CYBERBULLYING: VIOLÊNCIA ESCOLAR NA ERA DIGITAL E AS CONSEQUÊNCIAS NO ENSINO
PDF: Clique aqui
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17917197
Leonardo Simões dos Santos1
Ronise do Nascimento Ferreira2
RESUMO
Este artigo visa analisar o fenômeno do cyberbullying como uma forma de violência escolar que se intensifica na era digital e repercute diretamente no processo de ensino e aprendizagem. A expansão das tecnologias de comunicação transformou a escola em um espaço no qual conflitos presenciais se prolongam e ganham novas dimensões no ambiente virtual, ampliando o impacto das interações entre estudantes. As agressões digitais, como insultos, exposição indevida, ameaças e exclusões em redes sociais, apresentam características próprias, marcadas pela rapidez da circulação das informações, pelo anonimato e pela permanência dos conteúdos ofensivos, que frequentemente escapam ao controle institucional. Embora ocorra no meio digital, o cyberbullying está profundamente relacionado às relações sociais que os estudantes constroem no cotidiano escolar, revelando disputas, desigualdades e tensões que atravessam a convivência entre pares. Seus efeitos são amplos: comprometem o desempenho acadêmico, geram queda na autoestima, isolamento, ansiedade, dificuldades de concentração e prejudicam vínculos afetivos e sociais importantes para a aprendizagem. Além disso, afetam a dinâmica da sala de aula, exigindo dos professores maior esforço de mediação, escuta qualificada e reorganização do clima educativo para restaurar a segurança emocional dos estudantes. Nesse contexto, torna-se essencial que a escola desenvolva práticas pedagógicas que integrem educação digital, convivência ética, participação da comunidade escolar e fortalecimento das relações interpessoais. A prevenção ao cyberbullying demanda ações contínuas, formação crítica para o uso das tecnologias e políticas institucionais consistentes, capazes de promover respeito, diálogo, acolhimento e responsabilidade no contexto escolar. Metodologicamente, este estudo foi desenvolvido mediante pesquisa de cunho bibliográfico, permitindo a análise de abordagens teóricas e contribuições relevantes sobre o tema.
Palavras-chave: Cyberbullying; Violência escolar; Ensino.
ABSTRACT
This article aims to analyze the phenomenon of cyberbullying as a form of school violence that intensifies in the digital age and directly affects the teaching and learning process. The expansion of communication technologies has transformed the school into a space in which face-to-face conflicts are prolonged and acquire new dimensions in the virtual environment, amplifying the impact of student interactions. Digital aggressions—such as insults, undue exposure, threats, and exclusion on social networks—present specific characteristics marked by the speed of information circulation, anonymity, and the permanence of offensive content, which often escape institutional control. Although it occurs in the digital sphere, cyberbullying is deeply connected to the social relationships students build in their daily school life, revealing disputes, inequalities, and tensions that permeate peer interactions. Its effects are wide-ranging: they compromise academic performance, generate decreased self-esteem, isolation, anxiety, concentration difficulties, and harm affective and social bonds essential for learning. Furthermore, they affect classroom dynamics, requiring greater effort from teachers in mediation, qualified listening, and the reorganization of the educational environment to restore students’ emotional safety. In this context, it becomes essential for schools to develop pedagogical practices that integrate digital education, ethical coexistence, community participation, and the strengthening of interpersonal relationships. Preventing cyberbullying requires continuous actions, critical training for the use of technologies, and consistent institutional policies capable of promoting respect, dialogue, care, and responsibility within the school context. Methodologically, this study was conducted through bibliographic research, enabling the analysis of theoretical approaches and relevant contributions on the subject.
Keywords: Cyberbullying; School violence; Teaching.
1. INTRODUÇÃO
O avanço acelerado das tecnologias digitais transformou profundamente as formas de interação social, especialmente entre crianças e adolescentes que vivenciam grande parte de suas relações por meio de ambientes virtuais. Nesse contexto, a escola, tradicionalmente reconhecida como espaço central de socialização, aprendizagem e convivência, passou a lidar com desafios que extrapolam os limites físicos da instituição. Entre esses desafios, destaca-se o cyberbullying, uma forma de violência que se manifesta por meio de agressões virtuais e que tem afetado de maneira expressiva o cotidiano escolar e o processo de ensino e aprendizagem.
