ENFRENTAMENTO DA EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO NOTURNO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10346100
Rosália Rodrigues Fernandes Lobo¹
1. INTRODUÇÃO
Os alunos matriculados no ensino médio encontram-se normalmente no início da puberdade, faixa etária onde ocorre uma competição de interesses na vida humana. Se o ingresso à escola for tardio, o que é comum nas classes sociais menos favorecidas, em especial nos estudantes noturnos, o aluno estará no ponto mais complexo da adolescência, em torno dos 14 a 18 anos (PIAGET, 1990). Nessa idade, um importante processo de mudanças físicas, fisiológicas, mentais e sociais ocorrem com a pessoa, que abandona a infância e prepara-se para a vida adulta (MARTINS, 2011).
As mudanças são tão profundas que ocorrem fenômenos de luto pela perda do corpo infantil, crise de identidade, uma vez que a pessoa não é mais criança, mas ainda não é um adulto, anseio pela autoafirmação e pela identificação de seu papel como pessoa, exploração de um mundo completamente desconhecido (OLIVEIRA, 1995). Mentalmente a pessoa parece estar preparada para a vida adulta, mas falta-lhe idade para exercer a autonomia. Processos fisiológicos preparam o corpo para a reprodução, e a sexualidade aflora em um corpo que ainda não a entende e não a domina (MAURO, 2006).
A tentativa de autoafirmação acaba desencadeando comportamentos de rebeldia, rejeição da autoridade, projeção da imagem do pai no professor e outros profissionais da escola, afeição a conflitos, disputas de poder entre os adolescentes e tentativa de impressionar uns aos outros pela exibição de força, aparência física e demonstração de coragem (XAVIER, 2013). Em muitos casos, isso resulta na formação de grupos que disputam recursos e território, podendo envolver o uso de álcool e outras drogas, prostituição e pequenos delitos (MAURO, 2006).
A escola precisa lidar com todos esses conflitos, típicos da idade dos alunos, e cumprir seu papel educador. Ajustar os interesses da escola à motivação desses alunos é um desafio considerável, nem sempre bem-sucedido. Por isso, é comum que após as primeiras séries da educação fundamental o aluno abandone a escola em busca de aventuras, trabalho, romance, dentre outras motivações (ALMEIDA, 2017).
Torna-se relevante analisar as características dessa faixa etária a partir de autores que discutem o problema à luz da psicologia, pedagogia, sociologia e outras ciências. Feito isso, associar a evasão escolar à faixa etária, tendo como ponto de referência o projeto políticopedagógico de uma escola e as estratégias de ensino adotadas. Identificar estratégias para vincular a proposta da escola aos interesses típicos dessa faixa etária (MATOS, 2017).
Quais as causas da evasão escolar no ensino médio? Presume-se que a evasão seja causada pelos conflitos de interesses aos quais o aluno de ensino médio se submete em função de sua idade. Ao avaliar a relação de custo oportunidade entre estudar e trabalhar, prevalece o interesse pelo trabalho, que é uma necessidade típica dos alunos de ensino médio que estudam à noite. Outras hipóteses são o envolvimento social, sexual ou formação precoce de família que acabam por inviabilizar a permanência na escola. Há ainda a problemática da violência urbana e o envolvimento com álcool e outras drogas que acabam afastando o aluno da escola (ALMEIDA, 2017; VYGOTSKY, 1998).
O objetivo geral é identificar as principais causas da evasão escolar no ensino médio e possíveis estratégias de enfrentamento. A pesquisa busca também descrever o perfil dos alunos do ensino médio considerando a faixa etária, bem como identificar os fatores de competição entre os interesses dos alunos e a escola além de apontar estratégias para associar o ensino à motivação desses alunos (LAKATOS, 2005).
Buscou-se identificar o perfil dos alunos que frequentam o ensino médio. Para isso, foi realizada pesquisa bibliográfica documental (GIL, 1996) a partir de livros, revistas, jornais, artigos acadêmicos e outras publicações com a finalidade de identificar os fatores relatados na bibliografia que levam os alunos à evasão escolar. Essa pesquisa bibliográfica aponta as motivações típicas dessa faixa etária e indicar ações esperadas por parte da escola para despertar e apoderar-se dessas motivações em benefício de seu plano de trabalho.
Foi realizada uma pesquisa descritiva (GIL, 1996), usando-se formulário semiestruturado a ser aplicado à equipe pedagógica de uma escola, onde espera-se identificar as causas da evasão escolar e possíveis estratégias de enfrentamento. A aplicação do questionário a professores foi realizada por meio de formulário digital disponibilizado na internet. Os participantes foram contactados por telefone e, ao concordarem em participar da pesquisa, receberam um link para acessar o formulário, sem deslocamento do pesquisador ou do participante.
A pesquisa se justifica uma vez que a evasão escolar é um problema recorrente nas escolas, especialmente durante o ensino médio, e esse problema repercute diretamente na vida pessoal e profissional da pessoa em sua fase adulta, pesquisar e apontar as causas e propostas de enfrentamento do problema interessa à sociedade como um todo. Pessoas que abandonaram a vida escolar na adolescência, seja por necessidade de trabalhar, pelo envolvimento com drogas ou por relacionamentos sexuais precoces, acabam retornando aos estudos mais tarde, sofrendo as consequências desse atraso em sua vida profissional (CABRAL, 2017). Portanto, compreender essa problemática e apresentar soluções é de interesse da escola, das pessoas e da sociedade (NUNEZ, 2009). Reduzir a evasão escolar é fator de sucesso e de sobrevivência institucional (CABRAL, 2017).
