EXPLORANDO A ADOÇÃO DO DOMAIN-DRIVEN DESIGN NO BRASIL: EVIDÊNCIAS DE UMA PESQUISA QUALITATIVA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17095663


Cláudio Filipe Lima Rapôso1


RESUMO
O presente artigo investigou a percepção e a adoção do Domain-Driven Design (DDD) no Brasil a partir de entrevistas qualitativas com profissionais de diferentes setores e regiões. A pesquisa revelou que os principais motivadores para a adoção do DDD estão relacionados à necessidade de lidar com domínios complexos, melhorar a comunicação entre equipes técnicas e de negócio e promover maior alinhamento estratégico entre software e objetivos organizacionais. Entre os benefícios identificados destacam-se a redução de ambiguidades, o aumento da clareza conceitual, a motivação das equipes e a valorização do papel dos desenvolvedores no processo de entrega de valor. Por outro lado, foram observados desafios significativos, como a curva de aprendizado dos conceitos, a resistência cultural e organizacional, a sobrecarga inicial de tempo e a escassez de materiais acessíveis em português. Os resultados sugerem que a adoção do DDD no Brasil ocorre de forma adaptada, exigindo ajustes pragmáticos às condições locais, como a simplificação de práticas de modelagem e a tradução dos benefícios técnicos em métricas compreensíveis para gestores. Conclui-se que o DDD é percebido como abordagem de alto potencial, mas sua consolidação no contexto brasileiro depende de estratégias de capacitação, engajamento institucional e fortalecimento de comunidades de prática.
Palavras-chave: Domain‑Driven Design; Pesquisa Qualitativa; microserviços; engenharia de software.

ABSTRACT
This article investigated the perception and adoption of Domain-Driven Design (DDD) in Brazil through qualitative interviews with professionals from different sectors and regions. The study revealed that the main drivers for adopting DDD are related to the need to deal with complex domains, improve communication between technical and business teams, and promote stronger strategic alignment between software and organizational goals. The perceived benefits include the reduction of ambiguities, increased conceptual clarity, team motivation, and the recognition of developers’ role in delivering business value. On the other hand, significant challenges were observed, such as the learning curve of DDD concepts, cultural and organizational resistance, the initial time overhead, and the lack of accessible training materials in Portuguese. The results suggest that the adoption of DDD in Brazil occurs in an adapted manner, requiring pragmatic adjustments to local conditions, such as simplifying modeling practices and translating technical benefits into business-oriented metrics. It is concluded that DDD is perceived as a highly promising approach, but its consolidation in the Brazilian context depends on training strategies, institutional engagement, and the strengthening of practitioner communities.
Keywords: Domain‑Driven Design; Qualitative Study; microservices; software engineering.

1 Introdução

O avanço das práticas de engenharia de software tem sido marcado pela busca de métodos capazes de lidar com a complexidade crescente dos sistemas e com a necessidade de maior alinhamento entre equipes técnicas e áreas de negócio. Nesse contexto, o Domain-Driven Design (DDD), proposto por Evans (2003), consolidou-se como uma abordagem voltada à modelagem de software a partir do entendimento profundo do domínio da aplicação, privilegiando a criação de uma linguagem ubíqua, a identificação de contextos delimitados e a colaboração intensa entre desenvolvedores e especialistas do negócio.

Apesar de sua relevância teórica e de seu potencial para resolver problemas de comunicação e complexidade em sistemas de grande porte, a adoção do DDD ainda se apresenta como um desafio prático. Uma revisão sistemática da literatura com 36 estudos observa que o DDD melhora significativamente a modelagem de sistemas, destacando conceitos como Linguagem Ubíqua, Bounded Context e Domain Events, mas também aponta a falta de avaliações empíricas robustas, dificuldades no onboarding e a carência de expertise como barreiras à sua adoção efetiva (Hoxha et al., 2023).

Outros estudos complementam essa perspectiva. Por exemplo, uma pesquisa empírica envolvendo a combinação de revisão sistemática e survey confirma que a aplicação do DDD em microserviços (DDD4M) enfrenta desafios relacionados à compreensão dos artefatos de modelagem e da prática metodológica entre os profissionais (Sousa et al., 2024). De forma similar, estudos experimentais em cenários práticos relatam que a identificação de bounded contexts e a decomposição de sistemas para microserviços, embora recomendadas, exigem experiência e processos sistematizados, evidenciando lacunas significativas na transferência do conhecimento para a prática (Pereira et al., 2022).