A violência digital se caracteriza pela rapidez com que conteúdos circulam, pela sensação de anonimato e pela permanência dos registros online, o que intensifica o impacto emocional sobre as vítimas. Situações antes restritas aos corredores e salas de aula agora se prolongam no ambiente virtual, ampliando o alcance das agressões e tornando a experiência escolar mais complexa. Essa dinâmica evidencia que o cyberbullying não é um fenômeno isolado, mas está profundamente relacionado às relações sociais que os estudantes constroem dentro e fora da escola.
As manifestações dessa violência aparecem de diversas formas, incluindo insultos, exposição indevida de imagens, criação de perfis falsos, ameaças e exclusão deliberada de grupos virtuais. Crianças e adolescentes que vivenciam agressões virtuais frequentemente apresentam sinais de ansiedade, queda na autoestima, isolamento e dificuldades de aprendizagem, o que compromete sua participação nas atividades escolares e prejudica seu desenvolvimento integral.
Além das vítimas diretas, o cyberbullying afeta toda a dinâmica da sala de aula ao gerar tensões entre os estudantes e demandar maior esforço dos professores para mediar conflitos e restabelecer um clima de cooperação e respeito. O ambiente escolar, portanto, torna-se um espaço onde repercutem não apenas as consequências emocionais das agressões virtuais, mas também os desafios pedagógicos e institucionais decorrentes desse fenômeno.
Diante desse cenário, torna-se imprescindível que as escolas reconheçam a violência digital como parte do cotidiano contemporâneo e desenvolvam estratégias que integrem tecnologia, convivência e formação ética. Promover uma cultura de respeito, diálogo e responsabilidade no uso das tecnologias é passo fundamental para prevenir a violência e minimizar seus efeitos sobre o ensino.
Assim, estudar o cyberbullying no contexto escolar significa compreender suas múltiplas dimensões, suas implicações nas relações sociais e seus impactos no processo educativo. O presente artigo analisa esse fenômeno a partir de sua natureza relacional e de suas consequências no ensino, destacando a necessidade de ações pedagógicas consistentes e políticas institucionais que favoreçam a convivência saudável e a proteção dos estudantes na era digital.
2. VIOLÊNCIA DIGITAL E SUAS MANIFESTAÇÕES
A compreensão do fenômeno da violência digital exige reconhecer que os espaços virtuais se tornaram extensões diretas das relações sociais que se constituem no cotidiano escolar. O avanço das tecnologias de comunicação expandiu as possibilidades de interação entre crianças e adolescentes, mas também ampliou o alcance de práticas agressivas que anteriormente ficavam restritas ao ambiente físico.
A violência que antes ocorria nos corredores, pátios e salas de aula agora pode se manifestar em redes sociais, jogos eletrônicos, aplicativos de mensagens e outras plataformas digitais usadas pelos estudantes.
As pesquisas recentes mostram que a violência digital possui características próprias, especialmente pela velocidade com que mensagens e imagens circulam, pela sensação de anonimato e pelas dificuldades de controle e rastreamento das ações. Alonso e Madureira (2021) destacam que a violência digital afeta diretamente crianças e adolescentes, provocando insegurança e sofrimento emocional, algo que se intensifica pela continuidade e permanência do conteúdo ofensivo.
Estas manifestações são parte de um fenômeno que se relaciona à cultura digital dos estudantes, que crescem em ambientes permeados por dispositivos tecnológicos. Lemos e Bittencourt (2021) apontam que a violência digital se insere em um campo complexo de interações mediadas por tecnologias e envolve disputas simbólicas que passam pela afirmação de poder, pela busca de visibilidade e pelo reconhecimento entre pares.
Do ponto de vista pedagógico, a violência digital desafia professores e gestores, pois seus efeitos repercutem diretamente no ambiente escolar e refletem questões mais amplas da convivência entre estudantes. Mesmo quando a agressão ocorre fora da escola, por meio de aplicativos ou redes sociais, as consequências costumam se manifestar no espaço escolar, afetando desempenho, vínculos e participação.
Por isso, pesquisadores como Tardelli e Ferraz (2022) observam que a escola deve assumir um papel ativo na mediação dessas situações, desenvolvendo práticas educativas que abordem não apenas a prevenção, mas também a construção de uma cultura de respeito e responsabilidade no uso das tecnologias.
A análise da violência digital também requer considerar a noção de violência simbólica, presente nas relações sociais e amplificada nos ambientes virtuais. As práticas de humilhação pública e exposição vexatória, por exemplo, utilizam recursos digitais para reforçar desigualdades e posições de poder entre os estudantes. Como afirmam Barbosa e Carvalho (2023), a violência simbólica online se manifesta na desqualificação do outro por meio de imagens, vídeos e comentários que circulam amplamente e permanecem acessíveis por longos períodos.
