AS OPERAÇÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS NA RESOLUÇÃO DO CONFLITO NA SOMÁLIA NO PERÍODO DE 1992 Á 1995
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14830430
Juvenal Pelo Quiassa
RESUMO
O presente artigo, procura analisar as operações de paz das Nações Unidas na resolução do conflito na Somália, analisando de que maneira esta organização reagiu à proliferação dos conflitos armados intraestatais durante a década de 1990. A Somália, viveu nas últimas duas décadas um dos períodos mais conturbados da sua história recente. Desde o fim do regime de Barré em 1991, a comunidade política fragmentou-se em diversos clãs armados lutando entre si visando o controle de recursos e de poder. As consequências desses confrontos entre diferentes clãs, somado a grande seca que atingiu a região do chifre da África nos anos 80 e 90 causou uma das maiores crises humanitárias da história do país. Deste modo, a Organização das Nações Unidas em 1992, com o objectivo de solucionar o problema humanitário que ocorria no Corno da África, interessou-se pelo conflito na Somália. Com o intuito de encontrar solução para o problema do conflito somali (1992-1995), adotou operações regidas pelos capítulos VI e VII da Carta das Nações Unidas que não produziram determinados efeitos à solução dos problemas. Trata-se de um estudo predominantemente qualitativo com recurso as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental.
Palavras-chave: Conflitos, Nações Unidas, Somália.
ABSTRACT:
his article seeks to analyze the United Nations Peace Operations in the Resolution of the Somali in Conflict, analyzing how this Organization reacted to the proliferation of intrastate armed conflicts during the 1990s. Somalia, in the last two decades, has experienced one of the most troubled periods in its recent history. Since the end of the Barré regime in 1991, the political community has fragmented into several armed clans fighting each other for control of resources and power. The consequences of these clashes between different clans, combined with the great drought that hit the Horn of Africa region in the 80s and 90s, caused one of the biggest humanitarian crises in the country's history. Thus, in 1992, the United Nations, with the aim of solving the humanitarian problem occurring in the Horn of Africa, became interested in the conflict in Somalia. In order to find a solution to the problem of the Somali conflict (1992-1995), it adopted operations governed by chapters VI and VII of the United Nations Charter, which did not produce the expected effects in resolving the problems. This is a predominantly qualitative study using bibliographic and documentary research techniques.
Keywords: Conflicts, United Nations, Somalia.
1. INTRODUÇÃO
A Somália é um país que sofre com as mazelas da pobreza extrema desde a sua existência enquanto colônia1 situação que junto as consequências do seu processo de colonização foi agravada mesmo após a sua independência os conflitos no país se tornaram constantes após um golpe de Estado que desencadeou uma série de conflitos levando o país a uma guerra civil que desestabilizou a sua estrutura interna, assim uma enorme gama de problemas internos resultou na iniciativa da Organização das Nações unidas em intervir nesses conflitos internos.
As intervenções de paz e humanitárias trazem consigo uma carga de interesses políticos dos países detentores do discurso dominante como Estados Unidos, Inglaterra e outros, onde os mesmos propõem medidas pacíficas para tentar resolver em curto prazo os problemas.
Apesar dos países serem soberanos reconhecidos como tal perante o sistema internacional, a Organizações das Nações unidas pode actuar com papel de manter a ordem quando países tidos como estados-falidos, fracassados ou sem governo, não conseguem exercer a sua soberania e consequentemente exercer a sua função que seria o de garantir a paz e estabilidade interna. Desse modo o discurso reproduzido pela Organização das Nações unidas enfatiza a necessidade de intervenções de paz e humanitárias.
Após o final da Guerra Fria, o mundo experimentou uma série de contextos como as “novas guerras” e os Estados falidos, de violação extrema dos direitos humanos e humanitários2 mais básicos, como o direito à vida. O caso somali foi escolhido para ser retratado, uma vez que se encaixa perfeitamente no perfil de um Estado falido, decorrente de sua situação de caos interno e práticas genocidas proferidas contra a população, apartando esta de seus direitos humanos e humanitários.
Diante deste facto, tornou-se necessário que a comunidade internacional encarasse tais problemas não mais como restritos aos ambientes domésticos dos Estados, mas como uma responsabilidade de todos os actores do sistema internacional.
O território Somali foi dominado por diversas nações, ingleses, franceses e italianos, o quais tomaram o controle de forma efectiva de algumas cidades do país, que conquistou a independência no dia 1° de julho de 1960. Desde então, a Somália passou a ser governada por ditadores e por grupos rebeldes. Essa situação deflagrou, em 1990, uma guerra civil entre clãs rivais que lutam pelo domínio do poder nacional.
Com base nessas premissas, a temática em análise possui o seu valor no âmbito da compreensão das constantes crises políticas e socias, que assolam cada vez mais o Estado Somali, e consequentemente procurar entender o impacto das forças externas na minimização da situação caótica no Estado da Somália.
De facto, que o presente artigo constitui-se um importante tentáculo para o estudo das relações internacionais, uma vez que constituem acontecimentos da prática internacional recente, suscitando uma maior reflexão e debates sobre o papel das Nações Unidas na resolução dos conflitos intra-estatais.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 As operações internacionais de promoção de Paz
O primeiro aspecto que deve-se levar em conta sobre as operações internacionais de promoção de Paz, é que, essas operações são geralmente promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), que tem como uma de suas principais funções manter a paz e a segurança internacionais.
O termo Operações de Paz, é utilizado em português com o intuito de denominar operações de manutenção da paz, a chamada “peacekeeping operation”.
Segundo James (1993, p.67), define operações de paz como:
A preservação, a contenção, a moderação e o término de hostilidade entre Estados ou no interior de Estados, pela intervenção pacifica de terceiros, organizada e dirigida internacionalmente, com o emprego de forças multinacionais de soldados, policiais e civis, para restaurar e manter a paz.
