EDUCAÇÃO E AUTORITARISMO: UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS DITADURAS NO BRASIL E NA ARGENTINA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18072551


Altamir Gomes de Sousa1


RESUMO
Este artigo explora como as ditaduras militares afetaram os sistemas de educação no Brasil e na Argentina, destacando de que maneira a educação foi usada como uma ferramenta de controle social e de qualificação técnica durante regimes autoritários. No Brasil, após 1964, o governo, influenciado pelo IPES, deu prioridade à alfabetização funcional por meio do MOBRAL, com o objetivo de atender à demanda por mão de obra para a industrialização, ao mesmo tempo em que limitava o pensamento crítico. Na Argentina, entre 1976 e 1983, a ditadura promoveu um retrocesso profundo: as universidades foram militarizadas, intelectuais perseguidos e o ensino foi segmentado, o que aumentou as desigualdades sociais. Em ambos os países, o clima de medo e a vigilância constante transformaram escolas e universidades em locais de doutrinação e espionagem. A pesquisa, que é de abordagem qualitativa e baseada em revisão bibliográfica, conclui que esses regimes deixaram um legado de perda da autonomia pedagógica e de submissão do ensino aos interesses da segurança nacional e do mercado. Para além disso, o estudo reforça a importância de entender esse período de "apagão cultural" como uma forma de fortalecer a defesa da educação democrática e combater os retrocessos atuais na América Latina.
Palavras-chave: Ditadura Militar. Brasil. Argentina. Educação.

ABSTRACT
This article explores how military dictatorships affected educational systems in Brazil and Argentina, highlighting how education was used as a tool for social control and technical qualification during authoritarian regimes. In Brazil, after 1964, the government, influenced by IPES, prioritized functional literacy through MOBRAL, aiming to meet the labor demand for industrialization while simultaneously limiting critical thinking. In Argentina, between 1976 and 1983, the dictatorship promoted a profound setback: universities were militarized, intellectuals were persecuted, and schooling was segmented, which increased social inequalities. In both countries, a climate of fear and constant surveillance transformed schools and universities into sites of indoctrination and espionage. This research, which adopts a qualitative approach based on a literature review, concludes that these regimes left a legacy of loss of pedagogical autonomy and the subordination of teaching to national security and market interests. Furthermore, the study reinforces the importance of understanding this period of "cultural blackout" as a way to strengthen the defense of democratic education and combat current setbacks in Latin America.
Keywords: Military Dictatorship. Brazil. Argentina. Education.

1. INTRODUÇÃO

Durante as décadas de 1960 e 1970, a América Latina viveu períodos de regimes ditatoriais que tentaram reorganizar a estrutura social e econômica com base na Doutrina de Segurança Nacional. Tanto no Brasil quanto na Argentina, a educação foi vista como um campo estratégico: ao mesmo tempo em que era considerada fundamental para impulsionar o desenvolvimento industrial e qualificar a força de trabalho, também era monitorada por sua potencial influência subversiva. No Brasil, o foco inicial foi na alfabetização funcional voltada para o mercado de trabalho, enquanto na Argentina o regime adotou um controle rígido sobre a autonomia das universidades e a produção do conhecimento.

Este artigo explora como as políticas educacionais durante os regimes militares no Brasil e na Argentina impactaram a sociedade. Ele destaca, especialmente, as estratégias de controle social, as reformas na estrutura do ensino — como o MOBRAL no Brasil e a segmentação do ensino na Argentina — e como o clima de vigilância e repressão institucional acabou levando a um retrocesso na educação.

O grande desafio desta pesquisa é detalhar: como os regimes ditatoriais no Brasil e na Argentina usaram o sistema de ensino para fortalecer seus projetos autoritários? Outrossim, busca-se compreender quais foram os principais prejuízos que esses períodos trouxeram para a formação intelectual e social das pessoas nesses países.

Este estudo é importante porque busca descrever a educação não só como um processo pedagógico, mas também como uma ferramenta de poder e controle político. No Brasil, a preocupação com uma formação mais crítica foi deixada de lado em favor de um ensino mais técnico, o que criou lacunas na qualificação dos professores. Na Argentina, o desmonte das universidades públicas e a perseguição a intelectuais resultaram em um verdadeiro apagão cultural. Retomar esses acontecimentos é essencial para fortalecer a defesa de uma educação democrática hoje e compreender melhor as raízes das desigualdades educacionais que ainda persistem na região.