A evasão escolar é um dos indicadores mais importantes da qualidade do ensino e da eficácia da escola na elaboração e aplicação de um plano de trabalho. Portanto, investigar o problema à luz da bibliografia e analisar de forma crítica um caso concreto é de interesse para a escola, bem como para sua equipe técnico pedagógica (AURIGLIETTI, 2014). Da mesma forma, a investigação e compreensão dessa problemática é relevante para a discussão acadêmica de um dos principais desafios da escola.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Perfil dos alunos do ensino médio em um curso noturno
O termo motivação é muito comum no ambiente escolar. Apesar de comum, trata-se de um termo complexo, e por isso compreendido e aplicado de forma equivocada. Motivação é um conjunto de ações e comportamentos que resultam em ativar, conduzir e manter uma conduta. Nesse sentido, há questões intrínsecas ao indivíduo, muitas vezes difíceis de serem percebidas, que o motivam a reagir de determinada forma diante de um desafio. Portanto, motivação é um fenômeno inerente ao indivíduo que se manifesta quando a situação está em sintonia com seus motivos pessoais (MALTA, 2017).
Para exemplificar, se a escola oferecer ao aluno oportunidade de ativar, conduzir e manter uma conduta capaz de satisfazer suas necessidades pessoais, ele terá motivos para permanecer na escola. Consequentemente, se a escola competir com os interesses pessoais do aluno, ele não terá motivos, ou seja, não estará motivado a permanecer na escola. Um dos desafios da escola para reverter o processo de evasão é conhecer seus alunos e desenvolver estratégias metodológicas capazes de oferecer ensino de qualidade em consonância com a motivação dos alunos (SILVA, 2014).
Em um cenário ideal, a escola seria formada por alunos como motivação homogênea, facilmente diagnosticável, para os quais seria possível desenvolver um projeto pedagógico capaz de harmonizar com seus interesses. No entanto, isso é uma utopia (SILVA, 2017). O corpo discente de qualquer escola é heterogêneo, com diversos fatores de instabilidade, sujeito a uma série de influências externas. Em algumas situações, quando a escola é ligada a grupos sociais específicos, como as escolas militares, escolas confessionais, escolas direcionadas aos filhos de determinadas categorias profissionais, a heterogeneidade é reduzida, mesmo assim, nunca será eliminada (TEIXEIRA, 2017).
Na prática, a maior parte das escolas é formada por pessoas de origens diferentes e interesses igualmente heterogêneos. Mesmo escolas particulares, onde o aluno paga pelos estudos, acaba atraindo pessoas com elevada divergência motivacional. Quando se consideram escolas públicas, a divergência é o padrão. Além da diferença de interesses associados a origem social, religiosidade, poder aquisitivo, idade e influência de fatores externos como as drogas, a escola pública sofre a pressão do sistema educacional, que tem poucas vagas para elevada demanda. Assim, é necessário garantir que o aluno avance para a série seguinte para que sejam abertas vagas para novos alunos, em escolas que já apresentam salas de aula mal equipadas e com superlotação (MALTA, 2017).
Henry Murray, que associa as necessidades humanas ao desenvolvimento psicológico, identificou que as necessidades humanas sempre se manifestam com duas variáveis importantes, às quais denominou direção e intensidade. Assim, um aluno pode até se interessar pela proposta da escola, mas a intensidade de outras motivações pode ser decisiva no momento de escolher entre a escola e outras necessidades (FRANZEN, 2017). É comum alunos evadidos afirmarem que entre o trabalho e a escola, preferiu ficar com o trabalho, afirmativa que se repete quando outras necessidades se tornam mais intensas, como saúde, segurança, relacionamentos, família (SÁ, 2015).
2.1.1 Conflito geracional
O conflito geracional ocorre quando pessoas de idades diferentes, ao ponto de pertencerem a gerações diferentes, vivem em um mesmo espaço. Em tese, os alunos do ensino médio deveriam estar entre os 14 e 18 anos, considerando-se a idade recomendada para o início do ensino fundamental e a duração dessa fase escolar, que é de nove anos no Brasil. No entanto, em uma turma de ensino médio noturna, há alunos que concluíram tardiamente o ensino fundamental e aqueles que interromperam os estudos após a conclusão do ensino fundamental, além de alunos que iniciaram e evadiram e estão reiniciando os estudos. Isso gera disparidade de idade entre os alunos que pode chegar a uma ou duas gerações, considerando-se os mais jovens e os mais velhos (CONCEIÇÃO, 2015).
Além dessa disparidade etária horizontal, quando alunos de uma mesma sala de aula apresentam idades diferentes ao ponto de provocar conflitos geracionais, ocorrem os conflitos verticais, uma vez que professores e alunos pertencem a gerações diferentes. Além disso, os alunos convivem e interagem com a equipe técnica da escola, igualmente formada por pessoas mais velhas, e com a comunidade escolar, formada por pais e outras pessoas do conselho de classe ou dos demais conselhos escolares (CONCEIÇÃO, 2015).
O convívio social coloca em contato pelo menos três gerações. Ao longo da história da civilização, sempre existiram os conflitos geracionais. No entanto, a sociedade está passando por transformações rápidas e profundas. Conforme a Lei de Moore, o número de transistores em cada chips dobra a cada 18 meses, mantendo o custo e o mesmo tamanho dos chips. Esse comportamento do avanço tecnológico previsto por Moore vem se mantendo desde a década de 1960, o que aprofunda as diferenças entre uma geração e outra. Nos últimos 50 anos, as mudanças tecnológicas resultaram em transformações sociais tão profundas que uma geração dificilmente compreende a geração seguinte (TIGRE, 2013).