Alonso e Madureira (2021) ressaltam que vítimas de violência digital frequentemente experimentam sentimentos de isolamento e medo, o que reforça a importância do apoio escolar no enfrentamento dessas situações.
Nas manifestações de violência digital é o anonimato, que permite que estudantes se expressem de forma agressiva sem assumirem a autoria dos conteúdos. Essa sensação de invisibilidade gera um ambiente de permissividade, em que comportamentos ofensivos surgem sem o filtro social que regula as interações presenciais.
Mesmo quando a identidade do agressor é conhecida, a distância promovida pela tela reduz o impacto emocional imediato da agressão, estimulando comportamentos que dificilmente seriam expressos face a face. Alonso e Madureira (2021) observam que essa distância emocional facilita a ocorrência de agressões reiteradas, pois o agressor não visualiza diretamente as consequências de suas ações.
Lemos e Bittencourt (2021) argumentam que essa característica particular dos ambientes digitais constitui um dos elementos que distingue a violência digital das agressões físicas, pois confere um caráter continuado ao dano emocional.
Ao reconhecer a complexidade dessas manifestações, torna-se evidente que a violência digital exige ações pedagógicas que integrem tecnologia, convivência e formação ética. Tardelli e Ferraz (2022) ressaltam que a escola deve adotar práticas que promovam o diálogo e a escuta ativa, criando espaços de orientação sobre o uso responsável das tecnologias.
A criação de ambientes digitais seguros depende tanto de diretrizes institucionais quanto da construção de vínculos entre professores e alunos, permitindo que os estudantes se sintam confortáveis para relatar situações de agressão e buscar ajuda quando necessário.
A mediação docente desempenha papel central na prevenção e enfrentamento da violência digital, pois possibilita que os alunos reflitam sobre as implicações éticas de suas ações e compreendam que o ambiente virtual não é um espaço isento de responsabilidade social.
Como afirmam Costa e Amaral (2020), a cultura digital exige dos sujeitos capacidades de leitura crítica, participação consciente e respeito às múltiplas formas de expressão que emergem no cotidiano das redes.
É fundamental destacar que a escola precisa reconhecer a violência digital como parte integrante da experiência escolar contemporânea. Mesmo que ocorra fora dos limites físicos da instituição, suas repercussões recaem sobre o comportamento, o rendimento escolar e as relações sociais dos estudantes.
A reflexão do Callou (2021) expressa de forma clara no trecho abaixo:
A violência atualmente é uma das principais causas de morte e adoecimento no mundo e tida como importante problema de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde (OMS) a caracteriza como o uso intencional da força física ou poder, em ameaça real, contra si ou outra pessoa, grupo ou comunidade, e que possa resultar em danos psicológicos, ferimentos, privação social, mau desenvolvimento ou morte. (Callou et al., 2021, p. 544).
Essa formulação contribui para situar a violência digital dentro de um quadro mais amplo de manifestações, indicando que agressões mediadas por tecnologias compartilham elementos estruturais da violência tradicional, tais como intencionalidade, dano emocional e repercussões sociais.
Assim, a violência digital é compreendida nesta pesquisa como um fenômeno complexo que envolve múltiplas dimensões e atravessa a experiência escolar contemporânea, exigindo ações articuladas que integrem práticas pedagógicas, formação docente e políticas de convivência. Ela se insere no cotidiano dos estudantes de forma contínua e, por isso, precisa ser analisada com profundidade, sensibilidade e rigor conceitual. A escola, enquanto espaço de socialização, desempenha papel estratégico no enfrentamento desse fenômeno, contribuindo para a construção de ambientes digitais mais éticos e seguros.
3. CYBERBULLYING COMO FENÔMENO RELACIONAL E ESCOLAR
O cyberbullying se consolidou como uma das expressões contemporâneas mais complexas das relações entre estudantes, configurando-se como fenômeno essencialmente relacional e profundamente vinculado ao cotidiano escolar.
Embora ocorra em ambientes virtuais, suas raízes estão nos vínculos sociais estabelecidos entre crianças e adolescentes, que transferem para as plataformas digitais tensões, conflitos e disputas construídas nas interações presenciais.
Compreender o cyberbullying como fenômeno relacional implica reconhecer que ele se alimenta de estruturas sociais pré-existentes. Muitas vezes, estudantes que já vivenciam situações de exclusão ou desvalorização no espaço físico da escola tornam-se mais vulneráveis às agressões virtuais.