Mediante a visão autor supracitado, fica claro que, a presença dessas pessoas (soldados e polícia civil fruto da combinação das forças dos Estados) incentiva grupos hostis a não utilizarem armas e a continuarem a negociar com a vista a promover uma resolução pacífica das disputas.
Patriota (1998), define operações de paz como sendo uma operação que serve como instrumento para auxiliar os países devastados por conflitos a criarem condições para que a paz seja alcançada localmente.
Segundo o autor Filho (2004), a legitimidade das operações de paz da ONU é na maioria das vezes fruto das decisões do Conselho de Segurança da Organização, órgão político-diplomático com mandato dos países-membros para a tomada de decisões sobre paz e segurança. Desta feita, cabe ao Conselho de Segurança determinar se o é viável, ou não, estabelecer uma Missão de Paz naquela situação. Caso decida-se formar uma operação de paz, o Conselho emite um mandado com detalhes da ação (como orçamento e objectivo) para que esse seja aprovado na Assembleia Geral.
Portanto, historicamente as operações de paz tem sido um instrumento político utilizado por países e organizações internacionais para a resolução de conflitos.
Ainda na perspectiva de Filho (2004), foi exatamente com o fim da Guerra Fria, simbolizada pela queda da União Soviética, que o Conselho de Segurança passou a autorizar um elevado número de operações de paz a nível internacional. Com base no autor, é mister afirmar que a década de 90, constitui o marco histórico da fluidez das Operações de Paz das Nações Unidas.
Ora, é imperioso mencionar que as operações de paz levadas a cabo pela ONU estão tipificadas em cinco categorias tendo em conta o capítulo V e VI do Acto Constitutivo das Nações Unidas3:
Preventive Diplomacy
Também conhecida como, Diplomacia Preventiva, cuja ações normalmente consistem em actividades destinadas a prevenir o surgimento de controvérsias ou disputas entre as partes envolventes. Segundo Filho (2004), o principal trabalho da diplomacia preventiva é de evitar que tais disputas se transformem em conflitos armado.
As modalidades de actuação deste tipo de operação encontram-se contidas no Capítulo VI da Carta da Organização das Nações Unidas, o qual trata da solução pacífica de conflitos.
Peacemaking
Também conhecida como, Promoção da paz, este tipo de operação é normalmente caracterizado pela utilização dos meios diplomáticos de resolução de controvérsias como a mediação, conciliação, arbitragem ou iniciativas diplomáticas como os bons ofícios. Ou seja, são chamadas de promoção da paz as ações diplomáticas posteriores ao início do conflito, com o objectivo de levar as partes litigantes a suspenderem as hostilidades e iniciarem uma negociação. (RODRIGUES, 2000)
Conforme referido anteriormente, as ações de promoção da paz baseiam-se nas diferentes modalidades de actuação vigentes no Capítulo VI da Carta das Organização das Nações Unidas.
Peacekeeping
Também conhecida como, Operações de Manutenção da paz, cuja ações são normalmente caracterizadas pelo envolvimento de uso de pessoal militar, que monitoram ou implementam a execução de arranjos relativos ao controle de conflitos. Vale mencionar que este tipo de Operação é realizado com o pleno consentimento das partes litigantes (cessar fogos, separação de forças etc.). (FILHO, 2004)
Peace-enforcing
Também conhecida como, Imposição da paz, caracterizada pelo uso de força militar normalmente sem limitação, para conter hostilidades ou reprimir actos de agressão impondo a paz. São ações adotadas com recorrência ao Capítulo VII da Carta da ONU. (FILHO, 2004)
Peace-building
Também conhecida como, Consolidação da paz, que é normalmente caracterizada pelo elevado número de actividades executadas após a assinatura de um acordo de paz entre as partes envolventes no conflito. Segundo Filho (2004), tais operações geralmente têm como objectivo principal, por meio da implantação de determinados projectos, fortalecer o processo de reconciliação nacional.
Tais projectos consistem em, por exemplo, recuperar a infra-estrutura física do local, bem como recompor as estruturas institucionais, e ajudar na retomada da actividade econômica, entre outros.
2.2 Breves considerações sobre a Guerra Fria face ao contexto da Somália
É importante fazer lembrar que o período que corresponde as duas grandes mundiais, revelou claramente uma grande fragilidade dos direitos humanos na comunidade internacional. Ora, conforme menciona Faganello (2013), não obstante terem se passado vários anos que separam o fim da Segunda Guerra Mundial dos conflitos internos da década de 1990, os cenários ocorridos na Somália face a este período, demonstraram claramente que nem a qualidade de cidadão, ou até mesmo a natureza humana eram suficientes no sentindo de impedir as violações massivas de direitos humanos cometidas dentro dos Estados, contra seu próprio povo.
O cenário da guerra fria alterou completamente o paradigma internacional dos conflitos na década de 1980 para o início de 1990, em que de um lado os conflitos inter-estatais diminuíam significativamente, enquanto que do outro lado os conflitos intra-estatais aumentavam, alterando assim de forma gradual o paradigma de actuação das Nações Unidas, promovendo ações com vista a manter a paz e a segurança internacionais neste novo contexto.4
Outro aspecto importante é que durante as décadas de 1960 e 1970, foi marcado como um período em que se visualizava uma corrida crescente de conquista de independência por parte de vários países, sobre tudo em África, através dos processos de descolonização.
Se olharmos para a visão de Fontoura (1999), este afirma que a década de 1990, foi um período em que as operações de paz das Nações Unidas, aumentaram bastante, e estas operações eram motivadas com base em diversos factores.
Para o autor, o aumento das operações de manutenção da paz neste período não era apenas motivado pelo crescimento de antagonismos étnicos e religiosos, mas também pela distensão política entre os EUA e União Soviética proliferados em diversas regiões do mundo, e seu impacto sobre o papel das Nações Unidas no âmbito da promoção da paz e segurança internacionais, bem como da universalização dos valores da democracia e do respeito aos direitos humanos.