Diferenças como acesso a informações, globalização, mudança na conformação familiar e nos costumes e comportamentos, acesso e domínio da tecnologia, acesso a bens de consumo, novas formas de relacionamento e interação social fazem de professores e alunos pessoas muito diferentes. É comum professores pedirem aos alunos ajuda para manusear equipamentos eletrônicos, ou lidar com softwares em sala de aula (PEREIRA, 2014). Essa relação em que o aluno pode saber mais que o professor em determinadas áreas muda a forma como se conduz o processo de ensino e aprendizagem. Cada vez mais faz sentido a afirmação de Paulo Freire, de que é impossível ensinar sem aprender no processo (FREIRE, 2013).
O conflito geracional tem se intensificado também devido a características do mundo pós-moderno. Conforme se intensifica o processo de globalização, o que ocorre devido ao avanço na comunicação mediada pela tecnologia, as referências apresentadas pela geração anterior sobre a nova geração tornam-se cada vez mais frágeis. Bauman refere-se ao rompimento da influência de uma geração sobre a outra como processo de liquefação, ao longo de uma série de publicações que giram em torno da ideia de uma modernidade líquida. Para ele, as bases sólidas da estrutura social estão se desfazendo, se alterando de forma permanente e intensa. Assim, a geração que nasce nesse ambiente insólito recusa naturalmente as estruturas apresentadas pela geração anterior (BAUMAN, 2003).
Isso explica, pelo menos parcialmente, o desinteresse de alguns alunos pelas aulas, principalmente quando o professor se recusa ou tem dificuldade para manter-se atualizado e conectado às transformações que ocorrem no mundo. Muitos professores, nascidos entre o início da década de 1960 e final da década de 1970, passaram a conviver tardiamente com tecnologias como telefonia, computação, audiovisuais. Formaram-se a partir de livros impressos, realizando intensas leituras e produzindo textos em máquinas de datilografia. É natural que a percepção do conhecimento desses professores se diferencie de alunos que nasceram imersos na tecnologia digital, tendo acesso a computadores e smartphones desde a primeira infância, que usam celulares para se conectar a todo o conhecimento produzido e armazenado pela humanidade ao toque de uma tela (ROCHA, 2017). Assim, para prevenir e reduzir a evasão escolar, uma das estratégias é pacificar as relações geracionais no ambiente escolar. A formação permanente dos professores e a revisão permanente de conceitos e metodologias de ensino pode ser uma estratégia para reduzir o impacto dessa zona de conflitos (CAMPEIZ, 2017).
2.1.2 Puberdade e início da vida adulta
A faixa etária típica dos alunos do ensino médio coincide com a puberdade e início da adolescência. Essa fase da vida humana é caracterizada pelo rompimento com a infância e a iniciação da vida adulta. Mudanças físicas, mentais, psicológicas e sociais marcam a vida desses alunos, ao mesmo tempo em que eles frequentam a escola e são forçados a lidar com novas informações e conceitos. A puberdade é marcada por mudanças que transformam o corpo humano, que deixa de ser uma criança e adquire as funcionalidades do corpo adulto. Fisicamente, o organismo se prepara para o sexo, a reprodução e a formação de um novo núcleo familiar. Mas mentalmente e socialmente, o indivíduo ainda depende de seus pais para suprir necessidades básicas e orientar na construção de sua autonomia como adulto (AMARAL, 2007).
O púbere lida com uma série de conflitos. Ainda tem pensamentos e comportamentos típicos da infância, e se esforça para livra-se deles. Deseja manter alguns traços da infância, mas precisa comportar-se como adulto. Ora é tratado como criança, e em outros momentos é exortado a agir como adulto. A perda da infância gera um processo de luto pelo corpo perdido e alterado, indecisões a respeito das características que estão se delineando no novo corpo (GAVANCHA, 2009). Quando a sala de aula é de faixa etária heterogênea, costuma ocorrer discriminação dos mais velhos para com os mais jovens, que não podem pertencer ao mesmo grupo social. Isso gera ansiedade pela aceitação nos grupos, pois o mais jovem anseia pela autonomia e pelas características apresentadas pelos mais velhos (COSTA, 2016).
Conforme o púbere avança para a adolescência, outros conflitos vão surgindo (Figura 1). O desejo de aceitação e autoafirmação costuma ser a principal motivação para o namoro precoce, o sexo precoce, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, a iniciação no consumo de tabaco, álcool e outras drogas, os conflitos entre alunos, a discriminação, racismo e bullying, entre outros conflitos comuns no ambiente escolar. Quando não recebe orientação parental, o púbere ou adolescente tem dificuldade para entender que as mudanças que está experimentando são naturais. Assim, sente-se desajustado e tende a abandonar a escola ou isolar-se, adotando comportamento rebelde em relação aos colegas e professores (VIOLA, 2015).
