FREUD E LACAN

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17490366


Pedro Francisco Molina1


RESUMO
A correção se faz necessária, motivo pelo qual foi desenvolvida esta tese, no sentido de resgatar a descoberta freudiana ao longo de seu tempo, em função da transição de sua época, motivado sua enorme rejeição.
A civilização adentrava o século XIX, cujo Iluminismo descortinava com a pretensão de trazer luz às sombras, e o positivismo trazia a contestação na retórica de que algo negativo constituía um passado de retrocesso, além de uma pós-era vitoriana, um regime de forte pressão de valores impositivos religiosos.
Portanto, movimentos e teorias se fundamentavam para entender a Idade da Razão. O homem atuava na transformação de algo até então revolucionário, ou seja, a dicotomia, a bipartição de algo que o constituía como um todo, até o marco do modernismo cartesiano, com sua célebre frase: “Penso, logo duvido.”
A filosofia, diante do cogito, se aprofunda em sua dialética questionadora entre o mundo material e sua metafísica, cujo pensamento, a partir do parto das ideias, questiona o sentido de independência do homem, situando-o no campo das possibilidades.
Muitos personagens navegam nas diversas teorias, resgatando pensamentos de outrora, entre os mundos das ideias e suas realizações. O mundo físico cognoscente passa a ter um novo olhar.
Dentre muitos que trouxeram os questionamentos de suas importantes descobertas, um deles se destaca: Freud, trazendo à medicina o sentido de compreensão a certas doenças que até então eram tratadas a partir do corpo material, pelos “fisicalistas, despertando assim suas subjetividades.
Adentrando um domínio que era, até então, campo da religião, causando espanto em conceitos seculares e indignação de seus pares, assim como da sociedade instalada como herdeira da transição criacionista e da então revolução evolucionista darwinista.
Muitos com as mais boas intenções, outros saídos das sombras, se constituem os destrutores da boa-nova, em busca de acomodações e defesas, outros ajustamentos para recompor o equilíbrio das forças, outros como engenheiros de obras prontas, aproveitando alicerces constituídos, edificam novas estruturas. Como diria Sócrates, meros copistas do original, porém, assim como Descartes que preservou antigas bases sólidas, construiu novas paredes.
O mesmo ocorre com a Psicanálise: reformadores, contestadores, inovadores e transformadores de algo incompreendido, trazendo suas falas elaboradas como a resolução do enigma do pensamento.
Portanto, a escolha entre Freud e Lacan foi a inspiração para tais escritos, pois o segundo representa o movimento do homem senhor de si, na definição de que ele se completa em sua liberdade. Para isso, se apoia nos reformadores do mundo do pragmatismo, criando, assim, a construção do sujeito de Hegel, depois de Karl Marx, para a formulação de sua psicanálise, desconstruindo Freud com seu breve retorno retórico.
Uma dialética da superação do Mestre na luta da libertação do escravo vê na psicanálise o trem da história para mais uma vertente na derrubada daquilo que se constituiu a base da espiritualidade desde os mitos de criação, ou seja, a divinização que sustenta o imaginário do inconsciente humano, algo que traz a esperança da transcendência, do infinito, para o imanente sujeito da finitude obscurecida pelas sombras de seu passado ontofilogenético.
A escolha entre estes dois personagens, Freud e Lacan, é situar componentes que influenciaram a humanidade até o momento atual: o primeiro tendo como premissa o tratamento das almas, com o inconsciente como herdeiro do ser em transição; o segundo como navegante ideológico pós-Revolução Francesa no combate à afirmação do consciente apenas como estrutura de representação com seu significante.
Palavras-chave: Psicanálise, Inconsciente, Consciente, estrutura psíquica.

ABSTRACT
Correction is necessary, which is why this thesis was developed to rescue Freud's discoveries throughout his time, influenced by the transition of his era and his enormous rejection.
Civilization was entering the 19th century, where Enlightenment sought to bring light to shadows, and positivism challenged the rhetoric that any negativity constituted a retrogressive past, alongside a post-Victorian era characterized by strong imposition of religious values.
Movements and theories emerged to understand the Age of Reason. Man acted on the transformation of something that was revolutionary until then, namely the dichotomy, the bipartition of what constituted him as a whole, up to the milestone of Cartesian modernism, encapsulated in the famous phrase: “I think, therefore I doubt.”
Philosophy, in light of the cogito, delves into its questioning dialectic between the material world and its metaphysical context, where thought, emerging from the birth of ideas, questions the sense of independence of man, positioning him in the realm of possibilities.
Many characters navigate through various theories, rescuing thoughts of the past, between the worlds of ideas and their realizations. The cognizant physical world begins to be viewed anew.
Among those who raised important questions regarding their discoveries, one stands out: Freud, who brought to medicine an understanding of certain diseases that had previously been treated from the material body perspective by "physicalists," thus awakening subjective realities.
He entered a domain that had until then been the realm of religion, provoking astonishment in secular concepts and indignation among his contemporaries, as well as the established society as heirs of the creationist transition and the ensuing Darwinian evolutionist revolution.
Many, with good intentions, and others emerging from the shadows, became destroyers of the good news, seeking accommodations and defenses, and making adjustments to restore the balance of forces, while some, as engineers of finished works, used established foundations to build new structures. As Socrates would say, mere copyists of the original; however, like Descartes, who preserved solid ancient bases, they built new walls.
The same occurs with Psychoanalysis: reformers, challengers, innovators, and transformers of something misunderstood, bringing elaborated discourses as solutions to the enigma of thought.
Therefore, the choice between Freud and Lacan inspired these writings, as the latter represents the movement of man as master of himself, defining that he is fulfilled in his freedom. To this end, he relies on the reformers of the world of pragmatism, thereby constructing Hegel's subject, after Karl Marx, to formulate his psychoanalysis, deconstructing Freud through a brief rhetorical return.
A dialectic of overcoming the Master in the struggle for the liberation of the slave sees in psychoanalysis the train of history for yet another branch in the overthrow of what constituted the foundation of spirituality from the creation myths, that is, the deification that sustains the imaginary of the human unconscious, something that brings hope for transcendence, the infinite, for the immanent subject of finitude shrouded by the shadows of its onto-phylogenetic past.
The choice between these two figures, Freud and Lacan, situates components that have influenced humanity up until the present: the former taking as a premise the treatment of souls, with the unconscious as the heir of the transitioning being; the latter as an ideological navigator post-French Revolution in the fight against the assertion of the conscious merely as a structure of representation with its signifier.
Keywords: Psychoanalysis, Unconscious, Conscious, Psychic Structure.

INTRODUÇÃO

Este trabalho foi referenciado por materiais bibliográficos e artigos com o objetivo de pesquisar o trabalho de Freud em relação a Lacan. Demonstra-se que havia um propósito pós-Revolução Francesa para a divulgação ideológica, com a desconstrução de estamentos seculares de valores, tendo como premissa trabalhos filosóficos, antropológicos e sociológicos, a partir das teses cartesianas da dicotomia entre razão e emoção.

Freud, em sua cultura judaica, com influências de suas vivências com o cristianismo, foca suas pesquisas fundamentadas nos "mundos das ideias socráticas", com o viés do "penso, logo duvido" de Descartes (ou Cartesius), permeados pela razão irmanada com a emoção, portanto, trazendo a subjetividade como elemento de ligação entre ambos. Isso ocorre sem perder o norte de sua formação como neurologista, ou seja, tendo a anatomia e a fisiologia de seu tempo como base.

Seu sistema está relacionado ao binarismo constituído entre o interno e o externo, ou seja, o ser constituído por consciente e inconsciente. Portanto, manteve a dicotomia, suas instâncias na trindade, em analogia com seus estudos antropológicos, tendo como referência conceitos darwinianos.

Aprofundou em suas práticas como estudioso da mente no sentido do sagrado, porém não se distancia do ser de seu naturalismo, seus desejos, vontades, imaginações, fantasias, projeções, ludicidades, herdeiros de continuidades onto-filogenéticas em um processo evolutivo, fundado na cultura e em seus mitos.

Possibilitou o pensar, o ser e sua consciência existencial, tornando o início do século XX, junto com seus contemporâneos, uma verdadeira revolução transformadora entre o absolutismo e o relativismo das coisas, um celeiro de pensadores que culminam sobre os efeitos de nossa contemporaneidade.

Portanto, aberto ao pensamento criativo, despertando camadas no ser como possibilidades subjetivas, entre o concreto e o imaginário, correlacionando-o ao fisiológico mecanicista funcionalista.

Surge Lacan, depois da recusa de Freud em servir à causa ideológica dentro do movimento francês, oportunidade que o mesmo encontra para surfar em suas ideações e reconhecimentos entre seus pares, com os ideais iluministas e positivistas na construção dos iguais, dentro do conceito de massas.

O movimento revolucionário é discordante entre o capitalismo e o socialismo a partir do marxismo absolutista e dos embates filosóficos entre Kant (este com sua Razão Crítica) e Hegel (contrapondo com a emoção e seu resgate com sua Fenomenologia do Espírito).

Sua dialética se fundamenta em vários pensadores de seu tempo, tendo a linguagem como referência do sujeito falante para desconstruir as teorias freudianas, algumas convergentes, outras divergentes, como base de seus escritos e formulações teóricas.

Fundamento também cartesiano, porém com a máxima "penso, logo existo", tendo como base o homem gramatical, entre seu mundo metafórico e metonímico, diacrônico e sincrônico de Ferdinand de Saussure, o grande pesquisador linguístico.

Faz sua construção, Marx se utiliza de um pensador conservador absolutista como Hegel, invertendo valores espirituais, convertendo-os em pensamentos materialistas, com a dialética materialista do novo tempo, ou seja, em continuidade fenomenologista-existencialista, com a morte do ser dual.

Portanto, o homem surge como o "ser-aí", fundado em seu existencialismo pragmático, em que o onto é apenas uma memória, a lógica é seu momento como "só ser", que se apresenta em seu presente na busca de sua utopia da felicidade de um paraíso a partir da terra, não mais o céu. Ou seja, mata-se Deus, surgindo o Estado Absoluto no comando das massas revolucionárias permanentes nas lutas de classes.

Assim, Lacan é fundador das camadas dos significantes, ou seja, o ser é o que está representado em sua memória, constituído de imagens antes introjetadas como senhor do pensamento e suas imagens acústicas. A consciência as traduz como significados, resultantes da significação, ou seja, o trinômio do imaginário, simbólico e real.

Para tanto, há a dissolução do inconsciente, a capacidade associativa do sujeito, tornando-o um ser falante limitado ao seu presente e suas representações da linguagem adquirida, cujas manifestações metafóricas e metonímicas, SILVEIRA BUENO (1968, p. 2413), traz em sua etimologia: "aquele que vive de comparações, comparativo, criador de figuras imaginativas". Metonímia é "o uso do nome pelo outro, a causa pelo efeito, o todo pela parte e vice-versa".

Traduz-se em um ser gramatical, constituído por camadas de significantes, o homem de uma visão invertida, sua relação imaginativa em relação ao outro, cujas representações o tornam prisioneiro de um sistema limitado na condição de Mestre e Escravo, transformando o "homem-coisa", cujo objetivo final é o gozo, dimensão entre o prazer e o desprazer, manutenção no estado de produção desde sua representação dual como ser e sua visão trinária imposta subjetiva de sua submissão.

Portanto, o homem é prisioneiro de sua imagem, dentro de sua presentificação, liberto das amarras de suas representações filogenéticas, o real do momento de sua imaginação existencial da fala.

LINGUÍSTICA

A Linguística foi iniciada pela gramática formulada pelos Gregos no sentido de traçar regras e normas, e principiada pelos Franceses no sentido lógico, ou seja, como uma disciplina normativa. Seguiu-se a Filologia, movimento criado por Friedrich August Wolf (1977), tendo como objeto de estudo a língua (linguagem) de forma singular, a crítica, e em uma segunda fase, a comparação entre elas ou a Gramática Comparada. (SAUSSURE - 2006)

Segundo SAUSSURE (2006, p. 10),

“Esse método exclusivamente comparativo acarreta todo um conjunto de conceitos errôneos, que não correspondem a nada na realidade e que são estranhos às verdadeiras condições de toda linguagem. Considera-se a língua como uma esfera à parte, um quarto reino da Natureza; daí certos modos de raciocinar que teriam causado espanto em outra ciência”.

Portanto, a Linguística Geral ainda é objeto de pesquisas no aguardo de solução. Para tanto, citamos a nota de SAUSSURE (2006, p. 12):

“A nova escola, cingindo-se mais à realidade, fez guerra à terminologia dos comparatistas e notadamente às metáforas ilógicas de que se servia. Desde então, não mais se ousa dizer: 'a língua faz isto ou aquilo' nem falar da 'vida da língua' etc., pois a língua não é mais uma entidade e não existe senão nos que a falam. Não seria, portanto, necessário ir muito longe e basta entender-se. Existem certas imagens das quais não se pode prescindir. Exigir que se usem apenas termos correspondentes à realidade da linguagem é pretender que essas realidades não têm nada de obscuro para nós. Falta muito, porém, para isso; também não hesitaremos em empregar, quando se ofereça a ocasião, algumas das expressões que foram reprovadas na época”.

Sendo uma ciência em suas diversidades, suas distinções devem ser feitas dentro de suas vertentes de estudo, como a Etnografia, Antropologia, Sociologia, História, etc. Assim, o linguista deve ter em conta a escrita, bem como suas conexões com outras ciências, cabendo, portanto, o estudo focado nos preconceitos e ficções, denunciando-os e, quando possível, dissipando-os. (SAUSSURE, 2006, p. 14).

Partindo da premissa de que o som é quem dá o sentido fonético às articulações da linguagem, esta, por sua vez, depende da constituição do aparelho fonal desenvolvido, vinculando-se com as abstrações acústicas que nos permitem situar no tempo e espaço dos registros mnemônicos.

Lembrando BERGSON (2014, p. 227):

“[...] foi o pensamento que criou a linguagem e inversamente, a linguagem, uma vez criada, reagiu sobre o pensamento, tornou-o mais claro, mais preciso, mais capaz de formar, reter e conservar ideias abstratas e gerais”.

Portanto, o surgimento da linguagem e a articulação na formulação das palavras ainda são uma incógnita. Isso nos leva a crer que a fala já estava constituída como comunicação, porém ainda não de signos, cujos sinais eram complementados com os gestos.

Sendo assim, são os fonemas que dão os sentidos em sua iniciação, e depois a escrita, como a perpetuação de seus registros, em que transita a Antropologia Linguística, na normatização de seu uso como língua, e seus aspectos culturais, sociais e históricos no quesito de sua significação. (TOLRA E WAGNIER, 1993, p. 322).

O propósito do texto são as reflexões no uso indevido da linguística na substituição do pensamento. Formas indutivas nos levam a significados que divergem nas culturas, o que as enriquece nas diversidades das línguas, sendo agentes motivadores de sua dinâmica, contrariando, assim, seu encaixotamento a partir de conceitos de unificação.

Iniciaremos com a citação de WITTGENSTEIN (1999, p.8):

“A primeira proposição diz que 'o mundo é tudo o que ocorre'; a segunda, que 'o que ocorre é o fato, é o subsistir de estado de coisas'; a terceira, que 'o pensamento é a figuração lógica dos fatos', a quarta, que 'o pensamento é a proposição significativa'; a quinta, que 'a proposição é uma função de verdade das proposições elementares'; a sexta, que 'a forma geral da função de verdade é [p, E, N (E)]'; e a sétima sentencia: 'o que não se pode falar, deve-se calar'”.

Segundo o autor, o centro da ideia é uma figuração, esta, por sua vez, uma representação entre o comum e o afigurado, portanto, o mundo em relação, dando-nos o sentido de realidade. Ou seja, a realidade é a forma que se afigura em nossas representações, restringindo-se, assim, a filosofia do que pode ser dito e o que pode ser mostrado, assim como a lógica, que são tautológicas, elementos formais da linguagem. WITTGENSTEIN (1999, p.9-11).

Para este autor, os acontecimentos do mundo são acidentais, pois a vontade do sujeito é impotente em relação ao mundo. Portanto, o homem não pertence ao mundo, pois também é um acidente, diz WITTGENSTEIN (1999, p.13):

“A linguagem engendra ela superstições das quais é preciso desfazer-se, e a filosofia deve ter como tarefa primordial o esclarecimento que permita neutralizar os efeitos enfeitiçadores da linguagem sobre o pensamento”.

Ele fala da capacidade da linguagem influenciar sobre o pensamento, pois a linguagem é oculta, sofre dos efeitos da tautologia, das intenções acobertadas pelas palavras, diretamente nas práticas. É, portanto, um jogo dialético de convencimento, e a filosofia está na busca das soluções para a resolução da realidade escondida, cujo alcance é a inteligência.

O grande dilema está entre a realidade e o mundo das aparências. Porém, WITTGENSTEIN (1889-1951), considerado o pai da Filosofia Linguística, admitia a metafísica, assim como as apreensões intuitivas no terreno da linguagem. WITTGENSTEIN (1999, p.14-15).

Sendo as palavras o significado dos objetos, e as frases as ligações para as denominações, assim se constituem as ideias. Daí vêm as significações, por sua vez, agregadas da palavra, ou seja, o substituto do objeto. Portanto, a palavra é usada apenas como um sujeito de ligação estabelecido pela comunicação entre pessoas, para estabelecer o registro com a escrita. Seus signos compõem um jogo criativo e dinâmico. WITTGENSTEIN (1999, p.29).

Segundo SAUSSURE (2006, p.14), em relação à utilidade da Linguística, cabendo às demais ciências o manejo dos textos, para a cultura geral, daí:

“Seria inadmissível que seu estudo se tornasse exclusivo de alguns especialistas; de fato, toda a gente dela se ocupa pouco ou muito – não há domínio onde tenha germinado ideias tão absurdas, preconceitos, miragens, ficções. Do ponto de vista psicológico, esses erros são desprezíveis; a tarefa do linguista, porém, é, antes de tudo, denunciá-los e dissipá-los tão completamente quanto possível”.

Sendo a linguagem a expressão do pensamento, é, portanto, a cultura, o lado social, um produto do passado, dinâmica, construto das falas e textos, elaborações para se constituir algo laborado pelo sujeito, portanto distante da realidade ou da verdade, pois é exclusivo dele.

A linguagem é mais do que o construto da fala, suas regras do ponto de vista gramatical, suas regulamentações. Porém, as palavras, ou seja, as articulações, são constituídas por signos que as identificam como meio de dar um significado ao texto ou uma forma de o outro entender suas expressões.

Portanto, construir algo a partir daí é apenas uma forma de dar significações aos signos, porém não define a mente, pois esta nos remete a simbologias anteriores à escrita, à gramatização e suas regras.

As palavras são um meio de transmitir realidades, porém ambíguas, pois sempre são constituídas de intenções, ou seja, tensões expressas de algo interiorizado. Assim sendo, são uma referência dentre o universo da linguagem, além da realidade que simboliza uma janela para visualização do objeto para nos conscientizar de algo não consciente. JOSEPH (2008, p. 62-64).

Citação de ARISTÓTELES (384 a. C. – 322 a. C.) apud JOSEPH (2008, p. 49):

“Uma vez que o intelecto humano cria símbolos a partir da realidade, esses símbolos ou palavras podem ser manipulados e catalogados de modo a incrementar nosso entendimento da realidade”.

A linguagem, dentre suas formas para expressão dos pensamentos, volições e emoções, é constituída de fala, escrita e significados. Portanto, são construções sujeitas às traduções e interpretações.

Daí, entender o homem a partir apenas da linguagem é um engodo. Cabe ao universo das interpretações decifrar os enigmas possíveis dentro do relativismo das coisas, e adentrar as intenções do interno do falante para sua conscientização do qual não está consciente em suas manifestações. JOSEPH (2008, p. 40-41).

Ou seja, uma alma cuja linguagem lhe dá o significado, aproxima-o de sua essência na metafísica e ontologia, traduzindo a sua essência como física atuante, definindo-o como indivíduo no sentido de como ele é e não outro, como um ser único em sua existência. Não mais um simples reflexo espelhado na projeção de sua imagem, porém consciente de sua existência, em que o de dentro se comunica com o de fora, dando-lhe a dimensão real de seus propósitos como ser.

Citação, JOSEPH (2008, p. 50): “Todo ser existe em si mesmo ou em outro. Se existe em si mesmo, é uma substância. Se existe em outro, é um acidente”.

Estudos recentes vêm colaborar com os mecanismos da fala como linguagem. Citação TIEPPO (2019, p. 167): “A fala diz respeito aos aspectos motores de lábios, língua e músculos da face. Já a linguagem é algo bem mais complexo, que envolve elementos cognitivos e executivos”.

Portanto, há elementos sensórios e motores a considerar, mecanismos estruturados na evolução, assim como nas transformações do cérebro em seu desenvolvimento. Tratá-lo como algo fixo em regras semânticas ou lógicas é um ledo engano.

Este cérebro está adaptado em seu tempo. Hoje sabemos das funções executivas e seu controle inibitório. TIEPPO (2019, p. 236):

“O controle inibitório é a capacidade de filtrar pensamentos antes de falar, de evitar distrações para manter o foco, pensar antes de agir, resistir a impulsos e tentações”.

Com FREUD (1856-1939), inicia-se o conceito de impulso, fatores que nos levam às pulsões, para definir o ser como animal em transição para a socialização. Para tanto, o processo de conscientização é a premissa para resolução de seus questionamentos profundos dos quais ainda permanecia não consciente em suas manifestações impulsivas.

Portanto, tratar o ser por camadas nada mais é do que um trabalho antropológico para defini-lo como ser vivente. A neurociência tem nos direcionado para a ligação do de dentro com o de fora, dando-nos dimensões possíveis, além de simples repetidores gramaticais, possibilitando sair das sombras do nosso inconsciente para o mundo da razão e emoção em toda sua dimensão, até então, diante dos embates seculares.

Freud foi o provocador e sistematizador, com suas ideações enquanto parâmetros conhecidos de seu tempo. Um despertar surge através da divulgação de suas obras. Discípulos divergem nas mais diversas vertentes, enquanto outros o refutaram, porém com embasamentos de seu tempo.

Apesar de todos os movimentos, ainda estamos diante de conflitos existenciais, pós-divisão dicotômica cartesiana. Não apaziguamos as partes. Quem sabe com o advento dos estudos do cérebro e das tecnologias possamos dar um salto quântico na acomodação social entre a ciência racional e a subjetividade ainda permeada de elementos míticos introjetados pelas civilizações e suas culturas.

A ideia é a reflexão no sentido de que tudo não está sedimentado. São processos em curso. Pesquisas renovam um mundo de possibilidades infinitas. A dúvida é a mola mestra da curiosidade. Portanto, o ser acabado, definido, ainda é uma incógnita bem-vinda.

Separar o joio do trigo é fundamental. O modismo não coaduna com a evolução. Interferências indutivas para desestabilizar o social e o mundo das ideias estão em aberto. Portanto, as experiências danosas impostas foram desastrosas. O momento de reflexão para acomodação se faz premente. Para isto, o conhecimento é a ferramenta fundamental que antecede a qualquer questionamento miraculoso tirado de cartolas.

Definir as bases, respeitar valores construtivos úteis, não simplesmente desconstruir, ainda em um processo de divisão, cujo conflito mais incomoda do que restabelece. Temos a história, a experiência, como norte de onde erramos. Não podemos errar de novo, apenas por um modismo ou opiniões sem fundamentações.

Temos o homem falante, reflexo do seu desenvolvimento. Ampliamos a linguagem, portanto, ainda incipiente, pois apenas a do humano é passível de questionamentos. Há um mundo que habitamos em toda sua adversidade para compreensão. Saímos dos enganos das aparências para dimensões de lentes que ampliam nossas realidades. Caminhar é preciso, mais do que isso, sobreviver, para a manutenção da espécie, caso contrário, não há razão de continuidade.

FREUD

O trabalho tem também como premissa as divergências e convergências dos pensadores da psicanálise, porém, há um domínio de Freud como criador e sistematizador e, por outro lado, o de um linguista que se denomina o corretor do aprofundamento das reflexões psicanalíticas, como o "retorno ao mestre". Há, no entanto, um distanciamento na linguagem, pois um foca nos signos da fala e da escrita, e o outro é um antropólogo no resgate de uma conscientização filo-ontológica do ser em evolução.

As influências de Freud começaram com Franz Brentano (1838-1917), seu orientador na tese de doutorado, no qual tiveram embates fundamentais — o discípulo contestava o teísmo do mestre e lhe opunha o materialismo de Ludwig Feuerbach (1804-1872).

Freud se decepciona com o orientador Brentano e a filosofia, pois a achava "especulativa", mas é em função do mestre que ele caminha para a fisiologia, sua escolha pela neurologia. (ROUDINESCO E PLON, 1998, p. 92)

Sua curiosidade pelo conhecimento foi se construindo pelos enigmas e tabus, em um tempo em que o absolutismo não permitia avanços. Portanto, como um bom transgressor, caminha para a contestação de fatos observados, contrapondo recusas e proibições de estamentos seculares que o impediam nas formulações de ideias.

Entender Freud perpassa pelo seu tempo e época: estávamos em uma transição do homem absoluto do geocentrismo para uma acomodação do modernismo, em que há uma cisão entre a matéria e a alma. No epicentro de uma ciência arqueológica e antropológica, com a revolução darwinista da evolução das espécies, um marco revolucionário de notáveis pensadores que culminam no século XX, com estudos dos mais variados temas que nos colocam em nosso tempo com a revolução das máquinas.

Os avanços da psicanálise permitiram uma ciência aberta em evolução. Dentre os avanços e recuos, Freud, como cientista, sempre se permitiu corrigir os rumos, pois tudo eram fatos observáveis: idealizações de uma topologia de um cérebro pensante, cujas manifestações replicavam em patologias somatizadas em função das psicopatologias manifestas.

Portanto, sua idealização passou pela construção de um sistema e de suas instâncias, estas, por sua vez, baseadas na filosofia, antropologia e arqueologia, de forma naturalista, em uma época em que os fisicalistas e localizacionistas baseados no físico de pensamento mecanicista absolutista eram limitados no binarismo fundamentado nas contradições e havia uma Psiquiatria em formação.

Surge Hegel (1770-1831), em sua dialética absolutista, que diz que para que possamos chegar à verdade das coisas, temos a formulação da tese, depois a antítese, para concluir em uma síntese, abrindo assim possibilidades em uma nova tese. Sua filosofia é uma tríade para ampliar o binarismo contraditório, fundamentado na dicotomia cartesiana.

Freud teve variadas fontes de inspiração, porém o marco foi a idealização do funcionamento do cérebro tendo como parâmetro a mente, cujo pensamento é a matéria-prima de prospecção.

Sua psicanálise é um método investigativo que tem como primeira referência observações clínicas de comportamentos denominados a princípio Histeria. Daí sua curiosidade em tais manifestações o acompanhamento do caso de uma paciente iniciado por seu amigo Breuer, que, por sua vez, desiste do acompanhamento por razões íntimas.

No início, aplicava-se a hipnose como ferramenta de trabalho, depois as associações livres de palavras. Uma primeira teoria é abandonada sobre a sedução; ele observa que havia certa obscuridade nos relatos e aprofundava-se nos sonhos e suas interpretações.

Desvelando o inconsciente como fragmentos de manifestações advindas dos impulsos, desejos, e memórias, além de uma composição filogenética, inatista, atemporal, que, quando mobilizado, se tornava consciente.

Estabelecia, assim, a linguagem dos símbolos, ampliando em um dialeto próprio de cada singularidade, cuja ontologia não havia um limite de algo arcaico que remetia ao primitivismo de nossa evolução e o choque da socialização.

Estabeleceu, assim, um sistema do qual chamou de inconsciente, subconsciente e consciente. Logo após, muda por perceber que havia uma interação que permeava os três sistemas; portanto, descarta o pré, mas estabelece suas instâncias no tempo.

O ID é uma consequência dos primórdios da sobrevivência instintiva, portanto, sem juízo, pura necessidade. O EGO é o início do processo civilizatório, em que desperta a consciência do ser no começo de sua socialização. O SUPEREGO é uma construção de valores éticos e morais, constituído na repressão, proibição, e em regras necessárias para uma composição coletivista social.

