FONTES RENOVÁVEIS E MATRIZ ENERGÉTICA: UMA ANÁLISE CONSIDERANDO OS AVANÇOS EM MICRORREDES E VEÍCULOS ELÉTRICOS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18080381


Joelson Lopes da Paixão1
Alzenira da Rosa Abaide2


RESUMO
A reconfiguração da matriz energética tem assumido papel central nas agendas globais de desenvolvimento sustentável, em razão da intensificação das mudanças climáticas, da volatilidade dos mercados energéticos e da necessidade de redução das emissões de gases de efeito estufa. Nesse contexto, as fontes renováveis emergem como eixo estratégico para a transformação dos sistemas energéticos, ao possibilitarem a diversificação da oferta, a mitigação de impactos ambientais e o fortalecimento da segurança energética. O presente estudo tem como objetivo geral analisar o papel das fontes renováveis na composição e na transformação da matriz energética, considerando suas implicações ambientais, econômicas e institucionais, com ênfase em avanços tecnológicos recentes como microrredes, veículos elétricos e sistemas inteligentes de gestão energética. Metodologicamente, adota-se uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório e descritivo, fundamentada em revisão bibliográfica e documental de produções científicas, relatórios técnicos e marcos normativos nacionais e internacionais publicados entre 2015 e 2025, sem prejuízo do diálogo com autores clássicos, complementada por análise de projetos de pesquisa e publicações recentes em sistemas elétricos de potência. Os resultados indicam que a ampliação da participação de fontes renováveis, como solar, eólica, biomassa e hidráulica, contribui para a redução da intensidade de carbono da matriz energética e para a promoção de modelos de desenvolvimento mais sustentáveis, com destaque para a integração de microrredes e infraestrutura de recarga de veículos elétricos. Contudo, evidenciam-se desafios relacionados à integração dessas fontes aos sistemas energéticos, à governança institucional e às desigualdades no acesso à energia. Conclui-se que a consolidação de matrizes energéticas sustentáveis depende de políticas públicas integradas, planejamento de longo prazo, inovação tecnológica em gestão energética e articulação entre transição energética e justiça social.
Palavras-chave: fontes renováveis. matriz energética. sustentabilidade. transição energética. políticas públicas. microrredes. veículos elétricos. gestão de energia.

ABSTRACT
The reconfiguration of the energy matrix has assumed a central role in global sustainable development agendas due to the intensification of climate change, the volatility of energy markets, and the need to reduce greenhouse gas emissions. In this context, renewable energy sources have emerged as a strategic axis for transforming energy systems, as they enable supply diversification, mitigation of environmental impacts, and strengthening of energy security. The general objective of this study is to analyze the role of renewable sources in the composition and transformation of the energy matrix, considering their environmental, economic, and institutional implications, with emphasis on recent technological advances such as microgrids, electric vehicles, and intelligent energy management systems. Methodologically, the study adopts a qualitative, exploratory, and descriptive approach, grounded in a bibliographic and documentary review of scientific publications, technical reports, and national and international regulatory frameworks published between 2015 and 2025, without excluding dialogue with classical authors, complemented by an analysis of research projects and recent publications in electric power systems. The results indicate that expanding the share of renewable sources—such as solar, wind, biomass, and hydropower—contributes to reducing the carbon intensity of the energy matrix and promoting more sustainable development models, with particular emphasis on the integration of microgrids and electric vehicle charging infrastructure. However, challenges remain related to the integration of these sources into energy systems, institutional governance, and inequalities in access to energy. It is concluded that the consolidation of sustainable energy matrices depends on integrated public policies, long-term planning, technological innovation in energy management, and the articulation between energy transition and social justice.
Keywords: renewable energy sources. energy matrix. sustainability. energy transition. public policies. microgrids. electric vehicles. energy management.