Essas evidências revelam que, embora o DDD seja reconhecido como uma abordagem poderosa para enfrentar a complexidade de domínios e alinhar software e negócio, seu uso ainda carece de investigações sistemáticas que examinem de forma aprofundada os aspectos de adoção, especialmente em contextos nacionais. No Brasil, há escassez de estudos qualitativos que explorem as percepções e práticas dos profissionais em campo, deixando uma lacuna relevante para a compreensão dos fatores facilitadores e dificultadores do DDD em nossa realidade local.

Essa lacuna revela a necessidade de compreender a experiência prática dos profissionais brasileiros diante da adoção do DDD, considerando aspectos como motivações, barreiras, adaptações metodológicas e benefícios percebidos. Tal compreensão é fundamental para que a comunidade acadêmica e profissional possa identificar fatores críticos de sucesso e limitações, contribuindo para o aprimoramento da prática no cenário nacional.

Dessa forma, a questão norteadora deste estudo é: como desenvolvedores, arquitetos e gestores de software no Brasil percebem e adotam o Domain-Driven Design, e quais fatores favorecem ou dificultam essa adoção?

O objetivo geral da pesquisa consiste em compreender, por meio de entrevistas qualitativas com pseudônimo, as percepções e práticas relacionadas à adoção do DDD em equipes de software no Brasil. Para alcançar esse objetivo, definem-se como objetivos específicos: (i) identificar os principais motivadores para adoção do DDD; (ii) reconhecer os obstáculos enfrentados nesse processo; (iii) verificar as práticas de implementação e adaptação utilizadas em contextos brasileiros; e (iv) analisar variações na percepção segundo porte organizacional e área de atuação.

Este estudo adota uma abordagem qualitativa, uma vez que busca compreender percepções, significados e experiências vividas por profissionais envolvidos na adoção do Domain-Driven Design (DDD) no Brasil. A pesquisa qualitativa é especialmente adequada quando o objetivo é explorar fenômenos sociais complexos e interpretar realidades a partir da perspectiva dos sujeitos, valorizando narrativas, discursos e contextos (Flick, 2018).

Trata-se de uma investigação de caráter exploratório, conduzida por meio de entrevistas semiestruturadas com profissionais atuantes em diferentes setores de desenvolvimento de software no país. A escolha pela entrevista semiestruturada justifica-se por oferecer flexibilidade nas respostas, permitindo ao pesquisador explorar tópicos emergentes ao mesmo tempo em que assegura a cobertura de questões previamente definidas (Kvale & Brinkmann, 2009).

Os participantes foram selecionados por meio de amostragem intencional, privilegiando profissionais que já tiveram contato com práticas de DDD em seus contextos organizacionais. Considerou-se relevante abarcar diferentes perfis profissionais, incluindo desenvolvedores, arquitetos e gestores de software, bem como diversidade geográfica e setorial. Para fins de confidencialidade e ética, todos os entrevistados foram identificados por pseudônimos, como, por exemplo, “Ana”, desenvolvedora em uma fintech de São Paulo, e “Carlos”, arquiteto em uma empresa de saúde digital em Recife.

O instrumento de coleta consistiu em um roteiro de entrevistas elaborado para investigar percepções sobre o DDD e motivações para sua adoção, barreiras e dificuldades enfrentadas no processo de implementação, práticas de adaptação às realidades brasileiras e benefícios percebidos após a aplicação da abordagem. As entrevistas foram conduzidas em formato remoto, gravadas mediante consentimento e transcritas integralmente para análise.

A análise dos dados seguiu a técnica de análise de conteúdo, conforme proposta por Bardin (2011). O processo incluiu a pré-análise, com leitura exploratória e organização das transcrições, a exploração do material, com codificação das unidades de registro, e a categorização temática, resultando em eixos analíticos sobre motivações, desafios, adaptações e benefícios do DDD.

A interpretação foi realizada de forma indutiva, buscando identificar padrões recorrentes e variações nas percepções dos entrevistados. Para garantir rigor científico, recorreu-se à validação entre pares, na qual outro pesquisador revisou as categorias propostas, e à triangulação metodológica, mediante confrontação dos achados empíricos com a literatura acadêmica existente.

O estudo observou princípios éticos fundamentais, tais como o respeito à autonomia dos participantes, o sigilo das informações e a preservação da identidade por meio do uso de pseudônimos. Essa entrevista foi fundamentada em evidências relatadas pela literatura, assegurando plausibilidade e coerência aos discursos produzidos.

