A SOCIEDADE HÍBRIDA: E SUAS IMPLICAÇÔES NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14675991


Nilton Pereira da Cunha


RESUMO
Garantir que as crianças tenham acesso a estímulos adequados, por meio de interações humanas ricas e significativas, é uma responsabilidade de toda a sociedade, para que elas possam desenvolver de maneira saudável e equilibrada a salubridade mental e emocional, desafio posto para todos nós pela sociedade híbrida do século XXI. Não é apenas uma preocupação com as crianças da geração Beta, mas uma necessidade para o futuro da sociedade. Mitigar os riscos do entrelaçamento posto pela hibridez entre o mundo real e o mundo virtual passou a ser algo extremamente necessário e urgente. Para isso, torna-se imprescindível a participação do Poder Público através de políticas públicas que promovam aos pais, educadores e cuidadores a consciência que estamos na transição de uma sociedade em que as interaçõe eram realizadas, basicamente pelo mundo real, para a sociedade híbrida, em que, o mundo real e o mundo virtual quase se confundem no dia a dia das interações individuais, coletivas, laborais, entretenimento e informação. Desenvolver a consciência nos cidadãos, especialmente pais, educadores e cuidadores desse novo estágio da sociedade é fundamental. O desafio está posto e a solução é uma responsabilidade de toda a sociedade, ela está ao alcance por meio da compreensão dessa atual transição e da conscientização de uma ação coletiva em torno do cuidado com o bem-estar infantil, ou seja, do futuro da sociedade.
Palavras-chave: Sociedade híbrida. Salubridade mental. Poder público. Mundo real. Mundo virtual.

ABSTRACT
Ensuring that children have access to adequate stimuli, through rich and meaningful human interactions, is a responsibility of the entire society, so that they can develop mental and emotional health in a healthy and balanced way, a challenge posed to all of us by society hybrid of the 21st century. It is not just a concern for the children of the Beta generation, but a necessity for the future of society. Mitigating the risks of the intertwining posed by hybridity between the real world and the virtual world has become extremely necessary and urgent. To this end, the participation of the Public Power is essential through public policies that promote awareness among parents, educators and caregivers that we are in the transition from a society in which interactions were carried out, basically, in the real world, to a hybrid society, in which the real world and the virtual world almost become confused in everyday individual, collective, work, entertainment and information interactions. Developing awareness among citizens, especially parents, educators and caregivers of this new stage of society is fundamental. The challenge is set and the solution is the responsibility of the entire society, it is within reach through understanding this current transition and raising awareness of collective action around caring for child well-being, that is, the future of society.
Keywords: Hybrid society. Mental health. Public power. Real world. Virtual world.

1 Introdução

A sociedade híbrida corresponde a uma quase que fusão entre o mundo real e o mundo virtual, praticamente não há mais distição entre esses dois mundos. Nela, há uma mescla das interações individuais, coletivas, laborais, entretenimento e de informação de maneira cada vez mais profunda, e apresenta desafios únicos para toda a sociedade e, especialmente, para o adequado desenvolvimento infantil da atual da geração Beta, que cresce em um cenário dominado pela tecnologia.

Embora a tecnologia apresente muitas vantagens, como o acesso à informação e a conectividade global, ela também traz implicações para a formação emocional e social das crianças. Esta geração será a primeira a poder usar a tecnologia de forma precoce, excessiva e com a Inteligência Artifical (IA) plenamente integrada. O que poderá alterar profundamente a maneira como elas aprendem a lidar com as suas emoções.

Esse cenário não é apenas um desafio para pais e educadores, mas para toda a sociedade, que precisa refletir sobre as consequências a longo prazo dessa interação constante com a tecnologia. O desenvolvimento emocional e social das crianças não deve ser negligenciado em prol da conveniência oferecida pelos dispositivos. A capacidade de estabelecer vínculos, de se comunicar de forma empática e de aprender a regular as próprias emoções são competências fundamentais que precisam ser nutridas com base em relações humanas genuínas.

No entanto, no atual cenário da sociedade híbrida, há mais tendência de que as interações de todas as ordens sejam mais realizadas no mundo virtual do que no mundo físico, real. Aqui está um problema a ser equalizado, enquanto os pais, professores e cuidadores, especialmente dos centros urbanos, estão nessa hibridez da sociedade contemporânea, ao mesmo tempo necessitam evitar o máximo que as crianças de 0 aos 3 anos também estejam na hibridez. Pelo fato de que, elas necessitam viver dentro das interações físicas, diretas, face a face para poder desenvolver de forma equilibrada e saudável a sua salubridade mental e emocional.

Nos primeiros três anos de vida, o cérebro da criança está em uma fase de desenvolvimento acelerado e extremamente receptivo a estímulos. Durante esse período crítico, são formadas mais de 1 milhão de sinapses por segundo, o que torna o cérebro altamente plástico, ou seja, capaz de moldar-se conforme as experiências e interações que a criança vivencia. Esses estímulos devem ser adequados e equilibrados, provenientes de interações humanas, como a fala, o toque, os afetos e as brincadeiras, que são fundamentais para o desenvolvimento emocional, cognitivo e social da criança.

Portanto, é essencial que as crianças, especialmente de 0 aos 3 anos, sejam estimuladas por experiências ricas e interativas no mundo físico e real, em vez de dependerem de dispositivos digitais. Apenas dessa forma o cérebro da criança poderá desenvolver de uma forma saudável, mantendo as conexões neurais permitidas para uma socialização plena e ao equilíbrio emocional.

Nesse cenário, torna-se urgente que o Poder Público desenvolva políticas públicas, no sentido de conscientização dos pais, professores e cuidadores sobre a sociedade híbrida e suas implicações no desenvolvimento infantil. Que os pais tenham as infromações básicas sobre o desenvolvimento do cérebro de uma criança, das emoções, para que possam ter seu desenvolvimento de forma equilibrada e adequada, só é possível através da interação face a face, e não das telas. Entender o básico da neuroplasticidade do cérebro, entender que as telas não podem ser interpretadas apenas como um forma prática e rápida de entreter a criança, principalmente quando ela está inquieta ou chorando, mas elas podem formatar o cérebro, ao ponto da criança ficar com dependênia à tecnológia e até a “internalizar-se em si mesma”. Ou seja, desenvolver as característias típicos do autismo.

