ABORDAGEM FITOQUÍMICA DE COMBRETUM DUARTEANUM CAMBESS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14829830
Francisco José Mininel1
Silvana Márcia Ximenes Mininel2
RESUMO
Combretum duarteanum Cambess., popularmente conhecida como mofumbo, é uma espécie exclusiva da América Latina, geralmente associada a ambientes da caatinga, com uso popular para fins medicinais, dentre elas para o tratamento de inflamação e infecções. Tais efeitos geralmente estão associados aos seus principais constituintes, dentre eles aos compostos fenólicos presentes. Neste trabalho foi realizada a abordagem fitoquímica das folhas da espécie a partir da análise da infusão a partir da técnica de FIA-ESI-IT-MS. Foram detectados uma série de compostos fenólicos, tais como 2-O-galoilpunicalina, Quercetina-7-O-galoilglicosídeo, Seringetina hexosídeo, Ácido elágico hexosídeo, Ácido elágico, Camferol, Éster fenetil de ácido cafeico e ácido gálico. Os dados obtidos são consistentes com dados da literatura para a presença desses compostos bioativos.
Palavras-chave: Combretum duarteanum Cambess. Compostos fenólicos. Uso popular.
ABSTRACT
Combretum duarteanum Cambess, popularly known as mofumbo, is a species exclusive to Latin America, generally associated with caatinga environments, with popular use for medicinal purposes, including for the treatment of inflammation and infections. Such effects are generally associated with its main constituents, among them the phenolic compounds present. In this work, the phytochemical approach of the leaves of the species was carried out from the analysis of the infusion using the FIA-ESI-IT-MS technique. A series of phenolic compounds were detected, such as 2-O-galloylpunicalin, Quercetin-7-O-galloylglucoside, Syringetin hexoside, Ellagic acid hexoside, Ellagic acid, Kaempferol, Caffeic acid phenethyl ester and gallic acid. The data obtained are consistent with literature data for the presence of these bioactive compounds.
Keywords: Combretum duarteanum Cambess. Phenolic compounds. Popular use.
1 INTRODUÇÃO
Combretaceae é formada por dezoito gêneros e se subdivide em 2 subfamílias: Strephonematoideae e Combretoideae, totalizando mais de 600 espécies (STACE, 2010). Combretum e Terminalia se destacam em número de 17 espécies, pois englobam juntos cerca de mais de 2/3 da biodiversidade da família, caracterizando os gêneros mais relevantes para estudos de potencial de bioatividade. Botanicamente são classificadas como Angiospermas dicotiledôneas e possuem representantes classificados como arbóreos ou arbustivos dependendo da constituição estrutural dos tecidos de sustentação influenciados pelas condições de solo e clima locais. A anatomia dos órgãos vegetativos e reprodutivos são bem peculiares da família, como folhas opostas, sem estípulas e presença de tricomas geralmente escamosos. Apresentam inflorescências envolvidas por brácteas muitas vezes presentes com tamanho reduzido chamado bractéolas. Os órgãos reprodutivos podem ser tetrâmeros ou pentâmeros, dependendo do gênero. Receptáculo floral com 4 ou 5 sépalas (LOIOLA; SALES, 1996). A característica distintiva da família são os pelos combretáceos com paredes espessas na epiderme das folhas, variando de tamanho e morfologia (MAURIN et al., 2010).
Combretum duarteanum Cambess é uma planta medicinal do norte e nordeste do Brasil, conhecida popularmente como "Vaqueta" ou "Caatinga-branca". As infusões preparadas com a parte aérea do C. duarteanum são usadas na medicina popular para o tratamento da dor e como sedativo.
Popularmente C. duarteanum é utilizado na preparação de chás para tratar dor e inflamação. A presença de compostos como flavonoides, taninos e triterpenos em trabalhos com representantes da espécie coletados na Caatinga deve estar correlacionada com o potencial etnofarmacológico dessa espécie vegetal (LIMA et al., 2013; GUIMARÃES, 2010).
Essa indicação etnofarmacológica foi verificada na ação anti-inflamatória em testes com extrato bruto em colite induzida in vivo (LIMA et al., 2017). Também com o extrato bruto, Gouveia et al. (2011) obtiveram ação antioxidante e antiedematogênica em experimentos com camundongos.
Este trabalho teve como objetivo avaliar a constituição fitoquímica de Combretum duarteanum, utilizando espectrometria de massas e a técnica FIA-ESI-IT-MS.
Fonte: (https://floradobrasil.jbrj.gov.br/consulta/ficha.html?idDadosListaBrasil=690)
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Combretum duarteanum é classificada botanicamente como pequena árvore (arvoreto) ou arbustos (Figura 1) com ramos desde a base até o ápice caulinar, altura que compreende de 2,5 a 5 m, ricos em tricomas lepidotos que podem ser hialinos ou ferrugíneos nos órgãos vegetativos e reprodutivos, com caule e ramos.
A Encontrado na América do Sul como, nos estados do Norte e Nordeste do Brasil. No Sudeste, por exemplo em São Paulo, Minas Gerais e no Centro-Oeste, conforme indicado no mapa de distribuição abaixo (Figura 2).