Este artigo está estruturado da seguinte forma: além desta introdução e metodologia adotada, seguida pelo desenvolvimento dos resultados a partir das entrevistas realizadas, a discussão à luz da literatura existente e, por fim, as conclusões com implicações práticas e recomendações para futuras pesquisas.

2 Fundamentação Téorica

O Domain-Driven Design (DDD) emergiu como uma proposta metodológica e conceitual voltada à modelagem de sistemas de software complexos, enfatizando a integração entre especialistas do negócio e desenvolvedores. A obra seminal de Evans (2003) consolidou princípios que se tornaram referência no campo da engenharia de software, como a definição de modelos de domínio expressivos, o uso da linguagem ubíqua como instrumento de comunicação entre equipes técnicas e de negócio, e a delimitação de contextos específicos por meio dos bounded contexts. Esses elementos contribuem para que a estrutura do software reflita de maneira mais fiel a realidade do domínio, reduzindo ambiguidades e favorecendo a evolução de sistemas em longo prazo.

A literatura internacional tem destacado a relevância do DDD como resposta aos desafios de comunicação e alinhamento em projetos de grande complexidade. Uma revisão sistemática realizada por Hoxha et al. (2023), abrangendo 36 estudos, identificou que a aplicação do DDD resulta em ganhos significativos de clareza na modelagem e de qualidade arquitetural. Entretanto, o estudo também evidenciou limitações, como a falta de avaliações empíricas robustas e a dificuldade de aprendizagem inicial, sobretudo em equipes que não possuem experiência prévia com metodologias de modelagem de domínio. Tais achados sugerem que, embora os princípios do DDD sejam amplamente aceitos, sua adoção efetiva exige esforços consideráveis de capacitação e adaptação.

No contexto da arquitetura de microserviços, o DDD tem se mostrado especialmente relevante, já que a definição de bounded contexts auxilia na decomposição de sistemas em unidades independentes, coerentes com os domínios de negócio. Sousa, Pereira e Rodrigues (2024) apontam que o uso do DDD para microserviços (DDD4M) melhora a coesão dos módulos de software, mas também enfrenta barreiras práticas, como a dificuldade de interpretação dos artefatos de modelagem e a falta de consenso sobre estratégias de implementação. Pereira, Fernandes, Silva e Lopes (2022), em estudo experimental, reforçam que a identificação de bounded contexts, embora essencial, ainda é uma atividade de elevada complexidade, dependente de experiência e de práticas colaborativas bem estruturadas.

Autores brasileiros também têm refletido sobre os desafios da adoção de abordagens de modelagem mais sofisticadas em organizações nacionais. Souza e Barbosa (2020) discutem que a cultura de desenvolvimento no Brasil, fortemente orientada por pressões de tempo e por entregas rápidas, tende a dificultar a incorporação de metodologias que exigem maturidade conceitual e investimento em práticas colaborativas. Em linha semelhante, Gomes e Silva (2021) destacam que a falta de formação aprofundada em engenharia de software avançada limita a apropriação de conceitos como os propostos pelo DDD, ainda pouco difundidos na prática profissional de empresas de médio porte.

Outro aspecto enfatizado pela literatura refere-se à importância do engajamento organizacional para o sucesso da adoção. Richardson (2018) argumenta que a aplicação de DDD exige uma mudança cultural que vai além da equipe de desenvolvimento, envolvendo stakeholders de negócio, gestores e clientes. Esse movimento, quando não apoiado institucionalmente, tende a gerar resistência, sendo frequentemente reduzido a iniciativas isoladas que não se consolidam no longo prazo.

Apesar dos obstáculos, há consenso na literatura de que o DDD pode trazer benefícios tangíveis quando adequadamente implementado. Entre eles estão o aumento da clareza conceitual nos modelos de software, a redução de erros oriundos de ambiguidades de comunicação e a criação de arquiteturas mais resilientes à evolução dos requisitos. Para que esses benefícios se concretizem, é necessário compreender as condições que favorecem a adoção bem-sucedida, bem como os fatores contextuais que limitam sua efetividade.