O objetivo geral deste estudo é entender como as ditaduras militares no Brasil e na Argentina influenciaram a estrutura dos seus sistemas de ensino. Para isso, os objetivos específicos são:

  • Descrever o papel do IPES e a criação do MOBRAL como estratégias de controle social e de qualificação profissional no Brasil;

  • Analisar o processo de militarização e a fragmentação do ensino básico e superior na Argentina;

  • Identificar as semelhanças e diferenças nas táticas de repressão e censura que foram usadas contra professores e estudantes em ambos os países.

Este é um estudo de abordagem qualitativa, que utiliza principalmente a revisão de literatura e análise de documentos. Para isso, baseamo-nos em textos historiográficos, legislações da época — como a Lei nº 5.379 no Brasil e a Lei nº 16.912 na Argentina — além das análises de autores como Bortone (2015), Pineau (2014) e Tamizari (2018). A ideia é fazer uma comparação entre as reformas educacionais desses países, buscando captar os efeitos sociais que elas tiveram nos dois contextos do Cone Sul.

Este artigo trata das políticas educacionais brasileiras voltadas para a alfabetização de adultos e a qualificação profissional durante o período da Ditadura Civil-Militar, após 1964. Ele dedica uma atenção especial à criação e ao trabalho do MOBRAL nesse contexto. Além do mais, explica como o sistema educacional argentino foi desmontado e transformado durante a ditadura, com foco principalmente no período de 1976 a 1983, mas também considerando eventos anteriores, a partir de 1966. O texto mostra como as escolas deixaram de ser locais de aprendizado para se tornarem espaços de vigilância e exclusão.

2. A EDUCAÇÃO NO BRASIL DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR DE 1964 A 1985: UM PROCESSO DE INFLUÊNCIA IDEOLÓGICA E CONTROLE SOCIAL

O Brasil criou algumas políticas na área de educação com o objetivo de enfrentar uma questão que sempre foi um desafio: o alto índice de analfabetismo, especialmente entre os adultos. Isso era preocupante para um país que, na época, tinha sonhos de se desenvolver industrialmente. Ainda não havia uma política educacional voltada para promover o crescimento econômico e social através do aumento do nível de escolaridade dos brasileiros. Além de que, a demanda por educação era enorme, e não existia um projeto político-pedagógico capaz de atender a todas essas necessidades. Como consequência, as ações tomadas eram apenas paliativas, insuficientes para acompanhar o crescimento da demanda por educação.

Depois do golpe civil/militar de 1964, os militares tentaram implementar algumas medidas nesse sentido, mas elas não foram suficientes. A quantidade de vagas oferecidas na educação não conseguia atender à demanda, que crescia devido ao longo período de descaso com o setor no país. Naquela época, o Brasil não tinha estrutura física nem de pessoal adequada, e não havia um projeto sério de ampliar realmente as escolas existentes.

Com o avanço da industrialização, o país passou por um revés: a migração do campo para os centros urbanos aumentou bastante, gerando uma maior procura por educação por parte da população. Essa mudança no modo de vida, que passou a ser urbano, exigia qualificação da mão de obra e atendia às novas necessidades do modo de produção. O trabalho manual foi sendo substituído por tarefas realizadas por quem tinha pelo menos alguma formação para operar as novas máquinas.

Após o golpe, os militares, em parceria com a força produtiva, implementaram no país uma série de projetos educacionais, tendo como base o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), que foi o modelo utilizado até 1971. Isso mostra claramente a relação próxima entre empresários e militares, com a participação do General Golbery do Couto e Silva, que saiu da Escola Superior de Guerra e retornou ao setor de segurança nacional.

Antes de 1964, o IPES já tinha realizado estudos importantes para o desenvolvimento do Brasil. Até esse ano, ele atuava principalmente nas áreas de divulgação, pesquisa e análise. De acordo com Bortone (2014), as pesquisas realizadas pelo IPES abordavam temas relacionados às reformas constitucionais e às estruturas necessárias para acelerar o crescimento econômico e o avanço social do país. Algumas dessas publicações foram feitas antes de 1964, mesmo antes do estado passar a controlar o IPES.

Naquela época, a instituição tinha uma atuação voltada para promover mudanças de forma democrática e contribuir para o progresso do Brasil, dentro de um regime democrático. Ela buscava envolver os empresários na responsabilidade por transformar a sociedade, atendendo às demandas por mudanças que já eram percebidas na época.