Do animal da floresta para a percepção cognitiva, daí para um processo social na convivência coletiva, no construto das pólis, dando sentido de evolução, conquistas e domesticação do ser.

Fundamenta-se nos instintos, impulsos, repressão, nos desejos, vontades, sobrevivência e manutenção da espécie como herança genômica em evolução. Permeado por estudos na antropologia, arte, e estética, sem esquecer-se da filosofia como base de suas relações ontológicas.

Um trabalho árduo de construção e desconstrução, porém seus inimigos se situavam próximos os distantes com as máscaras dos preconceitos. Sua ciência se propagou nos continentes em função dos detratores, despertando curiosidades em suas divulgações, às vezes distorcidas e mal traduzidas, e foi se constituindo na materialização de suas ideias.

Portanto, reduzi-las a partir de seus relatos investigativos, estruturá-las dentro da lógica ou da matematização a partir da fala constituída na gramática é minimizá-la e desqualificá-la, distorcendo seus propósitos no encontro do sujeito consigo mesmo em seu tempo e espaço.

Freud, em sua psicanálise, sempre se denominou um tratador de almas, dentro do mais profundo do termo em sua metafísica. Aprofundou sua subjetividade simbólica, nunca teve a pretensão de torná-la concreta, apesar de sua formação fisiológica como médico.

Portanto, abriu uma janela de escuta ao clamor do sofrimento da alma, na simbologia da psique, constituindo assim um dialeto do chamado inconsciente.

LACAN

Nascido em Paris, em 13 de abril de 1901, filho de pais comerciantes pertencentes à burguesia católica conservadora, seu pai era considerado um homem fraco, cujo clima familiar horrorizava o próprio Lacan. (ROUDINESCO, 1998, p. 446).

Sua formação transitava pela filosofia quando jovem, pela vanguarda literária. Formando-se em Psiquiatria, ele adentra a psicanálise através de Rudolph Loewenstein em junho de 1932, porém com divergências interrompe sua análise. Durante sua participação, sempre foi uma voz destoante no meio, o que culminou em sua expulsão da APA e, consequentemente, em vários conflitos em seus casamentos.

Depois de sua expulsão do movimento, envereda para os estudos de Freud, de forma reativa do sacrifício do pai simbólico no sentido de um "retorno" do qual ele era o significante de forma substitutiva do inconsciente, iniciando a desconstrução da figura do criador da Psicanálise.

Em 1950, dá início à sua meta, extraindo da linguística a concepção de significante de Saussure, de um consciente constituído por uma linguagem; depois, do antropólogo Lévi-Strauss, a noção de simbólico; e da sociologia durkheimiana, a lei da construção familiar. (ROUDINESCO, 1998, p. 445-447).

Fez muitos adeptos, principalmente entre os "filósofos das tormentas", movimento atualmente em moda, dentro do movimento libertário do homem, no sentido sociológico de manifestações corporais da máxima ideológica marxista revolucionária.

Culpando no seu Discurso de Roma (1953), em "A Função da Fala e da Linguagem na Psicanálise", ele apresenta formulações de conceitos, clínicas e terminologias para compor sua psicanálise. Assim como, teve uma segunda exclusão do movimento em 1963, sendo dissolvida no mesmo ano a SFP, e funda sua escola para formação de seus alunos, até sua morte.

O Lacanismo é adotado como mais uma variante dos muitos outros divergentes da psicanálise, porém com o viés de "herdeiro continuador" do grande pai, fixação notória de formação reativa contra Freud.

Abraçado pelos seus contemporâneos franceses na continuidade de seus pensamentos, seguido por movimentos feministas, intelectuais, e professores da literatura francesa, na divulgação de suas obras. (ROUDINESCO, 1998, p. 448-450).

Um herdeiro cuja adoção partiu do adotado para estabelecer teorias sobre casos relatados, divergente por não ter sido analisado, não passou pelo crivo de seus conflitos. Sua teorização é respaldada por um linguista na utilização de signos, e a construção de sua linguagem é estruturada na sintaxe da palavra dita e escrita.

Sua obra foi capitaneada por discípulos que mais distorceram suas falas do que acrescentaram em criações verborrágicas elitistas da língua francesa, aproximando-se de conceitos fenomenológicos e existencialistas de um iluminismo nascente e um positivismo pragmático.

Seus escritos se resumem em 50 artigos e 34 conferências, todos compilados em uma obra de 900 páginas intitulada "Écrits", e um livro de sua tese de doutorado de medicina, segundo ROUDINESCO e PLON (1997, p. 445).

Sua base foi a Lógica, Neologismos e a Mathesis, como estrutura de sua linguística, deduções que alimentaram mentes criativas, a princípio para resgatar Freud, mas nas entrelinhas para guindar Lacan na morte do Pai para sucedê-lo no sentido antropológico da criação.

Seus méritos são incontestáveis do ponto de vista linguístico, porém como psicanalista é uma aberração contida em grupos egocêntricos, diria, de obras prontas para novas interpretações, distorcendo para sua própria satisfação narcísica, apropriando-se de ideias, um cavalo de Troia para ideologias do materialismo dialético marxista.

Surgindo o Lacanismo, abraçado por adeptos partidários, diferente dos Freudianos no sentido de "filhos herdeiros" de Freud. O significado patológico teve várias tendências, com correntes nebulosas, e maneiras diferentes em vários países. (ROUDINESCO, 1997, p. 451).

Assim como, muitos que tiveram seus seguimentos nas obras de Freud formaram escolas como tantos outros mestiços nas pluralidades das concordâncias e discordâncias, que denotam linhas diferentes na condução das observações clínicas.

Guindado como herdeiro de Freud, como aquele que aprofundou suas reflexões, são frutos de arrogâncias históricas de uma nação que tem como berço o Iluminismo, o Fabianismo patológico de uma revolução socialista cujo objetivo era uma reforma agrária para tirar a posse das terras do medievo e entregar à burguesia.

Sua formação em Psiquiatria faz com que se aproxime da Psicanálise com o intuito de correlacionar com a linguagem de seu tempo, porém com uma proposta estruturalista, baseando-se em casos clínicos de Freud para argumentações pós-modernistas, juntando-se aos fenomenologistas e existencialistas.

Com uma linguagem rebuscada de aparência elitista, arrogantemente egocêntrico de um douto saber, tem como proposta o "retorno" de algo que desconhecia: interpretações dentro de conteúdos feitos por Freud. Faz delas algo com uma única intenção, ou seja, a desqualificação para sua notoriedade.

Sua formação no estruturalismo de seu tempo, com sua dialética materialista, nunca entenderia o significado de "alma", denominação de Freud. Tentativa em seu contorcionismo dialético, formulações para alcançar fenomenologistas e existencialistas de seu tempo, autodenominando-se como reformador da Psicanálise, porém a serviço de preencher uma lacuna dos ideólogos diante da negativa de Freud de não se deixar usar para fins dos quais duvidava sobre os

INCONSCIENTE E CONSCIENTE

Partimos da premissa que tais nomenclaturas são uma ideia e, portanto, algo que a neurociência, mapeando o cérebro, ainda não definiu sua localização. São conjecturas sobre tal sistema criado por Freud como referência para organizar um possível funcionamento.

Portanto, muitos ampliaram os conceitos, tergiversaram em outras áreas do conhecimento, outros trataram o assunto de forma particularizada, porém sempre com o intuito de aprofundar as reflexões.

Mas, definir a psicanálise apenas por semântica, metonímia, matematização e lógica é não ter a dimensão do significado da fala dentro da abrangência de seus significados, e sim reduzi-la a fonemas, escritas e regras gramaticais como forma de regulação, não considerando a filogenética, a ontologia, o grande enigma que a Antropologia Linguística ainda procura uma explicação dentro dessa complexa origem da língua em sua formação.

Freud sempre deixou claro, dentro de suas pesquisas, que a fala, o som, é uma elaboração de um pensamento, dentro de suas estruturas, seus deslocamentos, condensações e estádios de situações temporais, no sentido de latência, manifesto e elaboração. Formulação de sua tradução dos signos (palavras), porém tendo como referência símbolos, no sentido de que a construção delas se situava em um processo de elaboração, ou seja, entre o que podia ser dito de forma manifesta e a censura que não permitia o conteúdo latente.

A definição dentro da abrangência tida como inconsciente, na citação de JUNG (2000, VIII/2, §152):

“Para produzir a função precisamos do material do inconsciente. Aqui, a expressão mais facilmente acessível do processo inconsciente que encontramos em primeiro lugar são os sonhos. O sonho é, por assim dizer, um produto puro do inconsciente. As alterações que o sonho experimenta no processo de tomada de consciência, embora innegáveis, podem ser consideradas de menos importância, porque provêm do inconsciente e não são deformações intencionais. As possíveis modificações da imagem original do sonho derivam de uma visão mais superficial do inconsciente e por isso são constituídas de material inconsciente também utilizável. São criações posteriores da fantasia, na linha do próprio sonho. Isto se aplica também às representações subsequentes, que ocorrem no estado de semi-sonolência ou surgem “espontaneamente”, assim que a pessoa desperta. Como o sonho se origina no sono, ele contém todas as características do abaissement du niveau mental (Janet), ou seja, da baixa tensão energética: descontinuidade lógica, caráter fragmentário, formações de analogias, associações superficiais de natureza verbal, sonora ou visual, contaminações, irracionalidade de expressão, confusão, etc. Com o aumento da tensão energética, os sonhos adquirem um caráter mais ordenado, tornam-se dramaticamente compostos, revelam uma conexão clara de sentido, e cresce o valor de suas associações.”

O que demonstra na visão de Jung a prospecção do inconsciente freudiano, tendo como base de suas formulações observações de estudos clínicos que culminaram na ideia de que algo de dentro (in) trouxesse informações, hoje atribuídas à filogênese pela neurociência. Na época, culminou na formulação de um dialeto, ampliando assim a linguagem dos símbolos.

Para tanto, Jung, em "O Significado da Constituição e da Herança para a Psicologia", em 1929, diz (2000, VIII/2, § 220):

“Na opinião científica moderna já não há dúvida de que a psique individual depende amplamente da constituição psicológica; e mesmo não é pouco o número dos que consideram esta dependência como absoluta. Tão longe não quero chegar, mas, dadas as circunstâncias, tenho por mais adequado que se reconheça uma autonomia relativa da psique com relação à constituição psicológica. A verdade é que não há provas vigorosas em favor deste ponto de vista, mas também não se prova que a psique se ache em total dependência da constituição fisiológica. Não devemos esquecer que a psique é o X e a constituição é o Y complementar. Mas estamos ainda muito longe de compreender, o mínimo que seja a sua natureza.”

Havia uma incógnita diante do novo que se descortinava entre o psicológico e o fisiológico de uma medicina psiquiátrica que estava se firmando ainda como especialidade na saúde; portanto, tudo passava pelo crivo da dúvida.

O "bom combate" estava em ebulição. Estudos dos mais variados se confrontavam entre os convergentes e divergentes, mas nenhum procurava se afirmar em detrimento da criação de Freud, sua base de pesquisa era respeitada.

Portanto, trazer a psicologia como referência, Wundt, na comparação com as teorias freudianas, é juntar água e óleo. Jung (2000, VIII/2, § 348/349) situa o assunto em relevo da psicologia no final do século XIX e começo do século XX, do ponto de vista do autor citado (Wundt), do todo representativo de sua escola. Em seu Grundriss der Psychologie [Esboço de Psicologia] (5ª edição, 1902), diz Wundt (p. 248):

“Dizemos que qualquer elemento psíquico que desapareceu da consciência tornou-se inconsciente, porque contamos de antemão com a possibilidade de sua renovação, isto é, de seu reaparecimento no contexto atual do processo psíquico. Nosso conhecimento acerca dos elementos que se tornaram inconscientes não vai além desta possibilidade de renovação. Tais elementos, portanto, nada mais são... do que disposições que favorecem o aparecimento de futuros componentes do processo psíquico. Hipóteses sobre o estado do inconsciente ou sobre processos inconscientes de qualquer espécie... são, portanto, inteiramente estéreis para a Psicologia. Existem, no entanto, fenômenos físicos concomitantes das referidas disposições psíquicas, dos quais alguns podem ser demonstrados diretamente, enquanto outros podem ser deduzidos de várias experiências”. [...] “um estado psíquico não pode ser considerado psíquico, a não ser que tenha alcançado pelo menos o limiar da consciência.”

Portanto, para Wundt, um estado psíquico só poderia ser considerado inconsciente quando se situava na consciência, caso contrário, não o poderia considerar, ou seriam apenas experiências dedutivas.

Assim como para HERBART apud JUNG (2000, VIII/2, § 350):

“Quando uma representação cai sob o limiar da consciência, ela continua a viver em estado latente, tentando continuamente cruzar de volta o limiar da consciência e reprimir as outras representações”.

O que causou estranheza em sua colocação (Herbart) para Jung, pois nada que foi esquecido volta à consciência; apenas a condição de complexos seria correta.

As conjecturas teóricas pululavam entre os pensadores da época, porém nada que fosse contrário às instâncias freudianas. Portanto, complementavam-se para conclusões possíveis nas mais variadas vertentes.

Da ideia até a hipótese do inconsciente, dúvidas e interrogações se manifestavam diante dos conceitos sobre a psique. Isso afetou desde a filosofia e a física, revolucionou a psiquiatria e a medicina como um todo, principalmente os fisicalistas (físicos), deu um norte à psicologia, estruturando uma nova psicologia e as ciências chamadas naturais. JUNG (2000 VIII/2, § 356).

A filosofia entrou em erupção entre os pensadores, de Hegel a Kant, dentro da filosofia idealista, sendo o primeiro uma ameaça para a razão, pois Jung considerava esse um psicólogo enrustido ou camuflado, que criava o sujeito sobre um cosmo por ele próprio criado. (2000, VIII/2, § 358).

Hegel é influência notória com sua fala empolada, que Jung descreve (2000 VIII/2, § 360):

“... considerava com a “linguagem do poder”, dos esquizofrênicos, que usam palavras encantatórias vigorosas para submeter o transcendente a uma forma subjetiva ou conferir à banalidade o encanto da novidade ou fazer passar insignificâncias por sabedoria profunda.”

Temos aí todo um movimento para a fenomenologia de uma filosofia fundamentada na "morte de Deus". Fica clara em Lacan com seu movimento ao "retorno a Freud" com objetivos de formulações estruturadas na linguística, cujo empolamento distorce seus significados a partir das palavras, da estrutura gramatical como base e de seus signos. Ou seja, matamos a alma do homem e construiu-se o homem dialético materialista do Marxismo.

Enquanto Freud, em sua visão de inconsciente, estava voltado para uma revelação de um dialeto a ser codificado, cuja simbolização norteava para algo contido na filogênese, um histórico ontológico do ser. A bússola inicial foi o sonho; como manifestação da alma, para outros, isso abriu caminhos dos mais diversos nesta ideia. Portanto, hoje a neurociência estuda a estrutura cerebral em sua anatomia e fisiologia, porém usa a terminologia inconsciente/consciente como referência, enquanto outros deram concretude a algo fundamentado em uma ideação.

Na citação de JUNG (2000 VIII/2, § 382), ele faz observações sobre a visão dele a respeito do inconsciente e consciente, diz:

“Antes de examinar de perto nosso dilema, eu gostaria de esclarecer um aspecto do conceito de inconsciente. O inconsciente não se identifica simplesmente com o desconhecido; é antes o psíquico desconhecido, ou seja, aquilo que, supostamente, não se distinguia dos conteúdos psíquicos conhecidos, quando se chegasse à consciência.”

É interessante que daí Jung faz a analogia com o mito da caverna, em que Freud coloca o mundo das sombras do inconsciente com a luz do consciente, em função das alternâncias, relacionando o estado psicóide, cuja existência pode ser um efeito de tal estágio da psique. (JUNG 2000, VIII/2, § 382).

Assim sendo, Jung faz do inconsciente não mais apenas um sujeito de atuação, mas uma multiplicidade de registros genômicos que, quando estagia no consciente, faz-se a luz de algo de suas franjas, as sombras de registros arcaicos.

Porém, o que se dizia da metafísica e subjetividade, estamos próximos, utilizando-se de tais substâncias sua concretude funcional, dando-lhes formas. (RATZINGER, 2016).

O inconsciente freudiano, em sua particularidade, tem como a pedra fundamental o recalque. Para Lacan, o inconsciente é desnecessário, daí sua desconstrução, a ponto de dar uma nova definição quanto à necessidade, chamado de "desejo", assim tentando definir algo ao bel-prazer de uma nova psicanálise.

Citação de LACAN (1998, p. 227):

“... Aqui encontramos uma coisa que se pode chamar de necessidade, mas que desde logo chamo de desejo, porque não existe estado originário nem estado de necessidade pura. Desde a origem, a necessidade tem sua motivação no plano do desejo, isto é, de alguma coisa que se destina, no homem, a ter uma certa relação com o significante. Aí está a travessia pela intenção desejante do que se coloca para o sujeito como a cadeia significante – que a cadeia significante já tenha imposto suas exigências na subjetividade dele, que, bem na origem, ele só a encontre sob a forma disto: de ela estar desde logo constituída na mãe, de ela lhe impor, na mãe, sua exigência e sua barreira. [...] ele depara inicialmente com a cadeia significante sob a forma de Outro, e ela desemboca nessa barreira sob a forma da mensagem.”

Formulação feita por Lacan para explicar o estádio do espelho como formador da função do eu, em relação à fase primária do bebê. Daí sua nomenclatura na construção do Outro da imagem. É teoria para explicar a fase oral freudiana e contestar a teoria kleiniana no quesito extensão e sua ligação com a criança e a mãe. Depois é complementada na teoria de seu quadrado entre o ser desejante e seu outro "coisa", assim tentando suprir seus desejos do gozo do "Barba Azul" e de "Sade".

Dizer que tudo está definido como algo acabado é ledo engano, pois ainda a psicanálise é uma ciência aberta, cujos estudos modernos da neurociência vêm corroborar em suas pesquisas muitas das idealizações de Freud e de seus discípulos convergentes e divergentes, porém distintas dos localizacionistas do mundo estático, sendo o cérebro algo plástico, dinâmico e integrado.

Finalizando com a citação de VON FRANZ (2003, p. 55), sobre Jung e o inconsciente ser dotado de uma criatividade autônoma:

“À visão freudiana, o inconsciente é somente – dizendo nua e cruamente – uma lata de lixo na qual conteúdos inaceitáveis da consciência e da experiência pessoal são reprimidos ou suprimidos, ao lado de alguns resíduos arcaicos, embora estes sejam apenas vagamente definidos por Freud.”

PONTUAÇÕES SOBRE LACAN E SEUS ESCRITOS

Com uma única monografia, ele faz trinta observações do caso Aimée e constrói suas convergências e divergências baseado em metáforas e metonímias, tendo a linguística como sua referência de signos para construir o Lacanismo.

Portanto, seus discípulos, com muito empenho, principalmente os não conformados com as teorias freudianas, tentam estruturá-lo com o surgimento dos chamados "Neolacanianos" da "boa nova".

Em seu segundo capítulo, “De Nossos Antecedentes”, em uma referência de continuidade de algo que se diz continuador, na exposição de “Évolution Psychiatrique”, vinculado ao meio surrealista, ele segue as pegadas de Clérambault, seu mestre em Psiquiatria.

Lacan se fundamenta em sua suposta criação denominada “Estádio do Espelho”. Daí, ele o partilha entre o imaginário e o simbólico a partir da imagem refletida. É uma abordagem da psicologia que correlaciona o Gestaltismo e a Fenomenologia, as quais Freud nunca usou como referência para sua construção psicanalítica, movimento esse de um momento histórico cujo epicentro é o socialismo francês.

Sua segunda abordagem é uma crítica do associacionismo. Na citação de LACAN (1998, p. 78), como um reformulador de uma nova psicologia, ele diz:

“Assim, veremos que, à psicologia que no fim do século XIX se apresentava como científica, e que, tanto por seu aparato de objetividade quanto por sua afirmação de materialismo, impressionava até mesmo seus adversários, faltava simplesmente ser positiva, o que elimina na base a objetividade e o materialismo.” [...] “Podemos sustentar, com efeito, que essa psicologia baseia-se numa chamada concepção associacionista do psiquismo, não tanto por formulá-la como doutrina, mas por receber dela, e como dados do senso comum, uma série de postulados que determinam os problemas em sua própria formulação. Sem dúvida, evidencia-se desde o começo que os contextos em que ela classifica os fenômenos como sensações, percepções, imagens, crenças, operações lógicas, juízos, etc., são tomados de empréstimo, tal e qual, da psicologia escolástica, que por sua vez os extraiu da elaboração de séculos de filosofia.”

Lacan faz da associação uma cópia de um período histórico como função do real, denominado como “função do verdadeiro”. Ele distorce o que não entendeu, chamando de falacioso, pois a teoria dele é fundamentada em um mecanicismo, o de engrama, como um fenômeno mental. (LACAN, 1998, p. 79).

Lacan desconhece que a associação de palavras é uma forma de entender a neurose de atuação no sentido de "atual" – uma prospecção para formulação dentro do conjunto analítico, para o momento na formulação de elementos na junção de outros, dentro da abordagem analítica para composição do material interpretativo do analista no construto da análise.

Sendo que a psicanálise não trabalha com a verdade – isso pode ser um conceito da psicologia, talvez. O objetivo psicanalítico tem a subjetividade como parâmetro de seu caminhar, portanto, não busca a verdade e muito menos a cura no sentido absolutista do termo.

Ele ironiza com o subtítulo “Revolução do método freudiano” o termo que chama de "lei da associação livre", denominação dada por Freud, sendo que tal formulação se constituía em duas leis de Pichon, as quais foram formuladas em uma só por Freud como conceito. (LACAN, 1998, p. 85).

Lacan fundamenta-se no tempo expressado na linguagem, que para Freud, é apenas como um sonho em vigília – um relato elaborado cuja manifestação expressa esconde de forma latente suas intenções, no sentido de algo intencional, objeto de análise.

A citação de LACAN (1998, p. 86-88) pode ser relacionada à sua fala com seu "nó borromeano" na tentativa lógica da matematização, baseado na teoria dos conjuntos, como inclusão e exclusão do contido e não contido, como forma de determinação de possibilidade analítica.

“Mas o psicanalista, por não desvincular a experiência da linguagem da situação que ela implica – a do interlocutor –, toca no fato simples de que a linguagem, antes de significar alguma coisa, significa para alguém. Pelo simples fato de estar presente e escutar, esse homem que fala dirige-se a ele, e, já que ele impõe a seu discurso não querer dizer nada, resta o que esse homem quer lhe dizer. O que ele diz, com efeito, pode “não ter nenhum sentido”, mas o que ele lhe diz contém um sentido. É no movimento de responder que o ouvinte o sente; é suspendendo esse movimento de responder que o ouvinte sente; é suspendendo esse movimento que ele compreende o sentido do discurso. Então, reconhece neste uma intenção, dentre aquelas que representam uma certa tensão social: intenção reivindicativa, intenção punitiva, intenção propiciatória, intenção demonstrativa, intenção puramente agressiva. Sendo essa intenção assim compreendida, que se observe como a transmite a linguagem.”

Fica claro que é um discurso de alguém que nunca passou por uma análise. Sua fala é construída por um contorcionismo dialético pautado no "eco", ou seja, na palavra dentro de seu construto gramatical metafórico. Portanto, sua compreensão fica aquém de um significado simbólico, pautado em signos linguísticos.

Prossegue LACAN (1998, p. 88):

“A partir daí, com efeito, o analista age de maneira a que o sujeito tome consciência da unidade da imagem que nele se refrata em efeitos díspares, conforme ele a represente, a encarne ou a conheça. Não descreveremos aqui como procede o analista em sua intervenção. Ele opera em dois registros, o da elucidação intelectual, pela interpretação, e o da manobra afetiva, pela transferência; mas, fixar os tempos delas é uma questão de técnica, que as define em função das reações do sujeito; ajustar sua velocidade é uma questão de tato, pelo qual o analista é alertado sobre o ritmo dessas reações.” (negrito nosso).

O analista não "age". A consciência é um despertar do analisado no discorrer. Ele diz não descrever o que ocorre no procedimento do analista, mas antecipa sua função distorcida, nem na esfera da intelectualidade interpretativa, pois isso é função do sujeito em tornar consciente seu inconsciente. E a questão afetiva não existe por parte de um analista em sua representação. É somente do analisado a transferência afetiva, pois a contratransferência é concomitantemente correspondente ao ato do sujeito em sua dinâmica.

Há, portanto, inversão em sua fala, daí sua construção sobre as resistências do analista e seu mecanismo de defesa, pois era sua deficiência expressa para justificar seu hiato faltante na completude de sua formação.

Outra contradição em LACAN (1998, p. 91) diz respeito a o objeto da psicologia ser definido em termos essencialmente relativistas:

“[...] O que melhor confirma a excelência da via definida por Freud para a abordagem do fenômeno, com uma pureza que o distingue de todos outros psicólogos, é o avanço prodigioso que o colocou como “de ponta”, em relação a todos os outros, na realidade psicológica.”

Tratá-lo como psicólogo é confundir para desqualificar, pois Freud nunca se posicionou como psicólogo. Colocá-lo como tal é um elogio desconstrutivista de sua formação em Neurologia e sua formulação psicanalítica, que confrontou de forma revolucionária os tratamentos empíricos de seu tempo, contrariando assim os fisicalistas e a Psiquiatria.

Depois de nomeá-lo como psicólogo, LACAN (1998, p. 93) ataca sua metapsicologia:

“A psicologia freudiana, de fato, exacerbando sua indução com uma audácia próxima da temeridade, pretende remontar da relação inter-humana, tal como ela a isola como determinada em nossa cultura, à função biológica que seria seu substrato: e aponta essa função no desejo sexual. Convém distinguir, no entanto, dois usos do conceito de libido, aliás incessantemente confundidos na doutrina: como conceito energético, regendo a equivalência dos fenômenos, e como hipótese substancialista, referindo-os à matéria.”

Outra distorção de conceitos: a libido sempre teve a conotação de Eros (vida), sim, energia propulsora do corpo, nunca no sentido regente, mas uma condição orgânica própria do organismo. A hipótese substancialista é interpretação do próprio Lacan na distorção que faz, tratando Freud como ingênuo, citando que, de forma ultrapassada, ele era um autêntico materialista.

Como se diz na máxima, ‘diga o que o outro é, para justificar o que eu sou’. Prossegue LACAN (1998, p. 94): “Seja como for, é no metabolismo da função sexual no homem que Freud aponta a base das “sublimações” infinitamente variadas que seu comportamento manifesta.”

A ambivalência nos leva à formulação, depois à construção distorcida do conceito. “Sublimação” é uma ideia que Freud usa para compor as "formações reativas", no sentido de direcionar seus instintos destrutivos para algo altruísta, como deslocar seus desejos e vontades para outras funções, profissões, de forma positiva construtiva ou negativa.

Isso pode também ser direcionado como "reação" para situações negativas, como afirmação contrária aos seus desejos. Um exemplo clássico para justificar tal conceito, poderíamos citar muitos, mas de forma genérica para não afetar mentes reativas, é o caso das escolhas do sujeito pela profissão de mecânico ou atividades de serviços de recuperação de coisas ou objetos.

O bom mecânico ou recuperador de coisas ou objetos demonstra eficiência digna de elogios quando na busca da reparação, consertos e recuperação de algo perdido ou destruído. Demonstra perícia e sua atividade de forma pontual, crítica, bem empenhado na sua função, fazendo com perfeição os reparos ou o conserto.

Pois bem, todos aqueles indivíduos que tiveram suas famílias desconstruídas ou sofreram agressividades, separações, por parte dos pais ou família, deslocam para o objeto a resolução, como uma completude de não ter conseguido fazer ou realizar na sua infância diante de sua impotência, realizando assim de forma prazerosa em sua função, acompanhada de um elogio.

O contexto não visa generalizar, mas sim trazer tantos outros exemplos para explicar o sentido de sublimação dentro da socialização, direcionando assim para uma forma altruísta seus conflitos da fase primária.

Portanto, substancializar e materializar, como fez Lacan, significa não entender algo que vai além da sua compreensão egocêntrica narcisista, com a arrogância de reafirmação de recalques de forma propositiva, arrogando-se na afirmação do outro.