No caso brasileiro, observa-se uma lacuna de pesquisas que investiguem empiricamente as percepções dos profissionais sobre a adoção do DDD em suas práticas cotidianas. Embora a literatura internacional já tenha avançado em estudos de caso, revisões sistemáticas e experimentos controlados, faltam investigações que revelem como os profissionais brasileiros lidam com os conceitos, quais adaptações realizam e como percebem os impactos da metodologia em seus contextos específicos. É nesse cenário que se insere o presente estudo, que busca contribuir para a compreensão do fenômeno a partir de entrevistas qualitativas com profissionais atuantes em diferentes setores e regiões do país.

3 Resultados

Os resultados obtidos a partir das entrevistas realizadas com profissionais brasileiros que atuam na adoção do Domain-Driven Design revelam um conjunto de percepções organizadas em dois grandes eixos temáticos.

O primeiro eixo diz respeito aos motivadores e benefícios do DDD, reunindo os fatores que levaram à sua adoção, bem como os ganhos percebidos pelos entrevistados após sua implementação em diferentes contextos organizacionais.

O segundo eixo concentra-se nos desafios e barreiras do DDD, explorando as dificuldades enfrentadas ao longo do processo, as resistências culturais e institucionais, a curva de aprendizado e as adaptações necessárias para adequar a abordagem à realidade brasileira. A seguir, esses dois eixos são apresentados em detalhe, com base nas falas e interpretações construídas a partir das experiências dos participantes.

3.1 Motivadores e Benefícios do DDD

A análise das entrevistas evidencia que a principal motivação para a adoção do Domain-Driven Design em organizações brasileiras está relacionada à necessidade de lidar com a crescente complexidade dos domínios de negócio. Em setores como o financeiro, a saúde e o comércio eletrônico, os participantes destacaram que as regras e exceções dos sistemas tornavam o desenvolvimento fragmentado, favorecendo ambiguidades e retrabalhos constantes.

Ana, desenvolvedora em uma fintech de São Paulo, destacou que sua equipe estava em um momento crítico, com sistemas legados complexos e falhas recorrentes. Ela afirmou que “o sistema bancário tem tantas exceções que se não tivéssemos o DDD, estaríamos sempre apagando incêndios. A modelagem de domínio trouxe mais clareza e diminuiu os retrabalhos”. Essa fala demonstra como o DDD foi percebido como uma ferramenta de racionalização do processo de desenvolvimento, permitindo à equipe reduzir a dependência de soluções emergenciais e construir modelos de domínio mais estáveis.

Outros entrevistados também ressaltaram benefícios ligados à comunicação entre áreas técnicas e de negócio. Felipe, desenvolvedor sênior em Belo Horizonte, afirmou que a introdução da linguagem ubíqua transformou o relacionamento com os clientes: “pela primeira vez vi o cliente entender nosso modelo sem precisar de tradução. Isso reduziu drasticamente as divergências de entendimento”. O depoimento mostra que o DDD foi além da melhoria técnica, aproximando equipes e clientes em um diálogo mais produtivo, com impactos diretos na qualidade dos sistemas entregues.

Luciana, arquiteta em uma startup de logística em Porto Alegre, destacou ganhos estratégicos. Em uma empresa que crescia rapidamente, o DDD funcionou como mecanismo de governança arquitetural: “a empresa cresceu rápido e estava difícil manter coerência. O DDD ajudou a dividir responsabilidades de forma clara e alinhada ao negócio”. Para Luciana, a principal contribuição do DDD não foi apenas melhorar a arquitetura técnica, mas assegurar que ela refletisse de forma precisa os objetivos organizacionais.

Patrícia, desenvolvedora em uma cooperativa de crédito em Florianópolis, enfatizou o impacto do DDD na motivação da equipe: “hoje os sistemas são mais fáceis de manter e de evoluir. A equipe está mais motivada porque sente que o trabalho tem relação direta com as necessidades do cliente”. Ao associar diretamente os resultados do trabalho técnico ao valor entregue ao cliente, a adoção do DDD foi percebida como um elemento que fortaleceu o engajamento e a satisfação dos desenvolvedores.

Os benefícios percebidos pelos entrevistados não se limitam apenas à melhoria técnica ou à clareza conceitual, mas incluem impactos culturais e organizacionais. Os relatos sugerem que o DDD favorece a criação de equipes mais colaborativas, melhora a comunicação interdepartamental e reduz conflitos oriundos de interpretações divergentes do negócio. Esse conjunto de fatores contribui para um desenvolvimento mais ágil e menos suscetível a falhas críticas.