O sistema de educação foi organizado em diferentes níveis: ensino primário, secundário, superior e de adultos. Dentro desse modelo, a educação básica deveria ter pelo menos oito anos de duração para todos os brasileiros, com idade mínima para ingressar entre seis e sete anos. Para alcançar os resultados esperados, foi sugerido acabar com a reprovação — ou seja, com a repetência. Segundo os especialistas, essa prática era uma das principais razões pela baixa produtividade do ensino primário, como explica a citação abaixo:

Quando se fala em educação fundamental de oito anos escolares para toda a população brasileira, não faz sentido reprovar, porque isso é negar aquilo. Estabelecido que cada brasileiro tivesse o direito e o dever de cumprir oito anos escolares, não há como negar-lhe a oportunidade para isso. O problema é, portanto, de avaliação e de organização de grupos por níveis de aprendizagem (TAMIZARI, 2018, p.74).

Para tentar explicar o problema da evasão escolar e da alta taxa de reprovação, o governo muitas vezes coloca a responsabilidade de fora, atribuindo isso à falta de qualificação dos professores, que deveriam ter formação superior. No entanto, o que não se costuma mencionar é que o país não tinha condições de atender a essa demanda. Isso porque não havia vagas suficientes em cursos de licenciatura, e, até o final do século XX, ainda havia muitos professores com formação apenas no ensino médio.

O ensino médio passou a ser visto como uma necessidade, especialmente diante das transformações econômicas e sociais dos operários nas áreas urbanas. No entanto, acreditava-se que a educação além do ensino fundamental deveria estar relacionada a uma formação voltada para a capacitação profissional. Isso se refletia nos cursos de educação de adultos de nível médio, seguindo o modelo que se apresenta abaixo:

O ensino secundário deveria ser organizado de dois anos básicos, mais quatro anos de cursos gerais e mais um ano de curso de capacitação ou escolha e preparação para cursos superiores. Além disso, para aqueles jovens que, terminados os dois anos básicos, não desejam ou não possa continuar os estudos e para os que saiam da escola antes de completar os quatro anos de cursos gerais, deve-se providenciar cursos paralelos, de seis a doze meses, de orientação e capacitação para o trabalho. (TAMIZARI, 2018, p.75).

Para atender às demandas do mercado na época, o sistema de ensino foi reformulado de forma dualista. Assim, os estudantes poderiam optar por uma qualificação profissional, como um Curso Técnico, ou seguir um caminho que os preparasse para ingressar no ensino superior. A formação de nível médio, ou educação geral, foi organizada na grade curricular da seguinte maneira:

Durante os quatro anos de cursos gerais deverão oferecer, além de um currículo nuclear, mínimo e comum, de desenvolvimento e aperfeiçoamento dos meios orais e gráficos, de comunicação e expressão, inclusive o conhecimento de um idioma estrangeiro, de matemática fundamental, de estudos sociais, incluindo história e geografia humana, alternativas curriculares segundo campos definidos de interesses e de pré-encaminhamento vocacional (TAMIZARI, 2018, p.79).

Por isso, investir em pesquisas sobre a educação básica no Brasil, Argentina e Paraguai, considerando suas diferenças culturais, é uma maneira de aprender, trocar conhecimentos, divulgar os estudos feitos nesses países e fortalecer a cooperação e o desenvolvimento na área de educação.

Nos países em desenvolvimento, a questão vai além da educação político-social e econômica ou da alfabetização e capacitação para o trabalho. Ela também envolve a formação e preparação das pessoas adultas, para que possam viver com mais consciência de suas responsabilidades e ter mais condições de lidar com situações difíceis — seja na vida pessoal, familiar ou social.

Isso é fundamental para superar atrasos e costumes ultrapassados que ainda persistem nesses contextos. Se a educação básica obrigatória e gratuita na escola primária é essencial, não podemos esquecer que a educação de adultos também tem um papel fundamental no crescimento social. Para as democracias ocidentais, essa formação contínua é crucial para fortalecer a defesa nacional contra tentativas internas ou externas de instaurar regimes totalitários, sejam eles fascistas ou socialistas (RODRIGUES; GOMES, 2024).