Lacan tem como meta a desconstrução do "princípio de realidade", fazendo uma salada de terminologias como sublimação, "fixação anal", emoção, pulsões, vontades e instintos, como cita no último parágrafo para passar para seu segundo artigo. Assim escreve LACAN (1998, p. 95):

“Mas antes devemos examinar que contribuição traz no que tange à realidade da imagem e às formas dos conhecimentos, as pesquisas que, com a disciplina freudiana, concorrem para a nova ciência psicológica. Essas serão as duas partes de nosso segundo artigo.”

A construção do Estádio do Espelho, que para o francês significa como fase de uma doença, porém pode ser entendido como fase, etapa ou período, quando colocado por LACAN (1998, p. 97):

“Basta compreender o Estádio do Espelho com uma identidade, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem – cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago.”

O sentido de identificação para FREUD é o desejo do sujeito de ocupar o lugar do outro, no sentido de identificação em relação à imagem do outro. (FREUD, 2006, p. 185, Vol. IV). Apenas para situar a colocação identificatória do texto acima citado, pois é um momento em que a percepção está em formação no estádio do nascituro. Conjecturar sobre a situação fica muito amplo diante do termo utilizado.

Há algumas teorias como o Kleinismo no sentido da identificação projetiva que, seguido do modelo do Lacanismo, constrói uma doutrina que tem sua coerência própria. ROUDINESCO (1997, p. 434) cita: “um corpo conceitual específico, um saber clínico autônomo e um modo de formação didático particular”.

Portanto, o termo exemplificado ficaria mais próximo em relação à imagem no sentido de projeção identificatória da criança em relação à mãe, que mais tarde será constituído o Édipo como analogia, como caminha a teoria Freudiana.

No capítulo sobre a agressividade na psicanálise, Lacan parte do pressuposto dos enfrentamentos do analista diante do indivíduo “despedaçado”, no sentido das castrações, proibições e ameaças, de como o sujeito chega ao setting de análise.

Sua abrangência com a tentativa de correlacionar com o Behaviorismo da psicologia comportamental é algo que não se mistura na psicanálise, pois o homem de dentro não é o mesmo homem de fora – situações em que se encontra a introjeção da imagem entre o que ele identifica com o que imagina diante de seu olhar, fantasias, sonhos, etc.

Ele tergiversa de forma sinuosa. Diz LACAN (1998, p. 107):

“que a agressividade se exerce, é claro, em meio a restrições reais. Mas sabemos por experiência que ela é não menos eficaz pela via da expressividade: um genitor severo intimida pela simples presença, e basta que seja brandida a imagem do Punidor para que a criança a forme. Ela tem repercussões mais amplas do que qualquer sevícia.”

Lacan relaciona a ameaça da imagem introjetada da punição na comparação mensurativa entre as repercussões de amplitude em relação a “qualquer sevícia”. Do que se trata a sevícia, senão do desejo do outro em submeter aos seus desejos sem considerar o outro, ou o outro é apenas uma imagem refletida de um corpo despedaçado?

Aqui, ele faz a observação de resolução entre a psicologia tradicional e a eficácia da psicanálise no quesito dos fenômenos mentais. LACAN (1998, p. 107):

“Esses fenômenos mentais a que chamamos de imagens, termo cujo valor expressivo é confirmado por todas as acepções semânticas, após os perpétuos fracassos registrados pela psicologia de tradição clássica na tarefa de dar conta deles, a psicanálise foi a primeira a se revelar à altura da realidade concreta que eles representam. É que ela partiu da função formadora das imagens no sujeito e revelou que, se as imagens atuais determinam tais ou quais inflexões individuais das tendências, é na condição de variações das matrizes que constituem, para os próprios “instintos”, esses outros específicos que fazemos corresponder à antiga denominação de imago.”

Então, fica claro que relacionar a agressividade em relação à imagem do qual Freud diz, sobre a introjeção representacional do elemento ameaçador, cuja agressividade é replicada pelo ameaçado, assim como todo agressor é aquele que foi agredido. É replicação da imagem imposta de forma que a situação vai se repetir no setting de análise, em qualquer situação que se manifestar a força pulsional do indivíduo.

Sua identificação com sua atitude é a visão dissociada do sujeito com seu próprio corpo e assim se manifesta. Daí correlacionar com os ritos primitivos de culturas passadas como se houvesse correlação, porém tal fato não cabe nessa comparação, pois é uma situação cultural, distante de uma situação de sadomasoquismo do sujeito despedaçado pelo ambiente do qual foi forjado.

Até então, Lacan vai construindo suas teses quanto aos impulsos de agressividade e à motivação da técnica analítica. Observa-se desconhecimento de alguns fundamentos importantes. Daí discorre sobre a falência da dialética socrática demonstrada com frequência desde então, contrapondo a metodologia de Freud em suas abordagens no setting analítico.

Lacan coloca em dúvida algo de sua imaginação, pois dizer que Freud não tinha o controle, sequer conhecer seus limites, como se Lacan conhecesse tais formas de controle. Diz LACAN (1998, p. 109):

“Sua voz é única e se faz ouvir (analisado), por um tempo cuja duração fica a critério do analista. Particularmente, logo lhe respondo em qualquer plano de conselho ou projeto.” Há nisso um limite que parece ir ao encontro do fim desejado e que deve justificar-se por algum motivo profundo. (Grifo nosso).

Logo após Lacan tergiversa na dúvida de algo que parece desconhecer. Coloca sua visão de interlocução, portanto, o tempo parte de um estudo de Freud em relação ao estágio da psique no momento de dispersão do sujeito. Portanto, não cabe ao analista aconselhar, assim como o que chama de projeto. O analista é a visão construída de acordo com o reflexo que o mesmo constrói em seu imaginário do analisado. O mesmo apenas escuta para associar a fala elaborada, com relação ao manifesto com o simbólico da latência do sujeito.

Daí Lacan correlaciona com o universo das manifestações que decorrem do processo analítico com a visão de um arqueólogo no desvelamento do dito até então, cabendo ao analisado as manifestações de seus insights, mobilizações, ou catarses como expurgos, quando vencidas suas resistências.

A preocupação de Lacan é com o analista e suas atitudes. Percebe-se que não foi analisado, e ele parte então de suposições, tendo ele como referência.

Concluindo, veja a verborragia, como diria Jung. Na citação de LACAN (1998, p. 112), ele diz:

“É esse o aspecto de nossa práxis que corresponde à categoria do espaço, contanto que aí se compreenda este espaço imaginário onde se desenvolve a dimensão dos sintomas que os estrutura como ilhotas excluídas, escotomas inertes ou autonomismos parasitários nas funções da pessoa.”

Lacan relaciona todo o contexto com o que chama de imago, porém diz sem dizer nada o tempo todo, apenas para causar um sentido de algo que se perdeu, tudo para desconstruir o processo que chama de moroso nas análises agressividade reflexas entro ds dimensões seu imaginário trafega.

Suas teses são um mistura da filosofia influenciadora de sua época, tendo Hegel como sua referência, trazendo a fenomenologia contagiante do pragmatismo, assim como Klein, para referenciar o homem dentro de seu contexto de agressividade, citando sua fala no final de suas teses, que fundamenta seus propósitos em suas elaborações dialéticas. Diz:

“É essa vítima comovente, evadida de alhures, inocente, que rompe com o exílio que condena o homem moderno à mais assustadora galé social, que acolhemos quando ela vem a nós; é para esse ser de nada que nossa tarefa cotidiana consiste em reabrir o caminho de seu sentido, numa fraternidade discreta em relação à qual sempre somos por demais desiguais.”

Lacan finaliza de forma clara que, além de toda construção recheada de dizeres hiperbólicos e arranjos linguísticos, a finalidade é ideológica: a desconstrução de algo que imaginava ser, causando fragmentos de realidades de uma visão esquizofrênica da realidade.

No capítulo em que fala sobre a Criminologia e Psicanálise, Lacan faz uma abordagem sociológica desde citações do livro de Freud sobre "O Mal-Estar na Civilização", com a etnologia dos trobriandeses de Malinowski, incluindo o Supereu como instrumento de explicações em relação aos crimes, assim como o parricídio do Édipo. Portanto, fica distante da proposta, apenas para demonstrar conhecimentos. (LACAN, 1998, p. 127).

Em seus escritos, Lacan (1998, p. 139-149) faz reflexões sociológicas com a sua psicanálise, tergiversa sobre o crime, formas de julgamento, argumentações em torno de sua ideologia dialética, coloca o castigo sob suspensão, viaja no julgamento de Nuremberg, colocando em dúvida os efeitos sanitários de tal julgamento, critica as estruturas de um julgamento justo, até então permeadas por vícios, salientando a importância do analista na prospecção de conhecimentos dos seus saberes.

Divaga como um filósofo por várias áreas, mesclando entre o consciente e o inconsciente sociológico, com discurso fascista e circular, deixando em dúvidas seus objetivos, porém claro quanto ao seu posicionamento ideológico de questionar. Resgata Hegel em sua tese, antítese e síntese, como instrumento reducionista de julgar, quando questiona o perito, questionando se “seria o analista o único que pode responder, na medida em que só ele tem uma experiência dialética do sujeito”. (LACAN, 1998, p. 141).

Entra no campo da Psiquiatria Forense, assim como faz com a figura do psicanalista, um misto de psicólogo no decorrer de sua obra, viajando assim em vários extremos de forma circular, que nos remete ao Ouroboros em seus discursos.

Quando cita Freud sobre o termo "denegação", muito utilizado por Lacan em seus escritos, coloca-o no sentido semiológico, no sentido de sinais e sintomas como médico ou como ciência geral de ritos e costumes de Saussure com sua referência linguística. Lacan mescla os sentidos para uma crítica histórica aos jesuítas, ao cristianismo, perpassando pela cultura do Oriente, pela China, e finaliza com as intenções, cuja fala é apenas um disfarce para determinado fim. (LACAN, 1998, p. 142).

Utiliza-se da linguagem freudiana, mesclando o eu com o coletivo, o Édipo na relação da proibição do incesto de forma subliminar, citando entre meios seu caso "Aimée", assim entre aspas, como comprovação de que somente o analista possui o conhecimento do alienado com sua realidade criminosa.

Na citação, LACAN (1998, p. 145) acentua as questões do sujeito quanto à arbitrariedade do julgamento sem levar em consideração as anomalias estruturais que podem ser detectadas por um analista, o que foge do sentido freudiano em sua filosofia:

“...Assim, ele interpretará mais profundamente o sentido dos traços frequentemente paradoxais pelos quais se designa o autor do crime, e que menos significam os erros de uma execução imperfeita do que os fiascos de uma “psicopatologia cotidiana” por demais real. As identificações anais, que a análise descobriu nas origens do eu, dão seu sentido ao que a medicina legal designa, no jargão policial, pelo nome de “cartão de visita”. A “assinatura” deixada pelo criminoso, muitas vezes flagrante, pode indicar em que o momento da identificação do eu se produziu a repressão pela qual é possível dizer que o sujeito não pode responder por seu crime, e também pela qual ele permanece preso em sua denegação.”

Lacan utiliza de observações consequentes de conflitos do sujeito para inserir no julgamento em função de a própria denegação significar a prisão em que o indivíduo está preso, como sentença da pena. Daí adentra no campo de tratamento por narcose, repressões, etc.

Conclui filosofando entre a importância do psicanalista na seara da sociologia “sobre as injustiças das pólis do ponto de vista da incompreensão do intelectual submetido à lei do coração em que o progresso é a imagem do homem refletida à sua própria imagem”. (LACAN, 1998, p. 148).

Em seu parágrafo V, LACAN (1998, p. 148-151) coloca em xeque a questão da libido freudiana, no sentido de suas ligações complexas em sua intensidade originária. Para ele, “falar de um excesso de libido é uma formulação desprovida de sentido”.

Porém, usa o excesso para entender a mente criminosa a partir de sua formulação e questionar o inatismo: (LACAN, 1998, p. 148-151), “Fazer a soma das predisposições inatas é uma definição puramente abstrata e sem valor de uso”.

Sua abordagem confusa no sentido sociológico, com a antropologia freudiana, desemboca na reafirmação de sua ideologia dialética materialista ao fechar o capítulo com a seguinte colocação:

“Para além dessas antinomias que nos levam ao limiar da sabedoria, não há crime absoluto, e existe ainda, malgrado a ação policial estendida por nossa civilização ao mundo inteiro, associações religiosas ligadas por uma prática do crime, onde seus adeptos sabem encontrar as presenças sobre-humanas que, no equilíbrio do Universo, zelam pela destruição.”

Sua linguagem subliminar, que faz muito bem em suas sinuosas colocações, dando uma aparente historicidade, para confundir seus propósitos das novas verdades, usando terminologias psicanalíticas freudianas no sentido de reformas, mas sendo simplesmente um Cavalo de Tróia para suas intenções.

LACAN (1998, p. 152) descreve um embate sobre a refutação de um amigo em relação à teoria organicista da loucura e ao título no sentido orgástico de Henri Ey. Lacan banaliza o embate, coloca em dúvida o conhecimento do oponente, humilha-o, e percebe-se o recalque de Lacan em relação à sua convivência com o amigo de formação.

Assim, vai discorrendo sobre seu pensamento, demonstrando sua relação com o materialismo dialético como bandeira de suas formulações conceituais.

Faz a crítica situando o tal movimento que serve supostamente de parâmetro ao seu colega, colocando como falsa e incompleta a doutrina sobre doença mental, fazendo analogia a uma obra de 1936. Assim diz: “de seu belo trabalho em colaboração com Julien Rouart, o Ensaio de aplicação dos princípios de Jackson a uma concepção dinâmica da neuropsiquiatria” (Julien Rouart apud LACAN, 1998, p. 153).

Recorre à dúvida cartesiana do qual diz fundamentar a teoria de Henry Ey em relação à fundamentação sobre extensão, desqualificando que “ela não tem as feições da ideia verdadeira”. (LACAN, 1998, p. 154).

Recorre à noção de "verdadeiro" de Descartes, com a citação de Spinoza: ”Idea vera debet cum suo ideato convenire”. Completa: “Uma ideia verdadeira deve (a ênfase recai sobre essa palavra, que tem o sentido de “é sua necessidade própria”), deve estar de acordo com o que é ideado por ela”.

Portanto, fala como médico dentro da neurologia e psiquiatria, em caso de não interferir em seu conceito de loucura. Conclui: “... haverá alguma coisa que distinga o alienado dos outros doentes, a não ser pelo fato de o encerrarmos num asilo, enquanto hospitalizamos estes últimos?”. (LACAN, 1998, p. 155).

Todo o debate se resume na discordância da psicogênese, ou seja, em uma explicação entre o que é neurose e psicose. Atribui que Henry Ey se baseia no dualismo cartesiano absoluto, em que se funde o orgânico ao psíquico, e diz: “É de surpreender, ao contrário, que Henry Ey não busque nenhum apoio num autor para quem o pensamento não faz senão errar quando nele se admitem as ideias confusas determinadas pelas paixões do corpo”. (LACAN, 1998, p. 160).

Contrariado pelo colega em não aceitar suas teorias, faz o seguinte desabafo: “Claro, eu “cismo” um pouco ao ler, “para o dualismo” (sempre cartesiano, suponho), “o espírito é um espírito sem existência””. (LACAN, 1998, p. 159).

Ao final, vai se reconciliando com seu opositor organo-dinamicista, chegando a um bom termo nas contradições, colocando em reflexão, como artifício da mente, um desenho do objeto para se fundar uma psicologia científica.

Fica claro um destempero diante de sua formulação a respeito da loucura e sua causalidade, um campo de reflexões entre neurologista e filósofo, segundo Lacan. Porém, se apoia em Husserl e em uma relação de Fundierung (Fundação). (LACAN, 1998, p. 163).

Daí sua formulação na defesa de sua tese sobre psicose em relação com a personalidade: “não podemos esquecer que a loucura é um fenômeno do pensamento”, em sua aprovação como douto saber.

Nesta fase, demonstra seu ódio em relação ao mundo, quando diz LACAN (1998, p. 176), contrariado com seu oponente Henry Ey: “Pois não é apenas por derrisão que o impecável rigor da comédia clássica a faz surgir aqui”.

Faz menção anteriormente ao personagem Alceste ao ouvir o soneto de Oronte. Quanto ao ridículo que o oponente representa, um imbecil que é seu rival aparece-lhe como sua própria imagem no espelho, que o ataca como um louco furioso que o faz atingir a si mesmo, sofrendo os seus próprios golpes. (LACAN, 1998, p. 176).

Assim como se acha prisioneiro de seu pensar, seus fetiches, seu sonhar, desabafa LACAN (1998, p. 177):

“Portanto, não é que eu me desvie do drama social que domina nossa época. É que o funcionamento de minha marionete evidenciará melhor para cada um o risco que o tenta, toda vez que se trata da liberdade. Pois o risco da loucura se mede pela própria atração das identificações em que o homem engaja, simultaneamente, sua verdade e seu ser. Assim, longe de a loucura ser um fato contingente das fragilidades de seu organismo, ela é a virtualidade permanente de uma falha aberta em sua essência. Longe de ser para a liberdade “um insulto”, ela é sua mais fiel companheira, e acompanha seu movimento como uma sombra.”

Consequentemente, diz que o ser do homem não pode ser compreendido sem a loucura, se o mesmo não trouxer em si a loucura como limite de sua liberdade. “Não fica louco quem quer”. (LACAN, 1998, p. 177).

Defensor de sua própria loucura, no exercício de sua liberdade, fala de si o tempo todo, confirmando a conclusão de Freud em sua linguagem em relação ao outro.

Na sequência, vamos situar sua divergência e entender o propósito de tais colocações anteriores: a analogia que faz, subtraindo de Hegel o seu texto sobre o "Senhor e seu Escravo". Lacan antecipa, assim, dentre outras divergências, pois este é o momento crucial de sua ambivalência em relação a Freud em sua desconstrução, com o objetivo de justificar sua ideologia que é impressa, com o único propósito do uso da psicanálise que se diz o retorno para sua completa destruição.

Antes de explanar as incoerências, citaremos a entrevista de LIMA (2007, p. 28-34), em correções que faz ao sistema de Hegel quanto à sua referência a alguns estudiosos. Diz:

“Penso que o problema continua e tende a continuar. A partir da virada do século XIX para o XX, fomos destruindo a razão: prova disso são Nietzsche, Heidegger e outros pensadores.” [...] “Uma visão global está sendo dada fajutamente por psicanalistas e, de uma forma muito boa, por cientistas como Lee Smolin e alguns teóricos do sistema.”

Em resposta a uma pergunta sobre a filosofia pós-moderna das características em aprender com Hegel, pelo fato de a filosofia não ter constituído um sistema.

Na "Fenomenologia do Espírito" de Hegel (1770-1831), ele relata o significado de Senhor e Escravo, reportando à cultura histórica sobre o conquistado e o conquistador, ou seja, aquele que perdeu o combate se tornava o servo do outro, como a história nos relata, assim como a Antropologia Cultural.

Karl Marx (1818-1883) fundamenta sua "mais-valia" para formular suas ideias a respeito do valor na composição do produto fabricado. Porém, Lacan (1901-1981) constrói uma narrativa para fomentar a luta de classe, com seu Lacanismo radical.

Vejamos, talvez ele não tivesse tal propósito, mas os chamados herdeiros pós-modernos, divulgadores do mundo perfeito, a partir do paraíso terreno, fomentam a liberdade como um repasto de fantasias utópicas de um sistema político falido, que ainda subsiste pelo desejo da negação do outro.

Construção de seu quadrado com base de suas equações, usando da lógica da Mathesis como dedução de suas argumentações frágeis, porém revestidas de algo profundo para aqueles que se propõem a defendê-las.

A figura do quadrado é formada por quatro ângulos retos, que em sua soma resulta em 360º, ou seja, com ângulos retos de 90º que estruturam seus vértices, dando a forma, compondo assim o seu interno, correspondente de forma oposta, ou seja, o reflexo do espelho.

Lacan utiliza assim sua equação, chamando de "S1" como mestre, "S2" como escravo, o "a" como falta ou produção, e o "$" como inconsciente dividido. De forma esquizoide, constrói uma equação para definir o antagonismo classista da pregação dos iguais do qual aspiram na homogeneidade de um sistema idealizado contra o capital.

Tal distorção é doutrinada de forma a omitir seu construto para assim personificar suas ansiedades de notoriedade egocêntrica e narcisistas de plantão.

Quando se utiliza do sujeito freudiano, com o ser em atuação, Lacan coloca-o como mestre da sujeição do outro (S2), que de forma vetorial dá o sentido de uma força que o oprime, e não considera o significado pitagórico dos números, pois tem como propósito o encapsulamento do interno do ser em seu quadrado de espelhos.

Sua referência para esta construção está em Hegel apud Santos (2007, p. 8), na obra da "Fenomenologia do Espírito". Diz: “Hegel resume essa experiência fundadora do espírito humano na expressão “um eu que é nós””. Em que coloca como estações a consciência, autoconsciência, razão, ética, educação, moral e o religioso em suas diversas manifestações, no capítulo final sobre "O Saber Absoluto".

Portanto, para Hegel, “o espírito é formado pela consciência, pois sua formação se dá a partir da sua própria natureza, ou seja, a consciência de si mesmo” (Hegel apud Santos, 2007, p. 18).

O discurso de Lacan está contido na formação do espírito absoluto, portanto, bem distinto da alma com que Freud trata tal subjetividade metafísica. Porém, Lacan força em sua equação, trazendo apenas a materialidade dialética, eliminando assim o metafísico de sua equação, ou seja, omitindo para um determinado fim.

Talvez, Lacan não tenha conhecido Pitágoras e sua filosofia dos significados dos números. Na citação de Dos Santos (1959, p. 122): “O um não é um número e sim o todo, o absoluto, não podendo ser confundido com o “um” aritmético”. É diferente da quantidade que representa, mas o sagrado que ele traz na idealização da estrutura universal do mundo pitagórico, que Hegel traz em sua dialética.

Para Pitágoras apud Dos Santos (1959, p. 123): “Quando dois fatos opostos se colocam um em face do outro e formam uma relação, uma concordância, um ajustamento, como se constituíssem algo novo, eles se harmonizam”. Pois, o fator qualitativo se dá pelos opostos, pois os iguais não se harmonizam, apenas se ajuntam.

O 2 (dois): “seu significado é a dualidade, do binário, da díade pitagórica é o símbolo da reciprocidade antagônica, dos contrários” (Pitágoras apud Dos Santos, 1959, p. 143).

Portanto, a díade representa o pensamento humano em todas as épocas, pois é fundamental para o espírito em sua operação. Sem o dois, cairíamos em aporias insolúveis, resultantes das oposições dos contrários, consequentemente o três, na formulação da (tese, antítese, síntese), dentro da simbólica de Hegel.

Para tanto, Lacan se utiliza da construção de sua narrativa para explicar Freud, de forma indutiva aos seus propósitos. Vejam: S1, o sujeito da dominação, o senhor dos escravos; S2, o escravo da obrigação, portanto forçado pela sua submissão, cujo fim do senhor é a produção pela perda do outro, que tem como resultado o lucro do inconsciente dividido do Mestre que esconde a verdade, cuja mentira se resume na condução na consciência do escravo. Devo acrescentar que confunde o inconsciente freudiano com o instinto, ou seja, a capacidade de sobrevivência e suas pulsões.

Desconhecendo o sagrado da representação dos números, Lacan utiliza-os de forma quantitativa para uma relação contraditória, não considerando a cultura e a tradição. Ele afasta de forma propositiva sua materialidade com a morte do espírito, com falsidade na equação, pois falava de si o tempo todo.

A psicanálise freudiana, em seu dialeto do inconsciente, demonstra que todos falam de si o tempo todo, pois quando se dirige ao outro, sua existência é o parâmetro de seu reflexo, limites dos quais Sócrates dizia sobre o mundo das aparências, depois referendado por Platão em sua parábola da caverna.

Hoje a neurociência ratifica com a visão de que, para enxergar, precisamos da luz em sua intensidade, para a codificação do cérebro na profusão do olho em relação à iluminação.

Fazendo uma analogia com a equação de Lacan com seu dito latente na formulação da mesma, diríamos que o S1 é ele, “o Mestre”; S2 é Freud, “o escravo”; o a “sua produção”; o $ “o sujeito esquizoide” dividido, assim como se denomina o inconsciente freudiano, ou seja, sua loucura.

Sua ansiedade de notoriedade é profunda na construção de uma psicanálise que nunca entendeu, com diversas divergências em sua propositura. Lacan utiliza de uma linguística para formulação de sua elaboração, assim buscando trazer à sua materialidade seu narcisismo profundo.

Enquanto a psicanálise freudiana traz em seus significados o significado de espiral, Lacan se coloca no círculo fechado de sua geometria, como o Ouroboros que sempre se inicia comendo o próprio rabo. Talvez, ter permanecido sua escola até sua morte, deixando herdeiros do Pós-Lacanismo com suas elucubrações fantasiosas de um mundo paralelo a ser atingido com a dialética materialista do niilismo, culminando na morte do Édipo.

Reportando-se à Antropologia, aos estudos de Jung, as civilizações constituíram seus herdeiros, assim como as extinções, diante da morte de seus mitos e a criação de novos mitos. O homem, quando idolatra o próprio homem imanente como seu mito, a história nos traz lembranças de sofrimentos e guerras.

É momento de reflexão na condução sem deixar as experiências, a Ontologia, considerando a Filogenética, pois a Filosofia traz em sua sabedoria pensadores de forma contínua na busca da explicação entre o que é matéria e a subjetividade metafísica. Para repetir Kant, a humanidade ainda permanece em seu infantilismo de uma letargia supostamente em seu sono letárgico.

Já não bastam seus conflitos internos do ser humano, seus questionamentos, sua origem, o significado de essência em relação à sua existência, fundados na mitologia transcendente, para se situar em sua imanente ignorância.

Dois binômios que não se separam, ou seja, o psicológico e a razão, ainda como parâmetros dos opostos que nos sustentaram como espécie no planeta. A dissolução de tal química nos remete à extinção, confirmando a fala do filósofo que o único inimigo do homem é o próprio homem.

Transformar o homem a partir de sua coletividade em uma formulação matemática para explicar seus sentimentos, seria a desrazão propriamente dita.

A "Ciência da Lógica" de HEGEL apud DE AQUINO (2007, p. 45):

“... O fenômeno comporta uma inteligência mais articulada da relação entre o mundo do em-si e o da realidade fenomenal. Esta inteligência consiste na apreensão da coerência lógico-estrutural do mundo exterior com a interioridade que a habita e a constitui como tal. O Absoluto Real, ou pensado segundo uma lógica da existência, é um filosofema que aparece com a reflexão cristã de Deus, em contraponto com o essencialismo estático do Absoluto como ideia (Platão) ou forma (Aristóteles).”

Portanto, a história está ligada à religião judaico-cristã. Destruí-la seria afastar a construção que Descartes preservou em sua dicotomia da matéria e alma, descartar a ontologia e a filogenética do ser humano e retroagir às hordas com a morte do Pai e o retorno do incesto em seu primitivismo de outrora.

Para concluir o tema, na psicanálise, o analista é o espelho do analisado, interlocutor da abordagem, o Superego do sujeito, dentro da máxima socrática das perguntas, para que no momento da escuta o sujeito se ouça, para se conscientizar de seus conflitos.

Pois, sabemos que a neurose leva o sujeito à surdez, à perda da visão como trauma da psique. Trazê-lo de volta significa harmonizar diante de sua realidade, nunca com o propósito de sua verdade, como diz Lacan.

Em sua abordagem, LACAN (1998, p. 179) sobre os efeitos psíquicos do modo imaginário demonstra que, de forma totalmente dissociada, ele compõe seu discurso sobre vários temas na tentativa de reduzir tudo à definição da sua imagem – digo sua pelo fato de traduzir o sujeito à sua imagem, no sentido de seu próprio reflexo.

É interessante notar sua fala diante do que diz:

“Basta-me dizer que a consideração destes, levou-me a completar o catálogo das estruturas – simbolismo, condensação e outras que Freud explicou – como sendo, direi, as do modo imaginário, pois espero que logo se renuncie a usar a palavra inconsciente para designar aquilo que se manifesta na consciência.”