Da mesma forma, aqueles que exercem poder simbólico nas relações presenciais tendem a reproduzi-lo nas plataformas digitais, ampliando seu alcance e a intensidade das agressões. Ferreira e Deslandes (2018) observam que o cyberbullying envolve “dinâmicas que se articulam entre o ambiente digital e o contexto escolar, tornando a violência mais complexa e difícil de ser interrompida” (p. 3371). Essa articulação evidencia que a escola continua sendo o palco simbólico das relações que se manifestam, ainda que mediadas por telas.
A literatura aponta que não existem apenas agressores e vítimas, mas também testemunhas virtuais que reforçam, silenciam ou provocam reações, contribuindo para manter ou interromper a violência. Esses papéis não são fixos: estudantes podem circular entre eles, dependendo dos grupos aos quais pertencem, do tipo de plataforma utilizada e das dinâmicas relacionais vigentes. Wendt e Lisboa (2013) explicam que o cyberbullying “configura-se como processo relacional no qual os papéis se alternam e se redefinem conforme a interação se desenvolve” (p. 75). Essa fluidez reforça a necessidade de identificar como esses jovens se posicionam nas interações digitais e quais sentidos atribuem a essas práticas.
O ambiente virtual apenas amplifica esses conflitos, oferecendo aos estudantes ferramentas de exposição, anonimato e disseminação rápida de conteúdos ofensivos. Souza, Simão e Caetano (2014) reforçam essa compreensão ao afirmarem que “o cyberbullying mantém vínculos estreitos com o contexto escolar, onde os estudantes constroem seus repertórios relacionais e suas formas de interação social” (p. 586).
Outro aspecto que reforça o caráter relacional do cyberbullying é o modo como os estudantes utilizam as plataformas digitais para negociar identidades e posições sociais. O ambiente virtual se torna palco de performances, no qual estudantes testam formas de expressão e constroem imagens sobre si mesmos.
Segundo Caetano et al. (2016), “as emoções desempenham papel central nas interações que sustentam o cyberbullying , especialmente pela influência dos pares e pelos modos de reconhecimento afetivo presentes nos ambientes digitais” (p. 205).
O cyberbullying também se configura como prática que desafia a capacidade institucional da escola em lidar com conflitos provenientes do espaço digital. Muitas vezes, professores e gestores afirmam dificuldades em identificar a origem das agressões, compreender os contextos e intervir de forma adequada.
Estudantes que se encontram em posição de fragilidade tendem a ser mais expostos a agressões, enquanto aqueles que possuem maior influência social ou domínio tecnológico podem exercer maior poder nas interações digitais. Bozza e Vinha (2017) destacam que programas de prevenção ao cyberbullying precisam considerar essa dimensão relacional, pois “a violência virtual se apoia em vínculos desiguais e se sustenta por mecanismos coletivos que reforçam posições de poder” (p. 1925). Assim, qualquer análise do cyberbullying como fenômeno escolar deve considerar os arranjos sociais presentes na própria instituição.
O anonimato e a distância emocional oferecida pelo ambiente digital interferem nas relações entre estudantes. Muitas agressões ocorrem com base na percepção de que não haverá consequências imediatas, o que favorece comportamentos impulsivos e agressivos. Essa sensação de impunidade fortalece a violência digital e faz com que estudantes adotem discursos mais hostis do que adotariam presencialmente.
Esse processo evidencia como a violência digital se articula à sociabilidade do grupo, revelando tensões, disputas e formas de afirmação identitária que atravessam o cotidiano escolar e ultrapassam o limite físico da instituição.
As interações que ocorrem nas plataformas digitais fluem continuamente para o interior da escola, onde produzem efeitos emocionais, sociais e pedagógicos. As disputas simbólicas, as alianças entre pares e os episódios de humilhação ganham amplitude no ambiente digital, afetando a convivência, o desempenho acadêmico e a participação dos estudantes.
A ausência de barreiras espaciais faz com que a violência se prolongue no tempo, ampliando seu impacto. O cyberbullying requer olhar atento às relações que estruturam a vida escolar, já que nelas está a base da maior parte das situações que emergem nas redes.