Uma série de estratégias são apresentadas como estratégias de enfrentamento dos conflitos percebidos em alunos adolescentes. Abordagens problematizadoras, tendo como foco a discussão dos conflitos típicos da puberdade e adolescência podem ajudar esses alunos na aceitação de sua identidade e facilitar a transição da infância para a vida adulta. Essas abordagens podem ser realizadas por meio de aulas planejadas com essa finalidade ou por meio de jogos, debates, apresentação de vídeos apropriados ou mesmo intervenção da equipe psicopedagógica. O ideal é distribuir os alunos em classes por faixa etária, o que reduz o estranhamento das mudanças físicas e mentais dessa idade. Não sendo possível, o professor precisa incluir a problemática no planejamento de suas aulas (PEREIRA, 2018).
2.1.3 Necessidade de trabalhar
A legislação brasileira combate o trabalho infantil e regula de forma rigorosa o trabalho de adolescentes, tendo como objetivo diminuir ou eliminar a competição entre trabalho e escola. Quando jovens são inseridos no mercado de trabalho, é necessário manter o caráter educativo do trabalho. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA proíbe que esses alunos ocupem atividades perigosas, cansativas ou degradantes. Adolescentes possuem problemas de coordenação motora, uma vez que o crescimento corporal é rápido e o cérebro demora para adaptar-se ao novo corpo. Assim, são propensos a acidentes, se submetidos a trabalhos que exijam rápidos reflexos e ações de alta precisão (DIGIÁCOMO, 2017).
Quando o aluno trabalha durante o dia em atividade cansativa e estuda à noite, tende a ter dificuldades para acompanhar as aulas, principalmente se for forçado a conviver com alunos que não apresentam as mesmas condições de cansaço físico. Normalmente, quando um aluno se matricula em uma turma noturna, o faz pela necessidade de trabalhar durante o dia, ou por falta de opção, por não ter conseguido vagas em turmas diurnas. Exatamente por esse motivo as turmas noturnas são mais heterogêneas que as diurnas (HUMMERT, 2007).
Alunos mais velhos, que já se tornaram adultos, conciliam a vida escolar com a formação de uma nova família e com o trabalho. Normalmente, quando precisam escolher entre o trabalho e a escola, priorizam o trabalho, devido à necessidade de garantir condições básicas de sobrevivência. A atividade profissional de alunos que estão cursando o ensino médio costuma ser de baixa qualificação e alta rotatividade, o que força o aluno a mudar de endereço com certa frequência, o que acaba resultando em evasão escolar. Esse motivo para a evasão é difícil de enfrentar. Uma das estratégias é encantar o aluno com a proposta da escola, de modo que ele se sinta motivado a continuar os estudos, mesmo que tenha que fazer algum sacrifício para deslocar-se até a escola, mesmo mudando de endereço ou tendo que desenvolver trabalho penoso (THOMÉ, 2016).
O acesso precoce dos alunos ao trabalho, ou mesmo a presença de alunos já envolvidos profissionalmente é um desafio para as escolas. Uma série de medidas podem ser adotadas para prevenir a evasão nessa fase da vida, onde é preciso conciliar educação e trabalho. Dessa forma, escolas noturnas que apresentam índice elevado de alunos que trabalham durante o dia, devem pensar em estratégias capazes de facilitar o acesso às aulas e adotar metodologia diferenciada de ensino. Mesmo não sendo enquadradas na categoria de escolas voltadas para a educação de jovens e adultos – EJA, essas escolas precisam incluir em seu projeto político-pedagógico estratégias apropriadas a esses alunos, visando reduzir a evasão escolar (LIMA, 2018).
2.1.4 Namoro e gravidez precoce
Há um esforço conjunto dos organismos de saúde pública, escolares, de assistência social e religiosos no sentido de conscientizar os jovens a respeito do namoro e os riscos decorrentes, como gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis. Apesar disso, a orientação familiar é o meio mais eficaz para conduzir o jovem de forma segura nas transformações que surgem com a puberdade e adolescência. Em um mundo de modernidade líquida, as estruturas familiares entraram em colapso, devido a mudanças nas funções de pai e mãe, ambos envolvidos em atividades profissionais. É cada vez maior o índice de divórcios. Assim, além de passar grande parte do tempo sem contato com os pais, muitos jovens recusam orientações vindas de uma geração que consideram ultrapassada (MOREIRA, 2008).
Durante a puberdade e adolescência, os jovens têm os hormônios sexuais intensificados, pois biologicamente estão prontos para a reprodução. No entanto, ainda não possuem percepção dos riscos envolvidos no relacionamento sexual, nem maturidade para lidar de forma segura com esses riscos. Assim, é comum que os jovens se envolvam sexualmente sem o uso de preservativos ou outras formas de contracepção. Muito recorrem a recursos paliativos, como a pílula do dia seguinte, que além de ser prejudicial ao organismo, não é totalmente eficaz. Somese a isso o consumo de álcool e outras drogas, que inibem e reflexão antes do ato sexual (WISNIEWSKI, 2016).
Consequentemente, o índice de gravidez precoce, não planejada ou indesejada é elevado entre jovens. Isso resulta em gravidez de alto risco, transmissão vertical de doenças, filhos indesejados que serão doados para adoção perpetuando os problemas sociais, filhos não planejados que ocuparam os jovens com a maternidade e paternidade em uma fase que deveria ser dedicada aos estudos e à formação profissional, abortos, ruptura com a família paterna, dentre outros problemas. Além disso, doenças sexualmente transmissíveis como sífilis, hepatites, aids costumam ser transmitidas nessa época, comprometendo a vida ou a saúde reprodutiva desses jovens para sempre (MOREIRA, 2008).