1. INTRODUÇÃO

A matriz energética constitui um dos elementos estruturantes do desenvolvimento econômico e social, uma vez que expressa a forma como uma sociedade produz, transforma e consome energia. Ao longo da história, a predominância de combustíveis fósseis na composição das matrizes energéticas sustentou o crescimento industrial e a expansão dos sistemas produtivos, mas também desencadeou impactos ambientais severos, especialmente relacionados às emissões de gases de efeito estufa e à degradação dos ecossistemas. Diante da intensificação das mudanças climáticas e da crescente pressão sobre os recursos naturais, a reorganização da matriz energética tornou-se imperativa, reposicionando as fontes renováveis como componentes centrais das estratégias contemporâneas de sustentabilidade.

As fontes renováveis de energia, como a solar, a eólica, a biomassa e a hidráulica, apresentam potencial significativo para reduzir a dependência de recursos fósseis e mitigar os impactos ambientais associados à produção e ao consumo de energia. Diferentemente das fontes não renováveis, essas tecnologias caracterizam-se por menor intensidade de carbono e maior compatibilidade com os objetivos de longo prazo do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, relatórios da Agência Internacional de Energia destacam que a expansão das renováveis constitui um dos principais vetores da transição energética global, sendo responsável por parcela crescente do aumento da oferta energética nas últimas décadas. Inovações associadas a microrredes, veículos elétricos e sistemas de armazenamento têm ampliado as possibilidades de integração eficiente dessas fontes, reforçando seu papel estratégico (IEA, 2024; DANIELSSON et al., 2025).

A problemática central que orienta este estudo reside nos desafios associados à incorporação das fontes renováveis na matriz energética de forma consistente, equitativa e sustentável. Embora o avanço tecnológico tenha reduzido custos e ampliado a viabilidade econômica dessas fontes, persistem entraves relacionados à intermitência, à necessidade de infraestrutura adequada, à regulação dos mercados energéticos e à coordenação entre políticas setoriais. Além disso, a simples ampliação da participação de renováveis não garante, por si só, uma matriz energética sustentável, sobretudo quando desconsidera aspectos sociais, territoriais e institucionais. A integração de soluções como microrredes para recarga de veículos elétricos (PAIXÃO et al., 2025) e sistemas de gestão energética baseados em inteligência artificial representam avanços, mas exigem planejamento sistêmico e governança robusta. Diante disso, formula-se a seguinte pergunta norteadora: de que maneira as fontes renováveis podem ser integradas à matriz energética, com apoio de tecnologias emergentes, de forma a promover sustentabilidade ambiental, segurança energética e justiça social.

O objetivo geral deste artigo consiste em analisar o papel das fontes renováveis na composição e na transformação da matriz energética contemporânea, com atenção especial aos avanços em microrredes, mobilidade elétrica e gestão inteligente de energia. Como objetivos específicos, busca-se compreender a evolução histórica das matrizes energéticas e o reposicionamento das fontes renováveis; examinar os impactos ambientais e econômicos da diversificação da matriz energética; analisar os principais desafios técnicos e institucionais para a integração das renováveis, incluindo casos de microrredes e estações de recarga rápida; e discutir as implicações sociais e territoriais associadas à expansão dessas fontes.

Parte-se da hipótese de que a ampliação da participação de fontes renováveis na matriz energética, articulada com inovações em microrredes e gestão energética, é condição necessária, mas não suficiente, para a promoção do desenvolvimento sustentável. Supõe-se que os benefícios ambientais e sociais das renováveis dependem da existência de políticas públicas integradas, planejamento energético de longo prazo, desenvolvimento tecnológico em sistemas de potência e mecanismos de governança capazes de assegurar estabilidade regulatória e inclusão social. Essa hipótese dialoga com análises produzidas por organismos internacionais, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que reconhecem a relevância das renováveis, mas alertam para a necessidade de abordagens sistêmicas e intersetoriais (IPCC, 2022).