A seguir, apresenta-se uma explicação que aprofunda essa discussão:
O trabalho efetivo contra o bullying e cyberbullying é construído com diversos atores, por isso a importância de se construir uma equipe multidisciplinar que trabalhe fortemente questões de combate à violência dentro e fora da escola, com uma equipe de profissionais gabaritados que possam de fato contribuir para o combate: professores, gestores, funcionários da escola, psicólogos, assistentes sociais, entre outros profissionais capazes de dialogar e tratar o problema da forma correta (Santos, 2023, p. 64).
Esse contexto reforça o caráter interdependente das ações relacionadas ao enfrentamento da violência digital, revelando que o fenômeno não pode ser interpretado exclusivamente como conflito entre indivíduos.
Em muitos grupos, estudantes em posição de maior prestígio social utilizam o ambiente digital para reforçar sua autoridade simbólica, utilizando a violência como recurso para manter influência. Essas práticas reforçam hierarquias e criam climas relacionais que dificultam a participação saudável de todos. Wendt e Lisboa (2014) ressaltam que “o cyberbullying se manifesta como forma de agressão sustentada em assimetrias de poder que se reproduzem no universo digital” (p. 42). Tal observação revela que o fenômeno não pode ser compreendido apenas pela análise dos comportamentos individuais, mas pela investigação das relações estruturais que se organizam dentro da escola.
A criação de espaços de diálogo, atividades de reflexão e práticas pedagógicas que valorizem a expressão emocional dos estudantes contribuem para desconstruir comportamentos hostis e fortalecer relações mais solidárias. A promoção dessas ações pode reduzir significativamente a reprodução de violências no ambiente digital, pois favorece a construção de vínculos baseados na cooperação e na compreensão mútua.
A partir dessa análise, torna-se possível afirmar que o cyberbullying é fenômeno profundamente enraizado nas relações escolares e que sua compreensão exige olhar atento às dinâmicas sociais que estruturam a convivência entre estudantes. Essa perspectiva permitirá, nas próximas seções, avançar para o estudo das políticas institucionais e das diretrizes que embasam a prevenção e a intervenção no contexto educacional.
Assim, finalizada a discussão sobre o caráter relacional do fenômeno, abre-se espaço para o aprofundamento dos referenciais normativos que orientam as práticas de enfrentamento no âmbito escolar, tema central da seção seguinte.
4. OS EFEITOS DO CYBERBULLYING NO ENSINO
O avanço das tecnologias digitais tem modificado profundamente os modos de comunicação e interação social, especialmente entre crianças e adolescentes. Se, por um lado, o ambiente virtual amplia possibilidades de aprendizagem, por outro, abre espaço para novas formas de violência, entre elas o cyberbullying.
Segundo Kowalski, Limber e Agatston (2012, p. 15), o cyberbullying consiste em “qualquer comportamento agressivo praticado por meio de dispositivos digitais, de maneira repetida, com intenção de causar dano”. Essa forma de violência é particularmente preocupante no contexto escolar porque extrapola os limites físicos da escola, podendo ocorrer a qualquer momento e gerar impactos significativos no desenvolvimento emocional, social e pedagógico dos estudantes.
No âmbito educacional, os efeitos do cyberbullying manifestam-se em múltiplas dimensões. Baraldsnes (2015, p. 44) destaca que o ambiente escolar deve ser entendido como “um espaço privilegiado de formação integral”, o que inclui garantir segurança e bem-estar. Todavia, quando o estudante se torna alvo de ataques virtuais, a escola vê comprometida sua capacidade de promover um ambiente estável e emocionalmente seguro. A ansiedade, o medo e o constrangimento decorrentes da vitimização digital prejudicam a concentração, o engajamento e o desempenho acadêmico.
Diversos estudos apontam que os impactos psicológicos do cyberbullying podem ser tão ou mais graves do que os do bullying presencial. Para Willard (2007), a violência virtual tende a causar efeitos prolongados, pois a exposição digital é permanente e dificilmente controlável. O registro virtual das agressões, sua rápida disseminação e a ausência de fronteiras temporais fazem com que a vítima reviva constantemente a situação. No contexto de aprendizagem, isso significa um estudante emocionalmente fragilizado, com menor capacidade de organizar rotinas de estudo e de participar de atividades escolares.
Além dos danos emocionais, o cyberbullying compromete o rendimento escolar. Hinduja e Patchin (2015) explicam que alunos que sofrem agressões digitais tendem a apresentar: quedas significativas nas notas, redução de participação em sala de aula e maior incidência de absenteísmo. Isso ocorre porque a vítima frequentemente associa o ambiente educacional aos agressores, mesmo quando a violência acontece fora da escola. O medo da exposição e do julgamento faz com que muitos estudantes evitem interações com colegas e até mesmo deixem de frequentar as aulas.