Demonstra sua resistência em relação à teoria freudiana, além do sentido imaginário do qual abre sua fala, tudo na tentativa de impor a desconstrução do Édipo, associando tal simbologia ao patriarcado e a alguns relatos etnológicos que advêm do sociológico cultural, como um recorte biológico.

O objetivo é, com o propósito de sua construção do chamado Estádio do Espelho, assim como suas fases em relação à criança e seus primeiros contatos com a mãe e seu núcleo familiar. Faz algumas colocações na comparação com primatas, relaciona a imagem em relação ao visual, com citações e observações com pombos e outros animais. Além de trazer conceitos psicológicos como Gestalt, que foge de todo conceito psicanalítico freudiano, pois é uma abordagem do momento, como ele elimina o inconsciente e se ampara em divagações filosóficas, cuja conclusão se dá na busca da verdade.

Há um desvinculamento das questões filogenéticas; o sujeito como coisa do outro, assim o bebê da mãe. Esta aprisiona seu filho no despertar de suas excitações na fase da amamentação, significando a falta lacaniana, e a formação do ser desejante em sua linguagem.

Citação de um Lacaniano, JERUSALINSKY (2009, p. 68):

“Diante dos estímulos endógenos do bebê, é preciso um outro encarnado que atribua intenção de comunicação ao seu grito e, por meio de uma interpretação, produza uma ação específica capaz de satisfazê-lo. Se há interpretação, é porque já há linguagem ali. Mas é evidente que a linguagem não se inscreve por si. Não basta colocar um bebê na frente do rádio ou da televisão. Para que o gozo do bebê se atrele ao Outro, como instância da linguagem, é preciso um endereçamento, é preciso um Outro que, ao tomar o bebê desde um desejo não anônimo e a partir do saber simbólico que a linguagem lhe permitiu constituir, opere corte e costura do funcionamento corporal do bebê ao campo do Outro, levando em conta o que o afeta e fazendo borda a seu gozo. Se isto atrela o bebê ao campo do Outro, para que ele possa chegar a situar-se na condição de falante, e não como um mero repetidor ecolálico do que lhe é dito, será preciso que esse desejo não anônimo opere no laço mãe-bebê enquanto um enigma diante do qual, para a mãe, o bebê se situa como sujeito que supostamente deteria o saber.”

Lacan coloca o gozo atrelado à linguagem, a excitação como estímulo ao desejo, o sentir relacionado ao sentimento. Com o sentido de afeto, coloca o outro como coisa a ser devorada. Quando coloca o outro "encarnado", nega o sentido da "alma freudiana", trazendo a linguagem ideológica da filosofia, campo que Freud não adentrou em função das divergências seculares do qual não estava abordando, e sim do ser transcendente de sua ontologia filogenética.

A linguística como discurso, tão bem trabalhado por Saussure, como resultado da ordem, regras, e gramatização da fala, quando trabalhada por Lacan, é o estudo na formação de um sistema e seus pontos de vista.

Citação de BEZ e AQUINO (2011, p. 8):

“O objeto da linguística é o estudo da língua como sistema, recorte da matéria criado pelo ponto de vista e, portanto, há tantos objetos quantos forem os pontos de vista. Dessa forma, como afirma Gadet (1996), não há objeto a priori, ou anterior à análise. Ou seja, diferentemente das outras ciências, que elegem o seu objeto, já existente e disponível para a análise, na ciência linguística, o objeto só se cria quando a linguagem é recortada e colocada em funcionamento pelos indivíduos. Portanto, é o sujeito que cria o objeto.”

Uma preocupação que Saussure, segundo (Normand, 2009a, apud BEZ e AQUINO, 2011, p. 8), tinha com as interpretações e definições quanto a possíveis incoerências no uso do vocabulário.

Dentre as várias abordagens desconstrutivistas de Freud (Lacan, 1951-1957), ele teve como referência Lévi-Strauss em seu retorno. Corroborando com tal afirmativa, citação de ZAFIROPOULOS (2018, p. 9), na página de aviso aos leitores e agradecimentos por Strauss, diz:

“Graças às suas muitas citações, li mais Lacan do que nunca”, “disse-nos C. Lévi-Strauss após a leitura deste manuscrito, acrescentando: “Só posso acreditar que de fato o influenciei, já que ele mesmo declarou isso várias vezes nos textos por mim desconhecidos e que você me trouxe ao conhecimento”.”

Fica claro que a referência é trazer a antropologia de Strauss para sua socialização durkheimiana da família, com seu retorno, e a revisão do caso Dora e do Homem dos Ratos. Pois, inconformado com a expulsão, de forma reativa, Lacan funda a sua própria escola.

Ele se funda nos sistemas, nas instâncias, com a teorização do Complexo do Desmame, a fase oral, a criança em relação à mãe, ou seja, a dominação da mãe na construção do sujeito, no sentido de sujeição.

Portanto, como o subtítulo define, suas especulações são imaginárias, porém distantes da verdade que procura nas suas fundamentações de suposições de saberes.

Seus escritos, além de dúbios, conjecturam sobre o que desconhece, porém Lacan julga-se conhecer, assim dando credibilidade à sua fala. LACAN (1998, p. 225), no sentido de crença, faz o seguinte comentário sobre a transferência, baseado no caso Dora, conjecturando sobre casos de Freud, como um analista do mesmo, diz:

“Cremos, no entanto, que a transferência tem sempre o mesmo sentido, de indicar os momentos de errância e também de orientação do analista, o mesmo valor de nos convocar à ordem de nosso papel: um não-agir positivo, com vistas à ortodramatização da subjetividade do paciente.”

Sua fala empolada demonstra que não entendeu o processo, pois a transferência é um processo que se inicia na empatia, desde o primeiro contato entre o analista e o analisado. Portanto, não apenas uma orientação, mas a certeza que o analisado tem de um ato confessional protegido de duas vias. Tampouco é um teatro, como seu caso Aimée, do qual se identifica com a paciente, transcrevendo seus escritos para publicidade, e o nominando como um caso de psicose-paranoide.

No capítulo IV, cujo título é “Do Sujeito Enfim em Questão”, LACAN (1998, p. 229) postula sua intenção de expurgar a análise didática com função do analista. O reformador da psicanálise, entra em confronto com seus pares, até então. Diz:

“A análise didática será nosso ponto de partida. Sabemos que assim se denomina uma psicanálise que alguém se propõe empreender com um objetivo de formação – especialmente como um elemento de habilidade para praticar a psicanálise.”

Daí, Lacan se postula o fundador da mesma, no sentido de ciência, atribuído a um diploma, com ataque direto a Ferenczi, pois esse era o braço direito de Freud. LACAN (1998, p. 232) diz:

“Ferenczi, em suas formulações de delírio biológico sobre a amphimixis; ou quando ao segundo – estamos pensando em Jones –, que o mensuremos pelo mau passo fenomenológico, a aphanisis do desejo, para o qual o faz escorregar sua necessidade de garantir a igualdade de direitos entre os sexos ante esse motivo de escândalo que só é admitido quando se renuncia à completude do sujeito: a castração, para chamá-la por seu nome.” [...] “Diante desses ilustres exemplos, surpreende menos a pululação desses ajustes da economia a que todos se entregam, extrapolando da análise para o desenvolvimento ou até para a história humana – como a transposição da fantasia de castração para a fase anal, a fundamentação extraída de uma neurose oral universal... sem limite atribuível à sua, etc. Quando muito, há que tomá-la como um testemunho do que chamaremos de ingenuidade da perversão pessoal, atendendo-se a coisa como dando margem a um certo esclarecimento.”

Há um propósito em tudo isso: apenas desconstruir para se mostrar construtor do saber. Em toda sua narrativa, há uma proteção aos diplomados e seus saberes substanciais. Ou seja, trazer o seu significante como a verdade a partir de outro significante, espelhamento do outro como referencial existencial, um suceder de imagens.

No tópico adiante, com o título de “Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise”, LACAN (1998, p. 238) amplia o conceito de sua imagem sobre a psicanálise:

“Que se houvesse simplesmente podido ter a pretensão de regular de maneira tão autoritária a formação do psicanalista levantava a questão de saber se os modos estabelecidos dessa formação não levavam ao fim paradoxal de uma depreciação perpetuada.” [...] “Decerto, as formas iniciáticas e poderosamente organizadas em que Freud viu a garantia da transmissão de sua doutrina justificam-se na posição de uma disciplina que só pode sobreviver ao se manter no nível de uma experiência integral.”

Ainda inconformado com a interrupção de seu discurso no Congresso por Ferenczi, Lacan age como um reformador daquilo que se refere acima como "doutrina freudiana". Tudo para formalizar a especialidade da formação sujeita a médicos, contrariando assim Freud na universalização da psicanálise como instrumento de apoio ao ser.

Ao longo do texto, faz críticas à metodologia freudiana, reduzindo o sujeito à fala, pois a soberania de sua linguística é o futuro da psicanálise ante ao amadorismo de seus discípulos, sendo ele o grande analista, assim como do próprio Freud, através de seus casos, foco de sua leitura nas correções das quais faz de uma obra pronta, diria como um bom engenheiro crítico de obra acabada. Portanto, Freud nunca fechou suas pesquisas, porém não se submeteu ao uso de sua ciência a ideologia alguma, da qual Lacan se empenha com sua ambição à notoriedade.

Em sua crítica aos conceitos da técnica, faz a seguinte afirmação, LACAN (1998, p. 247):

“Afirmamos, quanto a nós, que a técnica não pode ser compreendida nem corretamente aplicada, portanto, quando se desconhecem os conceitos que a fundamentam. Nossa tarefa será demonstrar que esses conceitos só adquirem pleno sentido ao se orientarem num campo de linguagem, ao se ordenarem na função da fala.”

Portanto, o que tem de supérfluo nas obras de Freud, se completa diante de suas formulações. Lacan critica a Obra de Marie Bonaparte, sua conterrânea, quanto ao que acha sobre tais omissões. (LACAN, 1998, p. 247).

Mais adiante LACAN (1998, p. 267-268) diz:

“Uma psicanálise normalmente chega a seu termo sem nos informar grande coisa sobre o que nosso paciente herda propriamente de sua sensibilidade aos golpes e às cores, da presteza com que capta isto ou aquilo ou dos pontos fracos de sua carne, de seu poder de reter ou de inventar, ou da intensidade de seus gostos.” [...] “Se a psicanálise pode tornar-se uma ciência – pois ainda não o é – e se não deve degenerar em sua técnica – o que talvez já seja um fato –, devemos resgatar o sentido de sua experiência.”

De pretensioso a megalomaníaco, talvez egocêntrico ou o narcisismo francês, tão lembrado em sua teoria, se faz presente no texto. Colocar em dúvida toda uma pesquisa, banalizá-la, julgá-la a partir de conjecturas, como salvador de algo mal construído, sendo ele o reparador das falhas e assim tornar algo mais científico, diria Lacan perdeu a noção de seu tempo e espaço.

Porém, Lacan morde e assopra o tempo todo, mas fica clara sua expertise como escritor. Devemos lembrar que o mesmo disse: meus escritos não são para ser compreendidos, sim algo a ser decifrado.

Faz mais adiante analogia com o sonho freudiano, como uma mera decifração, utilizando-se de sua linguagem gramatical para entender as colocações de Freud, como um discurso onírico. Elabora uma construção em partes da teoria freudiana, descaracterizando o contexto, divagando sobre o teor linguístico, assim buscando afirmar seus significantes, como se o inconsciente fosse algo descartável e colocado como um defunto que fala.

Dentro do contexto das lembranças, sim, pois a memória sempre é de algo passado, portanto não existe mais, um defunto que se apresenta, com seu dialeto próprio, exclusivo de cada singularidade. Portanto, segundo Freud, são fragmentos no caso do sonho, nas memórias e retenções de energias catexizadas retidas como quantum de íons, cuja capacidade de retenção dos denominados neurônios impermeáveis em suas barreiras de contatos.

Não por meras questões filosóficas, como assim se reporta Lacan, mas fundamentos de pesquisas ao longo de sua vivência de pesquisador.

LACAN (1998, p. 290) formula mais um capítulo, agora denominado “As Ressonâncias da Interpretação e o Tempo do Sujeito na Técnica Psicanalítica”, ainda com correções à metodologia freudiana, como seu suposto saber, analisando os casos clínicos, com objetivos claros de desconstruí-los a partir de suas ideias. Vejamos:

“Examinando mais de perto, os problemas da interpretação simbólica começaram por intimidar nosso pequeno mundo, antes de se tornar embaraçosos. Os sucessos obtidos por Freud surpreendem agora pela sem-cerimônia da doutrinação de que parecem proceder, e a exposição que dela se observa nos caso de Dora, do Homem dos Ratos e do Homem dos Lobos não deixa de nos escandalizar.”

Apesar de ironizar os doutos do seu tempo, ou seja, aqueles que concordavam com as técnicas freudianas, mas para ele são desreais, daí adentra nas questões das resistências, diz:

“É certo que os princípios da análise das resistências, por mais bem fundados que sejam, deram ensejo, na prática, a um desconhecimento cada vez maior do sujeito, por não serem compreendidos em sua relação com a intersubjetividade da fala.”

Observa-se que Lacan fala do ponto de vista do eco, considerando a linguagem na sua condição semântica, enquanto Freud trafega na linguagem universal antropológica do sujeito interno no processo de se conscientizar de conflitos que permeiam o inconsciente humano em sua trajetória ainda no processo evolutivo.

É importante situar que Lacan se concentra no analista e seus experimentos, e casos, principalmente em seus "Escritos". O foco de Lacan é seu desafeto FERENCZI (1928, p. 207, apud LACAN, 1998, p. 342), sobre o fim do tratamento, ou seja, seu pensamento absolutista de cura, tema de seus questionamentos e embates. Como diz, evoca como problemas em relação à primeira geração dos discípulos de Freud, diz:

“Em seu luminoso artigo sobre a elasticidade psicanalítica, ele exprime nestes termos: “Um problema não aflorado até aqui, para o qual chamo a atenção, é o de uma metapsicologia que ainda está por fazer sobre os processos psíquicos do analista durante a análise. Sua balança libidinal mostra um movimento pendular que faz ir e vir entre uma identificação (amor do objeto na análise) e um controle exercido sobre si mesmo, na medida em que constitui uma ação intelectual. Durante o trabalho prolongado de cada dia, ele não pode, em absoluto, entregar-se ao prazer de esgotar livremente seu narcisismo e seu egoísmo na realidade em geral, mas apenas na imaginação e por breves momentos. Não duvido que uma carga tão excessiva, que dificilmente encontraria similar na vida, exija, cedo ou tarde, o aperfeiçoamento de uma higiene especial no analista.””

Ferenczi, com tais observações, já falava das transferências e contratransferência em relação ao analista, mas Lacan trabalha para demonstrar fragilidades e assim impor sua linguística do ponto de vista apenas cognitivo.

LACAN (1998, p. 369) continua em seus escritos, demonstrando um sentimento de amor e ódio por Freud, quando de sua fala, diz:

“Nosso retorno a Freud tem um sentido, completamente diferente por dizer a respeito à topologia do sujeito, a qual só se elucida numa segunda volta sobre si mesma. Tudo deve ser retido numa outra face para que se feche o que ela encerra, que certamente não é o saber absoluto, mas a posição de onde o saber pode resolver os efeitos de verdade. Sem dúvida, foi por uma sutura praticada por um momento nessa articulação que se assegurou aquilo que de ciência logramos em termos absolutos. Não haverá também nosso motivo para nos tentar com uma nova operação, ali onde essa articulação continua hiante, em nossa vida?”

Deixa claro suas intenções, quando de forma interrogativa coloca a questão da hiância em nossa vida, ou seja, a sua vida, algo a ser construído ou realizado por ele, como se houvesse uma lacuna a ser preenchida, como a relata abaixo, uma borda, um viés, assim buscando avançar com a dúvida do homem de dentro e do de fora, seu grande questionamento. Apesar de falar sobre a topologia, apenas faz uma analogia com o construto de Freud, traduzindo como uma linguagem e suas manifestações semânticas, com criações de neologismos, para sua dialética materialista.

Outra dificuldade de Lacan é entender o processo de resistência da qual falava Freud. Lacan coloca toda a situação no conceito de linguagem verbalizada, porém as resistências estão centradas nas movimentações ou nas construções de suas respostas ao analista, porém não é a fala elaborada, mas a resistência de não ouvir, ou de não mudar, pois exige do sujeito interno, derrubar movimentações repetitivas, até mesmo suas intenções, seu prazer de estar conformado com tais situações de comodismo, pois assim se constituiu sua vida.

Citação de LACAN (1998, p. 370 a 373). Diz o quanto foi necessário recorrer aos textos de Freud para entender as questões das resistências, assim colocando de forma crítica os conceitos psicanalíticos sobre tais noções:

“Pois, se com isso Freud pretendeu dar uma virada na prática, cremos só haver confusão e contrassenso na maneira como alguns se autorizam por uma ordem de urgência para nela apoiar uma técnica que desconhece nada menos do que aquilo que se aplica.” [...] “...entrincheiram-se com mais tarde por trás da primazia da técnica – sem dúvida para se protegerem da inegável concomitância que alia a esta, com efeito, os progressos da teoria, no uso apatetado dos conceitos analíticos, única coisa capaz de justificar a técnica que lhes é própria.”

O que se percebe é que, além de não ter entendido o processo, Lacan resiste talvez à sua desistência com seu analista, pois o abandono não explicado, pode estar relacionado às revelações de suas resistências em relação à imagem de Freud em seu inconsciente, pois na prática é o que mais ocorre diante de tais revelações e que causa desistência nos enfrentamentos, mesmo que sejam apenas conjecturas no construto analítico das possibilidades.

Porém, mais adiante diz:

“O que nos diz Freud ali, de fato? Ele nos desvenda um fenômeno estruturante de qualquer revelação da verdade no diálogo. Existe a dificuldade fundamental que o sujeito encontra naquilo que tem a dizer; a mais comum é a que Freud demonstrou no recalque, ou seja, essa espécie de discordância entre o significado e o significante que é determinada por toda censura de origem social. [...] A verdade pode sempre ser comunicada, nesse caso, nas entrelinhas. Ou seja, quem quer dá-la a entender sempre pode recorrer à técnica [da] identidade entre a verdade e os símbolos que a revelam, isto é, atingir seus fins introduzindo num texto, deliberadamente, discordâncias que correspondem criptograficamente às impostas pela censura.”

Como sua resistência desde o princípio foi desconstruir o inconsciente com sua teoria do significante, baseado na linguística, fica difícil sua compreensão diante do recalque, idealização mecanicista de Freud para explicar sua ideia sobre a condução prática, no que se resumiu o significado de resistência como fenômeno do inconsciente como sistema.

No caso de relacionar a resistência à condição social, o que é real, porém como diria, Lacan esqueceu outra borda, ou seja, as questões de prazer, e desejos que o eu do sujeito resiste em mudar.

A questão criptográfica da qual usa como resistência ao significado de interpretação, baseados dentro das informações das abordagens construídas pelas informações de conjunto, centra-se apenas no fato da atuação sobre as resistências da qual discorda, diante do diálogo com Jean Hyppolite, tema central de suas conjecturas sobre resistências.

É interessante notar no diálogo entre os personagens, na resposta do Sr. Hyppolite, LACAN (1998, p. 384) diz:

“Assim, Freud, nesse curto texto, como na totalidade de sua obra, mostra-se muito à frente de sua época e bem longe de estar em falta com os aspectos mais recentes da reflexão filosófica. Não que ele se antecipe em nada ao moderno desenvolvimento do pensamento sobre a existência. Mas o citado pensamento é apenas o aparato que detecta em alguns, e recobre em outros, os contragolpes mais ou menos bem compreendidos de uma meditação sobre o ser que vem contestar toda a tradição de nosso pensamento como saída de uma confusão primordial do ser no ente (...) ao qual permite pensar que as repetidas referências às doutrinas pré-socráticas não trazem os simples testemunho de um uso discreto de notas de leitura (que aliás seria contrário à reserva quase mistificante que Freud observa na manifestação de sua imensa cultura), mas de uma apreensão propriamente metafísica de problemas por ele atualizados.

O que demonstra que o Sr. Hyppolite compreendeu o sentido do qual Freud se propôs a construir sua ciência, com parâmetros na filosofia, e ao conhecer os pré-socráticos, enquanto Lacan permeava nos limites de discordâncias entre Hegel e Kant entre a razão e o espiritual.

Portanto, há uma continuidade do pensamento, enquanto Lacan faz um corte centrando em uma estrutura de linguagem dialógica nos conceitos materialistas de Karl Marx.

O que fica explícito na carta a Sylvia em 1955 em sua conferência, seus questionamentos sobre o retorno a Freud, porém deixa clara sua discordância, se colocando como tendo o único objetivo de reviravolta. (LACAN, 1998, p. 403).

LACAN (1998, p. 407), diz em uma retórica cujo subtítulo é direcionado para “O Adversário”:

“A psicanálise é a ciência das miragens que se estabelecem nesse campo. É uma experiência única, aliás, bastante abjeta, mas que é impossível recomendar em demasia aos que pretendem introduzir-se no princípio das loucuras do homem, pois, por se mostrar aparentada com toda uma gama de alienações, ela as esclarece.” [...] “Essa linguagem é moderada, não fui eu quem a inventei. Pudemos ouvir um zelote de uma pretensa psicanálise clássica definir esta última como uma experiência cujo privilégio está estritamente ligado às formas que regem sua prática, e que não podem ser alteradas em uma só linha, uma vez que, obtidas por um milagre do acaso, detêm o acesso a uma realidade que transcende os aspectos da história, e onde o gosto pela ordem e o amor ao belo, por exemplo, têm seu fundamento permanente: a saber, nos objetos da relação pré-edipiana, a merda e as pregas do ânus.”

Suas tensões, geradas por desejos inconscientes, fluem em sua escrita, demonstrando desconforto pelo reconhecimento do qual Freud nunca demonstrou, apenas uma única vez agradeceu o envio da tese de doutorado.

Divaga em poesias, sua paciente Aimée, nas suas conjecturas, porém com sentido diante de seus surtos psicóticos paranoicos. (LACAN, 1998, p. 410-413).

Diante da ordem da coisa, que a seguir impõe seus significantes na prática do analista, Lacan resgata Hegel nas condições primárias do ser. Sua resistência quanto ao inconsciente freudiano é nítida, porém mais próximo do consciente de Bergson de sua metafísica do que de Freud.

Seus impulsos cervantinos a partir de 1920 se dão na salvação de Freud e sua amada psicanálise e sua discordante resistência, sua luta contra os moinhos de vento, sustentados pelos seus significantes.

Em seu interlúdio, LACAN (1998, p. 421) diz:

“Mas não esperem nada demais aqui, porque, desde que a coisa psicanalítica se tornou coisa aceita e que seus serventes vão à manicure, a arrumação feita por eles é acomodada por meio de sacrifícios que eles fazem ao bom tom, o que, para as ideias que os psicanalistas nunca tiveram em grande profusão, é bastante cômodo: as ideias em saldo para todos formarão o soldo do que falta a cada um. Somos pessoas suficientemente a par das coisas para saber que o coisismo não cai bem; e eis nossa pirueta inteiramente descoberta.”

Lacan fala de suas discordâncias em relação ao eu inconsciente, situando-o na consciência, já que o sujeito é constituído de representações significantes. Daí sua pirueta descoberta, em que o eu é um sujeito gramatical.

LACAN (1998, p. 426), no discurso do outro, diz: “Mas, em que prevalece sobre o púlpito que sou”, lhes diria ele, “esse eu que vocês tratam na análise?”.

Como se o eu fosse algo factível de introjeção pelo analista, o que segundo Lacan é confirmado pela atual admissão, por autores sérios, “de que o final da análise é obtido mediante a identificação com o eu do analista?”.

Finaliza sua fala, LACAN (1998, p. 428):

“É na desagregação da unidade, imaginária constitutiva do eu, que o sujeito encontra o material significante de seus sintomas. E é o tipo de interesse que nele desperta o eu que provê às significações que dele desviam seu discurso.”

O que Lacan chama de imaginário na realidade é uma ideia de Freud na relação entre o inconsciente e o consciente, do qual Lacan denomina como significante, aquilo que está constituído, quanto fala na sua linguística.

Retoma a analogia do espelho adiante, que todos estamos limitados àquilo que enxergamos apenas diante do nosso nariz e tudo que volta pela imagem do espelho ou do outro como algo perceptível de sua realidade. (LACAN, 1998, p. 428).

A seguir LACAN (1998, p. 429) diz:

“Mas, dessa união que modelo mais belo haverá do que a própria imagem do outro, isto é, do notário em sua função? É assim que as funções de dominação, impropriamente chamadas de funções de síntese do eu, instauram sobre a base de uma alienação libidinal o desenvolvimento que se segue, especificamente aquele que outrora denominamos de princípio paranoico do conhecimento humano, segundo o qual seus objetos são submetidos a uma lei de duplicação imaginária, evocando a homologação de uma série infindável de notários que nada deve à sua câmara sindical.”

A partir daí, inicia sua versão do Buquê Invertido, analogia ao sistema óptico, porém com a realidade externa ao ser na construção de sua concretude. Vai tergiversar a ação analítica, dentro de uma crítica da função do analista, que este influencia na formulação do outro, pois a análise é apenas uma introjeção do analista que se funde com os pensamentos do analisado.

O que demonstra sim o que chama de falta, pois é o que lhe resta em tal observação em função de nunca ter sido analisado e ter refutado seu analista, pelo fato de espertamente se achar em um beco sem saída e ali iria confessar seus desejos, mágoas, desafetos, principalmente suas intenções para com a morte do Pai.

Citação LACAN (1998, p. 432): “Nada esperarei dessas regras, portanto, fora da boa fé do Outro, e, em desespero de causa, só me servirei delas, se o julgar conveniente ou for obrigado a isso, para divertir a má fé.”

O lugar da fala para Lacan é um sujeito solitário, pois fala do tempo com seu reflexo. LACAN (1998, p. 432): “O Outro é, portanto, o lugar onde se constitui o [eu] que fala com aquele que ouve, o que um diz já sendo a resposta, e o outro decidindo, ao ouvi-lo, se esse um falou ou não.”.

O sujeito é seu reflexo e seu eco, portanto fechado em si diante daquilo que vai definir como narcisismo primário, articulação que se fecha em si. Portanto, o inconsciente é o lugar do sexual, com o significado de relacionamento, e não do sexo como Lacan sugere ou assim como o Outro é o outro em função de sua dominação, analogia que faz entre o Mestre e o Escravo. (LACAN, 1998, p. 433).

Toda esta conjectura como ferramenta dialética de Lacan, tem como finalidade o questionamento do Superego, as resistências denominadas por Freud, cuja citação define suas intenções. LACAN (1998, p. 435):

“Cremos que é na confissão dessa fala, da qual a transferência é a atualização enigmática, que a análise deve resgatar seu centro e sua gravidade – e não se vá imaginar em nossas afirmações de há pouco que concebamos essa fala sob alguma forma mística, evocadora do karma. Pois o que impressiona no drama patético da neurose são os aspectos absurdos de uma simbolização desnorteada, cujo quiproquó, quanto mais adentramos nele, mais se afigura derrisório.”

Utiliza-se da crença para definir algo, depois debocha levando como destino o karma, finaliza com a afiguração derrisória, algo que provoca risos, zombetice, com o intuito de desqualificação de Freud e sua psicanálise. Assim procede em seus escritos.

Seus recalques são explícitos quando diz sobre a formação dos analistas. LACAN (1998, p. 436) diz: “Mas ele (Freud) não julgou supérfluo colocá-las como condição a qualquer instituição de ensino da psicanálise.”

Faz uma observação quanto ao uso de Freud com as obras de arte em seus textos, suas aspirações, comum a ele, porém difícil para o outro em alcançar, tocá-las, etc... Pelo fato de suas negligências em relação às escolhas dos analistas e sua seleção, consequentemente, em sua avaliação, os resultados, segundo ele, são pífios. (LACAN, 1998, p. 436).