A justificativa deste estudo fundamenta-se na centralidade crescente do debate sobre fontes renováveis e matriz energética nas agendas nacionais e internacionais, bem como na necessidade de análises críticas que ultrapassem perspectivas meramente tecnológicas. A expansão acelerada das renováveis tem gerado novas dinâmicas econômicas e territoriais, ao mesmo tempo em que suscita conflitos relacionados ao uso do solo, à distribuição dos benefícios e aos impactos locais dos empreendimentos energéticos. Assim, compreender a matriz energética como construção social e política revela-se fundamental para orientar decisões estratégicas e evitar a reprodução de desigualdades históricas no processo de transição. A análise de experiências concretas, como projetos de eletrificação viária (ex.: Rota Elétrica Mercosul) e microrredes para recarga de veículos elétricos (DA PAIXÃO et al., 2023; PAIXÃO et al., 2025), oferece subsídios empíricos relevantes para esta reflexão.

A relevância científica e social da pesquisa reside na contribuição para o aprofundamento do debate sobre sustentabilidade energética, ao articular fontes renováveis, matriz energética, inovações tecnológicas e desenvolvimento de forma integrada. Ao analisar os limites e as potencialidades da diversificação da matriz, o estudo busca oferecer subsídios teóricos e analíticos para a formulação de políticas públicas e estratégias institucionais alinhadas aos objetivos de longo prazo da sustentabilidade. Desse modo, as fontes renováveis deixam de ser compreendidas apenas como alternativas técnicas e passam a ser analisadas como elementos estruturantes de um projeto de desenvolvimento energético capaz de responder, de forma ética e responsável, aos desafios ambientais, econômicos e sociais do século XXI.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A matriz energética pode ser compreendida como a expressão concreta das escolhas técnicas, econômicas e políticas que orientam a produção e o consumo de energia em determinado contexto histórico e territorial. Ao longo do processo de industrialização, a predominância de fontes fósseis estruturou matrizes energéticas altamente dependentes de carvão, petróleo e gás natural, viabilizando o crescimento econômico, mas também intensificando a degradação ambiental e as emissões de gases de efeito estufa. Essa contradição tornou-se progressivamente evidente, de modo que "os sistemas energéticos baseados em combustíveis fósseis revelam-se incompatíveis com os limites ecológicos do planeta" (GEORGESCU-ROEGEN, 1971, p. 96), reflexão que sustenta, de forma indireta, a necessidade de reconfiguração das matrizes energéticas contemporâneas.

Nesse cenário, as fontes renováveis assumem papel estratégico ao oferecerem alternativas de menor impacto ambiental e maior alinhamento com os princípios do desenvolvimento sustentável. A energia solar, a eólica, a biomassa e a hidráulica apresentam características que favorecem a diversificação da matriz energética, reduzindo a dependência de recursos não renováveis e ampliando a resiliência dos sistemas energéticos frente a crises climáticas e geopolíticas. De acordo com a Agência Internacional de Energia, "as fontes renováveis representam a maior parcela do crescimento da oferta energética global nas últimas décadas" (IEA, 2024, p. 18), evidenciando uma tendência estrutural de transformação da matriz energética em escala mundial. Indiretamente, a literatura indica que essa expansão não resulta apenas de imperativos ambientais, mas também de avanços tecnológicos e da redução significativa dos custos de geração, incluindo a emergência de soluções descentralizadas e inteligentes (DANIELSSON et al., 2025; PAIXÃO et al., 2025).

A incorporação crescente de fontes renováveis à matriz energética, contudo, não ocorre de maneira homogênea ou isenta de desafios. Embora essas fontes apresentem vantagens ambientais evidentes, sua integração aos sistemas energéticos exige adaptações técnicas, institucionais e regulatórias, especialmente em razão da variabilidade e da intermitência de algumas tecnologias, como a solar e a eólica. Goldemberg observa que "a diversificação da matriz energética com fontes renováveis exige planejamento, infraestrutura adequada e governança consistente" (GOLDEMBERG, 2018, p. 72), argumento que reforça a ideia de que a sustentabilidade da matriz não depende apenas da natureza da fonte, mas da forma como ela é incorporada ao sistema. Nesse contexto, tecnologias como microrredes, armazenamento de energia e gestão otimizada de recursos distribuídos têm sido apontadas como facilitadoras da integração de renováveis, mitigando impactos na qualidade da energia e na estabilidade da rede (PAIXÃO et al., 2021; DA PAIXÃO et al., 2023).