No que se refere à socialização, o cyberbullying também provoca forte isolamento. Smith et al. (2008) afirmam que a vítima desenvolve a sensação de que não pertence ao grupo, o que leva ao retraimento e à ruptura de vínculos sociais importantes. Em crianças e adolescentes, essa ruptura pode impedir o desenvolvimento de habilidades socioemocionais fundamentais, como cooperação, empatia e comunicação. A ausência dessas habilidades impacta diretamente o processo de ensino-aprendizagem, já que a interação é componente essencial da construção do conhecimento.
A escola, enquanto instituição social, enfrenta o desafio de lidar com um fenômeno que não se limita ao espaço físico. Para Bauman (2013), a sociedade contemporânea vive em um estado de “modernidade líquida”, caracterizada por relações frágeis, voláteis e intensamente mediadas pela tecnologia. Nesse contexto, as fronteiras entre público e privado tornam-se tênues, e a exposição excessiva contribui para que agressões virtuais se tornem mais frequentes. Assim, a escola precisa repensar suas práticas pedagógicas e desenvolver estratégias de prevenção e intervenção que dialoguem com a realidade digital dos estudantes.
Um dos efeitos mais prejudiciais do cyberbullying no ensino diz respeito à perda de sentido e motivação do estudante para aprender.
Segundo Bzuneck (2009)
A motivação escolar depende do sentimento de competência, pertencimento e reconhecimento. Quando o aluno é alvo de agressões virtuais, esses elementos são profundamente abalados, gerando desinteresse, medo e comportamentos de fuga. Muitos estudantes deixam de participar de atividades colaborativas ou evitam o uso de ferramentas digitais por temor de novas exposições (Bzuneck 2009, p. 18).
Para além da vítima, os efeitos do cyberbullying também atingem toda a dinâmica da sala de aula. Olweus (2013) ressalta que a violência escolar, em qualquer de suas formas, deteriora o clima educativo e compromete a capacidade do professor de conduzir o processo de ensino. Em contextos onde a violência digital é frequente, os professores enfrentam desafios adicionais: necessidade de mediar conflitos, lidar com tensões entre alunos, acompanhar queixas e promover atividades de conscientização. Isso demanda tempo, energia e formação específica.
Outro impacto significativo se refere aos professores, que muitas vezes também se tornam alvo de ataques virtuais. Caso e Williams (2019, p. 204) explicam que o cyberbullying contra profissionais da educação gera “desgaste emocional, sentimento de desvalorização e redução da percepção de autoeficácia docente”. Esses fatores afetam diretamente a qualidade do ensino e o relacionamento pedagógico entre professores e estudantes.
Diante desse cenário, torna-se imprescindível que as escolas desenvolvam práticas pedagógicas que incluam a educação digital e a formação ética no uso das tecnologias.
Livingstone (2014) afirma:
A alfabetização digital não se limita ao domínio técnico, mas envolve capacidade crítica, responsabilidade e consciência das consequências das ações online. Programas educativos que abordam empatia, respeito e cidadania digital têm se mostrado eficazes na redução de comportamentos violentos no ambiente virtual. A atuação da escola, contudo, não pode ser isolada. É necessário que haja diálogo constante entre instituição, família e comunidade (Livingstone, 2014, p. 58).
Para Fante (2015, p. 89), “a prevenção ao cyberbullying exige ações articuladas e contínuas, que envolvam orientação aos pais, formação de docentes e acompanhamento psicológico aos estudantes”. A colaboração entre esses atores fortalece redes de proteção e amplia a capacidade de resposta às situações de violência digital.
Em síntese, os efeitos do cyberbullying no ensino são amplos e complexos. Eles se manifestam no desempenho acadêmico, na saúde emocional, na socialização e no clima escolar como um todo. A violência digital não apenas prejudica a vítima, mas compromete o processo educativo e desafia a escola a repensar seu papel numa sociedade profundamente marcada pela presença da tecnologia. Assim, torna-se urgente que as instituições de ensino implementem políticas de prevenção, acolhimento e formação digital crítica, garantindo um ambiente pedagógico saudável, seguro e propício ao desenvolvimento integral dos estudantes.