Dentro de sua sapiência, depois da crença, chistes, ironias, LACAN (1998, p. 436) diz:

“... e nos indica que é somente ao articular tecnicamente suas exigências que podemos satisfazê-la” [...] “É de uma iniciação nos métodos do linguista (Lacan), do historiador e, diria eu, do matemático que se deve tratar agora, para que uma nova geração de clínicos e pesquisadores resgate o sentido da experiência freudiana e seu motor. Ela há de encontrar meios também de se resguardar da objetivação psicossociológica, onde o psicanalista, em suas incertezas, vai buscar a substância daquilo que faz, embora ele só lhe possa trazer uma abstração inadequada em que sua prática se atola e se desfaz.”

A partir do texto, se coloca como grande reformador da psicanálise, assim o herdeiro único da verdade sobre o assunto, portanto o ser falho que significa o homem, pois o resgate da verdade em suas articulações como formador de novos analistas da modernidade, finalizando com um conto de Diana de forma metafórica.

Nos parágrafos seguintes, estabelece como ensinar a psicanálise dentro do que ela nos ensina e como ensinar de fato, fazendo contraponto com o que diz Freud, diante de seu grande analista de casos freudianos e suas teorias revolucionárias de novos tempos.

Reiterando suas discordâncias quanto ao inconsciente, às questões simbólicas, ao ambiente psicanalítico, e ao sujeito ao egocentrismo instalado em função da dependência do “eu” classificado por Freud. (LACAN, 1998, p. 438).

Em seu ensino, passa por desconstruir a base das ideias de Freud, principalmente as resistências, pois esta é apenas uma imaginação e resultado da imensa literatura discordante.

Dizendo que a estrutura freudiana pode ser formalizada e inteiramente acessível à classe de pesquisadores, “por pouco que se recorra a Freud que a constituiu.” [...] “Pois a psicanálise é apenas um artifício criado por Freud.” (LACAN, 1998, p. 439).

Traça a partir daí sua construção linguística de um inconsciente estruturado na linguagem a partir do conhecimento dos fonemas e grafemas, com a simbiose do comportamento psicológico e a filosofia de seus pares, assim como sua sociologia construída por muitos em sua psicanálise francesa.

As divagações se somam com autoelogios, como salvador da psicanálise como ciência, até certo ponto em que manifesta seus propósitos reais, ou seja, citação LACAN (1998, p. 442):

“O fato é que não seria sem razão que um de nós, levantando-se nesse momento, poderia inquietar-nos com tudo o que nossa cultura propaga invocando o nome de Freud, e afirmar que, seja qual for a qualidade disso, sua ordem de grandeza não deixa de se comparar ao que ela veicula, querendo ou não, invocando o nome de Marx.”

Seu embate está sob a ideologia política, na chamada desconstrução de toda estrutura social vigente, como agentes revolucionários, com o intuito de oxigenar as sombras de suas revoluções desastrosas, culminada no lema de igualdade, liberdade e fraternidade.

Sua ironia a respeito do inconsciente perpassa pela sua citação LACAN (1998, p. 445):

“Se o inconsciente pode ser objeto de uma leitura com que se esclarecem tanto, temas míticos, poéticos, religiosos e ideológicos, não é porque introduza em sua gênese o elo intermediário de uma espécie de significatividadeda natureza no homem, ou de uma signatura rerum mais universal, que estivesse no princípio de seu possível ressurgimento em qualquer indivíduo. O sintoma psicanalisável, seja ele normal ou patológico, distingue-se não apenas do índice do diagnóstico, mas de qualquer forma apreensível de pura expressividade, por se sustentar numa estrutura que é idêntica à estrutura da linguagem.”

Portanto, nega as questões ontológicas filogenéticas, pois o estruturalismo reformador não pode admitir, pois seu objetivo é a massificação, nas línguas faladas por massas humanas. (LACAN, 1998, p. 445).

Politiza sua psicanálise dentro de movimentos da fenomenologia, existencialismo, com seu exército de seguidores pragmáticos na desconstrução binária entre a religião e o racional.

Finaliza LACAN (1998, p. 460):

“Qualquer retorno a Freud que dê ensejo a um ensino digno desse nome só se produzirá pela via mediante a qual a verdade mais oculta manifesta-se nas revoluções da cultura. Essa via é a única formação que podemos pretender transmitir àqueles que nos seguem. Ela se chama: um estilo.”

Sua declaração final coloca seu estilo como reformador de uma nova ordem cultural, distanciando-se do conceito de tornar o inconsciente consciente em sua máxima, pois um sujeito prisioneiro de seu espelho, um sujeito fechado em si, e portanto um servidor de algo maior, caminho da massificação do pensamento, preso em seu narcisismo, cuja finalidade é o gozo.

Lacan, sempre preocupado com a qualificação dos analistas, faz críticas corriqueiras quanto às formações desses, à invasão dos leigos a que denomina como "psicanalistas medíocres". Exalta a qualificação dita por Marx. Demonstra uma preocupação com a ciência, principalmente com a dissipação das aspirações de Freud, na sustentação de sua psicanálise. Falava em nome de Freud, como se fosse íntimo, talvez para demonstrar ter sido aceito, mas pelo que se saiba apenas um agradecimento ocorreu em função do envio de sua tese de doutorado para o mesmo. (LACAN, 1998, p. 495).

LACAN (1998, p. 497), em sua exposição a um grupo de Filosofia da Federação dos Estudantes de Letras (1957), faz menção à revolução ou reviravolta no que concerne à simbolização e à linguagem, citando Sapir (1884-1939) e Jespersen, estudos realizados pelos autores divergentes de seu mestre Franz Boas (1858-1942), destacado antropólogo.

Por sua vez, Sapir encaminha seus estudos para sistemas gramaticais e suas implicações culturais, o que causa uma divisão dos chamados Linguistas Antropológicos, divergindo quanto à nominação de seu mestre Frans Boas com a denominação de "Antropologia da Linguagem". Sapir, por sua vez, inspirado por Noam Chomsky, vai para um viés socialista dentro de uma situação relativista da linguagem. (LIMA, 2019, p. 22).

Denota-se que há um espírito para sua fundamentação, sempre com um sentido doutrinário aos seus ideais revolucionários franceses, na utilização da psicanálise como instrumento de propagação dentro de conceitos científicos, assim buscando consolidar seus propósitos ideológicos.

No seu capítulo “O Sentido da Letra”, LACAN (1998, p. 498) diz:

“Digamos por letra este suporte material que o discurso concreto toma emprestado da linguagem.” [...] “Essa definição simples supõe que [a] linguagem não se confunda com as diversas funções somáticas e psíquicas que a desservem no sujeito falante.”

Sendo esta a primeira manifestação mental do sujeito em seu desenvolvimento, como estrutura de linguagem, assim sendo apenas cultural. Sua dualidade histórica etnográfica de sua natureza.

Citação a seguir LACAN (1998, p. 499):

“Mas nisso tomamos partido e nem partida, deixando entregues a suas trevas as relações originais do significante com o trabalho. E nos contentamos, para fazer uma piada com a função geral de práxis na gênese da história, em destacar que a própria sociedade que teria restabelecido em seu direito político, com o privilegiamento dos produtores, a hierarquia causal das relações de produção nas superestruturas ideológicas, nem por isso gerou um esperanto cujas relações com o real socialista tenham posto fora de debate, pela raiz, qualquer possibilidade de formalismo literário.”

Portanto, se faz manifestar o pensamento de Stálin, na necessidade de uma nova linguagem na sociedade comunista, com aqueles que confiavam na filosofia, segundo o mesmo que: “a linguagem não é uma superestrutura.” Nota de rodapé LACAN (1998, p. 499).

Sendo a linguística uma ciência do homem, portanto, se faz necessário a criação de um algoritmo, assim formulado por LACAN (1998, p. 500), sua inversão em relação a Ferdinand de Saussure, da sobreposição do que chama de S sobre s, no sentido da importância do significante sobre o significado.

Sendo a barra entre os dois termos, significado de representação, este por sua vez a resistência na sua representação.

Citação LACAN (1998, p. 501):

“E fracassaremos em sustentar sua questão enquanto não nos tivermos livrado da ilusão de que o significante atende à função de representar o significado, ou, melhor dizendo de que o significante tem que responder por sua existência a título de uma significação qualquer.” [...] “Isso não é apenas para desconcertar com um golpe baixo o debate nominalista, mas para mostrar como o significante de fato entra no significado, ou seja, de uma forma que, embora não seja imaterial, coloca a questão de seu lugar na realidade.”

O significante está no instituído na representação, portanto como significação, o significado sujeito ao olhar do outro, portanto, próximo do que seria uma psicose, cujo significado aborda de acordo com o sujeito manifesta.

Lacan observa que a metáfora e a metonímia estão na relação dos sentidos daquilo que se manifestam nas poesias, contos, ou como pequenos surtos da imaginação, dos quais estamos todos inseridos de forma tênue em nosso cotidiano.

Elevando seu discurso em relação aos chistes, e atos falhos, assim denominados por Freud, do qual segundo LACAN (1998, p. 513): “Essa revelação, foi a Freud que ela se fez, e ele deu a sua descoberta o nome de inconsciente.”

Freud não descobriu, apenas deduziu algo em função de seus estudos, e observações do ponto de vista de suas práticas, assim dividiu em sistema como seu funcionamento mecânico de algo de dentro (in) com a fala de fora (Con.).

Depois de impor sua linguística, LACAN (1998, p. 514-515) entra na relação sonho com seu significante, porém dentro de seu senso comum, traduz que o sonho do ponto de vista elaborado por Freud, se resume apenas em leituras míticas, como fazem os leitores "de borra de café, que não leem hieróglifos".

Assim, como traduz a condensação a uma condição semântica no campo da metáfora, e o deslocamento no campo da metonímia, gramatizando sua abordagem em que o subjetivismo da interpretação é um leque de possibilidades a ser construída dentro do conjunto analítico, e não mera decifração de um sonho, como assim pensa Lacan para substituir o inconsciente com sua significação.

Freud fundamenta o que ocorre nos sonhos por detalhes do qual denomina de secundários, ou seja, ocorrências diurnas, desejos não realizados que muitas vezes se completam nos sonhos. Porém, não nos esqueçamos de sua topologia construída a partir das memórias, das quais se armazenavam nos neurônios, com relação às energias psíquicas depositadas, como um quantum de energia retidos (in) ou dissipados (per) nos cérebros. Hoje a neurociência correlaciona com as glias.

Enquanto, Lacan se fixa apenas nos fonemas (falas), no campo de sua linguística, como o homem um ser falante ou verbal.

Seu malabarismo linguístico na condição de significante traduz algo de um registro, com explicações apenas estruturais gramaticais, mas distante das leituras do inconsciente do qual tinha dificuldades de interpretar, como disse LACAN (1998, p. 526): “Para interpretar o inconsciente como Freud, seria preciso com ele, ser uma enciclopédia das artes e das musas, além de leitor assíduo das Fliegende Blätter.”

Ou seja, significado nota de rodapé LACAN (1998, p. 426): “um pasquim que era editado de 1884 a 1944, por Braun e Scheneider (Munique), e ilustrado com renomados humoristas da época sobre as relações sociais da burguesia alemã.”

Banaliza, por não entender, assim buscando impor sua estrutura de linguagem, distante do que imagina ser o inconsciente formulado por Freud, para compor seu retorno da desconstrução.

Continuando, suas ideias de grande questionador da psicanálise, em seu subtítulo “A Letra, o Ser e o Outro”, interroga se Freud é maniqueísta em sua experiência psicológica. Vai além colocando em dúvida a honestidade de Freud quanto sua descoberta, usando de seu neologismo.

LACAN (1998, p. 528),

“É o significante que, por sua barra, marca o homem do destino. É o significante que, por suas vicissitudes, instaura o tempo no sujeito, assim como a heteronomia radical, cuja hiância no homem foi mostrada pela descoberta de Freud, já não pode ser encoberta, sem que se considere uma desonestidade intrínseca tudo o que é emprenhado [ou tudo o que nos é impregnado em nosso eu.”

Em sua pregação absolutista, cujo maniqueismo é reconhecido com sua fala sobre a verdade, diz ser Freud um maniqueista,

Citação, LACAN (1998, p. 528):

“Se eu disse que o inconsciente é o discurso do Outro com maiúscula, foi para apontar o para-além em que se ata o reconhecimento do desejo ao desejo de reconhecimento. Em outras palavras, esse outro é o Outro invocado até mesmo por minha mentira como garante da verdade em que ela subsiste. Nisso se observa que é com o aparecimento da linguagem que emerge a dimensão da verdade.”

De qual linguagem ele se refere? Quando apareceu a linguagem da qual ele fala?

Podemos entender que ele é o descobridor, já que a Antropologia diz não ter a certeza do momento, pois foi uma evolução que está diretamente ligada à evolução do homem e seu cérebro. Talvez, estaria se referindo a Ferdinand Saussure?

Um norteador da salvação, corrigir os rumos da psicanálise, seria seu foco. Resgata um existencialista Heidegger para se apoiar na relação da letra e do ser. LACAN (1998, p. 532):

“Se falo da letra e do ser, se distingo o outro e o Outro, é porque Freud os indica a mim como os termos em que se referenciam os efeitos de resistência e transferência com que tenho tido que me haver, de maneira desigual, nos vinte anos em que venho exercendo esta prática – impossível, todos se comprazem em repetir com ele – da psicanálise. E é também porque preciso ajudar outros a não se perderem nela.” [...] “E é também para que eu convide vocês a se indignarem com o fato de, após tantos séculos de hipocrisia religiosa e fanfarronice filosófica, ainda não se haver articulado validamente nada do que liga a metáfora à questão do ser e a metonímia à sua fala – nem que fosse preciso que, pelo objeto dessa indignação, como promotor e como vítima, ainda houvesse alguma coisa para responder, ou seja, o homem do humanismo e o crédito, irremediavelmente protestado, que ele sacou sobre suas intenções.”

Sua conduta, sem a pretensão da diagnose, demonstra-se uma obsessão paranoica na perseguição de seu inimigo imaginário, porém com uso de sua inteligência no tergiversar mirabolante em resumir o ser em uma metáfora metonímica da fala. Não somos a gramática, mas a usamos como forma de comunicação, com regras, normas, etc.

O artigo de 1955-56, do qual relata nas páginas seguintes, é centrado na psicose do caso Schreber, em que Freud relata em seus escritos sobre alucinação, delírios mentais, e psicose. Do qual faz correlação com seu significante linguístico, portanto, se restringe a conjecturas, finalizando apenas: LACAN (1998, p. 547):

“Pois é somente após a análise linguística do fenômeno da linguagem que se pode legitimamente estabelecer a relação que ele constitui no sujeito e, ao mesmo tempo, delimitar a ordem das “máquinas” (no sentido puramente associativo que tem esse termo na teoria matemática das redes) capazes de realizar esse fenômeno.”

Lacan suspende tal conclusão em seu “Rumo a Freud”, consequentemente um “Pós-Freud” surge a seguir em seu relato, portanto, ir a Freud não se resume sobre seus casos clínicos apenas.

Quando ao “Depois de Freud”, Lacan se centra no caso Schreber, em seus estudos sobre psicose, que é sua área de atuação. Inicia que é um assunto que o levará a uma recaída diante das exposições de Freud, com a seguinte pergunta: LACAN (1998, p. 547): “Como fazer passar o interior para o exterior?”

Remete a uma situação perceptiva, portanto, correlata a uma realidade de uma projeção afetiva. Lacan situa o sujeito e suas projeções como evidências clínicas de que não há nada em comum entre a projeção afetiva e seus pretensos efeitos delirantes, entre o ciúme da infiel e o do alcoólatra, por exemplo. (LACAN, 1998, p. 548).

No tocante à psicose, diz LACAN (1998, p. 549) quando fala da perda da realidade:

Citação de um artigo escrito por Freud sobre a perda da realidade na neurose e na psicose:

“no qual chamou atenção para o fato de que o problema não é o da perda da realidade, mas o expediente daquilo que vem substituí-la. Discurso para surdos, já que o problema está resolvido: a loja de acessórios está no interior, e eles são retirados ao sabor das necessidades.”

Não consegue diante de seu pedantismo esconder sua falta de humildade para com seu oponente, como se este tirasse da cartola suas explicações, supondo ele Lacan de grande saber diante da “simplicidade que teria aliviado explicar o problema da criação literária na psicose!”. (LACAN, 1998, p. 549).

Faz mais adiante um mix de suas discordâncias, com breves conjecturas apenas para desqualificar “seu admirado”, e questionar os escritos de Freud sobre as teorias sexuais infantis, principalmente sobre as pulsões.

Citação de LACAN (1998, p. 550): “Uma técnica esvaziada só seria mesmo capaz de “milagres” – não fosse pelo conformismo adicional que reduz seus efeitos aos de uma mescla de sugestão social e superstição psicológica.”

Finalizando, com embates sobre outros comentadores de Freud do mesmo caso de Schreber, apenas para demonstrar douto saber e seus fundamentos.

Com “Freud”, assim denominado em sua trilogia, LACAN (1998, p. 554), ainda sobre o caso Schreber, conclui seu Esquema L, um jogo semelhante a algum algoritmo, ou seja:

“que significa que o estado do sujeito S (neurose ou psicose) depende do que se desenrola no Outro A. O que nele se desenrola articula-se como um discurso (o inconsciente é o discurso do Outro), do qual Freud procurou inicialmente definir a sintaxe relativa aos fragmentos que nos chegam em momentos privilegiados, sonhos, lapsos, chistes.”

Sendo o “S”, segundo Lacan, “sua inefável e estúpida existência”, o “a” sua relação objetal, o “a’” seu eu, ou seja, sua forma refletida do objeto (coisa), o “A” o lugar em que se situa sua formulação existencial. (LACAN, 1998, p. 555).

Diante do discurso, são fixados os sintomas e se soluciona com sua decifração. Segundo Lacan, tudo pode ser resolvido por uma questão gramatical explicitada, assim buscando resolver os conflitos do mundo imaginário e o real no mundo dos significantes linguísticos, inaugurando o mundo verbal como resolução de alguns conflitos do homem gráfico, estruturado na linguagem.

A seguir, resgata o quaternário, ou seja, inclui a mãe e o filho, sentido da procriação, assim buscando formar seu quadrado, denominado Esquema R. Nada mais é do que a construção de um conceito quaternário que fica localizado em um quadrado cujos vértices imaginados, entre os extremos de S oposto de A, assim como a oposta de a’, que vai definir como a franja, ou seja, a falta, cuja completude se dará com o símbolo fálico que representará a criança em relação à falta na mãe, fechando assim seu quadrado de muitas utilidades.

Montagem vetorial e seu algoritmo indutivo para sacramentar suas ideias para contrapor ao sistema idealizado por Freud. Portanto, subjetivo diante da clínica analítica do ponto de vista proficiente, mas ilustrativo como correlação idealizada, dando ênfase à metáfora paterna, apenas como um observador intruso. (LACAN, 1998, p. 561).

Todo conceito objetiva explicar o psicótico e sua origem dentro do contexto nuclear representativo, sem considerar o biológico, pois tudo se resume em uma metáfora.

Sendo para LACAN (1953/2005, apud SILVA, 2017, p. 35-40),

“o real apenas um efeito do significante, sendo a fala uma forma de ego, um ato, o símbolo a entrada que humaniza o sujeito, tornando-o desejante e a palavra o meio da linguagem, portanto essas manifestações de significados já instituídos na formação do ser, antes do nascimento. O que nos leva às questões da filogenética e ontológica do ser, o que contradiz com o ser aí fenomenológico do qual se apoiam suas teorias.”

Na condição do drama da loucura, pois é na relação do homem com o significante que ocorre tais agitações, ou seja, tudo ocorre no imaginário. (LACAN, 1998, p. 581). Assim sendo a realidade estruturada; o real, o simbólico e o imaginário, a fala que lhe dá o significado como ato, portanto de real à palavra em sua construção, ou seja, a linguagem elaborada, expressa de uma imagem invertida do falar para si. (LACAN, apud SILVA, 2017, p. 34).

Como Lacan em seus escritos trata especificamente da psicose, do qual teve experiências em sua clínica, cujo capítulo trata do caso Schreber de Freud, como é de praxe formular suas teorias em casos relatados.

Citação Schreber:

“Que essa psicose revele-se compatível com a chamada boa ordem é coisa de que não se duvida, mas tampouco é o que autoriza o psiquiatra, ainda que psicanalista, a se fiar em sua própria compatibilidade com essa ordem para se acreditar de posse de uma ideia adequada da realidade, da qual seu paciente se mostraria discrepante.”

Daí, discorre sobre o simbolismo em que situa a falência do Nome-do-Pai. LACAN (1998, p. 590): “... isto é, do significante que, no Outro como lugar do significante, é o significante do Outro como lugar da lei.”

Ou seja, o Oroboro instituído, finalizando mais uma crítica a Freud. Diz Lacan (1998, p. 590): “Pois usar a técnica que ele instituiu fora da experiência a que ela se aplica é tão estúpido quanto esfalfar-se nos remos quando o barco está encalhado na areia.”

Sua fala tem um ranço de desconstrução de forma metódica de um conteúdo empolado, que nos remete ao caso de sua paciente Aimée, ou seja, beira a paranoia sempre em suas finalizações de capítulos, situando-o como um grande reformador de seu resgate monocrático da psicanálise.

No capitulo posterior de título: “A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder”, sua parte primeira: “Quem Analisa Hoje?”. Observa-se que seu discurso atrela ao tratamento a transferência para diminuir suas resistências, dizia Freud, porém não como fundamental no processo, apenas como ferramenta aliada à contratransferência.

Cabe dizer que para Lacan era situação de convergência para solução de certa realidade, coisa nunca colocada por Freud, e sim como instrumento de se apropriar da confiança do analisado, dando-lhe oportunidades de enfrentar seus conflitos com confiança transferencial de suas representações.

Mesmo diante da transferência, uma forma particular de resistência surge, porém, estando sujeita ao analista, como a utilizar a favor do analisado. E não como diz LACAN (1998, p. 598): “Tratando a transferência como uma forma particular da resistência.” De forma absoluta em sua fala, como se a transferência ocorrida seria o processo de cura do sujeito.

Seu foco, é traduzir a incapacidade do analista freudiano, inclusive nas interpretações em que coloca seu significante como meio e o inconsciente a fala silenciosa. Quando traduzida em símbolos do imaginário do outro, Lacan resume que a resistência maior é do analista. Portanto, o que chamamos de confessionário simbólico de manifestações inconscientes, LACAN (1998, p. 601), “traduz como algo no mínimo que se pode dizer é que não se pode fazê-la equivaler a um resultado nulo.”

Minimizando assim, o trabalho do analista freudiano, mas não se situa dentro do progresso de abordagem, ficando apenas na dialética interposta por uma linguagem semântica, cuja interpretação não se define como resolução prática e sim filosófica.

Citação LACAN (1998, p. 601):

“A interpretação torna-se aqui uma exigência da fraqueza à qual é preciso acudir. É também uma coisa muito difícil de fazê-la engolir sem que ela a rejeite. É ambas as coisas ao mesmo tempo, ou seja, um recurso bastante incômodo.” [...] “Que Lacan traduz como um efeito das paixões do analista: de seu receio, que não é do erro, mas da ignorância, de sua predileção: que não é satisfazer, porém não decepcionar: de sua necessidade, que não é de governar, mas de ficar por cima.” Não se trata, em absoluto, da contratransferência deste ou daquele: trata-se das consequências da relação dual, caso o terapeuta não a supere - e como haveria de superá-la, se faz o ideal de sua ação?

O que demonstra sua dificuldade como analista é atacá-lo daquilo que não compreende da ideia de um setting, para quem teve sua análise pessoal como alta, assim buscando recompor suas práticas nos processos. Portanto, para Lacan é compreensível suas colocações, pois fala dele o tempo todo, porém não admitir seu desconhecimento, é mais fácil desconstruir pela fala.

A ponto de definir a interpretação freudiana reduzindo-a de audaciosa e vulgar ao ponto de se situar no campo da adivinhação, portanto ambígua em seu veredito. (LACAN, 1998, p. 603).

Para fundamentar, mais uma vez se reporta a uma situação particular no caso do Homem dos Ratos, portanto sobre um caso em análise, de forma leviana sua interpretação para convergir com sua fala do significante, na substituição do inconsciente freudiano.

Ultrapassando a barreira da ética, ou seja, fazer conjecturas sobre o receituário de uma colega quanto à medicação, depois de o caso ser resolvido ou não, mesmo com total desconhecimento do relato restrito do qual Freud aborda as questões do analisado.

Citação LACAN (1998, p. 604) diz:

“Que nos perdoem aqueles que nos leem e os que acompanham nosso ensino, se eles encontram aqui exemplos um tanto repisados por mim em seus ouvidos. Não é que eu não possa citar minhas próprias análises para demonstrar o plano em que incide a interpretação, por não poder a interpretação, revelando-se coextensiva à história, ser comunicada no meio comunicante em que se passam muitas de nossas análises sem risco de trair o anonimato do caso. É que, em certa ocasião, consegui dizer o bastante sem falar demais, ou seja, deixar claro meu exemplo sem que ninguém, a não ser o interessado, o reconhecesse.”

Uma bela justificativa: fazer críticas sobre um morto, sendo que esse não pode lhe responder. Daí conjecturar sobre possibilidades a partir de possíveis soluções sobre a imaginação, fica muito mais fácil do que o olho no olho. O que seria mais lícito, trazer seus casos, daí se sujeitar aos questionamentos do outro ou do Outro.

É interessante o sentido que quer dar ao significante, em detrimento do nome inconsciente. O tempo todo sua análise está dentro da fala do sujeito, porém como análise gramatical entre a metáfora e metonímia, bastando para definir sua abordagem apenas. Pergunto: E daí?

Citação LACAN (1998, p. 628): “Ora, o sonho não é o inconsciente, e sim, como nos diz Freud, sua via régia. O que nos confirma que é pelo efeito da metáfora que ele procede. É esse efeito que o sonho desvenda. Para quem?”. Segundo Lacan, os sonhos servem apenas ao analista, assim buscando determinar seu poder sobre o outro, por sua vez seu próprio desejo de um ser desejante. (LACAN, 1998, p. 634).

Quanto ao seu diálogo com Daniel Lagache (LACAN, 1998, p. 653 a 691), adentra com o propósito da desconstrução do eu freudiano em relação ao seu sujeito da sujeição, se apoia no sistema óptico para demonstrar a figura do espelho e as demais figuras atrás da imagem, se apoiando consequentemente na filosofia, ou seja, no mundo das ideias, formulações empíricas entre o sujeito e o objeto. Portanto, conjecturas empoladas de correlações com a linguística francesa entre o eu e o isso, por sua vez o pronome “ne”, semânticas da linguagem, nada mais do que isso.

Em seu capítulo “Kant e Sade Diante da Razão Crítica”, utiliza-se de argumentações para capitular o sentido de gozo, e a afirmação do outro como desejo do outro, reafirmando o sujeito coisa, cujo prazer é a busca da realização do desejo, objetivando apenas o gozo.

Retrata suas afirmações em Sade, como ideal da revolução libertária francesa em relação à felicidade, e à liberdade, da qual o expoente foi o Marquês de Sade, com sua busca desenfreada ao prazer além do bem e do mal, correlacionando entre o prazer e o desprazer de acordo com os fetiches de cada ser.

Citação LACAN (1998, p. 780):

“Digamos que a eficácia do libelo é dada na máxima que propõe ao gozo sua regra, insólita ao se dar o direito, à maneira de Kant, de se afirmar como regra universal. Enunciemos a máxima: “Tenho o direito de gozar de teu corpo, pode dizer-me qualquer um, e exercerei esse direito, sem que nenhum limite me detenha no capricho das extorsões que me dê o gosto de nele saciar”.”

Daí, a crítica ao Supereu freudiano, cujo objetivo é situar o homem em seu tempo, diante da socialização dentro de uma máxima cristã. A citação acima, como diz Lacan, é “uma pitada de sal que lhe falta a essa instância psíquica psicanalítica.” (LACAN, 1998, p. 780).

Sua intenção é a liberdade do homem, essa não sendo propriedade do outro homem, sendo assim o usufruir o outro ao seu bel-prazer ou gosto. LACAN (1998, p. 783-784): “O que mostra que o gozo é aquilo pelo qual se modifica a experiência sadiana.” [...] “Sendo o desejo como uma fenda do sujeito, cujo ápice se resume na vontade de gozo.”