Já na visão de Uziel (2015), este considera que o outro factor não menos importante que justifica surgimento crescente e acelerado das missões na época, é o facto de que estas operações de manutenção da paz terem se mostrado nos vinte anos anteriores, um ambiente seguro e legítimo para cooperação.
Com base nisto, em complemento ao que foi apresentando, Matijascic (2010), afirma que, na generalidade, as operações de manutenção de paz enviadas para países africanos como Angola, Namíbia, Somália, Moçambique, Uganda, Ruanda e Libéria, tinham um escopo de mediar conflitos de cunho intra-estatais nos quais as disputas eram originadas com base nas rivalidades entre diferentes grupos políticos ou clãs e etnias, que por usa vez ocupavam o mesmo território.
E por sua vez, esses conflitos geravam enormes e graves consequências para as sociedades civis locais como o aumento dos fluxos migratórios de pessoas que fugiam para não serem alvos da violência, da pobreza e consequentemente das violações de direitos humanos, de modo que essa situação instaurasse um certo clima de instabilidade com países vizinhos.
Portanto, como afirma Faganello (2013), combater as causas dos conflitos intra-estatais passou a ser um grande desafio para a Organização das Nações Unidas no início da década de 1990. A partir desse cenário, iremos analisar mais detalhadamente o caso da Somália.
2.3 Caracterização histórica da Somália
Do ponto de vista da localização geográfica, a Somália está localizada na parte oriental do continente africano, uma zona conhecida também como o “Chifre da África”. Vale mencionar também que do ponto de vista das suas extremidades, o território é banhado pelo Oceano Índico e limita-se a oeste com a Etiópia, a noroeste com Djibuti e ao sul com o Quênia5.
Devido a sua localização estratégica no chifre da África que por sua vez está muito próxima da península Arábica e do golfo do Áden, a Somália foi importante entreposto comercial desde sempre. Os seus portos estratégicos serviram durante vários séculos para a realização de troca de suas mercadorias com os produtos que eram frequentemente importados da Arábia, do golfo pérsico e da índia. Esse contacto com os comerciantes estrangeiros, sobretudo com os Árabes e os Persas que desde cedo estabeleceram vários entrepostos comerciais na costa dessa região levaram aos Somalis a converterem voluntariamente ao Islamismo a partir do século VII6.
Igualmente, a Somália foi durante muitos séculos um sistema descentralizado constituído por pequenas unidades políticas, doravante denominadas clãs e sub-clãs, sem um governo e sem fronteiras bem delineadas, não constituindo propriamente um Estado, sendo que os governos de cada clã eram até certo ponto independentes7.
Ora, por não possuírem um Estado forte e organizado, a Somália foi palco de disputa entre as três grandes potências imperialistas Europeias (Grã-Bretanha, França e Itália) na segunda Metade do século XIX. (Rodrigues, 1990)
Vale mencionar que, os Britânicos, conforme afirma Rodrigues (1990), foram os primeiros a se instalar no norte da Somália e colonizar, isto em 1866, com o intuito de garantir a rota comercial para o Oriente, que por sua vez era muito demandado pelo canal de Suez. Depois os Franceses que estabeleceram um pequeno enclave no noroeste da Somália (actual República do Djibuti).
Depois os Italianos, que chagaram tarde na partilha do continente isto em 1904, porém ocuparam o maior e o mais produtivo território no sul da Somália, alem de importantes cidades portuárias como Brava, Merca, Mogadíscio, etc. (Ibid)
Logicamente, esta divisão provocou guerras entre tribos e clãs, tendo como consequência uma grande instabilidade e distúrbio na região. Mesmo assim, o nacionalismo somali cresceu e permaneceu a força motriz da independência e da construção da nação.
Nesta senda, Nogueira (1997), sublinha que como fruto deste nacionalismo8 somali, deu-se a independência em 1960, quando ocorreu a retirada dos ingleses e dos italianos, que consequentemente vai resultar na unificação (norte e sul) do território que antes era divido: A Somália Britânica ganhou independência como Estado da Somalilândia em 26 de junho de 1960.
Dias depois, através de um referendo9 foi aprovado a unificação com o Protetorado da Somália italiana, dando origem a República da Somália no dia 1 de julho de 1960, tendo a cidade escolhida para ser a capital do país (Mogadíscio) que está localizada no sul. A então Somália Francesa, actual Djibouti, conseguiu sua independência separadamente, em 1977. (Ibid)
2.4 Origem do Conflito
Numa primeira fase, é imperioso mencionar que por nove anos, isto é, de 1960 á 1969, houve uma tentativa de se manter um governo democrático na região, ou seja, a Somália teve um governo democrático (e corrupto) liderado por Abdirashid Ali Sherlarke. Mas não obstante a conquista da independência e a unificação do país, essa unificação não ocorreu necessariamente, pois os povos somalis ficaram divididos em cinco países (Etiópia, Djibuti, Somalilândia, Somália e Quênia) fazendo com que o país se tornasse completamente instável e sobretudo vulnerável. (PATRIOTA, 2010)
Desta feita, podemos claramente afirmar que a independência declarada em 1960, não foi capaz de estabelecer vínculos efectivos entre a sociedade e o Estado.