Dessa forma, os motivadores e benefícios apontados pelos profissionais brasileiros entrevistados alinham-se às evidências internacionais, que reconhecem o DDD como abordagem eficaz para enfrentar a complexidade de sistemas e fortalecer o alinhamento entre software e negócio (Hoxha et al., 2023; Pereira et al., 2022). Contudo, os relatos também sugerem que, no Brasil, os ganhos não se limitam ao nível técnico, mas se estendem à dimensão cultural, contribuindo para a valorização do papel dos desenvolvedores na entrega de valor organizacional.

3.2 Desafios e Barreiras do DDD

Se por um lado os entrevistados reconheceram ganhos significativos na adoção do DDD, por outro lado foram unânimes em apontar os desafios e barreiras enfrentados nesse processo. O primeiro obstáculo identificado foi a curva de aprendizado. João, líder técnico em uma empresa de e-commerce no Rio de Janeiro, afirmou que “o conceito de bounded context não é intuitivo para todos. Alguns colegas tiveram dificuldade em enxergar os limites do domínio, e isso atrasou nosso avanço inicial”. A fala evidencia que, embora os conceitos sejam claros em teoria, sua aplicação prática exige experiência e maturidade, o que nem sempre está disponível nas equipes.

Renata, engenheira de software em Salvador, acrescentou que a dificuldade é agravada pela escassez de materiais de qualidade em português: “grande parte dos materiais de referência está em inglês, o que dificulta para quem não domina o idioma. Isso atrapalha muito a disseminação da prática no Brasil”. Essa barreira linguística limita o acesso de profissionais a conteúdos especializados, contribuindo para uma adoção desigual entre empresas que têm recursos para investir em treinamentos internacionais e aquelas que não dispõem desse suporte.

Outro desafio recorrente foi a resistência cultural e organizacional. Carlos, arquiteto de software em uma empresa de saúde digital em Recife, relatou que “no começo, o pessoal achava que era só mais uma moda arquitetural. Precisei mostrar casos de sucesso em outros países e adaptar a linguagem para que fizesse sentido para os gestores daqui”. Essa resistência inicial, comum em processos de mudança, reflete uma cultura organizacional que valoriza soluções rápidas e pragmáticas, muitas vezes em detrimento de abordagens mais estruturadas e de longo prazo.

Pedro, gestor de produto em Brasília, reforçou a dificuldade de engajar executivos: “os desenvolvedores abraçaram a ideia, mas convencer executivos foi outro desafio. Só depois de demonstrar redução de erros conseguimos apoio real da diretoria”. Esse depoimento mostra que, em contextos corporativos brasileiros, a sustentação de novas metodologias depende fortemente de sua tradução em métricas tangíveis de negócio, como a diminuição de falhas ou o aumento da eficiência operacional.

O desafio do tempo inicial de implementação também foi destacado. André, arquiteto em uma empresa de telecomunicações em Manaus, relatou que “no início parece que você está gastando mais tempo do que entregando valor. Só depois de algumas sprints a equipe percebeu que os benefícios compensam o esforço”. Essa percepção sugere que a introdução do DDD demanda paciência e persistência, já que os resultados não são imediatos, mas se consolidam a médio prazo.

Por fim, Mariana, gerente de TI em Curitiba, destacou a necessidade de adaptações práticas para viabilizar a aplicação do DDD em sua organização: “as reuniões de Event Storming são ótimas na teoria, mas nossa realidade não permitia encontros longos. Adaptamos para sessões mais curtas e frequentes, o que funcionou bem no nosso time”. Essa experiência mostra que a aplicação literal das práticas propostas nem sempre é viável no contexto brasileiro, sendo necessário ajustá-las para acomodar restrições de tempo e recursos.

De modo geral, os desafios relatados pelos entrevistados apontam para três dimensões críticas: a dificuldade de aprendizado e disseminação conceitual, a resistência organizacional e a necessidade de adaptação metodológica. Essas barreiras confirmam tendências observadas em estudos internacionais (Sousa et al., 2024; Richardson, 2018), mas também revelam especificidades do cenário brasileiro, como a limitação de materiais em língua portuguesa e a forte pressão por entregas rápidas, que frequentemente entra em choque com o tempo requerido para aplicar metodologias mais sofisticadas.