Em que a fantasia é o elemento do sujeito desejante. Portanto, LACAN (1998, p. 785): “... o prazer é o esvaecimento do sujeito,” porém “a dor é de ciclo mais longo, sob todos os aspectos, do que o prazer, já que uma estimulação a provoca no ponto em que o prazer acaba.”

Fala de Sade e sua máxima entre o sadismo e o masoquismo. LACAN (1998, p. 787):

“... cuja ideia de inferno, cem vezes refutada por ele e amaldiçoada como meio de sujeição da tirania religiosa, volta à curiosidade a motivar os gestos de um de seus heróis, ainda que dos mais apaixonados pela subversão libertina em sua forma racional, a saber, o hediondo Saint-Fond.” Saint-Fond é um personagem de um romance chamado Histoire de Juliette, citação de rodapé.

Para Sade, o bem como o mal é uma miragem apenas, pois a censura, a sociedade, deve ser corrompida em nome do prazer, significado de liberdade do gozo, pois o outro como coisa deve ser usado pelo desejo do outro, visão de Lacan na qual se refere à coisa que o outro representa.

LACAN (1998, p. 793) vai conduzindo seus escritos com várias finalidades, e conjecturas com propósitos na desconstrução da psicanálise freudiana, com títulos recheados de falsos conteúdos como sugere o título deste capítulo “Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no Inconsciente Freudiano”.

Estabelece como referência filosófica Hegel em sua Fenomenologia do Espírito como esquema. LACAN (1998, p. 808), daí:

“... aprendemos aqui, a referência totalmente didática que fomos buscar em Hegel, para deixar claro, para as finalidades de formação que nos são próprias, o que acontece com a questão do sujeito, tal como a psicanálise propriamente a subverte.” [...] “É propriamente a subversão que tentaremos definir, desculpando-nos perante esta assembleia, cuja qualidade acabamos de invocar, por não poder fazer mais em sua presença do que fora dela, ou seja, por tomá-la tal e qual como pivô de nossa demonstração, ficando a nosso encargo justificar perante ela a pouca margem que lhes deixamos.”

Estabelecendo aí, que o empirismo da psicanálise é aceito como ciência por benevolência, do qual irá demonstrar a função do sujeito, pois sendo esta um rótulo científico sob o nome de psicologia. (LACAN, 1998, p. 809).

Faz sua acusação, LACAN (1998, p. 809):

“Precisamente porque iremos demonstrar que a função do sujeito, tal como a instaura a experiência freudiana, desqualifica na raiz o que sob o título só faz, não importa a forma de que se revistam suas premissas, perpetuar um contexto acadêmico.”

Lacan discorre sobre o tipo de psicologia usado por Freud, assim buscando estabelecer seu sujeito em substituição ao eu freudiano, o qual Lacan considera sintomático, para que o sujeito do conhecimento se fizesse duplicar o próprio organismo. Portanto, se reportando à condição orgânica e não psicológica, LACAN (1998, p. 809), diz: “pois como pretensa psicologia profunda não pensa trazer a luz, nem tampouco uma cotação no que ela desenha como percurso”.

Colocando-se como aquele que vai fechar erros e acertos a sua revelia na teoria freudiana, Lacan estabelece a construção de neologismos, baseados em algoritmos na condução de suas intenções. LACAN (1998, p. 810) diz:

“... a psicanálise que se apóia em sua fidelidade freudiana não pode, de maneira alguma, dar-se como um rito de passagem a uma experiência arquetípica ou de algum modo inefável: no dia em que alguém enunciar alguma coisa dessa ordem que não seja um minus hebens (pessoa pouco inteligente ou menos dotada), é porque todo limite terá sido abolido nela.”

Se apoia em seu discurso mais uma vez em Hegel na Fenomenologia do Espírito Absoluto para fundamentar sua dialética de desconstrução. Em sua visão, o inconsciente freudiano é fundamentado no inconsciente Tomista, por sua vez em uma condição imaginária. Portanto, seu significante é visto como a solução do homem falante, constituído de uma gramática estabelecida. LACAN (1998, p. 812):

“Crise real em que o imaginário se resolve, para empregarmos nossas categorias, por engendrar uma nova forma simbólica. Essa dialética é convergente e chega à conjuntura definida como saber absoluto. Tal como é deduzida, ela só pode ser a conjunção do simbólico com um real do qual nada mais há a esperar. Que é isso, se não um sujeito consumado em sua identidade consigo mesmo?”.

Seu pensamento está situado no absolutismo de Hegel, em sua função do sujeito, com sua crítica à forma da construção freudiana dentro do contexto orgânico com que estabelece o ser gramatical. LACAN (1998, p. 813) diz: “Nada há, portanto, em nossa vertente para situar Freud que se ordene pela astrologia judicatória da qual se impregna o psicólogo.”

Diferenciando-se como um psiquiatra diante do que considerava Freud, apenas um psicólogo, talvez um desafeto concorrente de seu douto saber, do qual se considerava um reformador. Portanto, com a formulação de um inconsciente significante, inova dentro do contexto linguístico do qual nomes como Ferdinand de Saussure e Roman Jakobson o estabeleceram no Ocidente como a ciência-piloto do estruturalismo, com suas raízes na Rússia em que floresceu o formalismo. (LACAN, 1998, p. 813).

O que confirma que seu objetivo ideológico foi o norte para a formulação do concretismo surrealista na desconstrução da psicanálise, para assim se adequar às necessidades do movimento em curso e para preencher os desejos, diante da recusa de Freud em atrelar sua ciência como embarcação da Revolução Francesa. Lacan aproveita da oportunidade para ser reconhecido, aprofundando-se nas obras freudianas para uma missão e aproximação com os notáveis de então.

LACAN (1998, p. 844), ainda sobre o inconsciente, conjectura em um colóquio sobre os textos de Freud, dizendo que o inconsciente é um termo forjado no rastro para se constituir o sujeito, pois o mesmo não define realidade psíquica, porém realidades estranhas, sendo constituído daquilo que dizemos, segundo o criador da psicanálise.

Como constituiu o inconsciente como a fala do sujeito, Lacan não entendeu que no inconsciente há um histórico filogenético em que se estabelece o arcaico de uma evolução, constituído também pelo pensamento.

Não é apenas algo falando dentro das regras gramaticais, pois antecede a linguagem como comunicação, daí o significado de alma, dado por Freud para se situar dentro do sistema atribuído. Portanto, não é apenas uma função como imaginava Lacan, constituída por algo inimaginável, pois devemos lembrar que era uma ideia baseada no que Freud tinha como experiência de pesquisador da psique.

Citação, LACAN (1998, p. 845):

“(Nada disso se parece, a não ser pela confusão, a que os psicanalistas acrescentam o obscurantismo, por não distinguirem o inconsciente do instinto, ou, como dizem, do instintivo – do arcaico ou do primevo, numa ilusão denunciada de maneira decisiva por Claude Lévi-Strauss – ou então do genético de pretenso “desenvolvimento”).

O que fica claro é a sua não admissão do inconsciente, do qual diz ser a mesma consciência, sendo inadmissível do ponto de vista psicológico, mesmo ampliada na metapsicologia freudiana, pois é um erro central, sendo o inconsciente manifestação da consciência, de encontro com o pensamento de Bergson (1887-1888).

Que, segundo BERGSON (2014, p. 82):

“A consciência é a faculdade por meio do qual tomamos conhecimento do que chamamos aqui de fatos psicológicos. Esses fatos, como sabemos, caracterizam-se por não serem localizáveis no espaço, mas sim se ocuparem da duração. Não estando situados no espaço, não podem produzir impressão nos órgãos dos sentidos.[...] É uma faculdade de observação, mas de observação interna. [...] ...é saber se a consciência é uma faculdade especial ou se ela seria simplesmente a forma comum a todos os fatos psicológicos.”

No caso de Bergson ser um religioso, atribuía a uma visão espiritual dentro do absolutismo católico, enquanto Lacan era um materialista convicto, sendo o primeiro voltado ao metafísico, diante do segundo um linguista. Portanto, a dualidade da qual Freud idealiza em seu binarismo, entre o de dentro e o de fora, demonstra-se que os demais ainda permeiam a dualidade do consciente como função.

No caso Lacan, idealiza como algo de registros de significantes, que vai dar significado às significações de algo, dentro da inversão que faz de Ferdinand Saussure (1857-1913), do vetor de significado para o significante e assim construir sua dialética.

Para refutar o inconsciente, LACAN (1998, p. 845) diz:

“Esse erro repousa na indevida transferência, para esses fenômenos do mérito, de uma experiência de pensamento que os utiliza como exemplos. [...] O Cogito cartesiano é a maior façanha dessa experiência, façanha talvez terminal, por atingir uma certeza de saber. Mas só faz denunciar melhor o que há de privilegiado no momento em que ele se apóia, e quão fraudulento é estender esse privilégio para dele lhes dar um status, aos fenômenos providos de consciência.”

Portanto, segundo LACAN (1998, p. 846), “a única função homogênea da consciência está na captura imaginária do eu por seu reflexo especular e na função de desconhecimento que lhe permanece ligada.”

Para ele, o inconsciente é debilitante para o pensamento, a psique é uma idealização do mundo das ideias da psicologia. Faz questão de assinalar que Freud é apenas um psicólogo, desqualificando-o como neurologista, e ele, Lacan, seria o descobridor da psicanálise.

LACAN (1998, p. 848):

“Aproveitaremos isso para dar algumas explicações sobre nossa doutrina do inconsciente no dia de hoje, e tão mais legitimamente quanto as resistências de uma divisão singular nos impediram de dizer mais na ocasião.[...] Esta precaução não é política, mas técnica. Decorre da seguinte condição, estabelecida por nossa doutrina: os psicanalistas fazem parte do conceito do inconsciente, posto que constituem seu destinatário.”

Talvez resignado com suas posições, se coloca de forma diferente suas ideias, marcando aí um divisor entre a teoria freudiana da sua, reafirmando que o inconsciente está para o outro em seu discurso.

Diz, LACAN (1998, p. 851):

“Nosso ensino é anátema por se inscrever nessa verdade.” [...] “A objeção, que destacamos, de sua incidência na transferência dos analistas em formação há de fazer rir os futuros analistas, se, graças a nós, ainda houver algum para quem Freud exista.”

Seu discurso é permeado por alguns filósofos, principalmente Hegel, sua fonte de inspiração, assim como o sujeito, o sujeito cartesiano diante do pressuposto inconsciente, o outro da fala como verdade, sendo o inconsciente um corte em ato. (LACAN, 1998, p. 853).

LACAN (1998, p. 851):

“A Pulsão, tal como é construída por Freud a partir da experiência do inconsciente, proíbe ao pensamento psicologizante esse recurso ao instinto com que ele mascara sua ignorância, através da suposição de uma moral na natureza.”

Em momento algum a pulsão é relacionada à moral na natureza. Portanto, distorce o conceito para divagar entre o impulso e o desejo do analista. Assim, buscando construir sua narrativa a respeito do despreparo do analista na sua formação, do qual se diz o construtor permeado da filosofia para corrigir os rumos das teorias freudianas.

Citação de GARCIA-ROZA (2004, p.79):

“Trata-se, talvez, do conceito mais original de Freud, e o “talvez” não é introduzido por conta da concorrência de outros conceitos, como o de inconsciente, por exemplo, mas por conta do conceito de pulsão de morte, criado em 1920 em Além do princípio de prazer.”

Portanto, apesar do uso do termo desde 1889, como definição terminológica com significado de excitação pulsional, Freud faz a distinção do instinto, esse por sua vez como algo anímico se referindo à condição do animal humano. Segundo GARCIA-ROZA (2004, p.81): “Freud, anos depois de ter proposto o conceito de pulsão, declara que “a doutrina das pulsões é a peça mais importante, mas também a mais inconclusa, da teoria psicanalítica.””

Portanto, não havia uma conclusão sobre o assunto, pois a dúvida era se a pulsão seria psíquica ou apenas manifestações anímicas em relação à sobrevivência, porém distante das questões morais da natureza.

A preocupação de Freud estava centrada nas questões dos estímulos, assim buscando definir o que se constituía a questão dos interno e externo, como função inerente ao ser.

Portanto, não deve ser esquecido que tais estímulos internos, Freud relacionava a um Q, represado nos neurônios impermeáveis, sendo excitações endógenas, ou seja, sem defesas, diferentemente dos estímulos externos, passíveis de controle em função do social. (GARCIA-ROZA, 2004, p.82-83).

Há muitas distorções quanto à figura simbólica do inconsciente freudiano. Para Freud, um portal de informações que nos remete às questões filogenéticas e ontológicas do ser, dentro do contexto evolutivo antropológico, não como um fantasma, apenas uma ideia dentro do seu sistema idealizado, ou barrado como diria LACAN (1998, p. 867):

“As pulsões são nossos mitos, disse Freud. Não se deve entender isso como uma remissão ao irreal. É o real que elas mitificam, comumente, mitos: aqui, aquilo que produz desejo, reproduzindo nele a relação do sujeito com o objeto perdido.”

Não é necessariamente desejo como define Lacan, mas as necessidades fundamentais da sobrevivência e satisfação, em toda sua dimensão evolutiva, dentro dos estímulos internos e externos. Fixar um ponto apenas é distorcer o conceito primário sobre impulso.

Lacan tinha um propósito em toda sua desconstrução, sempre se referenciando em seu tempo, como na filosofia e seu antropólogo preferido, Lévi-Strauss, para fundamentar seus conceitos, contrapondo Freud.

Além de suas confissões, LACAN (1998, p. 873): “É reconhecida a minha repugnância de sempre pela denominação “ciência humanas”, que me parece ser a própria voz da servidão.”

Traz de forma clara suas intenções quando diz:

“É a essa origem indubitável, patente em todo o trabalho de Freud, e à lição que ele nos deixou como chefe de escola, que se deve o fato de o marxismo não ter alcance – e, ao que eu saiba, nenhum marxista mostrou alguma insistência nisso – para questionar seu pensamento em nome de suas inserções históricas.”

Reivindica o reconhecimento de seu trabalho junto àqueles dos quais focava agradar com seu trabalho de doutrinação na substituição diante da negativa de Freud a Breton, quando de sua visita, requisitando-o ao seu movimento ideológico.

Citação LACAN (1998, p. 872):

“Refiro-me, nomeadamente: à sociedade da monarquia dupla, no que tange aos limites judaizantes em que Freud ficou confinado em suas aversões espirituais; à ordem capitalista que condicionou seu agnosticismo político (quem dentre vocês nos escreverá um ensaio, digno de Lamennais, sobre a indiferença em matéria de política?); e, acrescentaria eu, à ética burguesa, pela qual a dignidade de sua vida vem inspirar-nos um respeito que funciona como inibição, por ter sua obra realizado, sem ser no mal-entendido e na confusão, o ponto de concurso dos únicos homens da verdade que nos restam: o agitador revolucionário, o escritor que com seu estilo marca a língua – sei em quem estou pensando – e o pensamento renovador do ser do qual temos o precursor.” Nota de rodapé: Alusão, respectivamente, a André Breton, James Joyce e Martin Heidegger. (N.E.)

É notório seus objetivos de ser reconhecido, pois questionava a ciência no quesito da psicologização do homem, reduzindo o mesmo à formula de uma matriz de combinações significantes. (LACAN, 1998, p. 874).

LACAN (1998, p. 874), com o uso da linguística:

“... é mais sutil, uma vez que ela tem que integrar a diferença entre o enunciado e a enunciação, o que é efetivamente a incidência, desta vez, do sujeito falante como tal (e não do sujeito da ciência). Por isso é que ela vai centrar-se em outra coisa, ou seja, na bateria do significante, cuja prevalência se trata de assegurar sobre esses efeitos de significação.”

O que define seus propósitos quanto à construção de sua psicanálise, portanto, se fixa na linguagem como referência do homem gramatical de seu tempo.

A negação da negação do qual Freud denominou como denegação, ou seja, a afirmação da negação. Se por um lado temos o ser e o não ser, seu negativo do que possa ser em detrimento do não ser. São contradições da dúvida de algo em função das limitações do olhar que divaga na escuridão das aparências, motivados pela interferência da luz, que não nos permite a certeza absoluta da nossa realidade, das coisas que se apresentam em nossa exterioridade.

Portanto, negar é uma forma de não aceitar a realidade, são barreiras criadas pelas fantasias, imaginações, interpostas pelos sonhos que nos situa em espaços diferentes de uma vida supostamente sem gravidade. São motivos que nos leva à contradição como relação, um rol de resistências interpostas pela cisão entre as ocorrências internas e as percepções externas, que nos leva à dicotomia da binaridade mental.

CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE LACAN E FREUD

Devemos relembrar que Freud continha uma base cultural judaica e contato com o cristianismo de sua época. Sua simbologia totêmica, significado profundo de continuidade, a morte do pai, representava a completude de um ciclo com o conceito de morte (Thanatos), pois a vida (Eros) estava relacionada à vida cotidiana.

Suas teorias convergiam para um símbolo da continuidade. Lacan constrói um simbolismo do Pai contido, encapsulado no ser aí, o sujeito posto, portanto o sujeito da sujeição.

Freud demonstra os sentimentos de alguém que perdeu a liberdade pela socialização, causas de uma adaptação, esta relacionada com a evolução em que as mudanças eram a opção à continuidade da vida humana, pois o homem primitivo, os homens das hordas não sobreviveriam.

Com o advento da morte do Pai, ato contínuo do parricídio com o despertar do imaginário do algo além do material, surgem traços dos muitos relatos dos Mitos de Criação, relacionado ao arcaico, cujo dialeto do inconsciente vem desvelar o sentido dos enigmas.

Lacan resume o ser na linguagem, nos significados das expressões do ponto de vista linguístico, ou seja, a partir da articulação, seus signos semânticos, metafóricos e metonímicos, como a arquitetura do ser interposto em seu ego encapsulado com desejos de liberdade que um dia perdeu.

Daí o gozo, como fim de qualquer situação de suas escolhas, finalidade única do sujeito prisioneiro de liberdades perdidas. Porém, na divisão dicotômica de Descartes, opta pela materialidade, discurso iniciado pelos fenomenologistas do ser aí.

Nietzsche sufocava em sua loucura diante de um Deus morto. Para ele, tudo seria proibido. Questionava Dostoievski a morte como a liberdade do tudo pode, pois o morto não mais tinha a régua da proibição, portanto o comum imperava em suas escolhas, a promiscuidade.

Freud, em suas pesquisas, visava um alerta de uma sociedade de sofrimentos neuróticos, acentuava seus detalhes com a nomenclatura neurológica em formação em sua especialização. Porém, como tal, observava os efeitos da psique, seus conflitos, do ser proibido, castrado, impedido, interrompido com a perda das liberdades e de seus desejos instintivos com o abandono das florestas.

Lacan, o enviado da nova psiquiatria, precisa sair das amarras do ser denunciado, para o libertar das expressões semânticas, assim se unir ao inimigo no sentido de resgatá-lo pelo que ele não disse; dar profundidade composta de palavras recheadas, hiperbólicas, sem dizer nada de forma exagerada, algo culto, com uma roupagem nova do neologismo.

Freud, com sua sensibilidade, observa as psicopatologias como o distanciamento do ser de si, perdidos em suas angústias, melancolias, depressões, advindas de uma psiquiatria que traduzia como loucura, doenças mentais, atitudes antissociais, portanto, prisioneiras do sistema.

Sua grande revolução foi nortear, despertar. Algo ocorria no interior cujos registros estavam relacionados com sua exterioridade, um silêncio de horrores em função da falta de percepção, escuta ou atenção, que se resumia em castigos ou flagelos existenciais.

O sujeito de Lacan, o ser que decide por si, sua visão do outro, cujo limite é o reflexo de sua imagem, limites do ente, além da imagem há sobreposições outras possíveis. Portanto, atrás do espelho está a coisa, o outro em formação, isolado na mesma redoma, portanto suficiente, pois tudo depende do seu gozo solitário, sentido do niilismo de Nietzsche, depois complementado para o ser e o nada de Heidegger, no sentido de estarmos sós no mundo.

Os movimentos pós-morte de Deus liberta o homem em sua completude lacaniana, o gozo infinito, estado da volta à menor partícula com o ser desejante, do pragmatismo do aqui e agora. Enquanto Freud parte da dicotomia de Descartes, preserva a matéria e a alma, e foca na subjetividade. Lacan sacrifica a alma de forma maniqueísta na dialética materialista do ser aí, portanto, na morte de Deus.

A psicanálise observou durante seu desenvolvimento que o ser fala, mas uma fala contida em si, ou seja, fala o tempo todo de si, pois dialoga com sua própria imagem. Questiona sua interrupção, suas perdas, inconscientemente clama pelo retorno de um paraíso perdido ou pelo conforto do útero acolhedor de um parasita expulso pela segunda vez.

Psicopatologia da vida cotidiana: ele traz o presente como atuação nas expressões dos atos, chamados de falhos, pois um inconsciente se sobrepõe ao sujeito desperto, nos sonhos, em que o imaginário é um viajante de realizações impossíveis das frustrações.

Citação, FREUD (2006, p. 269):

“O mesmo conflito rege o fenômeno dos equívocos na ação. O impulso que se manifesta na perturbação do ato é frequentemente um impulso contrário, mas, com frequência ainda maior, é um impulso inteiramente alheio, que apenas aproveita a oportunidade para se expressar perturbando a ação enquanto ela é realizada. Os casos em que a perturbação resulta de uma contradição interna são os mais significativos e abrangem também os atos mais importantes.”

Quando acentua o impulso como regente da busca, desperta o comando inconsciente da liberdade reprimida. Diante do ato, se manifesta na expressão, seus sentimentos sagrados, no sentido do não revelado.

Do Princípio de Realidade, ocorre o despertar do sonho letárgico dos sonhos, e das fantasias, de um ego encapsulado em seus desejos, diante da socialização impedida, pois o sujeito da ação, da preservação, um dia em risco, optou pela coletivização, pois assim seriam mais fortes, quanto à proteção.

Daí, tornar o inconsciente consciente, antecipar a pulsão, o ato, pela escolha em função da necessidade, conter o impulso pela sublimação, ou seja, canalizar seus desejos para algo sublimado de forma substitutiva, a riqueza, a ambição. Muitos canalizam para a violência, e a agressividade, assim buscando conquistar e impor seu poder. Enquanto outros vão trabalhar em bancos, casas da moeda, caixas, tesourarias, para sublimar seus desejos, instintos, suas ambições, porém no sentido altruísta na completude do outro, traduzido em alteridade.

Citação, FREUD (2006, p. 205):

“Recentemente, indiquei como uma das características que diferenciam uma neurose de uma psicose o fato de em uma neurose o ego, em sua dependência da realidade, suprimir um fragmento do id (da vida instintual), ao passo que, em uma psicose esse mesmo ego, a serviço do id, se afasta de um fragmento da realidade. Assim, para uma neurose o fator decisivo seria a predominância da influência da realidade, enquanto para uma psicose esse fator seria a predominância do id. Na psicose a perda da realidade estaria necessariamente presente, ao passo que na neurose, segundo pareceria, essa perda seria evitada.”

Segundo a crítica, faltou a Freud definir a psicose, centrando apenas na neurose. Não me parece ser esta a realidade do trecho acima, contido em seu Princípio de Realidade em relação à sua perda.

Portanto, a neurose como conflito da socialização, desperta a fuga para a não realidade. O prazer é feito de momentos de completudes, porém fugazes. A busca da repetição impulsiva o sujeito se faz prisioneiro no sentido de Sartre: “O homem é prisioneiro de sua liberdade.” (SARTRE, 1945, p. 892).

Mas, Freud tinha esta realidade, daí o despertar antropológico para situar o sujeito em seu tempo e espaço. Suas teorias visavam o equilíbrio do ser no seu presente, pois suas neuroses remetiam ao passado e à expectativa do futuro.

A fuga do real traz a citação, FREUD (2006, p. 205):

“A contradição, pois, existe apenas enquanto mantemos os olhos fixados na situação no começo da neurose, quando o ego, a serviço da realidade, se dispõe à repressão de um impulso instintual. Porém, isso não é ainda a própria neurose. Ela consiste antes nos processos que fornecem uma compensação à parte do id danificada – isto é, na reação contra a repressão e no fracasso da repressão. O afrouxamento da relação com a realidade é uma consequência desse segundo passo na formação de uma neurose, e não deveria surpreender-nos que um exame pormenorizado demonstre que a perda da realidade afeta exatamente aquele fragmento de realidade, cujas exigências resultaram na repressão instintual ocorrida.”

Enquanto, na neurose o sujeito visa sua mudança da realidade, com sua fuga, o psicótico executa segundo seus desejos instintuais, sem noção. Ele se relaciona com os chamados traços das memórias atuantes, ou seja, de acordo com suas representações, portanto atua na modificação do real, na tentativa de realizar sua alucinação.

A violência é gerada pelos delírios em função da alucinação, gerando ansiedade, provocando a agressividade, pois o impeditivo do reprimido atua para sua realização potencializada pela violência atuante como descarga.

É interessante notar que a psicose é patológica e sugere enfermidade, enquanto a neurose é o fracasso da repressão.

Portanto, a neurose, assim como a psicose, se resumem não apenas à perda da realidade, mas à substituição da realidade. (FREUD, 2006, p. 208-209).

Outra divergência é a formulação de LACAN (1994, p. 89), em relação ao simbólico, pois Freud falava do antropológico, herdeiro da espécie humana, ou seja, da filogênese. Lacan, por sua vez, fala do homem constituído da linguagem como signos com referência significante, termos utilizados por Saussure, seu mestre.

Citação de LACAN (1994, p. 97):

“Quer dizer que, na relação do imaginário e do real, e na constituição do mundo tal como ela resulta disso, tudo depende da situação do sujeito. E a situação do sujeito [...] é essencialmente caracterizada pelo seu lugar no mundo simbólico, ou, em outros termos, no mundo da palavra.”

Contrariando a teoria freudiana que existe um arcaico profundo do qual somos constituídos em função da sobrevivência do ser em sua evolução, portanto algo que antecede a linguagem da qual Lacan se apoia de forma pragmática, para explicar o ser aí de Hegel, cuja reflexão se faz com Kant em suas abordagens no campo da filosofia racionalista.

O simbólico está estabelecido do vivente. A linguagem é sua ampliação em sua comunicação na socialização do qual está inserido. Lacan inverte as ordens por uma questão mais uma vez ideológica, cujo foco não é a psicanálise e sim sua ideologia materialista.

Veja a citação de PIZUTTI (2012, p. 16), segundo Lacan:

“O nascimento do sujeito é a mais pura relação do nada. Dito de outro modo, nada está ali a não ser um amontoado de células em um pedaço de carne. A palavra e o desejo mediado pelo outro é que fundam o sujeito. O suposto sujeito para Lacan é aquele que ainda não foi marcado pelos significantes e que, ao ser tocado pelo discurso do outro, desperta a pulsão.”

Uma reflexão secular do que é nato e inato no sujeito filosófico, no caso, constituído na linguagem, e na palavra, quando o nada se desperta pelo outro, faz com que a pulsão se realize na busca do desejo. Contrariamente à teoria freudiana que diz que a pulsão é inerente ao ser, pois a pulsão é sua sobrevivência que o fez chegar até o momento de sua existência. Lacan confunde o instinto com pulsão, cuja distorção serve para explicar o inexplicável mundo da linguagem lacaniana.

É importante dizer que temos dois Lacans: um anterior e depois o outro, expulso da sociedade psicanalítica (IPA), um pretenso psicanalista freudiano, logo após revoltado na desconstrução do Mestre, passa de analisado a analista.

Seu viés traz o recalcado em sua dialética, escolhe o caminho da filosofia, para o bom combate, com uma linguagem confusa, desvirtuando conceitos de representação, faz de sua matematização sua lógica linguística.

De Saussure, inverte a primazia do significante sobre o significado, mudando o caminho. Citação BARROSO (2014, p. 61):

“A leitura lacaniana destitui o significante de sua função representativa, dissociando-o do significado e dando-lhe autonomia.” “O significante, diz Lacan, não significa nada por si só, sendo usado pelo sujeito “(...) precisamente para enganar sobre o que se tem de significar”.” (LACAN, 2002, p. 213).

Tal inversão tem o propósito de alterar o algoritmo na ordem e o sentido da representação, faz com alguns conceitos das instâncias freudianas, isolando o superego, colocando em evidência o Ego com o narcisismo em atuação e a consequente morte do Édipo.