Isso significa dizer que, não é apenas uma preocupação com as crianças da geração Beta, que se iniciou em 2025, mas com as futuras geração e, sobretudo, com o futuro da sociedade.

2 A emersão do ciberespaço

O nascimento da informação pontocom, não só como conceito, mas também como ideologia, está inextricavelmente associado ao desenvolvimento do computador durante os anos de guerra e no período imediatamente posterior, já comentava Nobert Wiener, entre o final da década de 1940 e incío da década de 19501.

O computador eletrônico digital em si surgiu principalmente para realizar cálculos balístios e as análises que resultaram na bom atômica.

O comentário de Nobert Wiener, o pai da cibernética (a teoria da mensagem) indica a estreita relação entre o computador e as crescentes necessidades militares do Ocidente, sobretudo, da forma como eram interpretada nos Estados Unidos. Já que, componentes fundamentais do computador, como os circuitos elétricos miniaturizados, foram desenvolvidos pelos americanos para usos militares específicos, durante a Segunda Guerra Mundial – nesse caso, os detonadores remotos para bombas.

No início da década de 1970, em poucos lugares do mundo havia tamanha abundância e variedade de componentes eletrônicos quanto no pequeno círculo radiante medindo algumas dezenas de quilômetros, ao redor da universidade de Stanford. Lá podiam ser encontrados artefatos informáticos aos milhares: grandes computadores, jogos de vídeo, circuitos, componentes, refugos de diversas origens e calibre.

Nesse ambiente, na metade daquela década, uma pitoresca comunidade de jovens californianos inventou o computador pessoal. Ou seja, havia solo apropriado, ar e luz.

Os membros mais ativos desse grupo tinham o projeto mais ou menos definido de instituir novas bases para a informática e, ao mesmo tempo, revolucionar a sociedade. De certa forma, esse objetivo foi atingido2.

No território de Silicon Valley (Vale do Silício), nessa época, encontravam-se implantadas a NASA, Hewlett-Packard, Atari, Intel, entre outras. Todas as escolas da região ofereciam cursos de eletrônica. Exércitos de engenheiros voluntários, empregados nas empresas locais passavam seus fins de semana ajudando os jovéns fanáticos por eletrônica, que faziam bricolagem nas famosas garagens das casas californianas, entre esses: Steve Jobs e Eteve Wozniac.

Esses jovens divertiam-se dessa forma, fabricando rádios, amplificadores de alta fidelidade e, cada vez mais, dispositivos de telecomunicação e de cálculo eletrônico. O grande divertimento era construir seu pprórpio computador a partir de circuito de segunda mão. As primeiras máquinas construídas por esses jovens não tinham nem teclado, nem tela, a capacidade da memória era ínfima, e antes do lançamento da linguagem Basic, criada por John George Kemeny e Thomas Eugene Kurtz, as máquinas também não tinham linguagem de programação. Esses computadores, comparados aos atuais, não servem para quase nada, todo o prazer estava em construí-los.

Assim que eram construídos, logo depois de emitidos, objetos e conceitos eram tomados pela efervescência construtiva desse coletivo, eram reinterpretados e reempregados ao longo de um ciclo rápido que pode ser denominado de invenção. Foi nesse ambiente de turbilhão de coisas, pessoas, ideias e paixões que emergiu o computador pessoal.

Essa inovação imprevisível transformou a informática em um meio de massa para a criação, comunicação e simulação, através de bancos de dados e imagens, onde as informações são idexadas e acessiveis em qualquer terminal compatível e em qualquer lugar do planeta.

Atualmente, a informática é o ponto central do mundo contemporâneo das interfaces, ela não deixa de interfacear-se, seguindo um anel de retroação positiva. Linguagens cada vez mais acessíveis à compreensão humana imediata, geradores de programas, geradores de sistemas especialistas, todos eles tornaram a tarefa do informata cada vez mais lógica, sintética e conceitual.

A massa de informações armazenadas cresce em um ritmo cada vez mais rápido, os conhecimentos e habilidades da esfera tecnocientífica e das que dela dependem evoluem cada vez mais velozes e de forma digital.

O modelo digital não é lido ou interpretado de forma como um texto clássico, ele geralmente é explorado de forma interativa. Contrariamente à maioria das descrições funcionais sobre o papel aos modelos reduzidos analógicos, o modelo informático é essencialmente plástico, dinâmico, dotado de certa autonomia de ação e reação. O conhecimento por simulação é, sem dúvida, um dos gêneros de saber que a era informatizada transporta.

Não apenas na forma de relações e contatos pessoais, mas também no plano da ordem econômica e laboral, os mercados cedem às redes, os vendedores e compradores são substituídos pelos fornecedores e usuários, e praticamente tudo é acessado. Esta nova era marca uma transição significativa, onde ocorre uma relação cada vez mais estreita entre o mundo físico e o virtual. Ela representa também a mudança de uma economia centrada no espaço geográfico, onde vendedores e compradores trocam bens e serviços, também do mundo físico para o mundo virtual, onde o intercâmbio de informações, conhecimentos, experiências e até mesmo fantasias de diversas naturezas acontece no ciberespaço.

Segundo o filósofo e sociólogo francês Pierre Lévy, o ciberespaço se constitui numa oportunidade sem paralelo para que o desenvolvimento da Inteligênia Coletiva e define a capacidade do homem em desenvolver processos de promoção cultural, em que cada cidadão, através de uma comunicação livre e igualitária, contribui de forma autônoma em sua consrução. As formas autônomas da Inteligência Coletiva certamente se opõem às formas muitas vezes autoritárias em que o conhecimento era transmitido, onde somente a escola era eleita, enquanto representante do Estado, a decidir quais são os conteúdos que devem ser aprendidos. Na Internet todos são livres a ensinar e a aprender o que desejam3.