No contexto brasileiro, a matriz energética apresenta singularidades relevantes, especialmente pela elevada participação de fontes renováveis em comparação com a média mundial. A predominância histórica da energia hidráulica conferiu ao país uma matriz relativamente limpa, mas também expôs fragilidades associadas à variabilidade climática e à concentração da geração em grandes empreendimentos. Conforme destaca Zilles, "a elevada participação de renováveis na matriz brasileira não elimina a necessidade de diversificação e inovação tecnológica" (ZILLES, 2019, p. 41), o que implica reconhecer que a sustentabilidade da matriz energética é um processo dinâmico, dependente de adaptação contínua às transformações ambientais e socioeconômicas. Projetos de pesquisa recentes têm explorado a complementaridade entre fontes renováveis, armazenamento e mobilidade elétrica, como no caso de estudos sobre microrredes para recarga rápida em rodovias (DA PAIXÃO et al., 2022; SAUSEN et al., 2024), indicando caminhos para maior resiliência e eficiência.

A integração das fontes renováveis à matriz energética deve ser analisada à luz de uma perspectiva sistêmica, que considere não apenas os benefícios ambientais, mas também os impactos econômicos, sociais e territoriais associados à expansão dessas tecnologias. A transição para matrizes energéticas mais sustentáveis envolve disputas políticas, reconfigurações institucionais e redefinições dos modelos de governança, uma vez que altera fluxos de poder, padrões de investimento e relações entre Estado, mercado e sociedade. Sovacool afirma que "as transições energéticas são processos profundamente sociais e políticos, e não meramente tecnológicos" (SOVACOOL, 2021, p. 22), perspectiva que, de forma indireta, amplia a compreensão dos desafios enfrentados na reorganização das matrizes energéticas. A implementação de infraestruturas como estações de recarga rápida e microrredes exige, portanto, não apenas soluções técnicas, mas também arranjos institucionais e participação social (DA PAIXÃO et al., 2023; PAIXÃO et al., 2025).

Do ponto de vista ambiental, as fontes renováveis contribuem significativamente para a redução das emissões de gases de efeito estufa, sendo amplamente reconhecidas como elemento central das estratégias de mitigação climática. Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas indicam que "a expansão das energias renováveis é essencial para limitar o aquecimento global e reduzir os riscos climáticos" (IPCC, 2022, p. 39), reforçando a centralidade dessas fontes nas agendas internacionais. Indiretamente, a literatura destaca que os benefícios ambientais das renováveis dependem do ciclo de vida das tecnologias, do uso do solo e da gestão adequada dos impactos locais, o que exige avaliação criteriosa e planejamento territorial. A combinação de fontes renováveis com mobilidade elétrica, por exemplo, pode potencializar a descarbonização, mas depende de critérios de localização, dimensionamento e operação que minimizem impactos na rede e no território (PAIXÃO et al., 2025; DANIELSSON et al., 2025).

Sob a perspectiva econômica, a ampliação da participação de fontes renováveis na matriz energética tem gerado efeitos positivos, como a redução da volatilidade dos custos energéticos, o estímulo à inovação e a criação de novos mercados e empregos. Entretanto, os resultados analisados indicam que a viabilidade econômica das renováveis está fortemente condicionada à existência de políticas públicas estáveis, mecanismos de financiamento e marcos regulatórios claros. Alves observa que "a consolidação de uma matriz energética sustentável depende da coerência entre políticas energéticas, ambientais e econômicas" (ALVES, 2007, p. 68), argumento que permanece atual diante das dificuldades enfrentadas por países que adotaram estratégias fragmentadas ou instáveis. A análise de modelos de negócio para estações de recarga rápida e microrredes evidencia a importância de tarifação adequada, subsídios estratégicos e parcerias público-privadas (DA PAIXÃO et al., 2023; SAUSEN et al., 2024).