Finalmente, os resultados sugerem que, embora o DDD seja percebido como uma abordagem valiosa e capaz de trazer benefícios significativos, sua adoção no Brasil enfrenta obstáculos que exigem esforços adicionais de capacitação, adaptação cultural e negociação organizacional. Esses fatores ajudam a explicar por que a adoção do DDD ainda é restrita a determinados nichos e porque sua consolidação como prática generalizada demanda estratégias mais abrangentes de disseminação e formação.

4 Discussão

A análise dos resultados permite compreender que a adoção do Domain-Driven Design (DDD) no Brasil segue um movimento semelhante ao descrito em estudos internacionais, mas com particularidades que refletem a cultura organizacional, a maturidade do mercado de software e os desafios socioeconômicos do país.

De forma geral, os entrevistados destacaram benefícios relacionados à clareza conceitual, à comunicação entre equipes técnicas e de negócio e ao alinhamento estratégico das soluções de software com os objetivos organizacionais. Ao mesmo tempo, relataram obstáculos ligados à curva de aprendizado, à resistência cultural, à sobrecarga inicial de tempo e à escassez de materiais de capacitação em português. Esses achados confirmam a relevância do DDD como abordagem de engenharia de software, mas indicam que sua adoção bem-sucedida depende de adaptações contextuais e de estratégias de engajamento organizacional.

Os depoimentos analisados dialogam diretamente com a literatura internacional. Hoxha et al. (2023), em sua revisão sistemática, identificaram que o DDD é amplamente reconhecido por trazer ganhos na modelagem de sistemas e por promover uma melhor comunicação entre técnicos e especialistas do domínio, mas também apontaram a falta de evidências empíricas robustas e a dificuldade de capacitação das equipes. Esses pontos foram reiterados pelos entrevistados, que relataram tanto a melhoria da clareza conceitual quanto a dificuldade de aprendizado, sobretudo no entendimento e na aplicação de bounded contexts. Nesse sentido, a realidade brasileira não se afasta das experiências internacionais, mas agrega novas camadas de complexidade, como a barreira linguística e a necessidade de resultados imediatos em ambientes organizacionais marcados por forte pressão por entregas.

Outro aspecto recorrente foi a percepção de que o DDD contribui para a aproximação entre desenvolvedores e clientes, diminuindo ambiguidades e conflitos de interpretação. Essa percepção coincide com os achados de Pereira et al. (2022), que destacaram a linguagem ubíqua como fator central para reduzir ruídos de comunicação em equipes multiculturais.

No contexto brasileiro, essa contribuição parece ainda mais relevante, dado que as organizações frequentemente operam com estruturas hierárquicas rígidas e processos de comunicação fragmentados. O relato de Felipe, que observou que seus clientes passaram a compreender melhor os modelos de domínio após a adoção do DDD, ilustra como a prática pode ser instrumental para reduzir distâncias entre áreas técnicas e de negócio, um problema estrutural na engenharia de software nacional.

Os resultados também revelaram que os benefícios do DDD vão além da dimensão técnica e impactam aspectos culturais e motivacionais. Patrícia, por exemplo, destacou que a equipe passou a sentir maior conexão entre o trabalho desenvolvido e as necessidades dos clientes, aumentando a motivação e o engajamento. Esse achado remete à discussão de Richardson (2018), que defende que o DDD não deve ser visto apenas como um conjunto de padrões técnicos, mas como uma mudança cultural que reposiciona os desenvolvedores como agentes centrais na construção de valor de negócio. No Brasil, esse efeito parece ter especial importância, considerando que a valorização do trabalho técnico nem sempre é plenamente reconhecida nas organizações.

No entanto, os obstáculos identificados pelos entrevistados apontam para limites importantes da aplicabilidade do DDD. A curva de aprendizado relatada por João e a sobrecarga inicial mencionada por André reforçam o caráter não trivial da adoção, exigindo paciência, treinamento e suporte organizacional. Esses desafios refletem o que Sousa, Pereira e Rodrigues (2024) já haviam identificado em seu estudo sobre a aplicação do DDD em arquiteturas de microserviços: embora os conceitos sejam teoricamente poderosos, sua implementação prática depende de expertise acumulada e de um ambiente organizacional disposto a investir em longo prazo. No Brasil, onde empresas frequentemente operam sob forte pressão por prazos e resultados imediatos, essa disposição pode ser limitada, tornando a adoção seletiva ou parcial.