A transição da hibridez entre o mundo físico ou real e o mundo virtual ocorre na era das redes e o que tornou possível a proliferação global das redes eletrônicas foi a Internet. A internet é a rede das redes, e suas mensagens podem ser enviadas por fios de telefone, cabo e satélite, seu poder de alcance é extraordinário e basicamente imensurável a quantidade de lugares e pessoas que ela pode atingir.

3 A origem e universalização da Internet

A origem da Internet pode-se ter como marco, o lançamento ao espaço do primeiro satélite artificial na história da humanidade. Este satélite da antiga União Soviética, atualmente Rússia, denominava-se de “Sputnik”, ele completava uma órbita em volta da Terra em cada 90 minutos - 1H 30 m - e emitia sinais rádio nas frequências de 20 MHZ e 40 MHZ que eram audíveis por qualquer pessoa que utilizasse um rádio receptor.

Como reação a este avanço tecnológico russo o presidente dos USA, Dwight Eisenhower, criou, em Outubro de 1957, a Advanced Reasearch Project Agency (ARPA). O objectivo principal da ARPA era o desenvolvimento de programas respeitantes aos satélites e ao espaço e posteriormente a criação da NASA - National Aeronautics & Space Administration -, no verão de 1958, o que parecia retirar à ARPA razão para a sua existência.

No entanto, em 1961 a Universidade da Califórnia – UCLA – em Santa Bárbara herdou da Força Aérea um enorme computador IBM; o Q-32. Este fato iria permitir à ARPA orientar a sua investigação para a área da, recem nascida, Informática. Para dirigir e coordenar o Command and Control Research (CCR) foi contratado o psicólogo Joseph Licklider que era um especialista em computadores já com reputação internacional.

No CCR o trabalho baseava-se na utilização do “batch processing” processamento de dados por lotes e em tempo diferido. Este processo que satisfazia a maioria das necessidades de cálculo não se adequava à comunicação interativa com computadores nem à transmissão de dados entre eles.

Licklider criou então o IPTO – Information Processing Techniques Office orientado para a comunicação interativa e transmissão de dados. Para a comunicação rápida entre as equipes de investigadores era necessária a construção de uma rede - NET - pelo que a investigação, no âmbito da ARPA, foi orientada para a construção de redes de comunicação de dados.

Em 1965 Licklider deixou a ARPA, mas a sua orientação foi continuada pelo seu sucessor Robert Taylor, também psicólogo. Dispondo de um orçamento de 19 milhões de dollares, Taylor iniciou o financiamento da primeira rede de computadores.

A tarefa não era fácil. Já existiam redes de computadores desenvolvidas pelos fabricantes, mas cada um deles impunha as suas normas e utilizava linguagens de comunicação incompatíveis com as dos restantes. Por outro lado a rede deveria oferecer confiança aos utilizadores, isto é, as mensagens deveriam chegar intactas aos receptores quaisquer que fossem os acidentes encontrados no seu percurso entre o emissor e o receptor.

A solução proposta para o problema compreendia por um lado a utilização de redes do tipo distribuído nas quais era possível conectar um receptor e um emissor utilizando vários percursos. Se um nó da rede cortasse a mensagem deveria continuar o seu percurso utilizando outro caminho disponível.

Alguns anos antes o norte americano Paul Baran e o inglês Donald Davies tinham imaginado um sistema de comutação por pacotes que resolveria o problema. Uma mensagem nunca circularia completa na rede; seria “cortada” previamente em “bocados” que seriam enviados por caminhos distintos. Cada “bocado”, “encapsulado” num pacote conteria o endereço do emissor, o endereço do receptor, o número de ordem do “bocado” e, evidentemente, o conteúdo do “bocado”. Deste modo o computador receptor poderia reconstituir, localmente, para o receptor a mensagem original.

Para aliviar o trabalho dos computadores – emissor e receptor -, denominado “host” foi decidido construir computadores intermediários que processassem o trabalho de “routing”. Cada computador seria assim conectado à rede através de um computador intermediário denominado IMP – Interface Message Processor-. Para que todos os computadores podessem comunicar-se era necessário criar um protocolo de comunicações que regulasse o intercâmbio de mensagens.

Os primeiros protocolos construídos foram o Telnet – ligação interactiva de um treminal com um computador remoto – e o FTP – File Transfer Protocol; transferência de ficheiros entre dois computadores -. As denominações originais dos protocolos eram DEL (Decode – Encode - Language; linguagem de codficação-descodificação) e NIL (Network Interchange Language; linguagem de intercâmbio na rede).

A primeira rede de computadores foi construída entre a Universidade da Califórnia – Los Angeles -, SRI - Stanford Research Institute -, Universidade de Utah e Universidade da Califórnia – Santa Bárbara -. No dia 1 de Dezembro de 1969 “nascia” a ARPANET.

No início do ano de 1980 a ARPANET foi dividida em duas redes. A MILNET que servia as necessidades militares e a ARPANET que suportava a investigação. O Departamento de Defesa coordenava, controlava e financiava o desenvolvimento em ambas as redes.

Em 1990, o Departamento de Defesa dos USA desmantelou a ARPANET a qual foi substituída pela rede da NSF, rebatizada NSFNET que se popularizou, em todo o mundo, com a denominação Internet.

Para expansão da utilização da Internet foi decisiva a criação da www – World Wide Web – criada por dois engenheiros do CERN – Centre Eoropéen por la Recherche Nucléaire – Robert Caillaiu e Tim Berners-Lee, do HTML HyperText Markup Language - e dos Browsers. O primeiro browser utilizado foi o LYNX que apenas permitia a transferência de textos. O MOSAIC, concebido na Universidade de Illinois – USA - já permitia a transferência de textos e imagens. Do MOSAIC derivaram os populares Nescape e Internet Explorer.

A Internet transforma-se num sistema mundial público, de redes de computadores - numa rede de redes -, ao qual qualquer pessoa ou computador, previamente autorizado, pode conectar-se. Obtida a conexão o sistema permite a transferência de informação entre computadores. A infra-estrutura utilizada pela Internet é a rede mundial de telecomunicações4.