As consequências do relacionamento sexual desprotegido e da gravidez precoce podem ser graves, repercutindo imediatamente no estilo de vida do jovem e forçando a tomar decisões que incluem a evasão escolar. Também repercutem a longo prazo, pois influem na formação profissional e limitam as oportunidades que esse jovem terá no futuro. Dessa forma, a ação preventiva ou corretiva que a escola pode adotar é a educação sexual, voltada para os jovens, e a orientação dos pais, quando isso for possível. De forma corretiva, a escola pode organizar equipes devidamente preparadas para orientar os jovens que demonstram ter vida sexual ativa, de modo que possam prevenir doenças sexualmente transmissivas e gravidez precoce (VIOLA, 2015).
2.1.5 Álcool e outras drogas
A iniciação no mundo das drogas quase sempre ocorre no meio familiar. Pais usuários de drogas normalmente produzem filhos que iniciarão o uso de drogas ainda cedo. Isso é perceptível no tabagismo e no alcoolismo, por exemplo. Crianças aprendem a fumar com os pais, como também iniciam o consumo de bebidas com os pais. Mas no ambiente escolar os jovens influenciam uns aos outros em relação ao uso de drogas. O desejo de aceitação nos grupos costuma ser o principal fator de iniciação nas drogas. Mesmo jovens que são bem orientados em casa, sentem-se motivados a consumir drogas como cerveja, tabaco ou maconha para serem recebidos e aceitos no grupo de colegas (PIAZZAROLLO, 2018).
Paralelamente, ocorre o aliciamento intencional de criminosos, que abordam e oferecem drogas aos jovens, para que se tornem dependentes e consumidores dos produtos que traficam. Esses criminosos costumam se instalar nas proximidades de escolas, principalmente no ensino médio, e infiltram seus agentes aliciadores nos grupos de jovens. Muitas vezes, os aliciadores se infiltram nas próprias escolas, atuando como alunos ou profissionais da equipe escolar. Policiais especializados no combate a drogas monitoram e combatem o tráfico de drogas em escolas. Mesmo assim, em alguns lugares a prática é tão disseminada que se torna impossível realizar o controle (RODRIGUES, 2015).
O consumo de álcool, tabagismo e outras drogas prejudica o jovem de várias formas. Quando iniciado precocemente, interfere no desenvolvimento físico e mental, gerando adultos com limitações permanentes. No curto prazo, as drogas interferem na autoestima, geram estigmas e rejeição, comprometem a capacidade de reflexão e atenção às aulas, geram dependência. A dependência de drogas resulta em uma nova necessidade básica para os jovens. Um jovem dependente químico considera o acesso às drogas mais urgente que o acesso à alimentação, ao repouso e ao relacionamento social. Naturalmente, o dependente químico não considera a escola relevante, o que acaba resultando na evasão escolar (PIAZZAROLLO, 2018).
2.1.6 Autoafirmação, aceitação e discriminação
No ambiente social ocorrem relações de trocas, influências e oscilação nos núcleos de poder. O jovem estudante do ensino médio está inserindo-se nesse ambiente, diferente da fase anterior, a infância, onde predomina a cooperação e as permutas. As relações de poder ocorrem por razões sociais e biológicas. Em todos os seres sociais, os mais eficazes, mais fortes, com melhores características genéticas tendem a ter mais parceiros sexuais e perpetuar seus genes, tornando-se assim líderes do grupo onde estão inseridos (ALVES, 2008).
Nos agrupamentos sociais, todos os membros desejam chegar à posição de liderança, ou se submetem passivamente aos líderes. Como o ser humano é racional, nem sempre quem ocupa a posição de liderança é aquele que tem os melhores genes, nem o mais forte. Os que conseguem aproveitar melhor as oportunidades tendem a ser beneficiados na trajetória rumo ao poder. Ou os privilegiados, que se originam de famílias influentes ou ricas. Na sociedade capitalista, teoricamente todas as pessoas podem superar suas limitações naturais e obter sucesso social e econômico. E isso gera uma motivação para a busca do sucesso, que desde cedo se torna uma obsessão para muitos jovens (NEIVA, 2004).
A trajetória para o sucesso tem alguns componentes que os jovens percebem desde cedo: relacionamento com pessoas bem-sucedidas, proximidade do poder, formação de parcerias com quem é mais forte, aproveitamento das oportunidades que surgem (GRUBER, 2013). Assim, o desejo de aceitação nos grupos considerados bem-sucedidos torna-se uma motivação dominante para os jovens. Quando ocorre um impasse entre as orientações do professor ou dos pais e as ordens dadas pelo líder do grupo a que o jovem pertence, normalmente prevalece a aceitação ou permanência no grupo (BOCK, 2007).
O jogo de poder que ocorre em um grupo de jovens ou adolescentes envolve algumas variáveis, como o desejo de aceitação e autoafirmação por parte de quem deseja entrar ou permanecer no grupo e a aceitação ou rejeição, por parte de quem está no grupo ou controla o grupo. Novos componentes serão aceitos nos grupos se demonstrarem potencial para fortalecer o núcleo de poder já existente. Isso resulta, por um lado, em uma disputa pela aceitação e por outro lado na perseguição e formação de obstáculos para os que estão tentando conquistar espaço (AZEVEDO, 2008).