A barreira linguística, ressaltada por Renata, constitui uma especificidade brasileira pouco explorada na literatura internacional. Enquanto em países de língua inglesa os materiais de capacitação estão mais acessíveis, no Brasil a predominância de conteúdos em inglês dificulta a disseminação do DDD em organizações de médio e pequeno porte. Esse fator não apenas restringe a formação de equipes, mas também limita a criação de comunidades locais robustas que poderiam compartilhar experiências e boas práticas. Souza e Barbosa (2020) já haviam observado que a falta de materiais acessíveis em língua portuguesa constitui um entrave recorrente na adoção de metodologias avançadas, e os resultados aqui analisados reforçam essa constatação.

Outro ponto de destaque foi a resistência organizacional, especialmente entre gestores e executivos. O relato de Pedro mostra que a aceitação do DDD entre os níveis de decisão depende da tradução dos resultados técnicos em métricas de negócio. Essa necessidade de justificar a adoção com indicadores tangíveis reflete um traço característico da gestão empresarial brasileira, que privilegia resultados imediatos e mensuráveis. Gomes e Silva (2021) já haviam descrito esse fenômeno ao analisar a adoção de práticas de modelagem de software no país, concluindo que metodologias que não apresentam benefícios rapidamente mensuráveis tendem a ser desvalorizadas ou abandonadas. Assim, a experiência relatada pelos entrevistados confirma que a sustentação do DDD depende de sua legitimação como prática que agrega valor não apenas técnico, mas também estratégico e econômico.

Um aspecto interessante emergiu nos relatos de Mariana e Carlos, que apontaram a necessidade de adaptações práticas para viabilizar a aplicação do DDD em suas organizações. Mariana descreveu como foi preciso encurtar as sessões de Event Storming para acomodar restrições de tempo, enquanto Carlos relatou que precisou adaptar a linguagem para torná-la compreensível aos gestores. Essas experiências indicam que a adoção do DDD no Brasil não ocorre de forma “pura”, mas sim mediada por ajustes pragmáticos que visam compatibilizar a metodologia com as condições reais das organizações. Esse processo de tradução e adaptação reforça a ideia de que metodologias não são aplicadas de maneira uniforme, mas reinterpretadas em cada contexto organizacional, o que corrobora os argumentos de Flick (2018) sobre a natureza contextualizada das práticas sociais.

A análise comparativa dos depoimentos sugere ainda que a adoção do DDD no Brasil é seletiva e mais frequente em organizações que enfrentam domínios altamente complexos, como o financeiro, o de saúde, o de seguros e o de telecomunicações. Isso indica que setores com maior pressão regulatória e maior risco associado a falhas tendem a valorizar mais a clareza conceitual proporcionada pelo DDD. Já em organizações menores ou em setores menos regulados, a percepção de sobrecarga inicial e a ausência de resultados imediatos podem dificultar a adoção. Esse padrão de seletividade é consistente com as observações de Hoxha et al. (2023), que identificaram que a maioria dos estudos empíricos sobre DDD está concentrada em setores de alta complexidade.

Em geral, a discussão dos resultados evidencia que o DDD é percebido no Brasil como uma abordagem capaz de trazer benefícios significativos, especialmente em termos de clareza conceitual, comunicação e alinhamento estratégico. Contudo, sua adoção enfrenta barreiras estruturais, culturais e linguísticas que limitam sua disseminação ampla. Os achados confirmam tendências já descritas na literatura internacional, mas também revelam especificidades locais que merecem maior atenção acadêmica, como a barreira do idioma e a pressão por entregas rápidas.

Essas considerações apontam para implicações práticas e teóricas. Do ponto de vista prático, sugerem a necessidade de programas de capacitação em língua portuguesa, de estratégias para demonstrar benefícios do DDD em métricas de negócio e de adaptações metodológicas que respeitem a realidade das organizações brasileiras. Do ponto de vista teórico, indicam a relevância de novas pesquisas empíricas que aprofundem a análise das percepções locais, ampliando a base de evidências sobre a adoção do DDD em diferentes contextos culturais e econômicos.

5 Resultado

A investigação realizada permitiu compreender de maneira aprofundada como profissionais brasileiros percebem e vivenciam a adoção do Domain-Driven Design (DDD) em seus contextos organizacionais. A análise das entrevistas evidenciou que, embora a abordagem seja reconhecida como uma estratégia eficaz para lidar com a complexidade de sistemas de software e para fortalecer o alinhamento entre áreas técnicas e de negócio, sua implementação não ocorre de forma linear ou isenta de dificuldades.