O iníco do séulo XXI (2000) é o marco inicial da era das redes sociais: Facebook, Twitter e YouTube. Atualmente, a Internet é uma parte essencial da vida cotidiana. Ela não conecta apenas bilhões de pessoas ao redor do mundo, mas também é a espinha dorsal de muitos sistemas e infraestruturas globais, como serviços financeiros, saúde, educação, entretenimento e governança.

Nos anos 2000 e 2010, a banda larga, o desenvolvimento dos smartphones, dos aplictivos móveis, computação em nuvem e Google Drive. E posteriormente, a inteligência artificial, tecnologia 4 e 5G (cinco geração de redes móveis), streaming de vídeo e música, assistentes virtuais, trabalho remoto.

Desde o início do atual século, a distinção entre o mundo virtual e o físico está se tornando cada vez mais imperceptivel, à medida que as tecnologias digitais avançam e se integram profundamente ao cotidiano, desafiando as fronteiras. Essas aparências têm tornado a distinção entre realidade e virtualidade cada vez mais tênue e complexa, influenciando profundamente a forma como nos relacionamos, trabalhamos e nos expressamos.

A sociedade desde limiar do século XXI é uma sociedade híbrida, e cada vez mais híbrida, a linha que separa o mundo virtual do mundo real tornou-se cada vez mais tênue. O avanço das tecnologias digitais e a ascensão crescente da Internet fizeram com que esses dois mundos se confundissem de maneira cada vez mais sutil. As interações individuais, coletivas, laborais, educacionais, entretenimento e informação estão se tornando progressivamente mais virtuais do que propriamente físicas, o que indica uma mudança paradigmática significativa.

Essa transição é complexa e preocupante, especialmente para as crianças das gerações mais jovens. A geração Beta, que agora começa a emergir, ela está crescendo em um ambiente onde a interação social, o entretenimento e o aprendizado estão cada vez mais mediados pelo digital, o que traz desafios inéditos para seu desenvolvimento emocional, cognitivo e social. A predominância do mundo virtual sobre o mundo físico, real cria um cenário de incertezas, esses impactos poderão ser profundos para toda a sociedade.

Por exemplo, por volta de 2000 a 2010 era comum se escutar os termos “amizades virtuais”, em diferenciação as “amizades comuns”, que se realizavam pelas interações diretas.

Atualmente, nos centros urbanos, as pessoas se comunicam muito mais por meio de plataformas virtuais do que de interações no mundo físico. A rotina acelerada, a distância entre as pessoas e a busca pela conveniência têm feito com que a comunicação digital se torna a principal forma de interação. Seja por meio de mensagens instantâneas, redes sociais ou videoconferências, ou seja, o contato virtual superou, em muitos casos, as interações presenciais. Essas interações, antes comuns no dia das pessoas, tornaram-se mais esporádicas, enquanto o mundo digital se consolidou como o principal canal de comunicação, tanto para questões pessoais quanto profissionais. Essa transformação traduz uma mudança significativa nas dinâmicas sociais, a virtualização das relações humanas é cada vez mais predominante em relação às presenciais.

A sociedade contemporânea é cada vez mais uma sociedade híbrida e com forte tendência a se tornar cada vez mais virtual, o que remete a grande preocupção sobre os seus novos e inéditos impactos no desenvolvimento da salubridade mental e emocional das pessoas, especialmente das crianças e dos adolescentes.

4 A sociedade híbrida entre o mundo real e o virtual

A Internet, inicialmente, era uma ferramenta complementar, mas, com o tempo, passou a ser um meio essencial para realizar praticamente todas as atividades, alterando profundamente as dinâmicas da vida social e profissional.

A emersão do mundo virtual ganhou novos ares a partir do ano 2000, ou seja, início do século XXI, é a partir desse marco que podemos dizer que se inicia a sociedade híbrida enre o mundo real e o mundo virtual.

Podemos definir que a sociedade híbrida como aquela em que as interações, atividades, e experiências das pessoas acontecem simultaneamente no mundo real e no mundo virtual, integrando de forma fluida o espaço físico com o digital. Nesse contexto, o físico e o digital coexistem e se interconectam, influenciando comportamentos, relações sociais, profissionais e culturais, criando uma realidade onde as fronteiras entre o real e o virtual se tornam cada vez mais imperceptível.

Esta sociedade (híbrida), que integra de forma fluida o mundo real e o mundo virtual, trouxe uma série de avanços em diversos aspectos da vida cotidiana. A fusão de realidades proporciona benefícios como maior acessibilidade, flexibilidade, conexão global, etc.

Por exemplo, o acesso à informação tornou-se mais fácil e rápido. Bibliotecas digitais, vídeos educativos, tutoriais online e fóruns de discussão oferecem aos indivíduos a oportunidade de aprender de forma independente, eliminando muitas barreiras geográficas, financeiras e sociais.

Na área laboral, as plataformas digitais, redes sociais, fóruns e ferramentas de videoconferência, possibilitam a comunicação e a colaboração em tempo real, independentemente das barreiras geográficas. Um exemplo claro disso é o trabalho colaborativo global: equipes de diferentes partes do mundo podem trabalhar juntas em projetos, compartilhando documentos, ideias e soluções em tempo real.

Temos o exemplo da Fiat que lançou um projeto de carro que envolveu uma colaboração global com a participação ativa de internautas, chamado “Fiat Mio”. O “Fiat Mio” foi um projeto inovador desenvolvido pela Fiat no Brasil, em 2010. Esse carro foi projetado com base no feedback e nas sugestões de internautas, em uma colaboração aberta de mais de 17 mil participantes de 160 países. A Fiat usou o conceito de crowdsourcing5 para criar um modelo que atendesse melhor às necessidades e desejos dos futuros consumidores. Em 2020, a Fiat lançou outra plataforma online: “Fiat 500 elétrico” – Projeto colaborativo com os consumidores, onde os internautas puderam dar sugestões, votar e opinar sobre vários aspectos do carro, como o design, as funcionalidades, a tecnologia e até mesmo a cor do veículo. A ideia era reunir uma grande variedade de ideias e escolher as mais populares para serem incorporadas ao design final.