A aceitação em grupos é essencial para o adolescente, pois lhe garante identidade. Por isso, torna-se uma necessidade de alta prioridade. Quando precisa optar entre ser aceito no grupo de amigos ou permanecer na escola, é altamente provável que o adolescente escolha o grupo de amigos, o que pode ser uma causa de evasão escolar. Para prevenir e até mesmo reverter o índice de evasão por esse motivo, a escola precisa desenvolver atividades em grupos, como tarefas coletivas, jogos, campeonatos, gincanas e outras. Ao promover a interação social de forma intencional, a escola pode incentivar a formação e aceitação de lideranças, reduzindo assim os conflitos. Tais atividades facilitam a entrada de novos componentes nos grupos já existentes e evita a competição entre tribos e a escola (ASSIS, 2004).
3. VISÃO DOS PROFESSORES SOBRE A EVASÃO NO ENSINO MÉDIO
Para avaliar o entendimento dos professores a respeito das causas e consequências da evasão escolar no ensino médio noturno, foram aplicadas dez perguntas por meio de um formulário do Google, sem contato presencial com os participantes. Os professores responderam ao questionário a partir de seus computadores pessoais ou smartphones. As respostas foram convertidas em gráficos pelo próprio aplicativo do Google.
Gráfico 1: A que motivo você atribui a evasão escolar no ensino médio.
Os professores atribuem a evasão escolar principalmente ao trabalho diurno dos alunos (40%) que, ao chegarem à escola para as aulas noturnas estão cansados, comprometendo seu rendimento, em concordância com o que afirma Lima (2018). Com isso, acabam desistindo da escola. Um bom percentual de 30% acredita que o desinteresse dos alunos é a principal causa de evasão escolar, o que é coerente com a proposta dos desafios da educação no ensino médio percebida por Furlan (2016).
O restante dos professores, em proporções iguais de 10%, atribui a evasão escolar a outros fatores, como a escala de prioridade dos alunos, falta de adequação das aulas às necessidades dos alunos e uso de métodos de ensino inadequados por parte das escolas. Inocêncio (2017) encontrou em sua pesquisa causas semelhantes para a evasão escolar. Isso aponta a multiplicidade de variáveis com as quais a escola precisa lidar para prevenir e corrigir o processo de evasão escolar, principalmente nos cursos noturnos.
Gráfico 2: Características dos jovens e adolescentes quanto à evasão escolar.
O aluno que cursa o ensino médio à noite tem algumas características que o diferenciam dos alunos de ensino médio diurno. A pesquisa bibliográfica apontou que esses alunos são mais velhos, estão sexualmente ativos, lidam com crises típicas da adolescência, estão iniciando sua vida profissional e estão em processo de descoberta da vida adulta (LEON, 2002; LIMA, 2018; LUNA, 2017; MATOS, 2017; MENDONÇA, 2014). Todos esses fatores contribuem para a evasão escolar. 40% dos professores apontam a questão trabalhista como a principal causa para a evasão escola, pois no embate entre escola e trabalho, o trabalho acaba prevalecendo. Vícios como álcool e outras drogas são percebidos como principal causa por 30% dos professores. Em proporções iguais, 10% dos professores creditam a evasão escolar a causas como crises pessoais, dificuldade em manter o foco e a questão da sexualidade.
Gráfico 3: Você percebe mudanças sociais que levam à evasão escolar?
A evasão escolar é um fenômeno recorrente que sempre preocupou professores e equipe técnica das escolas. No ensino médio, os alunos iniciam sua vida profissional. Isso ocorre desde sempre. O que mudou na atualidade é o tipo de trabalho. Da mesma forma, o avanço das drogas ilícitas é um fenômeno atual, mas sempre existiu o problema de drogas como álcool e tabagismo entre adolescentes. Ainda assim, 30% dos professores apontam a competição entre a escola e as atrações oferecidas aos alunos pelo mundo pós-moderno, como facilidade de aceso aos entretenimentos digitais, fast-food, diversões. 30% dos professores afirmam também que os jovens do passado eram mais dedicados aos estudos, concordam que a escola compete hoje com atrações do mundo pós-moderno e que os alunos de hoje mudam constantemente de interesses. 20% dos professores apontam que as pessoas mudam muito de comportamento e interesses em função do mundo globalizado e informatizado. Nada mudou em relação ao passado e o presente na opinião de 10% dos professores, que acham que os adolescentes apresentam a mesma volatilidade de interesse pela escola (SILVA JUNIOR, 2013; THOMÉ, 2016; HUMMERT, 2007; FURLAN, 2016; CASAGRANDE, 2014; BAUMAN, 2003).
Destaque-se que os autores pesquisados para discutir os problemas da pós-modernidade e os conceitos de modernidade líquida se apoiam, majoritariamente, na proposta de Bauman (2003) que estabelece o conceito fluídico de modernidade, onde os interesses se alteram constantemente, onde as bases sociais sólidas são rompidas por uma sociedade em constante transformação.
Gráfico 4: Alunos que tendem a evadir no ensino médio
Algumas características apresentadas pelos alunos aumentam as chances de evadirem do ensino médio noturno. Conhecer essas características permite que as escolas desenvolvam ações profiláticas, reduzindo os índices de evasão. Nesse sentido, 40% dos professores percebem que os alunos que estão na faixa etária entre 15 e 18 anos tendem a evadir com mais frequência, em função das transformações físicas e sociais sofridas por esses alunos. Para 20% dos professores, alunos mais velhos, entre 18 e 22 anos são os que mais desistem da escola. 15% atribuem aos alunos mais velhos, a partir dos 22 anos. 15% dos professores apontam alunos mais jovens como sendo os que mais evadem, uma vez que estão lidando com a transformações fisiológicas típicas da idade.