Portanto, este quadro político, acabou por resultar num golpe de Estado levado a cabo pelos militares sob o comando do General Mohamed Siad Barre, o qual levou ao assassinato do presidente Ali Shermake e a consequente subida ao poder do general Siad Barre. (NOGUEIRA, 1997)
É assim então que, em 1970, Siad Barre assume a mesma linha de ação da URSS, declarando a Somália como um Estado Socialista e estabeleceu seus laços com o mundo islâmico. A Somália manteve relações estreitas com a URSS desde a revolução de 196910 e em 1974 foi assinado um tratado de cooperação e amizade entre os dois, onde os Soviéticos concedia equipamentos militares, assistência técnica e treinamentos para o exército Somali e em troca, a Somália cedia parte do seu território para instalações de bases de apoio naval Soviética. (Patriota, 2010)
Desta forma, com base nesta manobra alocada por Barre, a Somália viveu por um longo período de governo autoritário sob o comando barre, que explorou de forma nociva as identidades e concorrências já travadas entre esses grupos (clãs e sub-clãs). Além de favorecer os Marehan, subclã do clã Darod, ao qual pertencia, Siad enfraqueceu as outras formas de autoridade, pondo fim às instituições, organizações civis e partidos políticos que desafiassem o seu poder. Barre basicamente instaurou um sistema autocrático no país11.
Em 1977, contando com apoio soviético (tendo em conta o seu alinhamento socialista), Siad Barre declarou guerra à Etiópia, objectivando anexar o deserto de Ogaden, onde vivem muitas pessoas de etnia somali. A Etiópia era o principal aliado dos Estados Unidos na região do corno de África e continuou sendo até o ano de 1977, entretanto, em 1974 começou uma certa aproximação com a URSS. Fruto desta aproximação, a Etiópia, em 1977 rompe as relações com os EUA e se estabeleceu laços de aliança com os Soviéticos no corno da África.12
Conforme menciona Nogueira (1997), o poder de Barre declina após invadir a região de Ogaden em 197713 (que se encontrava sob o controle etíope), quando a URSS decide persuadi-lo a parar as operações devido a aproximação que o mesmo acabara de estabelecer com a Etiópia. Como Barré não parou com a operação, forças cubanas apoiadas pela União Soviética libertam Ogaden em março de 1978.
Após essa derrota, a Somália se via com mais de um milhão de refugiados, com um governo perdendo legitimidade e assolada por seca e uma fome que se espalhava por sua população14. Face a isto, Siad Barre começou a perder de forma acelerada o apoio da população, por um simples motivo: o ditador era contra o sistema de clãs na Somália, que é o modelo social local, e tentava sempre mantê-los afastados.
Todos esses eventos vão levar ao fracasso o governo instituído por Barre, fazendo com que surgisse uma revolta por parte dos demais clãs, que por sua vez formavam a oposição clandestina, os quais vão reunir um conjunto de mecanismos de modo a tentar expulsá-lo do poder.
É assim então que no dia 26 de janeiro de 1991, Said Barre vai ser finalmente deposto, isto é, o general foi derrubado da presidência por um dos principais grupos da oposição, nesse caso, O Congresso Somali Unido (CSU), representante do clã Hawiye – formado pela coalizão de facções dirigida por Mohammed Farah Aidid e Ali Mahdi, e foge do país.15
Após a fuga de Siad Barre do poder, logicamente a Somália enfrentou uma situação de vácuo ao poder, e este vácuo por sua vez acabou por gerar diversos conflitos tribais e de frações em formas de clãs étnicos nacionais.
Esta situação por sua vez vai igualmente conduzir a uma falência generalizada de todas as instituições, todos os serviços e toda a infraestrutura do país, o que significa que o esforço de reconstrução teria de ser feito a partir de suas ruínas16.
Segundo Pilowsky (2005), as forças somalis que se encontrava envolvidas nesse conflito baseado na disputa pelo poder por parte dos líderes dos clãs mais importantes foram identificados em grupos:
O Hawiye, os mais poderosos e importantes, que exigem o poder mediante sua força política, o Congresso Somali Unido (CSU);
O Darod, no qual pertencia Said Barre, o segundo mais importante do país" o Movimento Patriótico Somali (SPM)"
O Isak, que captura as principais cidades do Norte e exige a independência, através do Movimento Nacional Somali (MNS).
Nesta linha de pensamento, o autor Faganello, (2013), afirma que três dias após a retirada de Barre do poder, Ali Mahdi, do sub-clã Abgal o qual pertence ao Clã Hawiye, declarou-se presidente interino da Somália.
Só que esta declaração feita por Ali Mahdi, gerou uma certa insatisfação á Farah Aidid, do sub-clã Habr Gedir o qual pertence igualmente ao Clã Hawiye, sendo este considerado o sub-clã mais poderoso do Clã Hawiye. Em resposta a auto proclamação de Ali Mahdi, o Movimento Nacional Somali (MNS), que controlava a região noroeste da Somália, proclamou de forma unilateral a independência da região, criando assim a Somalilândia em 8 de maio de 1991, apesar de sua soberania não ser reconhecida por qualquer nação ou organização internacional. (Faganello 2013)
Ainda em função da iniciativa de Ali Mahdi, em novembro de 1991 tropas do General Farah Aidid atacaram as forças do presidente interino que ocupavam a parte norte de Mogadíscio. A capital logo se tornou um campo de batalha, isto é, a parte norte da capital era controlada por Ali Mahdi e seus aliados e a parte sul da capital era controlada por Farah Aidid, testemunhando inúmeros abusos e tornando-se cenário para a morte de milhares de pessoas.17
Com base nestes eventos acima mencionados, instalou-se uma guerra civil na Somália. O descontentamento entre os clãs e o desrespeito aos civis durante os conflitos levaram ao aumento da violência que por sua vez deu lugar à anarquia, sem polícia e sem governo, uma vez que nenhum movimento foi capaz de se afirmar como poder nacional legítimo.
Além disso, conforme menciona Faganello (2013), as baixas que resultaram dos vários ataques à população civil, a paralisação do cultivo, a seca que assolou o país e consequentemente a destruição de fontes de alimentos foram responsáveis por uma fome que chegou a matar mais de 350 mil pessoas em 1992.