Lacan promove a desconstruindo a figura do Pai, logo após a morte do Pai, pois não basta o rito simbólico da destituição do mito, mas a pluralização do coletivismo desde o mítico da crença (Deus), do Mestre (Freud), da subjetividade metafísica (Arquétipos), com a ascensão do filho pródigo e a mãe fálica desejante.

O inconsciente lacaniano é o senhor da linguagem, enquanto o inconsciente de Freud é a memória filo-ontológica da espécie humana e o confronto do homem impedido em função da socialização em seus desejos e vontades. Manifesta-se nas observações das janelas dos sonhos, daí sua sensibilidade perceptiva na decifração de um dialeto de representações, construção do recalque como pedra fundamental da psicanálise.

Para Lacan, o sujeito é dividido entre a mentira e a verdade, materialização de sua dialética ideológica, a retórica do lucro com a exploração do escravo, em um admirável mundo novo na construção do mito imanente que tudo pode na desconstrução, objetivo de seu pragmatismo sociológico.

O Eu Freudiano se torna o sujeito para Lacan, o interrompido do gozo, surge o ser faltante, alienado pela escravidão, o objeto "a", diferente do sujeito da psicanálise freudiana, que não é coisa e sim a morada dos instintos e seus impulsos.

Outra contradição de Lacan: confunde pulsão com instinto, pois para Freud o impulso é o desejo, o instinto a sobrevivência, a necessidade, a pulsão a conscientização do socializado, a sublimação, o paroxismo do fixado. Lacanismo é a desconstrução do sujeito secular, a morte da espiritualidade subjetiva para a concretude do ser aí, supremacia sociológica positivista com o nascer do Estado-Pai do Iluminismo Francês e uma sociedade de massa igualitária.

PONTOS E CONTRAPONTOS DE LACAN

Iniciamos com alguns pontos utilizados por Lacan em sua abertura dos escritos, uma mensagem sobre a desconstrução de Freud para atingir a psicanálise, a partir do título “A Carta Roubada”. Seria um plágio de “A Carta Forçada” de seu mestre Saussure (2006, p. 85)?

Citação SAUSSURE (2006, p. 85):

“A língua não pode, pois, equiparar-se a um contrato puro e simples, e é justamente por esse lado que o estudo do signo linguístico se faz interessante; pois, se se quiser demonstrar que a lei admitida numa coletividade é algo que se suporta e não uma regra livremente consentida, a língua é a que oferece a prova mais concludente disso.”

A língua é viva, tende a ser modificada quando falada, portanto é algo que no trato, perpassa pela elaboração, intenção, submissão, engodo, sedução, convencimento. Daí a inversão a partir do significante, segundo Saussure (2006, p. 84):

“pois esse é de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente, e tem as características que toma do tempo: a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha.”

Em sua carta, Lacan inicia com a dúvida do inconsciente freudiano. Cita Lacan (1998, p. 13):

“Nossa investigação levou-nos ao ponto de reconhecer que o automatismo de repetição (Wiederholungszwang) extrai-se princípio do que havíamos chamado de insistência da cadeia significante. Essa própria noção foi por nós destacada como correlata da ex-sistência (isto é do lugar excêntrico) em que convém situarmos o sujeito do inconsciente, se devemos levar a sério a descoberta de Freud.”

Saussure (2006, p. 81) diz:

“O laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é arbitrário. [...] Utilizou-se a palavra símbolo para designar o signo linguístico ou, mais exatamente, o que chamamos de significante. Há inconvenientes em admiti-lo, justamente por causa do nosso primeiro princípio. [...] O princípio da arbitrariedade do signo não é contestado por ninguém; às vezes, porém, é mais fácil descobrir uma verdade do que lhe assinalar o lugar que lhe cabe.”

Portanto, a inversão de Lacan no sentido de colocar o significante antes do significado foi intencional, pois este tem um caráter linear – o significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, formando uma cadeia, característica na representação pela escrita e a qual substituímos pela linha espacial dos signos gráficos. (SAUSSURE, 2006, p. 84).

Retornando à sua carta, pois nas entrelinhas de sua analogia com o processo investigativo não resoluto, porém com os detalhes de um bilhete achado, fragmentado, o detetive localiza o sentido e a solução do crime.

Sua metáfora em relação à obra de Freud está em primeiro na formação de um inconsciente constituído por uma fala, formado por sombras e reflexos, a partir do significante e não mais do significado, baseando-se no conto de Baudelaire em sua narrativa.

Colocando-se como analista, diz em seguida, Lacan (1998, p. 15), em sua analogia com tal carta, diz:

“... que analista algum há de desprezar, preparado como está para reter tudo o que é da alçada do significante, ainda que nem sempre saiba o que fazer com isso: a carta, deixada displicentemente pelo ministro, de que a mão da Rainha pode fazer uma bolinha de papel.”

A observação é que, como analisado, interrompe por divergências com seu analista. De analisado interrompido, se faz de analista para criticar o processo analítico, por não aproveitar de detalhes do qual não passaria despercebido pelo mesmo. Diria Freud, que neste momento o efeito de negação ocorre entre o analisado e o analista, como parte do processo investigativo.

Daí, sua afirmação que o inconsciente é o discurso do Outro, como efeito da repetição inter-subjetiva em função do deslocamento ocupando o lugar do significante. (LACAN, 1998, p. 18).

Coloca a fala como função da linguagem em psicanálise, cuja dimensão é enorme, definição de MERLEAU-PONTY (1999, p. 267) apud LIMA (2019, p. 90):

“... a linguagem como veículo de comunicação entre o Eu e os outros. [...] A partir do momento que o homem se serve de uma linguagem para estabelecer uma relação viva consigo mesmo ou com seus semelhantes, a linguagem não é mais um instrumento, não é mais um meio, ela é uma manifestação, uma revelação do ser íntimo e do elo psíquico que nos une ao mundo e aos nossos semelhantes.”

Para que possamos nos situar no ambiente analítico, em que o simbólico estabelece a fala do analisado, este é o momento de sua reflexão consigo mesmo. O analista apenas escuta o ato confessional, portanto sua inferência deve permanecer na condição de superego em sua abordagem socrática, cujas respostas são sempre interrogativas e reflexivas.

Portanto, Lacan (1998, p. 22) conduz à sua linguística, “situando o sujeito da subjetividade, que se constitui no Outro como absoluto.” Sua ideação na formulação de seu quadrado inicia-se com a desconstrução do inconsciente freudiano para algo fechado em si, de forma cartesiana, enclausura o sujeito em seu reflexo, conduzindo sua linguística para a ideologia dialética materialista marxista.

Ou seja, levar a psicanálise a um fim, do qual Freud não se sujeitou, pois suas pesquisas, além de médico, buscavam um resgate do ser antropológico com sua filogenética sujeita ao arcaico, e não um sujeito no sentido lacaniano, sob a sujeição de um estado senhor de uma liberdade utópica.

Para Lacan, o inconsciente em sua subjetividade é uma situação apenas do significante, portanto registros de signos linguísticos, mas para Freud, é composto de registros arcaicos, lugar do recalcado simbólico. (LACAN, 1998, p. 38).

Aqui, LACAN (1998, p. 41-42), deixa claro que, utilizando-se da figura do Ministro (Lacan) com as provocações da Rainha (psicanálise), “e o rancor que ele invoca, além disso, uma descortesia sofrida em Viena”, ou seja, sua expulsão da APA, “irá ele, mostrando-se superior a isso, revelar-nos no tempo as intenções do autor.”

Quem é o autor? LACAN (1998, p. 44-45): “Um homem de gênio sem princípios.” [...] “Assim, o que quer dizer “a carta roubada”, ou “não retirada”, [lettre en souffrance], é que uma carta sempre chega a seu destino.”

A desconstrução do inconsciente freudiano constituído por significados de registro arcaicos (memórias), para Lacan, é uma forma de linguagem na determinação do significante sobre o significado. (LACAN, 1998, p. 51).

Sendo o marco, Lacan de seu desvio das obras freudianas no período de 1938 a 1950, considerado a clínica do sujeito e social, é dado ao ataque direto no chamado “problemas cruciais da psicanálise”. (ZAFIROPOULOS, 2018, p. 18).

Quando ocorre sua expulsão em 1953, de sua participação na SPP, esta subordinada à IPA, depois da Segunda Guerra Mundial, Lacan sugere que os médicos não tinham necessidade de formação e sim o diploma de psicanalista, pois detinham o saber. Depois, quanto ao horário de análise de forma a ser diminuída o tempo, pois não havia necessidade de estabelecer 50 minutos, como havia sido determinado por Freud. (ZAFIROPOULOS, 2018, p. 206-207).

Isto causa a primeira cisão em função de seu posicionamento no meio, formando a SFP, encabeçada por Lagache e outros, fundamentando que a SPP era autoritária e havia a falta do “espírito liberal e democrático”, motivo da nova fundação, ou seja, a SFP. (ZAFIROPOULOS, 2018, p. 208).

O que ocorreu em função das decisões do grupo corporativista foi a revolta dos estudantes pelas diferenças entre os professores, causando mal-estar entre seus membros, citado por ZAFIROPOULOS (2018, p. 207):

“em 16 de junho de 1953, houve a demissão dos titulares, Lagache, Dolto e Favez-Boutonnier, os quais, depois de rejeitar uma última vez, diante da SPP, a opinião de que o mal-estar do grupo era “inteiramente ligado às ideias e à ação pessoal do atual presidente da Sociedade, o dr. Lacan”, pedem demissão e anunciam a criação da Société française de psychanalyse (SFP).”

Conduzido por Lagache e seu grupo de forma política, leva suas explicações à IPA, justificando o movimento por divergências de formas de duração do tempo de análise ou a frequência. Portanto, a polarização ocorria em função da imposição de Lacan em relação a Freud, dito por Lagache, ZAFIROPOULOS (2018, p. 210):

“... que Lacan polarizava o conflito, assim como a admiração dos alunos que acompanhavam sua leitura da obra freudiana, ou, ainda, o que deciframos por trás do conceito de “retorno a Freud”.”

Já em 1951, o intrigava a teoria e a prática do método freudiano. O que culmina em 1953 é sua movimentação com a imagem do espelho e do buquê invertido, o afastamento do recalque, sendo este apenas uma palavra e o desejo do fundador da psicanálise. (ZAFIROPOULOS, 2018, p. 28).

Pós-expulsão em 1964, funda sua Escola de Psicanálise Francesa, com o objetivo de desconstrução da psicanálise freudiana, amparado em Saussure, Lévi-Strauss e outros, em um cruzamento entre a filosofia, antropologia, sociologia e sua semiótica. Um marco é seu Seminário de 15 de janeiro de 1964, sobre os Quatro conceitos fundamentais, na condição de excomungado. (ZAFIROPOULOS, 2018, p. 29).

É interessante notar que toda a construção de Lacan, suas resistências em relação aos seus conflitos, perverter a psicanálise como defesa de seus desejos, nos remete à morte do pai das hordas, o deslocamento que faz de seu pai fraco, mãe omissa, na luta insana do Pai forte que Freud representa para ele.

A afirmação do filho rejeitado ocorre na deposição do Grande Pai, atingindo-o na afirmação de seus conceitos, assim buscando se firmar junto aos seus em sua posição de líder herdeiro como representação.

A duração do tempo de análise foi um fato observado por Freud sobre o momento psíquico, pois ele observará que havia um esvaziamento durante as sessões quando ultrapassava tal horário, não propiciando os insights e catarses, objetivos de conscientização, fundamentado na escuta.

Além de nunca ter citado que a análise finalizasse em cura, pois era interminável em função do arcaico e a condição filogenética do ser. Tudo no processo analítico é um recordar pela memória, lembranças de registros inconscientes de uma herança ontológica na evolução da espécie.

Portanto, suas divagações como médico materialista, fundamentos da Revolução Francesa, e absolutista, Lacan se porta como Napoleão na conquista pela força de seus movimentos, na morte do Pai simbólico e no seu ressurgimento pós-rejeição como grande herói.

Denota sua Megalomania e Egocentrismo. De forma inteligente, constrói as estruturas de sua psicanálise particular, com a linguagem dialética de Karl Marx, princípios de movimentos, causas da revolução, com a morte da igreja, ou seja, a cisão do ser espiritual, situando a matéria no existir de forma pragmática, orgânica, com o rito da morte de Deus.

Surge o ser-coisa, fechado em sua imagem, representado em seu quadrado na condução da luta de classes, navegando assim na dialética materialista de sua ideologia francesa. A oportunidade da frustrada utilização da psicanálise freudiana como mediador na implantação do socialismo, e a utilização do lacanismo propiciou a embarcação em voo de cruzeiro na atualidade como ferramenta dialética ideológica.

Em que os pós-lacanianos fundamentam suas teorias na morte do Édipo, rompendo assim, o afeto do filho pela mãe, com a desconstrução da família e o retrocesso às hordas, como bem definiu Engels (1820-1895), a volta ao primitivo, com a pregação de um paraíso na terra para o céu, fruto de um idealismo de sua época como ideólogo do pensamento revolucionário. (MARX e ENGELS, 2004, p. 11-31).

DA FORMAÇÃO REATIVA A DESCONSTRUÇÃO

Inicia-se com a citação de GAY, RIEFF & WOLLHEIM (1976, p. 200): “O que Freud nos deixou é um esboço de imagem do homem, mas ele não chegou a transformá-lo numa coisa acabada.”

Sendo a primeira tópica a desconstrução do inconsciente freudiano, com a substituição pelo significante, inversão da obra de SAUSSURE (1857-1913), em que o significado antecedia o significante, pois este último é estabelecido após a representação do signo ou o simbólico.

Após sofrer a segunda rejeição em 1964, com seu livro "Les Quatre Concepts Fondamentaux de La Psychanalyse", Lacan ocupa assim o lugar do excluído. Citação ZAFIROPOULOS (2018, p. 27): “A partir daí, interroga os conceitos fundamentais da psicanálise, o desejo do analista que (vamos adiantar) 'se faz passar por objeto (a)' na experiência analítica.”

Com o seguinte dizer, ZAFIROPOULOS (2018, p. 27):

“que o analista tem horror de seu ato, como afirma que seus pares na psicanálise sentem um temor crescente frente à verdade freudiana, e afirmaria, em 1964, que só abre a dimensão do inconsciente com precaução.”

De analisado, desiste, rompe com seu analista, e baseado em casos clínicos de Freud, formula conjecturas como analista, com o intuito de salientar falhas na condução de seus casos. Lacan coloca em xeque o psicanalista, porém coloca em terceira pessoa sua insegurança, pois não passou pelo crivo da análise.

Com sua dialética, ensaia o contraditório desde as primeiras formulações de Freud com a primeira fase da infância, apoiando-se na escola inglesa com Karl Abraham e Klein. Em sua primeira fase, Lacan dá o simbolismo, assim como a cognição como primeiro passo do imaginário e da linguagem, seguindo os passos de Saussure com sua linguística. (GAY, RIEFF & WOLLHEIM, 1976, p. 194).

Com o objetivo de representar as fases freudianas quanto à fase oral, anal e fálica, constrói a fase infantil em contraposição ao Édipo em várias fases de seu desenvolvimento, com o intuito de criar uma estrutura.

Lembrando que Freud, dentro de seus compilados, encerra o desenvolvimento sobre o tema com o artigo de 1931 sobre a sexualidade feminina, dentre suas teorias com a dinâmica de suas práticas.

Quanto ao termo Édipo e o uso da palavra complexo, utiliza-se da terminologia de Jung e Bleuler, cuja ideia é a analogia. Citação BLEICHMAR (1984, p. 11):

“... o que Freud estava estabelecendo é que algo que existe no sujeito, frente ao qual um elemento externo age, seja como um disparador que evoca ou como algo que permite a exteriorização daquilo que lutava para se deflagrar.”

Considerava um conjunto de sentimentos entre a criança e sua relação com seus pais, conjecturas centradas na análise do que ocorre nesta fase, lembrando que colocava a cultura e a família como agentes e com considerações particulares que podem interferir neste conceito.

Portanto, BLEICHMAR (1984, p. 12-13): “o papel que fica reservado aos pais não é de constituintes da sexualidade do menino e sim o de algo que interage com algo que é próprio do menino.”

Cujo enfoque é de interação e de intersubjetividade em que o complexo de Édipo BLEICHMAR (1984, p. 12):

“está centrado no menino; supõe-se este como um ente constituído em sua sexualidade, cuja evolução, de natureza biológica e predeterminada, o faz dirigir-se a seus pais. Esta conceituação não descreve com sua sexualidade se constitui nem como seus desejos se constroem, nem o papel que os pais têm na construção desta sexualidade.”

Portanto, enquanto Freud colocava “o Édipo do mito”, Lacan coloca “o Édipo” como estrutura em sua psicanálise linguística. O primeiro coloca a ambivalência do menino em relação aos pais, como algo na identificação com os mesmos, características na formação de seu caráter, pois em relação à menina não era igual, daí estabelecendo a castração em relação ao falo masculino.

Com Lacan, amplia o conceito, pois complementa que o menino é o falo da mãe, no sentido de extensão da mesma, assim colocando a mãe como estruturante do rebento. O pai é o intruso, o que divide, ou seja, o imaginário se estabelece como representação dialógica. (BLEICHMAR, 1984, p. 14-15).

Enquanto para Freud o Édipo é uma representação afetiva pela fixação da criança na composição de integração, em função da gestação, depois se estendendo à fase oral, anal e fálica, para Lacan se resume no falo, sendo este o significante de uma falta, que está contida no desejo em sua formação psíquica.

A definição de significante para Lacan, segundo BLEICHMAR (1984, p. 20-21):

“o conceito de significante de Lacan não é uma cópia nem uma reprodução do conceito de significante linguístico; é, na realidade, uma derivação do conceito de significante em linguística.” [...] “O significante é um aspecto material. É um vestígio acústico, uma imagem visual, algo da ordem do sensível ou capaz de converter-se em perceptível.” [...] “constituído de outras imagens, fonemas, palavras, odores, etc... uma ausência aparece no lugar da coisa, em substituição de uma ausência.”

A expansão do significante remete à imagem do espelho, sobrepostas de outras imagens, assim o significante em sua cadeia que se articula com outros significantes, sendo algo que não representa a significação, apenas engendram. O inconsciente é regido por significante do significante, como camadas de figuras que se descortina como um arquivo interminável. (BLEICHMAR, 1984, p. 22).

Assim, o falo como significado da falta, uma ilusão, conversão de algo, qualquer coisa. Citação Formacione del Inconsciente, p. 91 apud BLEICHMAR (1984, p. 23):

“... o falo imaginário na teoria Lacaniana não é somente um pênis, mas sim aquilo que produz a sensação de plenitude, de perfeição, veja duas citações de Lacan. Ele diz: “esta experiência privilegiada que descrevemos como fase do espelho e que lhe abre novas possibilidades, a de situar o falo enquanto objeto imaginário, com o qual o menino deve se identificar para satisfazer um desejo da mãe, e que se enriquece com esta cristalização do eu sob a forma de imagem do corpo”.”

Enquanto que para Freud o Édipo é movido pelo impulso, em Lacan é movido pela satisfação, pelo narcisismo, tanto da mãe como do filho, pois este é apenas uma imagem incompleta em formação. (BLEICHMAR, 1984, p. 24).

O filho para Lacan é a extensão da mãe, portanto algo que a mãe deseja, no sentido de desejo do outro como se fora o próprio, esta por sua vez o Outro maiúsculo. Define assim, BLEICHMAR (1984, p. 29): “... a mãe fálica; é aquele que sente que nada lhe falta, está completa; neste sentido, tem o falo que a completa.”

Mais tarde faz a mesma analogia com o analista no setting de análise, ou seja, o analista é a figura da mãe e o analisado, o filho, que para agradar o analista é descaracterizado pelo desejo do outro. O que enseja sua inexperiência como analista em uma construção a partir de uma suposição fundamentada em um neologismo, apenas para descaracterizar algo desconhecido. Porém, como toda sua teoria é fundamentada na imaginação, tornam-se compreensíveis tais conjecturas.

Para Freud apud BLEICHMAR (1984, p. 36):

“a oposição fálico/castrado significa duas oposições: presença/ausência de pênis e valoração máxima versus valoração mínima” [...] “o pênis está para a ausência do pênis como a máxima valoração está para a valoração mínima.”

Tal correlação está em função da falta de pênis na menina, assim buscando fundamentar a presença do pênis no menino, porém o simbolismo é um posicionamento da função, não apenas imaginação como Lacan faz com a sua subjetividade.

Ou seja, no sentido da subjetividade para Lacan, o falo imaginário é apenas sua imagem, sua forma de representação. Citação BLEICHMAR (1984, p. 39): “Falo imaginário é, assim, tudo o que completa uma falta de perfeição, anulando a imperfeição.” Um preenchimento do real, portanto identificado em si mesmo pelo falo, sentido perfeito do Narciso.

Dentro do conceito de castração para Lacan apud BLEICHMAR (1984, p. 41), diz:

“... que a castração simbólica permite o acesso à ordem simbólica. Não só porque o sujeito fica situado como elemento em uma estrutura, porque nasce uma subjetividade independente, mas também porque possibilita a categoria cognitiva de símbolo como algo articulado, relacionado com uma cadeia e não algo em si mesmo. Com efeito, quando o menino é o falo, a partir de sua subjetividade, não é que ele o represente; ele o é. Não existe o falo e algo que o simboliza, mas que é diferente do simbolizado.”

Para FREUD apud BRABANT (1973, p. 52), a castração é a superação do Édipo, cuja resolução em uma perspectiva biologizante é sua entrada no período de latência, quando há uma súbita diminuição da libido e o equilíbrio hormonal, sendo uma passagem de posicionamento no meio social. Diz:

“Em suma, o Édipo e a angústia de castração aparecem como a etapa que deve ser necessariamente atingida e ultrapassada para que o indivíduo possa assumir plenamente seu lugar em um mundo humano onde o desejo não é separável de sua limitação pela lei, e antes de tudo pela lei que proíbe o incesto – isto em qualquer que seja a cultura – e por isso mesmo é que existe cultura.”

Daí, podemos observar que Freud se pauta em questões antropológicas de uma sociedade em construção, adequando o sujeito ao social, um rito que perpassa pelo biológico do ser. Enquanto para Lacan é apenas o imaginário, de uma posição de confronto entre a introjeção da mãe, a sujeição do filho como objeto e o pai, a disputa pelo falo desejado e desejante.

Lacan em seu Discurso de Roma (1953, p. 98), cujo texto se intitula “Função de Campo da Palavra”, dentro do estruturalismo, diz: “No nome do pai é onde temos que reconhecer a sustentação da função simbólica que, desde a aurora dos tempos históricos, identifica sua pessoa com a figura da lei.”

Ou seja, desde os textos sagrados, identifica-se a lei com Deus, aquele que a determinou, que a partir dessa legislação, “já não há ninguém mais que seja a lei, todos agem em representação dela.” (BLEICHMAR, 1984, p. 50).

Com sua metáfora paterna, define sua formulação analógica de um significante S e o outro S’. Portanto, não é uma equação matemática e sim uma representação, no sentido de coisa ou produto na figura do s minúsculo como resultante de algo, que tem relação do $ cortado ou o sujeito dividido, figura de linguagem. (BLEICHMAR, 1984, p. 54).

Por outro lado, Lacan imprime o conceito representação para contradizer Freud quanto ao conceito função. Daí sua proposição no imaginário dentro da condição de um inconsciente representado pelo significante, assim construindo sua hipérbole linguística que denomina como psicanálise.

Outro corte foi o supereu, propondo sua autoridade, ou seja, o condutor de regras, ordens, disciplina, sensor, para a função ligada ao imaginário, portanto alterando seu sentido relacionado à linguagem. Citação ZAFIROPOULOS (2018, p. 55):

“O supereu é uma lei destituída de sentido, que, no entanto, se escora exclusivamente na linguagem. Se digo você vá para a direita, é para permitir que o outro harmonize sua linguagem a minha. Penso no que está acontecendo em sua cabeça no momento em que falo com ele. Esse esforço por encontrar uma harmonização constitui a comunicação própria da linguagem. Esse você é de tal maneira fundamental que interfere antes da consciência. A censura, por exemplo, que é intencional, intervém, no entanto, antes da consciência, funciona com vigilância. Você não é um sinal, mas uma referência ao outro, é ordem e amor.”

Portanto, seus questionamentos têm sempre um viés de correção, sendo parte de suas investigações no período de (1938-1950), como norteador de Freud, ou seja, o chamado retorno. Citação LACAN (1954), em 13 de janeiro apud ZAFIROPOULOS (2018, p. 55): “Se considerarmos que estamos aqui para nos debruçar com admiração sobre os textos freudianos e nos maravilhar e com eles, alcançaremos evidentemente plena satisfação” (L 1, 15).

Se colocando como aquele que analisava Freud através de seus textos, dizia que, “Comentar um texto é como fazer uma análise.” (ZAFIROPOULOS, 2018, p. 60). Postula-se então o sucessor da doutrina freudiana, “com a morte do pai da psicanálise, assim como avalia outros pós-freudianos.” (ZAFIROPOULOS, 2018, p. 61).

Quanto à resistência inconsciente do analisado, Lacan volta a colocar em xeque a posição do analista, como autoridade no convencimento do outro. Porém, demonstra sua fragilidade quanto ao ambiente analítico, apoiando-se na linguagem como instrumento de interpretação semântica. Caso tivesse terminado sua análise como se determina no processo de formação, teria talvez não oferecido tanta resistência em suas colocações.

Para Lacan apud ZAFIROPOULOS (2018, p. 67):

“O que resiste, não é o eu do paciente, sobre o qual a pessoa do analista deve influir, mas o enunciado de uma fala cuja proximidade com uma verdade inconsciente é forte”... “O inconsciente nada mais é do que um conjunto de fonemas que devem ser analisados pela fala, daí sua cura e eficácia.”

Portanto, o inconsciente para Lacan é apenas um criptograma a ser decifrado que se constitui por saber ler, assim buscando traduzir. A subjetividade lacaniana é composta de conjecturas de suposições, em combate à funcionalidade do sistema freudiano com suas práticas que vão além de decifrações de falas elaboradas, e sim um conjunto de símbolos que nos remete às decifrações de um inconsciente secular e toda a filogenética herdada.

A capacidade linguística do analista é o fundamento da chamada leitura do inconsciente, assim podendo formular o sintoma. Citação Lacan apud ZAFIROPOULOS (2018, p. 71):

“O sintoma é aqui o significante de um significado recalcado da consciência do sujeito [...] Decifrando essa fala é que Freud encontrou a língua primeira dos símbolos, ainda viva no sofrimento do homem da civilização (Das Unbehagen in der Kultur). Hieróglifos da histeria, brasões da fobia, labirintos da Zwangsneurose.”

Portanto, para Lacan, basta deixar falar, assim reconstruir os fonemas do sujeito, dando-lhe uma chance de tornar consciente o inconsciente no sentido de significante ou significação. Porém, os fundamentos freudianos consideram as falas dentro das elaborações do convencimento, dentro do contexto da análise, apenas uma ferramenta na composição das variáveis que se somam nas formulações analíticas.

Toda sua construção simbólica parte de transformações diante da visão de Lévi-Strauss de 1949 e suas influências com a etnologia, voltada aos etnólogos que se confundem com as questões dos mitos, fazendo assim um paralelo com o inconsciente freudiano.

Assim, redefinindo o inconsciente, em 1949, do qual Lacan estrutura sua linguagem. Citação ZAFIROPOULOS (2018, p. 94):

“O inconsciente deixa de ser o inefável refúgio das particularidades individuais, o depositário de uma história única, que faz de cada um de nós um ser insubstituível. Ele se reduz a um termo pelo qual designamos uma função: a função simbólica, especificamente humana sem dúvida, mas que se exerce em todos os homens segundo as mesmas leis; que na verdade se reduz ao conjunto dessas leis.” (AS I, 224).

Esta é a reafirmação daquilo que Jung constrói em seu inconsciente coletivo. Portanto, temos o mito tribal e o mito de criação. Citação de CAMPBELL (2008, p. 34):

“Uma ordem mitológica é um conjunto de imagens que dá à consciência um significado na existência, que meus caros amigos, não tem significado algum – simplesmente existe. Mas a mente sai em busca de significados; ela só consegue funcionar se conhecer (ou inventar) um conjunto de regras.”