Bock (2007) discute as características dos adolescentes que resultam no processo de evasão escolar e outros conflitos típicos da idade. Berbel (2011) apresenta as metodologias ativas na educação como forma de lidar com o conflito de interesses dos alunos adolescentes e atrair a atenção deles para a escola. Azevedo (2008) analisa o comportamento dos adolescentes do ponto de vista da tendência consumista e o impacto da publicidade sobre as reações dos adolescentes. Auriglietti (2014) realizou uma pesquisa com adolescentes para identificar, a partir do ponto de vista deles, as causas da evasão escolar e as possíveis ações da escola para intervir nesse processo. Alves (2008) estudou o processo de rotulação dos adolescentes e o impacto desse processo sobre a evasão escolar. Percebe-se que são múltiplas as causas percebidas e as possibilidades de ação por parte da escola.
Gráfico 5: O que motiva os jovens a cursarem o ensino médio.
Para evitar que os alunos desistam da escola, é fundamental compreender o que os leva a estudar. Para 40% dos professores, a maior parte dos alunos está interessada na complementação da formação escolar, visando obter a graduação pura e simples. Dessa forma, os alunos não se interessam pelas aulas, métodos de ensino ou pelas atividades propostas pelos professores. Trata-se de uma percepção pessimista do papel da escola no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que nenhuma ação da escola poderia atrair o interesse dos alunos. A pesquisa de Auriglietti (2014) aponta que nem sempre os alunos são apáticos em relação à escola.
Para 20% dos professores, o quadro é menos pessimista, pois entendem que os alunos buscam a preparação para a vida adulta e buscam na escola o desenvolvimento das competências necessária à vida. Sob essa perspectiva, a escola pode desenvolver técnicas de ensino nos moldes apresentados por Berbel (2011) e problematizar as necessidades dos alunos a partir do ensino, tornando as aulas mais atraentes e reduzindo a evasão escolar. É nesse sentido que 15% dos professores apontam a necessidade dos alunos em resolver problemas práticos a partir das competências desenvolvidas na escola, ou os outros 15% que percebem nos jovens interesse em desenvolver relacionamentos a partir da escola. A formação de vínculos sociais não precisa competir com os interesses da escola. Se a proposta de ensino da escola for bem construída, poderá proporcionar relacionamentos enquanto ensina, atendendo a necessidade de diversão percebida pelos demais 10% dos professores.
Gráfico 6: O que a escola poderia fazer para reduzir a evasão escolar.
Há uma sensação de desalento em boa parte dos professores que consideram a evasão escolar um processo natural inevitável, pelo que nem mesmo se preocupam em buscar solução para o problema. Observa-se que 60% dos professores acreditam que um bom projeto pedagógico aliado a capacitação dos professores pode dar resultados, e 20% apostam na atualização tecnológica, ao passo que 20% nem mesmo pensam em uma solução.
Gráfico 7: Você usa metodologias ativas no ensino médio?
Observa-se que 30% dos professores afirmam investir em metodologias ativas como forma de tornar as aulas mais interessantes e mais integradas à problemática dos alunos. No entanto, 25% apontam que o ambiente da escola não favorece condições adequadas à problematização, pelo que não desenvolvem essas atividades. Há ainda 20% dos professores que gostariam de utilizar metodologias ativas, mas não dominam as técnicas necessárias, ao passo que 10% não percebem a relevância das metodologias ativas.
Gráfico 8: Você investe em aperfeiçoamento profissional visando melhorar seu trabalho?
Observa-se que o aperfeiçoamento profissional é importante para que o professor possa ter contato com novos métodos e técnicas educativas, essenciais para ligar com problemas como a evasão escolar. No entanto, se os professores não tiverem acesso a treinamentos, atualizações ou especialização, terão que lidar com problemas novos usando instrumentos obsoletos. Assim, 40% dos professores investem recursos próprios no aperfeiçoamento profissional. 20% afirmam que participam de todas as oportunidades oferecidas pela escola para aperfeiçoamento. Outros 20% afirmam que a escola onde trabalham não possui um programa de educação permanente e 10% afirmam não ter condições de investir ou não considerar necessário buscar por aperfeiçoamento.
Percebe-se que, apesar das intensas mudanças pelas quais o mundo passa em função do avanço tecnológico e globalização, que impacta em profundas mudanças sociais, muitos professores não têm acesso a treinamentos, oficinas, capacitações ou cursos de especialização. Com isso, precisam usar a experiência obtida na própria carreira profissional para lidar com os desafios enfrentados, entre eles a evasão escolar.
Gráfico 9: Você percebe alguma relação ocupacional no processo de evasão?
Percebe-se que 40% dos professores consideram a evasão associada ao processo de trabalho nos alunos do ensino médio noturno, afirmando que alunos que trabalham evadem mais que alunos que não trabalham. Enquanto isso, 25% acreditam que o trabalho afeta mais os alunos mais jovens. No entanto, 15% dos alunos apontam que não há relação entre o trabalho e a evasão escolar. Para 10% dos professores, ou não há relação do trabalho com a evasão ou só se aplica a alunos mais velhos.
Gráfico 10: Você percebe alguma relação de gênero no processo de evasão?
Os autores consultados apontaram que algumas questões de gênero impactam na evasão escolar, principalmente associadas ao trabalho e ao relacionamento conjugal. Nesse sentido, os rapazes tendem a evadir mais em função do trabalho, pois nos primeiros empregos muitos rapazes realizam trabalhos cansativos, o que compromete com o rendimento escolar. Já as moças evadem mais em função da maternidade precoce, pois apresentam dificuldade de permanecer estudando à noite quando precisam lidar dos desafios da vida conjugal e com a maternidade.