A dimensão social da matriz energética revela-se igualmente central no debate sobre fontes renováveis. Apesar do discurso amplamente positivo em torno dessas tecnologias, sua implantação pode gerar conflitos territoriais, impactos sobre comunidades locais e desigualdades na distribuição dos benefícios. A Organização das Nações Unidas destaca que "o acesso equitativo à energia limpa é condição essencial para o desenvolvimento sustentável" (ONU, 2015, p. 21), evidenciando que a transição da matriz energética deve incorporar princípios de justiça energética. Indiretamente, estudos críticos demonstram que projetos de renováveis implementados sem participação social tendem a reproduzir assimetrias históricas, comprometendo a legitimidade das políticas energéticas. A inclusão de comunidades em projetos de extensão e capacitação, como observado em iniciativas de formação profissional e educação tecnológica, pode contribuir para maior apropriação social dos benefícios da transição energética.

Autores clássicos contribuem para aprofundar essa análise ao alertarem para os limites do crescimento e da racionalidade econômica tradicional. Jevons, ainda no século XIX, já advertia que "o progresso técnico não implica, necessariamente, redução do consumo de recursos" (JEVONS, 1865, p. 140), reflexão que permanece pertinente ao se analisar o risco de que a expansão das renováveis seja acompanhada por aumento absoluto do consumo energético. De forma indireta, essa perspectiva reforça a necessidade de articular fontes renováveis, eficiência energética e mudanças nos padrões de consumo, evitando que ganhos ambientais sejam neutralizados por dinâmicas de crescimento insustentáveis. A gestão inteligente de energia em microrredes e a otimização do despacho de recursos distribuídos representam respostas tecnológicas a esse desafio, promovendo uso mais racional e eficiente dos recursos energéticos (PAIXÃO et al., 2025; DANIELSSON et al., 2025).

Dessa forma, o referencial teórico evidencia que as fontes renováveis constituem elemento central para a transformação da matriz energética, mas não representam solução isolada para os desafios da sustentabilidade. A consolidação de matrizes energéticas sustentáveis exige integração entre inovação tecnológica (como microrredes, veículos elétricos e sistemas de gestão), governança institucional, planejamento territorial e justiça social. Ao serem incorporadas de forma crítica e sistêmica, as fontes renováveis podem contribuir para a construção de modelos energéticos mais resilientes, equitativos e compatíveis com os limites ecológicos do planeta, reafirmando seu papel estratégico no desenvolvimento sustentável contemporâneo.

3. METODOLOGIA

A presente pesquisa foi desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva, considerada a mais adequada para a análise crítica das fontes renováveis no contexto da matriz energética contemporânea. A escolha desse delineamento metodológico fundamenta-se na complexidade do objeto de estudo, que envolve dimensões técnicas, ambientais, econômicas, sociais e institucionais, impossíveis de serem plenamente apreendidas por métodos quantitativos isolados. Conforme argumentam Lakatos e Marconi, a pesquisa qualitativa possibilita compreender os fenômenos sociais em sua profundidade, valorizando o contexto, os significados e as relações estruturais que os constituem (LAKATOS; MARCONI, 2017, p. 269).

Do ponto de vista dos objetivos, a pesquisa caracteriza-se como exploratória por buscar ampliar e sistematizar o conhecimento sobre a incorporação das fontes renováveis à matriz energética, e descritiva por se dedicar à análise das características, desafios e implicações desse processo. Gil ressalta que pesquisas exploratórias são indicadas quando o tema exige maior familiaridade conceitual, enquanto as descritivas visam retratar e interpretar fenômenos sem interferência direta do pesquisador (GIL, 2019, p. 44), combinação que se mostra coerente com a proposta deste estudo.