O que condiz com o inconsciente freudiano dentro de seus escritos antropológicos de forma universal, seguindo o mito de criação. Citação de VON FRANZ (2003, p. 9):

“De muitas outras maneiras também, como veremos mais adiante, os mitos de criação referem-se aos problemas mais básicos da vida humana, pois dizem respeito ao significado final, não só de nossa própria existência, mas da existência do cosmo inteiro” [...] “Como a origem da natureza e da existência humana é para nós um completo mistério, o inconsciente produziu muitos modelos desse evento.”

Portanto, a abordagem de pesquisas da qual Lévi-Strauss em suas passagens com tribos sul-americanas, é a base de sua etiologia, em que Lacan se respalda. Dessa forma, a visão universal de Freud, assim como dos autores acima, está fora do âmbito da filosofia do qual Lacan se ampara. São postas as diferenças para que possamos definir simbologias de mitos, da qual Lacan mistura em sua linguística.

Lacan (1954) com sua semiótica avança na desconstrução de seu mestre Freud. Baseia-se em Lévi-Strauss para justificar a derrubada do mito Édipo que mais tarde vai ser usado pelos neolacanianos na desconstrução da família, para fundar assim a cultura revolucionária francesa na dialética materialista proposta.

Apesar de estar amparado em uma ideia de um lugar psíquico, o significante, do qual Lacan situa no qual forma a imagem, segundo o próprio, assim Lacan constrói seu estádio de espelho, até a experiência de seu buquê invertido, situando o ser em seu estádio narcísico de uma visão voltada sempre para si e seus desejos, vontades, finalizando com o gozo.

Tal construção objetiva em sua interpretação, relacionada à Interpretação dos Sonhos de Freud. Citação LACAN apud ZAFIROPOULOS (2018, p. 103), no sentido da imagem do lugar psíquico, diz:

“Para que haja uma óptica, é necessário que, para todo ponto fornecido no espaço real, um ponto e um só corresponda num outro espaço, que é o espaço imaginário [...] Sem ela, não é possível escrever qualquer equação nem simbolizar nada.” (L. I, 90).

Assim, insere na imagem do olhar em relação ao outro, apenas um reflexo de sua própria imagem. O outro é a coisa, portanto, algo no espaço do imaginário. O egocentrismo, somado ao narcisismo, constrói o sujeito encapsulado, fechado em si, na formatação, sentido de homogeneidade, contrário ao que hoje a neurociência demonstra: nossa heterogeneidade, diferenças em nossas singularidades e suas múltiplas variações genômicas e estruturais neurológicas.

A civilização é muito maior do que o ego francês pós-revolução. Quando na tentativa de desconstruir as instâncias, no caso o supereu, assim denominado por Lacan, não percebeu que não é algo imperativo e sim as passagens entre a exterioridade do sujeito representada pelo Ego em detrimento do primitivo Id no ajustamento equilibrado da socialização vigente e em transição.

Citação ZAFIROPOULOS (2018, p. 121):

“Em 1950, Lacan tornava a se apropriar dessa teoria, que enxerga no declínio do pai e, de maneira geral, das circunstâncias familiares, as condições de degradação do Édipo, mas também do supereu.”

Considerando sua ambivalência, ou seja, Lacan em relação a Freud, Lacan transita entre amor e ódio pela rejeição profunda de sua expulsão. Portanto, Lacan constrói uma linguagem fragmentada na junção de várias teorias, enxertadas de outros de sua época, e cria silogismos para muitas vezes falar do mesmo como se fosse sua ideia.

O tamanho de Lacan é proporcional ao de sua escola. Após o fechamento, seus pensamentos desaparecem, e são regados pós advento do socialismo que usa seus argumentos, fantasiados no imaginário, para o resgate de uma ideologia fracassada, para o controle social de massa, muito bem arquitetado por fantasias utópicas de uma nova era.

Portanto, a psicanálise é elevada à condição do surrealismo patológico vinculado aos filósofos nas tormentas, muito bem definidos por Roudinesco (1944), em seu livro reeditado em (2000, p. 7). Citação:

“O feminismo, o socialismo e a psicanálise são violentamente repelidos, e Freud, Marx ou Nietzsche, declarados mortos, assim como toda forma de crítica da norma. Fala-se apenas de direito de inventário ou de avaliação, como se a distância necessária a todo procedimento científico se resumisse a uma vasta contabilidade das coisas e dos homens, ou antes dos homens transformados em coisas.”

O que define muito claro a transição de valores que passamos, diante da negação, atrelada à rejeição dos fatos, com imposições pragmáticas antropofágicas do momento histórico das novas verdades.

PARA FINALIZAR, UM BREVE HISTÓRICO DO MOVIMENTO SURREALISTA FRANCÊS.

Para que possamos nos situar no tempo, devemos nos lembrar do movimento socialista francês, encabeçado por BRETON (1922) apud MARIGUELA (2007, p. 85): “Os signatários do surrealismo realizaram uma apropriação da psicanálise freudiana e dos ideais socialistas derivados da revolução soviética.”

É preciso entender o olho do furacão dentro do movimento revolucionário dos chamados surrealistas, cuja figura emblemática é Salvador Dalí. Isso pontuará o capítulo "A Psicanálise e o Surrealismo: Freud e os Homens de Letras na França", para assim entender o movimento de Lacan no combate ao ajustamento diante da negativa de Freud ao movimento.

Houve algumas visitas na tentativa de trazer Freud ao movimento, porém, apesar de achar interessante em seus aspectos, Freud nunca conseguiu entender os motivos que levaram os surrealistas a eleger a psicanálise como precursora das teses literárias por eles defendidas, conforme citação de MARIGUELA (2007, p. 86).

Porém, quando Breton lê as obras de Freud, vê possibilidades de articular sua ideologia relacionada entre o surrealismo e a psicanálise, sendo um veículo de transgressão, o que causou espanto em Freud quanto à finalidade.

Citação de MARIGUELA (2007, p. 88) apud ROUDINESCO (1988, p. 25):

“A primeira geração de psiquiatras e psicanalistas franceses participa, portanto, de um movimento dinâmico que é historicamente contemporâneo do surrealismo (...). O surrealismo opera, assim, uma curiosa fratura na história do movimento psiquiátrico-psicanalítico francês. Contemporâneo de um dinamismo cuja autoridade contesta, ele não provoca nada menos do que sua apoteose ao distribuir as armas que servem para a renovação. Sem o escândalo surrealista, a segunda geração psicanalítica teria perdido sua energia antes de ouvir o eco da nova batalha.”

É importante ressaltar o momento histórico pós-Revolução Francesa, para entender assim os motivos de engajamento de alguns autores, cuja oportunidade, motivados pela notoriedade, entrou na luta por participar de uma situação de propagação revolucionária ideológica.

Apesar da decepção de Breton com Freud, esse por sua vez não se deixou levar pela militância, sendo o decepcionado o iniciador e fundador do movimento antipsiquiátrico, que influenciou o destino da psicanálise na França. (MARIGUELA, 2007, p. 89).

O que permitiu a oportunidade do movimento iniciado por Politzer e Jacques Lacan (1920). Esse por sua vez, passa a frequentar o movimento com publicações sobre paranoia numa das revistas da época (Minotaure). Citação de rodapé de CESAROTTO & LEITE (2001, p. 50) apud MARIGUELA (2007, p. 90).

Portanto, o movimento surrealista, o psiquiátrico, se utilizam, apropriando-se das obras freudianas para suas causas, permitindo a Lacan sua entrada no movimento, quando esse conhece Breton (1920), conforme citação de rodapé de MARIGUELA (2007, p. 91) apud ROUDINESCO (1994, p. 29 e 32), diz:

“Roudinesco afirma que, por volta de 1923, Lacan ouve falar pela primeira vez das teorias de Freud. A leitura surrealista da psicanálise foi determinante na aproximação de Lacan com as ideias de Freud, sendo, portanto, “uma outra imagem do freudismo que se expôs na cena parisiense”. O nome de Freud estava estampado na bandeira dos combatentes na luta contra a instituição manicomial. Com isso, “os surrealistas viam, na linguagem da loucura, a expressão sublime de uma poesia involuntária”. Vale ressaltar ainda que é justamente esse caráter poético que Lacan reconhece em citar Paul Éluard em seu escrito sobre os antecedentes: “Pois a fidelidade ao invólucro formal do sintoma, que é o verdadeiro traço clínico pelo qual tomávamos gosto, levou-nos ao limite em que ele se reveste em efeitos de criação”. “No caso de nossa tese (o caso Aimée), efeitos literários – e de mérito suficiente por terem sido escolhidos, sob a rubrica (reverente) de poesia involuntária, por Éluard”. (LACAN, 1998, p. 70).

É interessante citar a participação do filho de Ferdinand Saussure, Raymond, formado nas bases freudianas, assim como Charles Odier, e elogiado, cujo prefácio de seu livro foi elaborado por Freud, intitulado "O Método Psicanalítico" (MARIGUELA, 2007, p. 92).

Fato que na época oportunizou a divulgação da psicanálise na França, embarcado nas polêmicas do movimento surrealista e seus embates na utilização como meio de divulgação dos seus pensamentos ideológicos.

É importante salientar que o livro de Raymond Saussure é proibido pelo movimento psiquiátrico com o objetivo de afastar a psicanálise da saúde. Freud faz sua defesa com seu verbete "psicanálise" na 15ª edição da Encyclopaedia Britannica, em que apresenta um resumo histórico da criação da psicanálise. Citação FREUD (1976B, p. 303-308) apud MARIGUELA (2007, p. 95):

“(...) a influência terapêutica da psicanálise depende da substituição de atos mentais inconscientes por conscientes e vigora dentro dos limites desse fator. A substituição é efetivada superando-se as resistências internas na mente do paciente. O futuro provavelmente atribuirá muito maior importância à psicanálise como ciência do inconsciente do que como um procedimento terapêutico.” [...] “do ponto de vista médico, no fato de que a psicanálise dá ênfase a fatores psíquicos e, do ponto de vista filosófico, na suposição do conceito de atividade mental inconsciente como sendo um postulado fundamental; mas a razão mais forte foi, indubitavelmente, a indisposição geral da humanidade em conceder ao fator da sexualidade a importância que lhe é atribuída pela psicanálise.”

O que ocorreu foi que após o filho nascido, belo, famoso, muitos pais surgem como coparticipes da obra completa de Freud. Porém, enfrentou vários embates e acusações em seu tempo, mas sua inteligência e capacidade intelectual não se deixaram abater pelo contraditório, pois na França havia a intenção de se retirar sua paternidade e assim desqualificá-lo como criador da psicanálise. Assim, a aproximação da psicanálise com a literatura ocorre, desembocando na linguística de Lacan.

Lacan influenciado pela psicologia concreta de Politzer, com seus fundamentos organo-psíquicos articulados por Clérambault. Citação de MARIGUELA (2007, p. 151 apud ROUDINESCO (1994, p. 47), diz:

“Foi nesse cadinho que a obra clínica de Jacques Lacan encontrou sua primeira fonte, no cerne de um panorama delimitado pelo automatismo de Gaëtan Gatian de Clérambault, pela fenomenologia de Eugène Minkowski e pelos conceitos pichonianos. A isso vieram somar-se a experiência surrealista e a prática kojèviana do hegelianismo (...). Lacan descobriu a obra de Freud e chegou à psicanálise pelo caminho da psiquiatria, sobretudo pelo da paranoia, no exato momento em que os psicanalistas franceses retomavam, com Claude, de um lado, e com Minkowski, do outro, o estudo da esquizofrenia.”

Assim, seguindo os passos de seu mestre Clérambault, psiquiatra, na clínica e na teoria Kraepelin, Lacan faz sua construção da análise estrutural, tendo o caso Aimée como referência de sua tese, cujo caso de paranoia é visto “como reação de uma personalidade e como momento de seu desenvolvimento” de MARIGUELA (2007, p. 154) apud LACAN (1987, p. 67).

ROUDINESCO (1994, p. 60) apud MARIGUELA (2007, p. 154):

“Ela diz que Lacan levou a cabo a psicologia concreta proposta por Politzer, que lhe permitia “analisar a personalidade inteira do sujeito, os progressos de uma consciência e os acontecimentos de uma história e a confrontação entre o drama pessoal e um meio social”. “Além do empréstimo de Politzer, Lacan se apoia na descoberta freudiana ao afirmar que somente a psicanálise oferece a técnica necessária a um estudo experimental do sujeito.”

Sua obra no caso Aimée propicia sua abordagem e sua porta de entrada à sua visão de psiquiatra na clínica, assim na formulação de sua teoria sobre paranoia, principalmente pela poesia de sua paciente, que o impressiona pelo conteúdo.

Daí, sua construção do caso Aimée, um estudo sobre psicose paranoica e personalidade. A paciente, após ficar dois meses presa, é transferida para a clínica do Hospital Sainte-Anne. Citação de MARIGUELA (2007, p. 159) apud ALLOUCH (1997, p. 150).

Além da clínica, citação de MARIGUELA (2007, p. 165):

“baseado nos escritos de sua paciente, reproduzindo suas poesias, classificando-a como erotomania, o autor constata que sua paciente não apresentava sinal de degenerescência nem qualquer sinal de insuficiência endócrina, o que é um relato de seu afastamento da corrente dominante na psiquiatria francesa da época.”

Portanto, seus delírios e amor pela escrita, sendo uma atriz, resultaram na utilização de seus relatos para estudos da paciente e sua personalidade. Segundo seu diagnóstico, sustentava sua etiologia nos processos organo-psíquicos, sendo sua psicose como uma reação de um conflito vital e a traumas afetivos determinados. (MARIGUELA, 2007, p. 168).

Formulação da chamada segunda tópica. Citação de MARIGUELA (2007, p. 169) apud LACAN (1987, p. 251-252), diz:

“O que interessava a Lacan não era a composição do aparelho psíquico, a metapsicologia freudiana. Para ele, a análise dos determinismos autopunitivos e a teoria da gênese do superego que ela engendrou representam na doutrina psicanalítica uma síntese superior e nova (...). O que nos parece, com efeito, original e precioso em tal teoria é o determinismo que ela permite estabelecer em certos fenômenos de origem e de significação sociais, daqueles que definimos como fenômenos da personalidade.”

Observa-se que sua abordagem permeia a psicologia comportamental concreta de Politzer, parte de sua tese de doutorado, demonstrando sua influência sobre Lacan. Daí, sua entrada sobre os sonhos de Freud, em que o sonho é analisado como ato psíquico do sujeito que sonhou. Ou seja, a utilização do eu na primeira pessoa, diferente de Freud no uso da terceira pessoa, segundo POLITZER (1998, p. 60 e 62):

“O autor esclarece em nota que usaria o termo Eu (je) para designar a primeira pessoa. Com isso, estava afastando-se do sentido técnico que o termo possui em Freud. Dessa forma, Politzer separa as teorias psicológicas que enunciavam relatos em terceira pessoa, consideradas por ele abstratas; e “a inspiração fundamental da psicanálise” para a psicologia concreta estaria no fato de se considerar o relato em primeira pessoa o fundamento para a análise: “O que, ao contrário, caracteriza a maneira como Freud aborda o problema do sonho é que ele não efetua a abstração. Ele não quer separar o sonho do sujeito que sonha; ele não quer concebê-lo como um estado em terceira pessoa, não quer situá-lo num vazio sem sujeito.”

O que influencia Lacan na articulação dos três níveis: individual, estrutura e o social, como uma tese de doutrina sobre fenômenos da personalidade, o que o aproxima da ciência cognitiva.

Citação de MARIGUELA (2007, p. 175) citando LACAN (1932, p. 329), em que diz:

“(...) digamos, no entanto, que a nosso ver a oposição freudiana do Ego e do Id parece sofrer de uma dessas confusões, cujo perigo sublinhamos antes, entre as definições positivas e as definições gnoseológicas que se pode dar dos fenômenos da personalidade. Em outras palavras, a concepção freudiana parece pecar por uma distinção insuficiente entre as tendências concretas, que manifestam esse Ego e apenas como tais dependem de uma gênese concreta, e a definição abstrata do Ego como sujeito do conhecimento.”

Foi em 1936, quando da realização do XIV Congresso da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), presidido por Ernest Jones, que ocorreu o conflito do corte desse evento quando da exposição por Lacan sobre o estádio do espelho dez minutos depois de iniciado. Por sua vez, Lacan sai irritado, abandona o Congresso e vai assistir às Olimpíadas de Berlim. Assim que retorna, redige o texto crítico à psicanálise na década de 1930. (MARIGUELA, 2007, p. 175).

Assim, os surrealistas aderem à ruptura na construção de Lacan, no caso da psicose paranoica, assim abrindo uma nova interpretação das obras de Freud, culminando em seus escritos em 1966. MARIGUELA (2007, p. 178) diz: “em que seus escritos sobre “De nossos antecedentes” têm o propósito de apontar, em retrospectiva, sua entrada na psicanálise.”

Em 1936, Lacan funda seu desenho de uma psicologia científica com o conceito de objeto, fundando assim uma nova abordagem linguística, distanciando-se de Freud e se tornando uma ferramenta para a ideologia francesa do socialismo, berço dos neolacanianos na propagação da frente revolucionária de uma nova ordem do pensamento.

Finalizando, citando MARIGUELA (2007, p. 192):

“Levar o inconsciente ao seu limite interrogando os fundamentos da psicanálise: essa foi a alternativa que Lacan encontrou para seguir adiante em seu retorno a Freud. Tarefa iniciada certamente desde sua tese sobre a psicose paranoica, que exigia uma abordagem do inconsciente diferente daquela estabelecida por Freud e seus seguidores. Era preciso empreender a desconstrução ontológica do inconsciente tendo como ferramenta a prática clínica da dessubjetivação da relação transferencial.”

Seguia a cartilha da fenomenologia, aplicando a reforma do social a partir do pragmatismo, assim buscando romper com a história, estabelecer o ser aí, dentro do contexto social. Sua influência em Politzer foi objetivada por colocações voltadas à psicologia concreta, portanto dentro do contexto da socialização aos moldes da Revolução Francesa.

Sua visão psiquiátrica fisiologista, dentro do conceito concreto de sua filosofia, atrelada à frente de uma perspectiva psicogenética, considerava a importância de Freud secundária, cujo foco foi para Lacan no mergulho em solo antropológico no resgate de Strauss. SILVA (2017, p. 17).

Daí a crítica. Nota de rodapé SILVA (2017, p. 17):

“Do ponto de vista da Crítica..., ao se deparar com o tema dos sonhos, Freud combate apenas parcialmente os pressupostos da psicologia clássica. O fundador da psicanálise pisa em falso ao propor uma noção de inconsciente enquanto conteúdo latente escondido por detrás da narrativa manifesta, trazendo a perspectiva de um realismo ingênuo para dentro do seio da psicanálise, a partir da problemática ideia de vida interior (Politzer, 2004). Nesse momento, não apenas interessa a Lacan a munição teórica para criticar o mentalismo substancialista, mas também para problematizar a importação imediata do associacionismo para a teoria do aparelho psíquico. Para Simanke (2002), seria “desnecessário dizer o quanto essas considerações concordam com o modo como Lacan vai pensar a linguagem, ao introduzi-la no próprio coração da doutrina psicanalítica.” [...]” (p. 180).

O que define um construto crítico, cínico com o retorno, motivado apenas na desconstrução por Psiquiatras discordantes, Psicólogos divergentes, veículos para suas máximas, além do reconhecimento de seus pares na utilização da psicanálise como embarcação ideológica de seu temp

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esperamos trazer com este escrito o resgate do espírito humano, com a tentativa de eliminar a subjetividade através de um mundo idealizado no concreto, à luz da materialidade de um mundo mecanicista de um animal humano saído das sombras, pretensiosamente na prepotência de se explicar a partir da morte do Pai.

Sendo o homem o predador do homem, cujas intenções, forjadas nas tensões de dominação, moldam a história ao seu saber em uma disputa insana com suas idealizações de poder, subestima sua sobrevivência em função de se colocar no mundo como um ser aí, como se estivesse pronto para o mundo.

Negando que somos apenas herdeiros em transição, momento temporal em relação à sua existência, a partir de sua dissociação sentem-se o sujeito ditador de sua história, talvez fruto de suas ambivalências imaginárias de uma divisão binária mal compreendida.

Esquizofrenia foi o nome escolhido para definir um sujeito dividido. Portanto, reconhecer tal divisão é fundamental, assim como Jung construiu em sua Psicologia Analítica o homem secular, em seu inconsciente coletivo, às voltas em suas mandalas, para definir no mundo circular da geometria seus arquétipos que ressoam nas nossas memórias de uma lembrança de um paraíso perdido.

Portanto, resumir a linguagem como representação da alma cartesiana, sua hermenêutica milenar, objeto de idealização freudiana na constituição de seus sistemas, que de forma antropológica desnuda a subjetividade metafísica na concretude do significado de uma realidade até então envolta no mítico, apresentando a alma constituída na memória arcaica do inconsciente.

Construir a psicanálise na gramática, em suas normas, a linguística e sua fala como algo a ser analisado a partir de sua prosódica, é ajustar o consciente como norma de condução a um determinado fim.

A psicanálise freudiana não foi constituída na fala e sim no ser antropológico, em sua filogenética natural e orgânica do qual se constitui. Tratá-lo pelo eco dos fonemas, sacramentado pela escrita em seus registros, é minimizar em suas intenções maniqueístas de poder.

Recordando que na estruturação dos sonhos, algo que transcendia nas civilizações de alguma coisa mítica e histórica, sua interpretação culmina em Freud em seus significados guardados nas memórias arcaicas do ser, em suas atuações cotidianas, formadoras que constituem o chamado inconsciente freudiano.

Inconsciente que traz um dialeto, dentro do universo da linguagem, constituído na formação do pensamento. Este por sua vez é sem regras, pois é uma linguagem corporal, espiritual, do qual ele, Freud, definiu como alma, assim se denominando como tratador, cuidador dela.

Sendo que o homem não é apenas palavras e signos, mas um ser simbólico. Ou até mesmo, entendê-lo através de suas emoções fundamentadas na prosódica é perverter aquilo que não entendeu.

A análise na psicanálise não é um tratamento da língua, como querem alguns, pois exige a percepção, intuição, emoção e sensibilização de ouvir o pensado não dito, entender o dialeto de toda a composição do orgânico do qual é constituído, ou seja, a linguagem gramatical se resume naquilo que Freud chamou de elaboração, portanto, formado na dissimulação, mentira e verdade. Muito distante da realidade vivida pelo sujeito, a psicanálise busca colocá-lo na conscientização de seus princípios, motivados pelo instinto, gerador de impulsos primitivos, sujeito à socialização das normas, proibições e castrações como marco civilizatório da humanidade.

Se a linguagem é o chaminé de algo apresentado, a mesma é o produto de comunicação, portanto deve ser filtrada pela escuta do analista para dirimir o conteúdo com abordagens de retórica para que o sujeito ouça seu próprio eco. Para tanto, o segredo de um bom analista é criar o tensionamento para o sujeito revelar suas sombras, assim sair de sua caverna para uma realidade da iluminação no exercício de sua proximidade com o real.

O retorno a Freud tem como significado sua paixão por Roma nos seus momentos finais, paixão esta de Freud pela mesma cidade, relato de suas cartas a sua filha (Freud, 1895-1923), correspondência de viagem (FREUD, 2014).

O que denota a obsessão de Lacan pelo mestre da psicanálise na figura do filho rejeitado, porém em sua afirmação, de forma substitutiva, sua fixação por Freud pela rejeição do pai fraco.

Porém, não há demérito em toda sua obra de linguística de importância capital em seu tempo, pois compôs com muitos outros, atualmente compõe uma visão do pensamento que merece reflexões, com sua identidade própria, mas nada que substitua os preceitos freudianos que não podem ser confundidos como algo a ponto de alguns negacionistas o substituir como algo além dos pensamentos originais da psicanálise em seu construto como ciência da mente.

Para Freud (1915), em "As Pulsões e seus Destinos", que trata das experiências psicanalíticas e a formação do conceito, cujo material empírico e as delimitações das ideias há uma relação de reciprocidade do ponto de vista da ciência, portanto deve ser considerada como pesquisa. Citação FREUD (1915/2017, p. 15) apud CAMPOS E SILVA (2017, p. 25):

“No princípio, elas [as ideias] devem manter certo grau de indeterminação; não se pode contar aí com uma clara delimitação de seus conteúdos. Enquanto se encontram nesse estado, chegamos a um entendimento quanto a seu significado, remetendo-nos continuamente ao material experiencial, do qual parecem ter sido extraídas, mas que, na verdade lhes é subordinado. Portanto, elas têm a rigor o caráter de convenções, embora seja o caso de dizer que não são escolhidas de modo arbitrário, mas sim determinadas por significativas relações com o material empírico [...].”

Quanto a Lacan, seus méritos, seus propósitos, como Psiquiatra se apresentava com desejos de renovação da velha psiquiatria. Reportamo-nos à citação de CAMPOS E SILVA (2017, p. 25):

“Por fim, algo há que se dizer sobre as dificuldades metodológicas que a pesquisa conceitual em Lacan comporta. Em primeiro lugar, que seu ensino seja às vezes mais conhecido pelo estilo impenetrável de suas colocações do que pelo conteúdo que de fato transmite não é uma novidade. Como aponta Safatle (2004), diante do indiscutível incômodo perpetrado pela famigerada ilegebillidade lacaniana, a falta de sensibilidade para perceber que seu estilo é, em certo sentido, uma necessidade, faz com que, não raro, nos peguemos pensando que sua leitura seria enormemente facilitada caso ele “abandonasse sua escrita barroca e seus gráficos [...] parasse de construir labirintos conceituais e começasse, de uma vez por todas, a andar em linha reta respeitando a gramática da boa e velha clareza ensaística”.”

Segundo o próprio Lacan (1957-58/1999) apud CAMPOS E SILVA (2017, p. 26):

“Lamento, não há nada que eu possa fazer – meu estilo é o que é. Quanto a este ponto, peço a eles que façam um esforço. E acrescento simplesmente que, seja quais forem as deficiências de minha lavra que possam aí intervir, há também, nas dificuldades desse estilo – talvez eles o possam vislumbrar – algo que corresponde ao próprio objeto que está em questão.” (p. 33).

Portanto, sua metodologia é uma colcha de retalhos de acolhimento de teses alheias, o que o impede de uma compreensão maior. Isso se deve à sua necessidade de um tempo implementado por ideologias e filosofias voltadas ao existencialismo e à fenomenologia, cujo materialismo revolucionário permeava o pós-Revolução Francesa. O objetivo premente de seu tempo era a análise e o conceito do Outro, ou seja, este como sujeito e o outro como objeto.

É importante sempre lembrar de que as premissas foram alteradas de forma significativa após a "morte de Deus". Tínhamos que a essência precede a existência, assim como o pensamento precede a linguagem. Portanto, a alteração a partir dos movimentos pós-Revolução Francesa introduziu que a existência precede a essência e a linguagem precede o pensamento. Daí a importância de se situar em seu tempo e espaço.

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Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicanálise e Aconselhamento, da Emill Brunner World University, como parte dos requisitos para a obtenção do título em Doutor em Psicanálise. ORIENTADOR; Prof. Dr. Ângelo Ribeiro Fróes.

1 Psicanalista Freudiano – Psicanálise Dinâmica – Academia de Psicanálise e Ciência Humana - São Paulo – Graduado em Filosofia (licenciatura Plena) pelo Centro Universitário Claretiano (CEUCLAR). Pós-Graduação em “Psicologia Clínica: Psicanálise”, pela Universidade de Araraquara (UNIARA). Pós-Graduação em “Antropologia e Neuropsicanálise”, pela Faculdade Unyleya de Brasília, Participação em Capítulos de Livro Cientifico voltado à Educação, Autor de Artigos Premiados em parceria, publicado em revista cientifica JAERS Internacional Journal of Advanced Engineering Reserarch and Science (EUA) e Universidade do ABC Paulista, Brain Connection, Prêmio Prof. Dr. Fernando César Capovilla ,Pesquisador Literário, Mestrado e Doutorado e Pós-Doutorado pela Universidade Emill Brunner World University da Florida – EUA. E-mail: [email protected]