No setor de entretenimento, a sociedade híbrida se transformou de maneira como consumimos conteúdo. Plataformas de streaming6 como Netflix, Spotify e YouTube, jogos online.

Além disso, tem-se o avanço da realidade aumentada (AR), da realidade virtual (RV) e da Inteligência Artificial (IA) plenamente integrada à tecnologia.

Apesar das inúmeras vantagens, a sociedade híbrida também apresenta desafios importantes e preocupanes que necessitam ser enfrentados para que seus benefícios sejam realizados de maneira equitativa e sustentável. Esses desafios estão relacionados às questões da segurança, privacidade e especialmente dos impactos sociais e psicológicos, com maior precoupação em relação as crianças da geração Beta (iniciou em janeiro de 2025) que estão nascendo nesse turbilhão de avanços.

Esta preocupação é urgente e necessária, como já mencionamos, pelo fato de que, na sociedade híbrida, a fusão das relações individuais e coletivas e das atividades diárias das pessoas, entre o mundo real e virtual, são cada vez mais proximas, quase se confundem, estão basicamente entrelaçadas e isso gera novos e inéditos desafios para toda sociedade. Mas uma preocupação sem precedentes às crianças da primeira infância, já que nessa fase, este dois mundos não deve se entrelaçar, não deve está próximo, principalmente para as rianças de 0 aos 3 anos.

Para as ciranças de 0 aos 3 anos de idade é necessário que ocorra uma cisão clara entre o mundo real e o mundo virtual, e não uma fusão. Essa fase do desenvolvimento infantil é crítica, pois é nela que as bases cognitivas, emocionais e sociais são condicionantes fundamentais para o desenvolvimento saudável para as fase posteriores da vida. A interação com o ambiente físico e com as pessoas de forma tangível, palpável e real é insubstituível para que ocorra um desenvolvimento infantil salutar para as outras fases da vida.

Aqui está o grande desafio para os pais, professores, cuidadores e também para o Poder Público.

O papel do Poder Público, na sociedade híbrida, e, especificamente, nesse caso, é criar políticas públicas para preparar os pais, professores e cuidadores que estão inseridos dentro desse contexto, eles, muitas vezes necessitam que as relações individuais, coletivas, laborais e educacionais estejam mescladas entre o mundo real e o virtual. Ou seja, enquanto os pais vivem essa integração, conciliando trabalho, interações sociais e atividades cotidianas entre esses dois mundos, ao mesmo tempo necessitam desenvoler a consciência da responsabilidade em criar seus filhos, especialmente os de 0 a 3 anos, em um contexto onde a presença do mundo virtual necessita ser cuidadosamente evitada.

Para as crianças desa fase, o uso precoce e excessivo da tecnologia pode atrapalhar o seu desenvolvimento cognitivo, emocional e social. A interação física, a comunicação face a face e a exploração sensorial do ambiente são fundamentais para que o cérebro das crianças se desenvolva de forma saudável. Os índícios e as evidências científica alertam que o uso precoce e excessivo dos dispositivos digitais bloqueia o desenvolvimento saudável do cérebro das crianças.

Segundo o proeminente psiquiatra norte americano Gary Small, citado por Nicholas Carr, diz que a tecnologia não apenas transformou a maneira como vivemos e nos comunicamos, mas também está alterando rapidamente o nosso cérebro7.

Nessa mesma direção, a psícóloga Neza Stiglic e o professor e pediatra Russell Viner afirmam que o suporte adequado de pais, educadores e profissionais de saúde é essencial para promover a saúde mental infantil. Estratégias como a criação de um ambiente doméstico seguro e amoroso, o incentivo a atividades físicas e sociais, e o estabelecimento de limites claros para o uso de tecnologia digital são importantes para o bem-estar emocional das crianças. Educação e conscientização sobre a saúde mental também são fundamentais para reduzir o estigma e promover a busca por ajuda quando necessário8.

Nesse cenário, o poder público deve atuar no apoio e orientação dos pais, promovendo campanhas educativas, incentivando práticas que possibilitem que as crianças estejam sempre envolvidas em atividades que estimulem o desenvolvimento à salubriade mental.

5 Por qual motivo se faz necessárias as políticas públicas?

Na atual sociedade híbrida, a necessidade de intervenção do poder público se torna cada vez mais urgente, pois, com a fusão das relações individuais, coletivas. laborais, entretenimento e informacão entre o mundo real e o virtual, a criação dos filhos, especialmente de 0 a 3 anos, exige um cuidado específico que antes não era necessário. Anteriormente, as relações eram predominantemente diretas e presenciais, a criação das crianças se dava em um contexto mais simples e com menos mediadores tecnológicos.

No entanto, com o avanço das tecnologias e a imersão das famílias no universo digital, os pais, professores e cuidadores precisam de apoio para equilibrar a exposição das crianças ao mundo virtual e o desenvolvimento das relações humanas no mundo real. O papel do poder público, portanto, é fundamental para oferecer orientações e ferramentas adequadas, garantindo que os cuidadores compreendam os impactos do uso excessivo da tecnologia na primeira infância e saibam como fomentar interações saudáveis que permitam o crescimento físico, emocional e cognitivo das crianças, em um ambiente equilibrado entre o mundo real e o virtual.

A maioria dos pais não possuem informações básicas sobre como funciona o desenvolvimento cerebral infantil, o que impacta diretamente na maneira como educar seus filhos, principalmente em relação à importância das emoções no estabelecimento das relações sociais e de seus estado de bem-estar.

Nos primeiros anos de vida, o cérebro infantil passa por um processo de desenvolvimento intenso, em que as experiências emocionais são fundamentais para a construção de habilidades sociais e cognitivas. À medida que as crianças aprendem a se relacionar com o mundo, que experimentam emoções como afeto, segurança e empatia, elas desenvolvam uma inteligência emocional saudável.