Quanto aos procedimentos técnicos, adotaram-se a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental como estratégias centrais de coleta de dados. A pesquisa bibliográfica baseou-se na análise de livros, artigos científicos, teses, dissertações e relatórios técnicos publicados entre 2015 e 2025, além de obras clássicas fundamentais para a compreensão histórica e teórica da temática energética. Severino destaca que a pesquisa bibliográfica constitui o alicerce da produção científica, pois permite o diálogo crítico com o conhecimento já produzido (SEVERINO, 2016, p. 131), justificando sua centralidade no percurso investigativo. Incluiu-se também a análise de publicações recentes em sistemas elétricos de potência, microrredes e mobilidade elétrica, com destaque para contribuições de pesquisas desenvolvidas no âmbito de centros de excelência em energia, como o CEESP/UFSM.

A pesquisa documental concentrou-se na análise de legislações, políticas públicas, planos energéticos e documentos oficiais de organismos nacionais e internacionais relacionados às fontes renováveis e à matriz energética. Vergara afirma que a pesquisa documental é especialmente relevante quando o objeto envolve políticas públicas e processos institucionais, uma vez que utiliza materiais ainda não submetidos a tratamento analítico sistemático (VERGARA, 2016, p. 43). Esse procedimento possibilitou compreender o arcabouço normativo e institucional que orienta a expansão das fontes renováveis e a reorganização das matrizes energéticas. Complementarmente, foram analisados relatórios técnicos de projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em mobilidade elétrica e microrredes, que oferecem dados empíricos sobre desafios e oportunidades na integração de renováveis.

A análise dos dados ocorreu por meio de leitura exploratória, analítica e interpretativa dos materiais selecionados. Inicialmente, realizou-se uma leitura geral para identificação dos conceitos centrais e das abordagens predominantes. Em seguida, procedeu-se à leitura aprofundada, buscando relações, convergências e tensões entre os diferentes autores e documentos analisados. Por fim, os dados foram sistematizados em categorias analíticas que subsidiaram a construção de um corpo argumentativo coeso e crítico. Gil enfatiza que a análise qualitativa exige interpretação rigorosa e fundamentada, capaz de explicar o fenômeno à luz de referenciais teóricos consistentes (GIL, 2019, p. 96), princípio que orientou todas as etapas da investigação.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da pesquisa evidenciam que a ampliação da participação das fontes renováveis na matriz energética constitui tendência estrutural nos sistemas energéticos contemporâneos, impulsionada por fatores ambientais, econômicos e geopolíticos. A análise da literatura científica e dos documentos institucionais revela consenso quanto ao papel estratégico das renováveis na redução das emissões de gases de efeito estufa e na mitigação das mudanças climáticas. Relatórios recentes indicam que a expansão das fontes solar e eólica responde pela maior parcela do crescimento da oferta energética global, confirmando a centralidade dessas tecnologias na reconfiguração das matrizes energéticas. Estudos específicos demonstram que a integração de fontes renováveis em microrredes para recarga de veículos elétricos pode otimizar o uso de recursos, reduzir custos operacionais e minimizar impactos na rede de distribuição (DANIELSSON et al., 2025; PAIXÃO et al., 2025).

Observou-se que a diversificação da matriz energética por meio de fontes renováveis contribui para o aumento da segurança energética, ao reduzir a dependência de combustíveis fósseis sujeitos à volatilidade de preços e a riscos geopolíticos. Países que investiram de forma consistente na diversificação de suas matrizes apresentaram maior resiliência frente a crises energéticas recentes, evidenciando que a sustentabilidade da matriz não se restringe à dimensão ambiental, mas envolve estabilidade econômica e soberania energética. Nesse sentido, os resultados confirmam que a diversificação da matriz é elemento-chave para reduzir vulnerabilidades estruturais dos sistemas energéticos. A complementaridade entre fontes renováveis, armazenamento em baterias e gestão inteligente de energia em microrredes surge como estratégia promissora para aumentar a confiabilidade e a flexibilidade do sistema (PAIXÃO et al., 2023; SAUSEN et al., 2024).