2.5 Operações de Paz da ONU na Somália
Tendo em conta os eventos mencionados acima, a Organização das Nações Unidas, considerou importante alocar um conjunto de ações de modo a dirimir a situação instalada na Somaália. É neste contexto que no dia 23 de janeiro de 1992 o Conselho de Segurança da ONU, declarou imposição de um embargo de armas à Somália a partir da Resolução 73318 (23 de janeiro de 1992), que visava aumentar a assistência humanitária e urgia às partes do conflito um cessar fogo. Além disso, esta resolução ordenava um embargo total de armas à Somália.
Essa resolução, foi justificada com base no capítulo VII da Carta da ONU, o qual afirma que:
(...) (O Conselho de Segurança) Decide, a luz do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, de que todos os Estados devem, com base nos propósitos de estabelecer a paz e a estabilidade na Somália, implementar imediatamente um embargo geral e completo em toda a distribuição de armas e equipamento militar para a Somália até que o Conselho tome outra decisão. (CONSELHO DE SEGURANÇA, 1992)
Com base na perspectiva de Bellamy (2004), a invocação do Capítulo VII da carta da ONU, foi importante para tratar de uma questão intra-estatal que combinava a ausência de governo, uma prolongada guerra civil e uma população em condições de pobreza extrema, o qual ocasionou um conjunto de consequências a merecer da actuação da ONU como instituição promotora da paz e segurança internacionais.
Face a situação de um país que vivia sem um governo oficialmente estabelecido e que enfrentava um grande nível de violência e sobretudo crise humanitária, no dia 17 de março de 1992, o Conselho de Segurança da ONU decidiu aprovar uma nova resolução, que neste caso seria a Resolução 746, que por sua vez, apoiou mais ainda a prestação de ajuda humanitária por parte das agências das Nações Unidas e consequentemente indicou um coordenador, para que este fosse presencialmente acompanhar o andamento deste apoio humanitário na Somália.
Esta resolução 746 declara que houve várias negociações para um cessar-fogo no dia 3 de março do mesmo ano entre as partes em conflitos, porém, estas partes ainda não estavam a cumprir com os acordos que se havia feito, por esta razão, era necessária para a verificação deste processo. (CONSELHO DE SEGURANÇA, 1992)
Embora naquele momento a Somália fosse apontada como um grande exemplo de “Estado falido”, isto é, um Estado carente de autoridades legitimamente constituídos que garantissem as mínimas condições de vida dos cidadãos somalis, Patriota, (2010), afirma que os representantes da comunidade internacional apenas reconheceram Aidid e Madhi como interlocutores legítimos para tentar iniciar um processo de negociação para pôr fim nas hostilidades vigentes.
Conforme foi dito anteriormente, uma vez que as partes não estavam a cumprir com os acordos assinados no dia 3 de março de 1992, é assim então que o Secretário-Geral da ONU, recomendou o desdobramento (peacekeepers) da United Nations Operation in Somali (UNOSOM I), regida sob o capítulo VI da Carta das Nações Unida, o qual era por formada por 50 observadores militares, cujo objectivos destes seria de monitorar o cessar-fogo, junto com uma unidade de infantaria cujo propósito seria de auxiliar na distribuição de mantimentos para um total de 3,5 milhões de pessoas, impedir ataques e fazer o uso da força apenas em situações a merecer de legítima defesa19.
Esta Operação das Nações Unidas na Somália (UNOSOM I), vai ser formalizada através da Resolução 75120, do dia 24 de abril de 1992.
Face a isto, Rodrigues (2000), afirma que esta Operação das Nações Unidas na Somália (UNOSOM I), foi promovida exatamente no sentido de facilitar a ajuda humanitária para as pessoas que foram dolorosamente prejudicadas pela guerra civil e sobretudo pela fome. A missão também foi desenvolvida com o intuito de parar o conflito e reconstruir as instituições básicas que viabilizam o Estado, uma vez que a instituições de forma generalizada tinham entrado em colapso após a queda de Siad Barre.
Porém, a chegada da UNOSOM I, acabou por provocar determinadas consequências que não estavam previstas, pois alguns clãs não autorizavam a entrada de organizações em suas terras para distribuição dos mantimentos, o qual acabou por incentivar mais violências e sobre tudo batalhas pelos portos, aeroportos e principalmente rotas de distribuição das ajudas huminatárias, onde o general Aidid ordenou a expulsão do coordenador da área de Assistência Humanitária da UNOSOM I, e dias depois as facções que o apoiavam entrarem em confronto directo abrindo fogo contra os peacekeepers (capacetes azuis) que controlavam o aeroporto da capital21.
Dada as dificuldades que se mostravam, conforme menciona Moreno (2014), adicionou-se mais três unidades logísticas à UNOSOM I, que no dia 8 de setembro de 1992 contava com um contingente autorizado de 4.219 militares de modo a proteger os comboios das Nações Unidas e 50 observadores desarmados. Somente em meados de novembro é que as tropas da ONU conseguiram tomar o controle do aeroporto de Mogadício, o qual era considerado como o principal ponto de entrada da ajuda humanitária proveniente dos programas, agências e fundos nas Nações Unidas, bem como das organizações não governamentais.
Não obstante todas essas iniciativas, ainda assim, o quadro da guerra civil na Somália era bastante crítico, a situação no país se deteriorou, o conflito evoluiu nos meses que se passaram, a violência e a fome se tornavam cada vez maiores. E esta situação foi fortemente reportado pela mídia internacional, que chocou a opinião pública mundial com as imagens da violência assolavam os povos daquele país.
A dificuldade em se firmar um acordo com as facções se dava justamente pela heterogeneidade das partes e da falta de uma autoridade a quem se reportar. Devido esta situação, os Estados Unidos, que até aquele momento apenas limitavam-se no âmbito do financiamento de algumas das operações humanitárias da Cruz Vermelha na Somália22, decidiram então envolver- se directamente na situação.