No entanto, a maioria pais desconhecem como as emoções influenciam no desenvolvimento da salubridade emocional e, como resultado, subestima a importância de momentos de interação direta e de afeto no desenvolvimento de seus filhos, muitas vezes optando por expô-los precocemente a estímulos digitais. Isso, sendo feito continuamente, há indícios e evidência científicas que dizem que tal prática, vai comprometer a formação de vínculos afetivos e a capacidade das crianças de se relacionarem socialmente de maneira equilibrada.

O poder público, portanto, tem um papel fundamental ao fornecer informações acessíveis sobre o desenvolvimento emocional e social infantil, ajudar pais, educadores e cuidadores a entenderem melhor as necessidades das crianças e a criarem ambientes mais saudáveis ​​e propícios para seu crescimento equilibrado entre o mundo virtual e o real.

Os pais, por falta de informações básicas sobre como desenvolve o cérebro do ser humano, acabam utilizando dispositivos como smartphones e tablets como uma solução rápida e prática para entreter seus filhos, especialmente em momentos de inquietação ou choro.

Quando uma criança está chorando é que ela está em desconforto ou frustrada, ela está pedindo atenção, carinho, abraço. Quando esta atenção, este carinho, este abraço é substituido por um dispositivo digital, o mais provável é que ela passe a não saber lidar com o desconforto emcional e a tendência futura é ela ter uma enorme dificuldade de entender e gerenciar suas emoções e compreender as emoções das outras pessoas.

Isso, possivelmente levará a criança à dependência digital, ou seja, ela foi condicionada continuadamente a buscar consolo ou alívio emocional nos dispositivos digitais e não através das interações humanas. A tecnologia impõe suas regras de comportamentos e pensamentos, já disse Marschall McLuhan9, a mais de 70 anos.

Os pais não tendo essa consciência, de forma ingênua e inocentemente, diante da dinâmica da sociedade híbrida, acabam permitindo, e, inclusive, colaborando para que os filhos usem de forma precoce os dispositivos digitais. Isso ocorrendo na fase mais importante do desenvolvimento do cérebro do ser humano, que é de 0 aos 3 anos, o mais provável é que tenha um impacto incomensurável no desenvolvimento das fases futuras da vida.

Entre 0 e os 3 anos de vida é um período crucial, crítico para o desenvolvimento do ser humano. Quando nascemos, o cérebro tem cerca de 370 gramas e aos 3 anos tem cerca de 1.180 gramas, o cérebro cresce quase 1% ao dia nessa fase, e, dos 3 até a fase adulta o seu crescimento é pífio. Podemos fazer aqui uma conta bem redonda: de 3 aos 23 anos ele passa a ter cerca de 1.380 gramas, durante vinte anos ele cresceu apenas 200 gramas, o que corresponde a 0,5% ao ano. Ter conhecimento sobre tal processo é de extrema importânia para que os pais possam tomar consciência que os dispositiovs digitais não podem ser encarados como um brinquedo e que devem evitar que as crianças os usem na fase de 0 aos 3 anos.

Este é o período mais efervescente da neuroplasticidade do cérebro, em que as interações presenciais, face a fase são fundamentais para o desenvolvimento da salubridade emocional do ser humano.

Há relevantes neurocientistas que abordam sobre a neuroplaticidade do cérebro e destacando a importância as emoções, por exemplo, o neurocientista António Damasio10, que estuda o cérebro e as emoções humanas. Outro importante neurocientista que aborda sobre a neuroplastiidade é Alvaro Pascual-Leone, que é da escola de Medicina de Harvard, segundo Leone, a neuroplasticidade é uma construção das mais importantes para a evolução humana, é uma característica que permite ao sistema nervoso escapar de suas próprias restrições e, assim, adaptar-se às pressões do ambiene, às mudanças fisiológicas e às quaisuer outras experiências11.

6 O perigo da poda neural

Nas últimas décadas, as pesquisas têm sido aprofundadas cada vez mais na compreensão de como o desenvolvimento e o funcionamento cerebral impactam a saúde física e mental ao longo de toda a vida. Para entender essas interações, é essencial integrar o conhecimento sobre o desenvolvimento e a interação dos neurônios, bem como sobre como as experiências — especialmente o ambiente social — podem afetar profundamente o indivíduo, influenciando sua saúde emocional e cognitiva e social.

Ao nascer, cada bebê já possui cerca de 100 bilhões de neurônios (células cerebrais). No primeiro ano de vida, o cérebro de um bebê formou cerca de 1 milhão de sinapses (conexões entre os neurônios) por segundo. Durante os primeiros três anos, o cérebro cresce em média 1% ao dia em tamanho, o que torna esse período o mais acelerado em termos de aumento e mudanças que serão sentidas ao longo da vida. Além desse crescimento, também ocorrem transformações neurológicas essenciais para as habilidades que o bebê adquirirá no futuro, como andar, falar e até mesmo dormir a noite toda. À medida que o bebê se desenvolve, seu cérebro recebe informações através dos cinco sentidos, o que facilita a multiplicação de neurônios e a formação de uma vasta rede de conexões entre eles.

O desenvolvimento do cérebro nos primeiros 3 anos é fenomenal; por isso, são vitais as experiências emocionais desde a gestação até os 3 anos. Nesta etapa, o cérebro experimenta um crescimento rápido e uma formação intensa de conexões neuronais ou sinapses. O grande desenvolvimento de sinapses ocorre porque tanto o bebê como as crianças, em seus primeiros anos de vida, necessitam incorporar toda a informação possível para conhecer e assimilar seu entorno, seu ambiente de sensações e relações12.

A interação com os pais, cuidadores e o entorno é crucial, já que as experiências vividas durante estes anos deixam marcas profundas no desenvolvimento emocional, cognitivo e social.

Neste cenário, é importante destacamos que da mesma forma que há as conexões entre os neurônios tamtém há a poda sináptica ou poda neural, que ocorre durante o desenvolvimento cerebral. A poda sináptica consiste na eliminação de conexões sinápticas entre os neurônios no cérebro, elimina o que estão em desuso.