No contexto brasileiro, os resultados indicam que a elevada participação de fontes renováveis na matriz energética representa vantagem comparativa relevante em relação à média mundial. Entretanto, a análise evidencia que essa condição não elimina desafios estruturais importantes, como a dependência histórica da energia hidráulica e a exposição do sistema a eventos climáticos extremos. A literatura analisada demonstra que períodos de escassez hídrica comprometeram a segurança do suprimento, exigindo o acionamento de fontes térmicas mais poluentes, o que evidencia a necessidade de diversificação tecnológica e fortalecimento da infraestrutura energética. Projetos de P&D têm explorado a implantação de microrredes com fontes eólicas, fotovoltaicas e armazenamento em rodovias, visando não apenas à mobilidade elétrica, mas também ao aumento da resiliência do sistema elétrico regional (DA PAIXÃO et al., 2022; DA PAIXÃO et al., 2023).

Outro resultado significativo refere-se às limitações institucionais e regulatórias que afetam a consolidação de matrizes energéticas sustentáveis. A pesquisa evidenciou que a expansão das fontes renováveis depende fortemente de políticas públicas estáveis, planejamento de longo prazo e marcos regulatórios coerentes. Contextos de instabilidade normativa e descontinuidade de políticas tendem a desestimular investimentos e comprometer a integração eficiente das renováveis à matriz energética. Esses achados corroboram análises que apontam a governança energética como fator determinante para o sucesso da transição da matriz. A regulamentação de tarifação dinâmica, a definição de padrões para interoperabilidade de carregadores e a criação de marcos para geração distribuída são exemplos de medidas necessárias para viabilizar projetos de microrredes e mobilidade elétrica em larga escala.

Do ponto de vista socioambiental, os resultados revelam que a expansão das fontes renováveis, embora apresente benefícios ambientais evidentes, pode gerar impactos territoriais e conflitos sociais quando implementada sem planejamento adequado e participação das comunidades locais. Projetos de grande escala, especialmente nos setores eólico, solar e de biomassa, têm provocado disputas relacionadas ao uso do solo, à distribuição dos benefícios econômicos e à preservação de modos de vida tradicionais. Esses achados reforçam a necessidade de incorporar princípios de justiça energética e planejamento territorial às políticas de expansão das renováveis. Iniciativas de extensão universitária e capacitação comunitária, como observado em projetos de formação de professores e atividades educativas, podem contribuir para maior engajamento social e distribuição equitativa dos benefícios da transição energética.

A discussão dos resultados também dialoga com contribuições teóricas clássicas que alertam para os limites do crescimento e do progresso técnico. A advertência de Jevons sobre o aumento do consumo total de recursos diante de ganhos tecnológicos mantém-se pertinente no contexto das renováveis, indicando o risco de que a expansão da matriz seja acompanhada por crescimento absoluto do consumo energético. Dessa forma, os resultados reforçam que a sustentabilidade da matriz energética não depende apenas da substituição de fontes, mas da articulação entre renováveis, eficiência energética e mudanças nos padrões de consumo. Tecnologias de gestão energética, como sistemas de otimização de despacho em microrredes e ferramentas de previsão de geração, podem auxiliar na racionalização do uso de energia, alinhando oferta e demanda de forma mais eficiente (DANIELSSON et al., 2025; PAIXÃO et al., 2025).

De modo geral, os resultados e a discussão confirmam que as fontes renováveis desempenham papel central na transformação da matriz energética, mas não constituem solução isolada para os desafios da sustentabilidade. A consolidação de matrizes energéticas sustentáveis exige abordagem sistêmica, que integre inovação tecnológica (como microrredes, armazenamento e veículos elétricos), governança institucional, planejamento territorial e inclusão social. Assim, a transição da matriz energética baseada em fontes renováveis apresenta elevado potencial transformador, desde que orientada por políticas públicas integradas, investimentos em P&D e comprometimento com os princípios do desenvolvimento sustentável.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada ao longo deste estudo permitiu compreender que as fontes renováveis ocupam papel estratégico e inadiável na reconfiguração da matriz energética contemporânea, constituindo elemento central para a promoção do desenvolvimento sustentável. A substituição progressiva das fontes fósseis por alternativas renováveis revela-se condição necessária para a mitigação das mudanças climáticas, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a preservação dos recursos naturais, especialmente diante dos limites ambientais impostos ao modelo energético tradicional. Entretanto, os resultados demonstram que a simples ampliação da participação das renováveis na matriz energética não é suficiente para garantir sustentabilidade, exigindo abordagens integradas, planejamento de longo prazo, inovação tecnológica em sistemas de gestão energética e governança institucional robusta.