É desta feita então que, no mês de dezembro de 1992 os EUA, na voz do Presidente George W. Bush, colocam a oferta ao Conselho de Segurança da ONU no sentido de tomar a direção da organização e principalmente o comando de uma operação com vista a garantir de forma mais eficiente a prestação de socorro humanitário na Somália. O Conselho de Segurança, reconhecendo os seus fracassos aquando da alocação de missões de paz e humanitárias na Somália, vai conceder a petição dos EUA, e autoriza a utilização de todos os meios necessários que facilitem um ambiente mais seguro, com isso adotando a resolução 794, aprovada por unanimidade pelo CSNU em 3 de dezembro de 1992, sob o capítulo VII da Carta das Nações Unidas. (NOGUEIRA, 1997)
Conforme afirma Faganello (2013), com essa resolução surgiu a United Task Force UNITAF (Força – Tarefa Unificada). Deste modo, através da (UNITAF), criou-se a Operation Restore Hope, o qual foi formalmente comandada pelos EUA. Tratava-se especificamente de uma missão multinacional formada por 24 Estados, fundamentada pelo capítulo VII da Carta da ONU. Essa Força – Tarefa chegou a ser composta por 38.000 soldados e tinha a missão de proteger a chegada de suprimentos através dos portos, aeroportos e outros pontos de distribuição comidas, os quais eram fortemente atacadas pelas milícias.
Porém, apesar do otimismo trago pela UNITAF aquando das suas operações, ainda assim, percebeu-se que essa estratégia também não estava sendo suficiente.
Com base nisso, Nogueira (1997), afirma que com o passar do tempo foi sendo notado que afinal de contas, prestar assistência humanitária não significava apenas garantir somente a chegada dos alimentos para a população, mas, era também necessário que se garantisse a segurança desta população para que possam usufruir dos frutos da missão. É assim então, a UNITAF começou a solicitar um conjunto significativo de armas de fogo, de modo a garantir a segurança da população.
Com base nesta nova linha de actuação da UNITAF em relação à assistência Humanitária foi possível diminuir a fome na Somália de uma maneira muito significativa e consequentemente reduzir o número de mortos resultantes do conflito. Em uma estimativa feita, calculou-se que a UNITAF salvou cerca de cem mil vidas.23
Faganello (2013), afirma que com o fim do mandato da UNITAF, isto no mês de março de 1993, o CSNU, satisfeitos com os positivos impactos promovidos aquando desta missão, especificamente nas áreas de segurança e assistência humanitária, decidiu substituí-la por uma operação de imposição da paz nos moldes de um mandato coercitivo, com respaldo no Capítulo VII da Carta das ONU, com a principal responsabilidade de dar seguimento nas tarefas iniciadas pela UNITAF na restauração da paz e estabilidade na Somália.
Foi assim então que o CSNU aprovou a Resolução 814, no dia 26 de março de 1993, substituindo a UNITAF pela UNOSOM II.
Segundo Patriota (1998), essa nova missão, tinha como principal propósito, promover o desenvolvimento seguro na Somália, e este desenvolvimento seguro seria efectivado através de um conjunto de ações como o estabelecimento de uma força policial no país, implementação de um conjunto de políticas públicas voltadas a reabilitação das infraestruturas nacionais principalmente das instituições públicas como Conselhos Distritais e Regionais e finalmente a concessão de ajuda humanitária.
Com base nesses objectivos projectados pela UNOSOM II, foram realizadas um conjunto de ações negociais com os líderes das milícias no sentindo de formar um quadro de futuros representantes legítimos na Somália com base no modelo europeu de resolução de conflitos, sem ter-se em conta as peculiaridades locais (shir- uma maneira de resolução de conflitos do povo somali) e sobre tudo a opinião da sociedade civil, dando apenas margem às sugestões dadas pelos próprios líderes das milícias para formação do novo governo.
Dessa forma, no dia 27 de março de 1993, o CSNU realizou uma conferência em Adis Abeba, isto é, capital da Etiópia, que reuniu líderes de 15 movimentos políticos da Somália, no sentindo de promover o cessar-fogo no país. Como fruto desta conferência, foi assinado o “Acordo do Primeiro Período de Sessões da Conferência Nacional na Somália”, o qual tinha como principais metas: desarmamento e segurança; reabilitação e reconstrução; restituição de bens e solução de controvérsias; e mecanismos de transição24.
Porém, conforme mencionado por Faganello (2013), as expectativas que se tinha rem relação ao sucesso desta conferência, efectivamente na concretização do processo de paz na Somália, foram violentamente interrompidas antes mesmo do início da implementação dos acordos diplomáticos estabelecidos aquando desta conferência. Isto porque, cada líder das milícias pretendia utilizar as armas para conseguirem a posição que almejavam neste futuro governo. Em função disto, cada líder passou a agir de forma unilateral para aumentar seus poderes, o que resultou numa situação caótica e levou ao fracasso dos acordos estabelecidos.
É assim então que, no dia 5 de junho de 1993, 25 capacetes azuis paquistaneses foram assassinados ao realizar uma inspeção num depósito de armas que se encontrava próximo da estação de rádio controlada pelo general Aidid na capital. Ainda nesta ocorrência, outros capacetes azuis acabaram por ser sequestrados e mais de 50 ficaram feridos face ao ataque recebido pelas milícias.25
Complementado ao que foi dito, Faganello (2013), afirma que após esse ataque, isto é, no dia seguinte, o CSNU vai adotar muito rapidamente uma nova resolução, resolução 83726, que autoriza a UNOSOM II a tomar “todas as medidas necessárias contra os responsáveis pelo ataque”.
Essa resolução foi enviada e recebida pelo Representante Especial da ONU para a Somália, Jonathan Howe, como uma espada desembainhada para punir o general Aidid, o qual era considerado responsável pelo ataque aos capacetes azuis da ONU.
Deste modo, Howe vai assinalar o general Aidid com sendo o principal responsável pelo ataque e em contrapartida vai oferecer 20 mil dólares a dispor daquele que o conseguisse capturar. Deste modo, a UNOSOM II, se transformou em movimento de guerra sem qualquer limitação de uso de força, desfazendo-se de qualquer estratégia de reconciliação27.