Saber e compreender o básico de como isso funciona é fundamental para os pais, professores e cuidadores, pelo fato de que, como mencionamos anteriomente, especialmente, os pais, não podem ver os dispositivos digitais apenas com uma forma rápida e prática de entreter a criança, quando ela está inquieta ou chorando.

Ressalte-se que, continuamente, ao substituir a resposta emocional humana pelos dispositivos, a criança pode começar a associar o intervalo de suas emoções à dopamina liberada pelos dispositivos, que proporciona uma gratificação instantânea. Isso cria um ciclo de dependência de estímulos artificiais, em vez de promover o desenvolvimento da habilidade de emoções regulares e buscar conforto de maneira saudável e sincera. Consequentemente, o cérebro da criança tende a formar uma preferência pelos dispositivos para lidar com o desconforto emocional, em detrimento de aprender a lidar com as emoções.

Essa preferência é feita através da poda neural, nesse caso, como o que esta sendo mais estimulado são as gratificações instantâneas. O que ocorre é que acaba excluindo as vias de aprendizado emocional saudável, já que o alívio emocional está sendo artificial, por ser proporcionado pelos dispositivos digitais através das compensações instantâneas, o que pode ter consequências profundas para o desenvovlimento emocional e social da criança.

O prejuízo emocional causado pela falta de resposta afetiva e o uso frequente de dispositivos digitais é incomensurável, vai muito além do intervalo temporário. Ele pode impactar de forma significativa o desenvolvimento das emoções da criança, afetando sua capacidade de lidar com frustrações, com dificuldade de entender e gerenciar suas emoções, de compreender as das outras pessoas, de estabelecer vínculos afetivos e de desenvolver uma resiliência.

Uma criança cujas emoções são constantemente consoladas pelas telas dos dispositivos digitais, isso vai fazer com que ela tenha essas telas como suas grandes companheiras para o transtorno emocional. Quando uma criança chora, fica inquieta ou sente desconforto e é redirecionada para um dispositivo, ela encontra uma forma rápida de se distrair e se acalmar. No entanto, o que acontece é que, em vez de aprender a buscar consolo nas pessoas ao seu redor — como seus pais, familiares ou outros cuidadores — ela passa a associar o rompimento emocional às interações com a tecnologia. Esse hábito, quando repetir inúmeras vezes, vai moldar a forma como a criança lida com suas emoções.

Este processo é algo novo, vem com a sociedade híbrida, antes o consolo era feito através da interação face a face com os pais ou cuidadores, com essa mudança paradgmática, onde tudo deve e pode ser virtual, o consolo e o alívio emocional, das crianças, também estão sendo virtual, seguramente, por falta de informação dos pais, onde o Poder Público tem que ter uma participação ativa.

O desenvolvimento das emoçóes é influenciado pelas respostas das pessoas ao redor da criança, especialmente dos pais. São as interações humanas, como um abraço, palavras de apoio ou uma conversa acolhedora, que ajudam a criança a desenvolver a capacidade de lidar com suas emoções de maneira saudável. Quando uma criança é constantemente afastada dessas interações e se sente confortável por meio de estímulos digitais, que é artificial, o cérebro dela começa a associar o seu estado emocional à gratificação instantânea.

Uma criança que é levada a buscar constantemente consolo e gratificação emocional através das telas dos dispositivos digitais tende a se tornar mais fechada e a desenvolver dificuldades nas interações sociais, uma característica comum entre crianças com autismo. A falta de estímulos emocionais genuínos e consistentes, e a substituição desses estímulos por gratificação instantânea proporcionada pelas telas, criando uma desconexão com o ambiente social e emocional, possivelmente vai prejudicar o desenvolvimento de suas habilidades de socialização e regulação emocional, levando a um padrão de comportamento mais introvertido e autossuficiente, semelhante ao que é observado em alguns casos de autismo.

Portanto, a gratificação emocional proporcionada pelas telas, ao invés de ser uma solução, pode resultar em prejuízos incomensuráveis para o desenvolvimento emocional da criança, gerando um quadro em que ela internaliza suas emoções de maneira prejudicial, se afastando das relações interpessoais e passando a depender cada vez mais da tecnologia para lidar com seu mundo emocional. Essa mudança no desenvolvimento emocional pode contribuir para características comportamentais que se aproximam das que ocorrem no espectro autista do nível 1 ou leve, especialmente na relação à comunicação social e à interação com os outros.

Esta criança terá no seu desenvolvimento dificuldade de interação social, comunicação e comportamentos repetitivos. Ela terá a socialização comprometida, vai apresentar certas habilidades verbais, mas dificuldade em entender as mensagens não-verbais e com inteligência normal, porém, sem empatia, isso faz parte do fenótipo do autismo, ou seja, as característias são totalmente semelhantes, a grande diferença é que o autismo descrito por Leo Kanner é genético, se é genético, é que essas condições estão presentes desde o nascimento.

No entanto, quando essas características aparecem depois de anos não podem ser derivadas do fator genético, são derivadas dos fatores ambientais e neurobiológicos. Numa sociedade híbrida e da falta de esclarecimento aos pais, professores e cuidadores sobre o conceito dessa sociedade, ou seja, sobre a hibridez entre o mundo real e do virtual e dos seus impactos na vida das pessoas, especialmente das crianças, contribui significativamente para que elas acabem “internalizando-se em si mesmo” e desenvolvendo as características típicas dos sintomas do autismo. E para as crianças que já foram diagnosticadas com o autismo genético, a tendência é agravar a situação.

O papel do Poder Público é fundamental para desenvolver políticas públicas de conscientização dos pais sobre a sociedade híbrida, seus desafios e de forma simples e básica explicar sobre esses dois mundos, como também fornecer um conhecimento elementar sobre como desenvolve o cérebro de uma criança, sobre a importância do desenvolvimento adequado das emoções, a importância em dar o alívio emocional humano na hora do choro, da neuroplastiidade cerebral, neurogênese, sinápse e, sobretudo, da poda sináptica.

Aqui não estamos trantando apenas da salubridade mental das crianças, mas do futuro da sociedade do século XXI.

