
Passiflora | Tricíclicos (Imipramina, Nortriptilina) | Potencial aumento da sedação, especialmente em pacientes com distúrbios do sono | Efeito ansiolítico e sedativo que pode ser potencializado com os tricíclicos, com risco de sonolência excessiva | DE LIMA, 2020. |
TABELA 1: Principais interações entre plantas medicinais e antidepressivos
5. CONCLUSÃO
O presente estudo revelou que as interações entre chás medicinais e antidepressivos são complexas e podem ter impactos diretos tanto na segurança quanto na eficácia do tratamento da depressão. Chás medicinais, como camomila, valeriana e erva-cidreira, são amplamente utilizados devido às suas propriedades ansiolíticas e sedativas, frequentemente buscadas por pacientes em busca de alternativas ou complementos aos tratamentos convencionais. No entanto, essas interações podem influenciar a farmacocinética dos antidepressivos, incluindo processos cruciais como absorção, metabolização e excreção, o que pode alterar a concentração plasmática dos medicamentos e, consequentemente, sua eficácia terapêutica.
Além das alterações farmacocinéticas, o uso combinado dessas substâncias pode amplificar ou reduzir os efeitos colaterais associados aos antidepressivos. Por exemplo, chás como camomila e valeriana apresentam potencial sedativo que pode ser benéfico em casos de distúrbios do sono, mas também podem aumentar a sonolência e a dificuldade de concentração, especialmente em combinação com antidepressivos tricíclicos ou inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). Tais efeitos reforçam a necessidade de uma avaliação individualizada e cuidadosa antes da inclusão de fitoterápicos na rotina de tratamento de pacientes com depressão.
Outro aspecto importante identificado neste estudo foi o potencial impacto sobre neurotransmissores como serotonina e dopamina, diretamente envolvidos na regulação do humor e alvo principal dos antidepressivos. A interação entre os compostos bioativos dos chás e os mecanismos de ação dos medicamentos pode potencializar ou inibir esses efeitos, criando oportunidades, mas também desafios, no manejo clínico da depressão.
Apesar do crescente interesse na integração de terapias naturais com tratamentos farmacológicos, a literatura ainda carece de estudos clínicos mais robustos e controlados que analisem essas interações em profundidade. A ausência de dados consistentes limita as recomendações baseadas em evidências e exige maior investimento em pesquisas que investiguem as condições ideais para o uso combinado dessas abordagens.
Portanto, conclui-se que o uso de chás medicinais como complemento aos antidepressivos deve ser conduzido com extrema cautela, sempre sob supervisão de profissionais de saúde, que desempenham um papel crucial na orientação e no monitoramento do paciente. Quando utilizados de maneira informada e segura, os fitoterápicos podem oferecer benefícios complementares ao tratamento convencional, promovendo uma abordagem terapêutica mais holística e centrada nas necessidades individuais de cada paciente.
Com o avanço das pesquisas científicas sobre o tema, espera-se que no futuro seja possível estabelecer diretrizes claras para a combinação de chás medicinais e antidepressivos, permitindo integrar com segurança a tradição fitoterápica ao conhecimento farmacológico moderno, em prol de melhores resultados no cuidado à saúde mental.
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