O sistema educacional e de qualificação da população adulta, criado para atender às demandas do mercado e cumprir um papel importante dentro da visão ideológica da época, tinha como foco principal o combate às ditaduras fascista e comunista. No entanto, pouco se falava sobre a ditadura civil-militar que o país estava vivendo na época. Aliás, a IPES tinha um projeto de poder em que a educação seria usada como ferramenta para consolidar a hegemonia da classe dominante na sociedade.

Com o objetivo de atender à crescente demanda do mercado de trabalho por uma qualificação profissional mais sólida e, ao mesmo tempo, reduzir o analfabetismo no país, o governo lançou uma série de projetos para enfrentar essa realidade. Entre eles, foram criadas a Rede Nacional de Alfabetização Funcional e a Educação Continuada de Adultos. Em 15 de dezembro de 1967, foi oficializada a Lei nº 379, que criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização, organizado como uma fundação de duração indeterminada, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro. Já em março de 1968, os estatutos da Fundação Mobral foram aprovados pelo Decreto 62.484.

2.1. O Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral

A sociedade vinha cada vez mais buscando garantir seus direitos básicos à educação. Mesmo na década de 1960, aconteceram várias manifestações que reforçavam a luta por uma educação de qualidade para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O Fundo Nacional direcionava parte de seus recursos para a Educação de Adultos e, com o apoio da UNESCO, havia esforços para reduzir os altos índices de analfabetismo no Brasil.

Ao longo da nossa história, diversas campanhas surgiram antes do Golpe Militar, com o foco de acabar com o analfabetismo. Uma delas foi a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA, que aconteceu de 1947 até 1963. Essa foi a maior iniciativa na área da educação antes do MOBRAL. No entanto, o objetivo da campanha ia além de simplesmente alfabetizar, como explicam Moraes, Santos e Chaves (2022, p. 84):

[...] além de elaborar materiais didáticos para adultos e se ocupar com uma metodologia mais adequada para esta faixa etária. Internamente, estava preocupada com a preparação de mão-de-obra alfabetizada nos centros urbanos.

A Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) começou em 1952, com apoio financeiro da UNESCO. Ela alcançou vários estados e chegou a realizar dezoito missões diferentes. Já em 1958, foi lançada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), com o objetivo de avaliar como a educação estava sendo oferecida para todos. Em 1961, surgiu o Movimento de Educação de Base (MEB), que tinha como foco a alfabetização de adultos. Essa iniciativa utilizava redes de emissoras católicas para alcançar o público, sempre buscando solucionar os problemas da sociedade brasileira.

Afirmam Lima, Macêdo e Souza (2022, p. 161) que:

Apesar de todos esses esforços, ao iniciar-se na década de 70 a situação do analfabetismo no Brasil apresentava-se ainda de uma forma que pode ser considerada extremamente contrastante com os anseios de um país na escalada do desenvolvimento. Em 1970, data do último senso realizado, este apresentava o Brasil com 33,6% de analfabetos entre a sua população adulta.

O Movimento Brasileiro de Alfabetização, conhecido como MOBRAL, foi criado em 1967, por meio da Lei nº 5.379. Inspirados pelo Dia Internacional da Alfabetização, as ações educativas do MOBRAL começaram em 8 de setembro de 1970, com a presença do então presidente Mario Henrique Simonsen. O objetivo principal do movimento era acabar com o analfabetismo em dez anos. Seus objetivos incluíam a valorização do conhecimento básico, além de métodos e técnicas educativas voltadas para problemas relacionados à saúde, ao trabalho, à religião e outros aspectos da vida.

O MOBRAL também tinha a missão de estabelecer centros sociais, educativos e cívicos, onde jovens e adultos pudessem aprender a usar meios de comunicação como rádios, televisão, livros, cinemas, teatros e músicas, desenvolvendo hábitos e habilidades essenciais para o seu dia a dia.

Foi elaborado um plano de ação por uma comissão, que contou com a participação de muitos membros da equipe do DNE. Após várias reuniões e debates sobre a organização administrativa do MOBRAL, em 29 de março de 1968, foi aprovado o seu estatuto. Esse documento detalhava os recursos disponíveis, os objetivos do programa e as finalidades estabelecidas por lei. Ora, o estatuto definia a estrutura de liderança, incluindo o presidente, os conselhos e as coordenações em níveis estadual e municipal.

No entanto, o MOBRAL estava quase pronto para começar suas atividades, com a promessa de oferecer uma educação contínua. Essa iniciativa foi considerada um momento importante e marcante para o nosso país. Os recursos financeiros destinados ao programa vieram da loteria esportiva e de uma parte dos impostos de renda arrecadados pelas empresas.