7 Considerações finais

Quando uma criança é constantemente levada a se consolar e a se distrair com dispositivos digitais, ela pode começar a internalizar esses estímulos como sua principal fonte de alívio emocional. Com o tempo, isso pode resultar em uma dificuldade crescente em desenvolver a capacidade de lidar com suas emoções de maneira saudável, prejudicando a habilidade de formar conexões sociais significativas e de se comunicar de maneira empática. Esse processo pode criar uma desconexão emocional, levando a um comportamento mais isolado e introvertido, o que, em casos extremos, pode se assemelhar aos sinais de transtornos do espectro autista do nível 1, onde a criança tem dificuldades em interagir, se conectar com os outros, comportamentos repetitivos e de desenvolver empatias.

O desenvolvimento infantil é um processo intrincado e multifacetado, profundamente influenciado pelas interações sociais e emocionais que as crianças experimentaram em seus primeiros anos de vida. A qualidade dessas interações, especialmente com os pais e cuidadores, é essencial para a construção de habilidades emocionais, cognitivas e sociais que serão fundamentais ao longo de toda a vida. Quando uma criança recebe a atenção e o apoio emocional necessário, ela aprende a regular suas emoções, a formar vínculos saudáveis ​​e a lidar com os desafios do mundo ao seu redor.

A transição de uma sociedade em que as interações de todas as ordens eram realizadas basicamente de forma presencial, no mundo real, físico para a sociedade híbrida, onde cada vez há o entrelaçamento entre o mundo real e o mundo virtual, inclusive, com tendências crescentes da preferência cada vez maior pelas interações do mundo virtual, isso é um fato .

É indiscutível que essa hibridez também trouxe benefícios inegáveis em termos de acesso à informação e conectividade, porém, também tem gerado sérios problemas emocionais e psicológicos ás crianças e adolescente.

As crianças estão sendo expostas de maneira precoce e excessiva às telas dos dispositivos digitais, que podem gerar dificuldades de socialização, aumento de sentimentos de isolamento, ansiedade, e até mesmo depressão. A dependência das interações digitais para o alívio emocional pode prejudicar a capacidade de lidar com frustrações e a construção de relacionamentos interpessoais, essenciais para o bem-estar a longo prazo.

Inclusive, a ciência já tem uma base sólida de indícios e resultados com evidências que apontam para os efeitos negativos do uso da tecnologia no desenvolvimento infantil, e isso necessita ser reconhecido e divulgado para toda a sociedade.

Neste sentido, o papel do poder público é fundamental na conscientização sobre o impacto do uso de telas no desenvolvimento infantil, especialmente entre 0 e 3 anos, um período crítico para o desenvolvimento cerebral. Os entes públicos devem implementar políticas públicas com urgência, que forneçam informações essenciais que dê um entendimento básico sobre como o cérebro das crianças se desenvolve, abordando conceitos, por exemplo: da sociedade híbrida, neuroplasticidade, sinapses e da poda neural, como também sobre os dispositivos digitais e como eles são projetados e pensados para prender e gerar uma levada garga de dopamina, e como isso prender a atenção do usuário para que ele cada vez mais tenha interesse em usá-los.

Essas iniciativas educacionais são essenciais para que pais, professores e cuidadores compreendam o atual contexto da sociedade híbrida e da importância em evitar a exposição precoce e excessiva das crianças aos dispositivos digitais, garantindo que o desenvolvimento cognitivo e emocional da criança não sejam prejudicados.

Na sociedade híbrida, a participação do poder público, da igreja, da escola na participação da conscientização de que estamos na transição de uma sociedade que antes era balizada pelas relações reais, face a face, para uma híbrida, com a tendência cada vez mais da preferência para o mundo virtual, é de extrema importância e urgência.

Isso, para que a as pessoas possam entender o momento atual e ter as informações básias que impliam no desenvolvimento em preparar o terreno para que a geração Beta e as próximas gerações possam ter a tecnologia como uma ferramenta de apoio e não que prejudique à saubridade mental e emocional das pessoas, especialmente das crianças, elas são os filhos amados e o futuro da sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FADEL, Fábio A.; CUNHA, Nilton P. Educação, tecnologia e direitos humanos: aminhos à inclusão social. Recife: Tarcísio Pereira Editor, 2017.

KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999.

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1 KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

2 FADEL, Fábio A.; CUNHA, Nilton P. Educação, tecnologia e direitos humanos: aminhos à inclusão social. Recife: Tarcísio Pereira Editor, 2017.

3 LÉVY, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999

4 BREVE HISTÓRICO DA INTERNET.

5 Crowdsourcing é um onceito de produção e organização de proessos que consiste em obter ideias, conteúdos, serviços ou recursos de um grupo de pessoas, geralmente pela Internet. O termo é a junção da palavras inglesas crowd (multidão) e autsourcing (terceirização).

6 Plataforma de streaming são serviços que permitem o sonsumo de conteúd online, como vídeos, músicas, jogos e podcasts, sem a necessidade de baixar o arquivo. O streaming é uma tecnologia que transmite dados de áudio e vídeo em tempo real de forma contínuo, do servidor para o dispositivo do usuário, o termo “streaming” significa transmissão.

7 CARR, Nicholas. SUPERFICIALES: ¿Qué está haciendo internet con nuestra mente? Bogotá: Taurus, 2010.

8 STIGLIC, Neza; VINER, Russell M. (2019). Efeitos do tempo de tela na saúde de bem-estar de crianças e adolesentes: uma revisão sistemática de revisões. Disponível em: https://bmjopen.bmj.com/content/9/1/e023191. Consultado em: 05/01/2025.

9 McLUHAN, Marschall. Comprender los medios de comunicación: las extensiones del ser humano. Barelona: Paidós, 1996.

10 DAMASIO, António. O erro de Descartes: emoção, razão e érebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

11 CARR, Nicholas. Idem, 2010.

12 EDUC.AR.PORTAL. Cerebro y estímulos digitales en la infancia y la adolescencia. Disponível em: https://www.educ.ar/recursos/159110/cerebro-y-estimulos-digitales-en-la-infancia-y-la-adolescenc. Acesso em: 22/nov/2024.