CONCLUSÃO
O fenômeno do cyberbullying, analisado ao longo deste estudo, revela-se como uma forma complexa e crescente de violência escolar, que ultrapassa os limites físicos da instituição e se estende ao ambiente digital, marcado pela rapidez da circulação de informações, pelo anonimato e pela permanência dos conteúdos ofensivos. Os capítulos apresentados demonstraram que essa violência não ocorre de maneira isolada, mas está profundamente enraizada nas relações sociais que os estudantes constroem dentro e fora da escola, refletindo estruturas de poder, disputas simbólicas e dinâmicas grupais características da convivência escolar contemporânea.
Ao mesmo tempo, verificou-se que os impactos do cyberbullying vão além do campo emocional, afetando de forma significativa o processo de ensino e aprendizagem. Estudantes vítimas dessa forma de agressão frequentemente apresentam queda no rendimento, dificuldades de concentração, absenteísmo e ruptura de vínculos sociais, comprometendo tanto seu desenvolvimento acadêmico quanto suas habilidades socioemocionais. A violência digital também repercute na dinâmica coletiva da sala de aula, criando tensões, inseguranças e sobrecarga para professores, que precisam lidar com conflitos complexos, muitas vezes iniciados fora do ambiente escolar. Nesse sentido, evidencia-se que o cyberbullying não atinge apenas indivíduos, mas compromete o clima educativo como um todo.
Além disso, tornou-se claro que a compreensão do cyberbullying como fenômeno relacional e escolar exige um olhar que articule aspectos pedagógicos, psicológicos, tecnológicos e sociais. A violência virtual não é apenas um problema de comportamento, mas resultado de interações que envolvem identidades, emoções, disputas e desigualdades reproduzidas no ambiente digital. Por isso, o enfrentamento desse fenômeno demanda ações integradas que considerem a complexidade das relações que se estabelecem entre os estudantes e o papel central da escola como espaço formativo.
Diante desse cenário, reforça-se a necessidade de políticas institucionais consistentes que incluam práticas de prevenção, mediação de conflitos, acolhimento e formação ética no uso das tecnologias. A educação digital crítica, aliada ao fortalecimento dos vínculos entre escola, família e comunidade, mostra-se essencial para promover ambientes seguros, inclusivos e respeitosos, nos quais os estudantes possam se desenvolver de maneira integral. A criação de práticas pedagógicas que incentivem empatia, responsabilidade e diálogo contribui significativamente para a redução da violência e para a construção de uma cultura escolar mais humanizada.
Assim, conclui-se que o enfrentamento do cyberbullying deve ser entendido como compromisso coletivo e contínuo. A escola, enquanto espaço de socialização e aprendizagem, tem papel fundamental na formação de cidadãos capazes de atuar de forma crítica e ética na era digital. Investir na prevenção da violência virtual não é apenas proteger estudantes, mas garantir a qualidade do processo educativo e fortalecer a missão social da educação diante dos desafios do mundo contemporâneo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALONSO, L.; MADUREIRA, A. Violência digital e vulnerabilidades infantojuvenis: desafios contemporâneos. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 21, n. 3, p. 915–932, 2021. Disponível em: https://www.epublicacoes.uerj.br/. Acesso em: 02 dez. 2025.
BARALDSNES, Daniel. Cyberbullying in Schools: Causes, Effects and Prevention. Oslo: Oslo and Akershus University College, 2015.
BARBOSA, R.; CARVALHO, D. Ameaças virtuais e violência simbólica online: análise das manifestações de agressão digital entre estudantes. Cadernos de Educação, v. 38, n. 2, p. 140–159, 2023. DOI: 10.15210/cad.educ.v38i2.23610. Acesso em: 15 set. 2025.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
Bozza, T. C. L.; Vinha, T. P. Quando a violência virtual nos atinge: os programas de educação para a superação do cyberbullying e outras agressões virtuais. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 12, n. 3, p. 1919-1939, 2017.
BZUNECK, José Aloyseo. Motivação para aprender: aplicações no contexto educativo. Petrópolis: Vozes, 2009.
Caetano, A. P.; Freire, I.; Simão, A. M. V.; Martins, M. J. D.; Pessoa, M. T. Emoções no cyberbullying: um estudo com adolescentes portugueses. Educação e Pesquisa, v. 42, n. 1, p. 199-212, 2016.
CASO, Jaimie; WILLIAMS, Kimberley. Cyberbullying among educators: Impacts and challenges. Journal of School Violence, v. 18, n. 2, p. 200–216, 2019.
COSTA, R.; AMARAL, A. Cultura digital: perspectivas críticas. São Paulo: Paulus, 2020.
FANTE, Cléo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 5. ed. Campinas: Verus, 2015.