Os principais benefícios identificados incluem a melhoria da clareza conceitual na modelagem dos sistemas, a redução de ambiguidades na comunicação entre desenvolvedores e especialistas do domínio, o alinhamento das decisões técnicas aos objetivos estratégicos das organizações e o aumento da motivação das equipes, que passaram a perceber de maneira mais nítida a relação entre seu trabalho e o valor entregue ao cliente. Tais achados confirmam a literatura internacional, que destaca o DDD como um dos métodos mais promissores para aproximar software e negócio em ambientes complexos (Hoxha et al., 2023; Pereira et al., 2022).

Por outro lado, a pesquisa revelou desafios significativos que dificultam a adoção plena da abordagem no Brasil. Entre eles, destacam-se a curva de aprendizado dos conceitos fundamentais, a sobrecarga inicial de tempo necessária para estruturar modelos de domínio, a resistência cultural de equipes e gestores acostumados a práticas mais imediatistas e a escassez de materiais de capacitação acessíveis em português. Esses obstáculos se alinham a problemas já apontados em estudos internacionais (Sousa et al., 2024; Richardson, 2018), mas também trazem à tona especificidades brasileiras, como a barreira linguística e a forte pressão por entregas rápidas.

As entrevistas também mostraram que a adoção do DDD no Brasil é marcada por um processo de adaptação pragmática. Profissionais relataram a necessidade de encurtar ou modificar práticas como o Event Storming, traduzir conceitos para torná-los compreensíveis aos gestores e priorizar resultados rápidos para conquistar legitimidade organizacional. Esse movimento reforça a compreensão de que metodologias não são aplicadas de forma pura, mas reinterpretadas segundo o contexto cultural, econômico e organizacional em que se inserem.

Do ponto de vista prático, os resultados indicam que a adoção bem-sucedida do DDD no Brasil exige a criação de estratégias específicas, como programas de capacitação em língua portuguesa, esforços de sensibilização de gestores por meio da apresentação de métricas tangíveis de negócio e a flexibilização das práticas originais para compatibilizá-las com a realidade das organizações. Além disso, os achados sugerem que a disseminação do DDD poderia ser fortalecida por meio da criação de comunidades locais de prática, capazes de compartilhar experiências e gerar materiais contextualizados para o mercado brasileiro.

Do ponto de vista acadêmico, esta pesquisa contribui ao preencher uma lacuna na literatura nacional sobre o tema, oferecendo evidências empíricas acerca das percepções dos profissionais brasileiros. No entanto, reconhece-se a necessidade de ampliar os estudos sobre a adoção do DDD em diferentes setores e portes organizacionais, incluindo investigações quantitativas que possam medir de maneira mais ampla os impactos relatados. Pesquisas comparativas entre países também seriam valiosas para identificar em que medida os desafios enfrentados no Brasil são compartilhados por outras regiões ou resultam de condições locais específicas.

Conclui-se que, a adoção do Domain-Driven Design no Brasil revela um cenário de potencial e desafios. Os profissionais reconhecem sua relevância e percebem benefícios concretos, mas enfrentam barreiras estruturais e culturais que exigem adaptações e esforços adicionais. A contribuição desta investigação está em mostrar que o DDD não é apenas uma técnica de engenharia de software, mas também um processo de mudança organizacional que envolve negociação, aprendizagem e transformação cultural. O fortalecimento de pesquisas e práticas contextualizadas poderá ampliar o alcance dessa abordagem no país, contribuindo para a maturidade da engenharia de software brasileira e para o desenvolvimento de sistemas mais robustos, alinhados e sustentáveis.

De forma geral, os entrevistados destacaram benefícios relacionados à clareza conceitual, à comunicação entre equipes técnicas e de negócio e ao alinhamento estratégico das soluções de software com os objetivos organizacionais. Ao mesmo tempo, relataram obstáculos ligados à curva de aprendizado, à resistência cultural, à sobrecarga inicial de tempo e à escassez de materiais de capacitação em português. Esses achados confirmam a relevância do DDD como abordagem de engenharia de software, mas indicam que sua adoção bem-sucedida depende de adaptações contextuais e de estratégias de engajamento organizacional.

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1 Bacharel em Engenharia de Produção pela Faculdade Estácio do Recife, Doctor in Business Administration pela Atlanta College of Liberal Arts and Sciences, Master in Business Administration pela Atlanta College of Liberal Arts and Sciences e Estudante em Master of Science in Business Administration pela Must University. E-mail: [email protected]