Evidenciou-se que a diversificação da matriz energética por meio de fontes renováveis contribui significativamente para o fortalecimento da segurança energética, ao reduzir a dependência de recursos fósseis sujeitos à volatilidade de preços e a riscos geopolíticos. No entanto, essa diversificação impõe desafios técnicos e operacionais, sobretudo em razão da variabilidade e da intermitência de determinadas fontes, como a solar e a eólica. Tais desafios demandam investimentos contínuos em infraestrutura, armazenamento de energia, modernização das redes e aprimoramento dos mecanismos de gestão do sistema energético, de modo a assegurar confiabilidade e estabilidade ao suprimento. Soluções baseadas em microrredes, veículos elétricos e sistemas de controle inteligente representam avanços promissores para superar esses entraves, conforme demonstrado em pesquisas recentes em engenharia elétrica.

No contexto brasileiro, a pesquisa confirmou que a elevada participação de fontes renováveis na matriz energética representa uma vantagem comparativa relevante no cenário internacional, mas também evidenciou fragilidades estruturais associadas à dependência histórica da energia hidráulica e à vulnerabilidade climática. A recorrência de eventos extremos reforça a necessidade de diversificação tecnológica e fortalecimento da governança do setor energético, evitando a reprodução de riscos sistêmicos e garantindo sustentabilidade de longo prazo. Projetos de P&D focados em microrredes para recarga rápida em rodovias e integração de fontes distribuídas oferecem caminhos concretos para aumentar a resiliência e a eficiência do sistema elétrico nacional.

Outro aspecto central identificado diz respeito às implicações sociais da expansão das fontes renováveis. Embora amplamente associadas a benefícios ambientais, essas fontes podem gerar conflitos territoriais e desigualdades quando implantadas sem planejamento adequado e participação social. A incorporação dos princípios da justiça energética mostra-se indispensável para assegurar que os benefícios da transição da matriz energética sejam distribuídos de forma equitativa, evitando a reprodução de assimetrias históricas e fortalecendo a legitimidade das políticas públicas. Iniciativas educativas e de extensão com comunidades podem desempenhar papel importante na construção de uma transição energética mais inclusiva e democrática.

Conclui-se, portanto, que as fontes renováveis constituem elemento fundamental para a transformação da matriz energética, desde que integradas a estratégias sistêmicas que articulem inovação tecnológica (como microrredes, armazenamento e mobilidade elétrica), eficiência energética, governança institucional e inclusão social. A consolidação de matrizes energéticas sustentáveis exige decisões políticas consistentes, estabilidade regulatória, investimento em pesquisa e desenvolvimento e compromisso ético com as gerações presentes e futuras. Assim, a transição da matriz energética baseada em fontes renováveis afirma-se como projeto estratégico de desenvolvimento, capaz de responder aos desafios ambientais, econômicos e sociais do século XXI.

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1 Mestre em Engenharia Elétrica. Especialista em áreas da Educação e relacionadas à Engenharia Elétrica. Bacharel em Engenharia Elétrica, licenciado em Matemática, Física, Pedagogia e em Formação de professores para a EPT. Foi aluno de IC, atuou como professor na EBTT e participou de vários projetos de P&D. Atualmente, é pesquisador e doutorando em Engenharia Elétrica. E-mail: [email protected]

2 Doutora em Engenharia Elétrica. Professora titular da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. E-mail: [email protected]