3. O RETROCESSO NA EDUCAÇÃO DURANTE A DITADURA NA ARGENTINA: DO ENSINO BÁSICO À UNIVERSIDADE

O objetivo aqui é assimilar o que aconteceu com o sistema de ensino na Argentina durante a ditadura militar, entre 1976 e 1983. Nesse período, foi instaurado um clima de terror e medo nas escolas, especialmente nas universidades e nos órgãos de representação social. Houve uma forte militarização dessas instituições e de sua burocracia, incluindo reitorias, centros acadêmicos e colegiados.

Todos eles passaram a ser vigiados como se fossem verdadeiros centros de formação de terroristas. Reitores, professores e trabalhadores da educação sofreram muitas ameaças e intimidações. Para o regime, esses profissionais eram vistos como mentores do comunismo e, por isso, considerados inimigos da sociedade argentina.

Para mais, a intervenção autoritária nas universidades resultou na conhecida “Noche de los Bastones”, que aconteceu em 29 de julho de 1966. Naquela noite, a polícia federal argentina invadiu as instalações de cinco faculdades da Universidade de Buenos Aires (UBA). Nessas universidades, estavam alunos, professores e autoridades que resistiam à decisão do governo de intervir nas instituições por meio da Lei nº 16.912 (ARGENTINA, 1977).

A condição subversiva que o discurso dominante buscava eliminar era, na verdade, a ideologia marxista e o esquerdismo. Acreditava-se que, para combatê-los de forma eficaz, era preciso atacar seus principais focos de influência, que se espalhavam pelos marxistas, comunistas ou criptocomunistas, esquerdistas e/ou revolucionários em geral. Nesse contexto, pessoas como católicos, terceiro-mundistas, freudianos, ateus, peronistas, liberais e judeus eram alvo de ataques na medida em que representassem alguma ameaça à ordem estabelecida (SILVA, 2025).

Perseguições aconteceram nos centros estudantis, nos centros acadêmicos e nos colegiados de professores dentro das universidades. Essas ações funcionaram como uma forma de controle social, onde os Campi Universitários se transformaram em espaços de fiscalização pelo Estado e por organizações criminosas, que foram formadas e organizadas pela sociedade civil para apoiar o golpe militar. Tudo isso foi feito sob o pretexto de promover a reorganização social e garantir a paz. Esses grupos alegavam que seu objetivo era combater os antipatriotas e os indivíduos considerados subversivos à nação.

As universidades que antes simbolizavam a liberdade na Argentina acabaram se tornando centros de espionagem a serviço dos ditadores e da elite da sociedade civil organizada. Essa elite controlava grande parte do aparato burocrático e das ações repressivas do Estado. Como processo social, a educação passou por mudanças profundas, de modo que o sistema educacional se transformou em uma ferramenta ao serviço dos regimes ditatoriais. O objetivo era moldar os cidadãos e cidadãs para que se tornassem olheiros dos militares, fornecendo informações e denunciando aqueles considerados suspeitos de envolvimento com o terrorismo — uma prática vista como antipatriótica.

O processo de educação está sempre mudando, e por isso os governos autoritários costumam usar a mídia como sua principal aliada na propaganda institucional. A grande mídia, historicamente, sempre esteve ao lado dos regimes autoritários, seja no Brasil, Paraguai ou Argentina. Isso não é à toa: esses meios de comunicação tradicionalmente pertencem à classe dominante, que é quem mais se beneficia dos poderes institucionais de repressão. Durante esses períodos, torturas, assassinatos e prisões clandestinas deixaram de aparecer nas notícias de revistas, rádios e televisão.

O sistema de ensino na Argentina era dividido entre o público e o privado. Mesmo as escolas privadas recebiam apoio do governo para ajudar famílias que não tinham condições de pagar integralmente pela educação dos filhos. Dentro da educação privada, há uma diferença: algumas escolas recebem subsídios do governo, enquanto outras não.

Por isso, existe um tipo de escola privada que depende de subsídios do governo para pagar os professores, enquanto outra parte dessas escolas não recebe nenhum financiamento estatal. Essas escolas que não dependem do Estado financiam suas despesas apenas com as mensalidades cobradas das famílias, além de buscar benefícios adicionais. Geralmente, essas escolas mais elitistas atendem famílias com mais recursos, em comparação com aquelas que recebem algum apoio financeiro do governo. Na maioria dos casos, essas últimas são geridas por congregações religiosas católicas.