O trabalho feminino normalmente é menos cansativo, por isso impacta menos na evasão escolar. Em função disso, 30% dos professores afirmaram que os rapazes evadem mais que as moças. Apesar disso, 20% dos professores afirmaram que as moças evadem mais que os rapazes e outros 20% afirmaram que há fatores mais importantes para a evasão escolar que as questões de gênero. Ainda 15% dos professores não associam a evasão a questão de gênero e 10% apontam maior índice de evasão entre alunos homossexuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa aponta que a evasão escolar é um problema antigo que se intensificou na atualidade, em função de uma série de fatores, que envolvem a questão do trabalho, sexualidade, problemas típicos da adolescência, como o ajustamento para a vida adulta e os relacionamentos interpessoais, o problema da liquidez de comportamento e pensamento típico da pósmodernidade e o problema das drogas. A evasão escolar prejudica o país como um todo, por reduzir o grau de preparação técnica dos jovens, gerando um déficit profissional e científico no país. Esse déficit tem impacto direto no desenvolvimento nacional, além de gerar gastos bilionários.
A questão do trabalho é uma das que mais se destacam em relação aos alunos de ensino médio noturno, que são tipicamente mais velhos que as demais turmas de ensino médio e procuram as turmas noturnas exatamente para ter o dia livre para trabalhar. São alunos que vivem vida adulta, mesmo sendo ainda muito jovens. Isso envolve comportamentos como sexualidade, relacionamento conjugal, gravidez precoce, trabalho ou imersão nas drogas. Quanto ao trabalho, observou-se que esses alunos estão no início da vida profissional, e por isso acabam assumindo trabalho pesado, de baixa qualidade e baixa remuneração. O desejo de ser bem-sucedidos no trabalho acaba competindo com a vida escolar, resultando em redução no rendimento escolar e evasão.
A questão da sexualidade também tem forte peso como fator de evasão escolar. Alunos do ensino médio noturno já estão vivenciando o relacionamento sexual, o que muitas vezes resulta em casamento, união estável ou gravidez. Tais fatores mudam completamente a escala de valores dos adolescentes, fazendo que a escola deixe de ser prioridade. As relações conjugais geram outras necessidades que dependem de renda financeira para ser supridas, o que leva à intensificação do trabalho e à evasão escolar. Para muitos jovens nessa fase, a escola é uma necessidade importante, mas que pode ser adiada por alguns anos, e por isso acabam evadindo.
Os problemas típicos da adolescência, como o ajustamento para a vida adulta e os relacionamentos interpessoais também são fortes fatores de instabilidade e evasão escolar. Muitos alunos apresentam dificuldade de ajustamento, com vários complexos de aceitação do corpo, da sexualidade, das condições sociais. Em função dos complexos, desenvolvem comportamento atípico que resultam no isolamento social, vergonha dos colegas e consequências mais sérias, entre elas a evasão. Esses alunos precisam de acompanhamento profissional para prospectar e ajudá-los a superar esses problemas. No entanto, as escolas públicas nem sempre contam com serviço de psicólogos ou psicopedagogos.
Há também o problema da liquidez de comportamento e pensamento típico da pós-modernidade, descrito por sociólogos como dificuldade para manter o foco, mudança constante de temperamento e de interesse, oscilação de personalidade, recusa em aceitar autoridade e rompimento com os padrões de solidez familiar, institucional e social. Esse comportamento volátil dificulta o foco dos alunos em atividades escolares, que envolvem atuação em longo prazo e escala de comando. Para lidar com esse problema, é necessário rever a política pedagógica das escolas e capacitar os professores.
Finalmente, é preciso considerar o problema das drogas ilícitas, que avançou consideravelmente no mundo nas últimas décadas. A adolescência é a fase de maior vulnerabilidade às drogas. Além dos problemas sanitários associados ao uso de drogas, há o problema familiar, financeiro e social. O aluno que se envolve com drogas acaba tendo conflitos familiares, que comprometem seu rendimento escolar. Para custear o vício, acabam tendo problemas financeiros, apresentam dificuldade para manter um trabalho com renda suficiente para custear suas despesas mais o vício e acabam desenvolvendo problemas paralelos, como furtos, calote de dívidas, perseguição por parte dos traficantes e sérias crises sociais.
Devido a isso, é difícil encontrar uma causa principal para a evasão no ensino médio noturno, em função da multiplicidade de causas. Para enfrentar o problema, a escola deve prover-se de equipe multiprofissional, investir em capacitação dos professores, desenvolver planejamento cuidadoso a começar pelo Projeto Político Pedagógico, pelos planos anuais de estudo e planos de aula. Deve adotar metodologias ativas de educação e observar o comportamento dos alunos visando identificar fatores precoces de queda no rendimento escolar, faltas e evasão, a tempo de intervir.
A pesquisa alcançou seus objetivos, mas não esgotou o tema, nem pretendia fazê-lo. Muitas questões importantes relacionadas à evasão escolar poderiam ser aprofundadas, como a questão do trabalho, das drogas, da sexualidade. Também não foram observadas propostas práticas de combate à evasão escolar nem aprofundadas questões metodológicas de ensino. Tais abordagens ficam indicadas para futuras pesquisas.
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¹ Mestre em Ciências da Educação pelo Instituto de Graduação e Pós-Graduação de Goiás - IPOS.