Ainda como resposta á situação instaurada na Somália, os EUA, fez o envio de 400 soldados, denominados “rangers” e também de uma Força de Reação Rápida “Quick Reaction Force” com a principal missão de capturar o general Aidid e todos aqueles que o apoiavam.
Na visão de Faganello (2013), as forças norte-americanas, agiam de forma autônoma sem qualquer consentimento da ONU, isto porque no dia 3 de outubro de 1993, os Rangers executaram uma operação ao sul de Mogadíscio sem autorização da ONU, com o objectivo de capturar as milícias que tinha ligação com o general Aidid. E como fruto desta operação, morreram 18 soldados norte-americanos, um soldado sob mandato da ONU e 312 somalis, bem como dois helicópteros foram abatidos para além de várias pessoas que ficaram gravemente feridas. E como que se não bastasse, todos esses eventos foram veiculados pela mídia internacional, o que vai gerar várias interpretações:
Por um lado, o general Aidid passou a ser visto como um herói e símbolo da luta contra as forças imperialistas, como consequência disto várias outras milícias passaram a apoiá-lo;
Por outro lado, os EUA, agiram de forma muito precipitada colocando de fora os parâmetros estabelecidos pela ONU, ferindo completamente o a comunidade internacional.
Igualmente esta situação vai gerar uma grande comoção pública internacional, e consequentemente vai haver uma grande pressão ao governo norte-americano por parte da sociedade civil. É desta feita que, o presidente Bill Clinton, envergonhado com a situação, anunciou a sua intenção de retirar as suas tropas precisamente no dia 31 de março de 1994. Desta mesma forma, os governos da França, Itália Bélgica que também apoiavam a missão UNOSOM II, igualmente anunciaram que retirariam as suas tropas da Somália no início de 1994. (RODRIGUES, 2000)
Portanto, com base neste desfecho, foi considerada uma derrota e fracasso das Operações da ONU, devido à forma como o general Aidid articulou a imprensa internacional a se voltar contra as operações que os EUA executavam na Somália, fazendo com que as tropas norte americanas fossem forçadas a se retirar do país.
Rodrigues (2000), afirma que como fruto destas ocorrências, o país voltou novamente a estar mergulhado em uma violenta guerra civil, isto porque já não havia mais interferências de forças externas, fazendo com que Aidid e Mahdi prosseguissem com um confronto interno mais intenso na busca da conquista do poder local. E isto fez com que o Secretário Geral da ONU decidisse prosseguir a tentar encontrar soluções para mediar o conflito na Somália. Com base nisto, o CSNU se viu obrigado a renovar o mandato da UNOSOM II por mais seis meses retirando os traços de imposição da paz e reforçando as características de manutenção da paz de carácter não coercitiva através da redução do contingente militar.
Porém, conforme menciona Faganello (2013), todas as iniciativas de tentativas de reconciliação levadas a cabo pela UNOSUM II foram rejeitadas pelos principais signatários do conflito, isto é, os generais Aidid e Mahdi. Por esta razão, em novembro de 1994, o CSNU decidiu por consenso que o mandato da UNOSOM II deveria terminar exatamente no dia 31 de março de 1995, significando total retiradas das tropas da ONU na Somália.
Mas antes que houvesse a retirada total da missão, o que era outrora inesperado acabou por acontecer, isto é: as facções rivais começaram a dialogar no sentido de se chegar a um acordo de paz, desta vez sem qualquer interferência da ONU. Portanto, como fruto destes diálogos estabelecidos entre as facções, no dia 21 de fevereiro de 1995, os generais Aidid e Mahdi decidiram assinar um tratado de paz que tinha como finalidade a reconciliação nacional e a solução pacífica de dos conflitos, onde na qual também, as duas partes afirmaram se comprometer em disputar a presidência da Somália através de eleições democráticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme pudemos observar, as situações políticas e econômica observadas na década de 1990, constitui sem dúvida um legado oriundo do fim da Guerra Fria e sobretudo da queda da União Soviética, dando origem a diversos conflitos mais complexos tornando necessárias as operações de paz adaptadas ao novo contexto internacional.
Ainda nesta década de 1990, verificou-se com base na visão dos autores que o cenário bélico era mais voltado a violência intra-estatal como sendo o padrão dominante da época, e dentro desse contexto, grande parte dos conflitos que surgiram não mais se refletiam em rivalidade entre dois ou mais Estados que combatiam entre si.
Na experiência da Somália, verificou-se que se tratava exatamente de uma situação de carácter intra-estatal que na qual carecia de determinadas operações no sentido de estabilizar um ambiente violento e caótico instaurado no país.
Tendo em conta o espaçamento cronológico estabelecido, foram executadas três de operações de paz, sendo elas: UNOSOM “United Nations Operation in Somalia I” isto no ano de 1992, com o apoio de forças estadunidenses dando origem a UNITAF, e em 1993 foi reforçada e tornou-se UNOSOM II, com o intuito de dar maior apoio á assistência humanitária e também para promover o desarmamento dos grupos que faziam parte de milícias somalis.
Porém, pudemos observar que os modelos de operações de Paz utilizados no conflito da Somália não foram satisfatórios, principalmente por esses não estarem preparados para a realidade do país. O que verificou-se foi que o conflito agravou-se mais ainda devido as características facciosas dessas milícias armadas, que por sua vez reagiam de forma violenta ás ações da missão de paz, o que gerou cada vez mais mortos e feridos e pressões externas ao CSNU.
A simples aplicação desses modelos regidos sob os capítulos VI e VII da Carta das Nações Unidas, sem a estruturação de um planeamento adequado, isto é, mais voltado ás questões das particularidades internas do Estado Somali, fez com que os resultados fossem cada vez mais fora do esperado.