FERREIRA, T. R. S. C.; DESLANDES, S. F. Cyberbullying: conceituações, dinâmicas, personagens e implicações à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 10, p. 3369-3379, 2018. DOI: 10.1590/1413-812320182310.13482018. Acesso em: 05 nov. 2025.
HINDUJA, Sameer; PATCHIN, Justin. Bullying beyond the schoolyard: Preventing and responding to cyberbullying. 2. ed. Thousand Oaks: Sage, 2015.
KOWALSKI, Robin; LIMBER, Susan; AGATSTON, Patricia. Cyberbullying: Bullying in the digital age. 2. ed. Malden: Wiley-Blackwell, 2012.
LEMOS, A.; BITTENCOURT, I. Violências emergentes na esfera digital: práticas, sentidos e implicações sociais. Comunicação & Sociedade, v. 43, n. 1, p. 1–22, 2021. DOI: 10.17231/comsoc.43(2021). Acesso em: 27 nov. 2025.
LIVINGSTONE, Sonia. Children’s online risks and opportunities. London: London School of Economics, 2014.
OLWEUS, Dan. Bullying at school: What we know and what we can do. Chichester: Wiley-Blackwell, 2013.
SANTOS, Leonardo Simões dos. Bullying e cyberbullying na percepção de gestores e professores de alunos do 6º e 7º ano em três escolas privadas em Guarulhos-SP. 2025. 228 f. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) – Christian Business School, Paris, 2025.
SMITH, Peter; MAHDAVI, Jess et al. Cyberbullying: its nature and impact in secondary school pupils. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 49, n. 4, p. 376–385, 2008.
Souza, S. B.; Simão, A. M. V.; Caetano, A. P. Cyberbullying: percepções acerca do fenômeno e das estratégias de enfrentamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 27, n. 3, p. 582-590, 2014.
TARDELLI, M.; FERRAZ, A. Redes sociais e violência entre pares: estudo das dinâmicas digitais no ambiente escolar. Revista Brasileira de Educação, v. 27, e270069, 2022. DOI: 10.1590/1809-449X2022270069. Acesso em: 05 nov. 2025.
WENDT, G. W.; LISBOA, C. S. M. Agressão entre pares no espaço virtual: definições, impactos e desafios do cyberbullying. Psicologia Clínica, v. 25, n. 1, p. 73–87, 2013.
WILLARD, Nancy. Cyberbullying and cyberthreats: Responding to the challenge of online social aggression, threats, and distress. Champaign: Research Press, 2007.
1 Pós-Doutorando em Psicologia pela Universidad de Flores (Argentina), Doutorado em Educação pela Christian Business School (USA e França) e Facultad Interamericana de Ciencias Sociales (Py) - Doutorado Livre em Psicanálise pela American Andragogy University - EUA (conclusão 2023). - Mestrado em Educação pela Universidad de la Empresa – Uruguai (conclusão 2022). - Mestrado Livre em Teologia pela Faculdade Metodista Livre de São Paulo (conclusão 2008). - Mestrado com dupla titulação: Internacional en Psicologia Infantil y adolescente / Internacional en Coach e Inteligência Emocional Infantil y juvenil pela Esneca Bussiness School - Espanha (conclusão 2022). - MBA em Gestão Empresarial Estratégica de Negócios pela Universidade de São Paulo-USP (conclusão 2006). - Pós-graduação em Psicanálise pela Faculdade Iguaçu (conclusão 2023). - Curso de Extensão em Capacitação em Comunidades Terapêuticas pela UNESP (conclusão em 2011). – Graduação em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (conclusão 2004). – Graduação em Psicologia pela Universidade São Marcos (conclusão 2012). – Graduação em História pela Faculdade Campos Eliseos (conclusão 2025). - Gerente de Relacionamento na GPS Pamcary Logistica e Gerenciamento de Risco Ltda. (1999 - atual) / Psicólogo Clínico (2012 - atual) / Professor Orientador de Mestrado e Doutorado na Facultad Interamericana de Ciencias Sociales (Paraguai).
2 Doutorando em Educação pela Christian Business School (USA e França); Mestrado em Ciências da Educação na Faculdad Interamericanade Ciências Sociales (FICS - Paraguai). Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Paranaguá-PR. Pedagoga Coordenadora Educacional - Servidora Pública Municipal na cidade de Paranaguá no Paraná. Especialização na educação, com ênfase a Educação Em Ensino Integral e formação complementar em Gestão Escolar.