O discurso que defendia uma estratégia discriminatória tinha como foco principal não a ideia de “restaurar valores perdidos”, mas sim a necessidade de “atualizar o sistema educacional de acordo com as demandas do momento” e “responder às profundas transformações científicas e tecnológicas”. Ou seja, a prioridade não era a educação em si como um fim, mas sim uma condição necessária para colocar em prática certas propostas. Essa abordagem, que combinava elementos modernizadores e tecnocráticos, acabou rompendo a unidade do sistema público de ensino (PINEAU, 2014).

Como resultado, surgiram circuitos diferenciados para diferentes setores sociais, tornando o sistema subordinado ao modelo de distribuição de renda regressivo e às exigências do mercado. Entre as mudanças ocorridas estão as transferências de escolas primárias e pré-primárias em 1978, os exames de admissão, as mensalidades universitárias, a adoção da subsidiariedade como postura oficial, o incentivo às Cooperativas Escolares, o Plano Dual no ensino técnico, o esvaziamento de conteúdos, a negação do ensino e a segmentação interna do sistema (PINEAU, 2014).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo depreender como as ditaduras militares afetaram os sistemas de educação no Brasil e na Argentina. Para isso, analisamos as estratégias de controle, as reformas estruturais e o clima de repressão que marcaram o ensino nesses países entre as décadas de 1960 e 1980. Ao revisitar esses objetivos, percebemos que a educação deixou de ser vista como um direito social completo, passando a ser uma ferramenta importante para garantir a segurança do Estado e adequar os estudantes às demandas do mercado de trabalho industrial. Em ambos os países, as instituições de ensino foram alvo de um projeto de poder que buscava silenciar o pensamento crítico e criar uma atmosfera de vigilância mútua.

Os resultados mostram que, mesmo com diferentes detalhes e cronologias, os regimes usaram a educação como uma ferramenta para consolidar projetos autoritários de forma contínua. No Brasil, por exemplo, destacou-se a forma como a alfabetização foi instrumentalizada pelo MOBRAL e pelo IPES, que priorizaram uma formação mais técnica e funcional. O objetivo era atender à demanda por mão de obra urbana, muitas vezes à custa da emancipação intelectual das pessoas. Na Argentina, o retrocesso foi mais evidente e violento, especialmente na autonomia das universidades, que sofreram militarização nos campus. Ademais, o sistema público de educação ficou fragmentado, o que aprofundou as desigualdades sociais e levou ao esvaziamento de conteúdos mais ligados às áreas científicas e humanísticas.

Em resposta à pergunta problema, podemos concluir que o sistema de ensino foi utilizado de forma instrumental, por meio de um binômio que combina repressão física — como perseguições, exílios e vigilância — com uma reforma ideológica marcada pelo silêncio às ciências humanas e pela submissão ao mercado. Esse retrocesso não foi apenas pedagógico, mas também civilizatório, ao transformar escolas e universidades em espaços de controle social e ao substituir uma formação mais completa por treinamentos técnicos ou por uma doutrinação cívica alinhada ao regime.

Do ponto de vista metodológico, esta pesquisa foi baseada em uma revisão bibliográfica que proporcionou uma análise comparativa sólida, apoiada em autores de destaque como Souza (1981) e Pineau (2014). No entanto, há limitações importantes: não foi possível aprofundar as resistências locais nem as diferenças regionais específicas, pois o foco das políticas nacionais é mais geral. E depois, ao depender de fontes documentais da época, podemos ter deixado passar detalhes das experiências cotidianas e subjetivas de alunos e professores que não ficaram registrados nos arquivos oficiais.

Por fim, como sugestão para estudos futuros, recomenda-se realizar pesquisas de história oral com professores que atuaram naquele período, além de estudos de caso comparativos sobre a resistência acadêmica em diferentes universidades. Também é importante explorar de que forma a herança tecnicista e a segmentação do ensino, deixadas pelos períodos autoritários, ainda influenciam os debates sobre as reformas educacionais atuais na América Latina. Essa abordagem pode ajudar a entender melhor os desafios que enfrentamos hoje para construir uma educação verdadeiramente democrática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Doutorando em Ciências da Educação da Facultad Interamericana de Ciencias Sociales, Assunção, Paraguai. E-mail: [email protected]