Portanto, não seria inválido afirmar que estas operações em grande parte só serviram para minimizar o problema (guerra armada e diminuição da fome) por um curto período de tempo na Somália. Serviram também como alerta para a necessidade de reformulação e aperfeiçoamento da ação humanitária da ONU.
Muitos pontos foram deixados de ser discutidos, por não caberem discussões mais aprofundadas neste trabalho, porém o que foi discutido já nos permite demonstrar como a actuação da ONU na Somália foi claramente um fracasso.
De forma geral, percebemos que as falhas e as dificuldades dessas operações impediram que ela fosse verdadeiramente efectiva e eram necessárias novas concepções e reformulações para atender às novas realidades dos conflitos internacionais. Era preciso novos mandatos, que evitassem tamanhas perdas de civis e permitissem o fim desses conflitos.
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1 A Somália esteve sobre o domínio de três impérios coloniais: Grã-Bretanha, França e Itália
2 Direitos Humanitários trata-se de um conjunto de leis internacionais que busca, por motivos humanitários, limitar os efeitos dos conflitos armados. Protege pessoas em tempos de conflitos armados.
3 Uziel, E. (2010). O Conselho de Segurança, as missões de paz e o Brasil no mecanismo de segurança coletiva das Nações Unidas. Brasília: FUNAG. Disponível em< http://funag.gov.br/loja/download/1111_O_Conselho_Seg_Missoes_Paz_Brasil_Mec_Seg_Coletiva_Nacoes_Unidas_%2016_03_2015.pdf>
4 Matijascic, V. B. (2010). As Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas no início da década de 1990. Brasília: Revista Eletrônica de Ciência Política UFPR. Disponível em <http://revistas.ufpr.br/politica/article/view/20435/13620>
5 <https://www.revistamilitar.pt/artigo/896>
6 Moller, B. (2009). The Somali Conflict- The role of External Actors, Copenhagen. Danish Institute For International Studies. p.165
7 Nogueira, J. P. (1997). Estado, identidade e soberania na intervenção da ONU na Somália. Contexto Internacional. Brasília: Instituto Rio Branco. p.91
8 Nacionalismo é uma ideia e um movimento que defende a promoção e valorização de todas as características de uma nação, especialmente com o objectivo de ganhar e manter a soberania da nação sobre a sua pátria para criar um EstadoNação.
9 Referendo (do latim referendum) é um instrumento da democracia semidireta por meio do qual os cidadãos eleitores são chamados a pronunciar-se por sufrágio direto e secreto sobre determinados assuntos de relevante interesse à nação.
10 Revolução que levou o golpe de estado e assassinato do presidente Ali Shermake.
11 Moreno, M. R. (2014). Discursos em disputa: uma leitura alternativa acerca dos dilemas da ação internacional na Somália durante a década de 1990. Revista Brasileira de Política Internacional: Brasília, p.61 Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003473292014000100059&lng=pt&nrm=iso>.
12 Idem, p.65
13 A Guerra de Ogaden, ocorrida entre 1977 e 1978, envolveu um confronto entre Etiópia e Somália pelo controle do território de Ogaden. O conflito foi desencadeado pela invasão somali sob o comando de Siad Barre, cujo objetivo era a formação da "Grande Somália". Durante o embate, a União Soviética transferiu seu apoio militar e logístico da Somália para a Etiópia, enquanto os Estados Unidos, que anteriormente apoiavam a Etiópia, passaram a auxiliar a Somália. Este conflito integrou-se ao contexto da Guerra Fria, refletindo a disputa de influências entre as superpotências da época, Estados Unidos e União Soviética. A localização estratégica de Etiópia e Somália tornava a região vital para o equilíbrio geopolítico global. Inicialmente, as forças somalis obtiveram avanços significativos, porém, a situação militar se reverteu e, em fevereiro de 1978, a guerra encerrou-se com a retirada das tropas somalis para além da fronteira e a posterior declaração de trégua.
14 Moreno, M. R. (2014). Discursos em disputa: uma leitura alternativa acerca dos dilemas da ação internacional na Somália durante a década de 1990. Revista Brasileira de Política Internacional: Brasília Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003473292014000100059&lng=pt&nr m=iso>. p.76
15 Nogueira, J. P. (1997). Estado, identidade e soberania na intervenção da ONU na Somália. Contexto Internacional. Brasília: Instituto Rio Branco, p.106
16 Idem, p.108
17 Faganello, P. L. (2013). Operações de manutenção da paz da ONU: de que forma os direitos humanos revolucionaram a principal ferramenta internacional da paz. Brasília: FUNAG. p.75. Disponível em <http://funag.gov.br/loja/download/1078-operacoes-de-manutencao-de paz.pdf>
18 Uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) é um documento oficial aprovado dentro do sistema da ONU. Embora qualquer órgão da ONU possa criar resoluções, elas são predominantemente emitidas pelo Conselho de Segurança ou pela Assembleia Geral. Nos artigos 10 e 14 da Carta da ONU, as resoluções da Assembleia Geral são mencionadas como “recomendações”. Tanto as resoluções quanto as decisões representam, de forma formal, a opinião ou a intenção dos órgãos da ONU.
19 Faganello. p.81.
20 Organização das Naçoes Unidas. Resolução S/RES/751.
21 Rodrigues, S. M. (2000). Segurança Internacional e Direitos Humanos: a Prática da intervenção Humanitária no Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar. p.138.
22 CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA, Resolução IX, 1965, Viena
23 Nogueira, p.141
24 Pieterse, J. N. (1994). Sociology of humanitarian intervention: Bosnia,Rwanda and Somalia compared. P. 607
25 Pieterse, J. N. p.612
26 <https://www.io.gov.mo/pt/legis/int/list/resonu/?p=13>
27 Pieterse, J. N. p.618
Mestre, Especialista em Relações Internacionais e Docente do Instituto Superior Politécnico do Kangonjo ISKA. E-mail: [email protected]