Fonte: (https://www.worldfloraonline.org/taxon/wfo-0000616249#distributionMap)
Segundo dados da literatura, a atividade antioxidante de Combretum duarteanum Cambess. foi investigada in vitro usando o ensaio da lipoperoxidação e teste para investigação da atividade sequestradora de radicais hidroxila (●OH) e óxido nítrico (NO). Nestes protocolos, o EEC apresentou efeito sobre a lipoperoxidação, com ação sequestradora dos radivais NO e ●OH. A atividade antinociceptiva foi investigada utilizando os testes das contorções abdominais induzidas pelo ácido acético, formalina e placa quente em camundongos. O EEC (100, 200 e 400 mg/kg, i.p.) reduziu significativamente o comportamento nociceptivo dos animais (38,1, 90,6 e 97,8%, respectivamente). Este extrato também reduziu o tempo em que o animal lambeu a pata na 1ª fase (30,5 e 69,5%, 200 e 400 mg/kg) e 2ª fase (38,1, 90,6 e 97,8%, todas as doses) do teste da formalina. O EEC aumentou o tempo de permanência dos animais na placa quente, efeito este que foi revertido pela naloxona, sugerindo a participação do sistema opioide no mecanismo de ação do EEC. A administração do EEC (200 e 400 mg/kg; i.p.) exibiu atividade anti-inflamatória frente ao edema de pata induzido pela carragenina e ácido araquidônico em ratos. Esses resultados indicam que o EEC possui atividade antinociceptiva mediada por vias centrais, com possível participação do sistema opioide. Além de ação antinociceptiva e anti-inflamatória associadas a mecanismos periféricos, com provável ação inibitória da síntese de prostaglandinas e pela contribuição do seu potencial antioxidante (GOUVEIA, 2011).
As espécies do gênero Combretum apresentam inúmeros metabólitos secundários com propriedades biológicas conhecidas, como taninos, di e triterpenos e seus derivados glicosilados, saponinas, flavonóides, cumarinas, estilbenos, derivados do ácido elágico e de fenantreno, alcalóides e bibenzilas. Apresentam diversas atividades farmacológicas, tais como anticolinesterase, antiparasita, antileshimania, antimalária, larvicida, antibacteriana, antimicrobiana, antifúngica, antitripanossômica, hipoglicemiante, anti-inflamatória, antinociceptiva, antitumoral, antiviral, antitussígena, cardiovascular, imunoestimulante, citotóxica, moluscicida, anti-hepatotoxicidade, antiespasmódica, gastrointestinal, geniturinária (LIMA et al., 2012).
3 METODOLOGIA
As folhas de Combretum duarteanum Cambess. coletadas (522,5 g) foram submetidas ao processo de secagem em estufa a 50ºC por 6 dias consecutivos. Após secagem, as mesmas foram trituradas e moídas em moinho de facas. O pó obtido foi extraído com etanol 70%, por meio de percolação exaustiva (PRISTA, 1995). O pó foi intumescido com 2 litros de etanol a 70%. Em seguida, o percolador foi empacotado homogeneamente com a mistura (pó + etanol a 70%) e o efluente foi coletado na vazão de 2,0 mL/min/Kg.
Após a extração, o líquido extrator foi rotaevaporado sob pressão reduzida, em temperatura menor que 45°C. O extrato bruto foi transferido para um vidro e deixado em capela até completa eliminação do solvente. Obteve-se 28,4 g de extrato hidroalcoólico (8,5 %).
Em vista do exposto e conhecendo, em parte, a composição química da planta, foi realizada nesta etapa do estudo, a caracterização dos metabólitos secundários presentes no extrato hidroalcóolico das folhas de Combretum duarteanum Cambess. por FIA-ESI-IT-MSn.
Foi utilizado 1 mg dos extratos secos em etanol 70% dissolvendo-os em 1 mL de metanol grau HPLC. A solução foi filtrada em membrana de PTFE com poro de 0,45 µm. A solução filtrada foi introduzida diretamente na fonte de ESI por meio de uma seringa de vidro impulsionada por meio de um sistema de bombeamento em fluxo de 5 µL min-1.
Escolheu-se o modo negativo para geração e análise dos espectros de massas em primeira-ordem (MS), bem como para os demais experimentos em múltiplos estágios (MSn).
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
O primeiro evento foi uma varredura completas (full-scan) do espectro de massas para adquirir os dados dos íons na faixa m/z estabelecida. A partir dos dados da primeira varredura, obteve-se os próximos eventos (experimentos MSn para íons precursores pré-selecionados com energia de colisão entre 25 e 30% da energia total do instrumento.
Utilizou-se o software Xcalibur versão 1.3 (Thermo Finnigan®) durante a aquisição e processamento dos dados espectrométricos.
Recentemente a técnica de ESI-MS com inserção direta de amostra tem mostrado ser uma ferramenta rápida, eficiente e de grande sensibilidade. Ela é capaz de gerar informações específicas sobre a composição química de matrizes bastante complexas, as quais apresentam substâncias de ampla faixa de peso molecular, bem como substâncias de média e alta polaridade, tais como ácidos fenólicos, proantocianidinas, catequinas e flavonóides, comumente encontrados em extratos polares de espécies vegetais (SAWAYA et al., 2004). Tendo em vista estas características, nesta etapa foram realizados experimentos de FIA-ESI-IT-MS para a obtenção e comparação dos perfis dos infusos em modo negativo, o que permitiu estabelecer e confirmar a composição química da espécie investigada.
A figura 3 mostra o espectro de massas em full-scan apresentando os íon precursores das moléculas desprotonadas ([M – H]-) do extrato EtOH 70% das folhas de Combretum duarteanum Cambess.
A partir da análise dos espectros de massas em full-scan do extrato EtOH 70% destacam-se os íons precursores M – H, m/z 933 (2-O-galoilpunicalina), m/z 625 (Quercetina-7-O-galoilglicosídeo), m/z 507 (seringetina hexosídeo), m/z 463 (ácido elágico hexosídeo), m/z 301 (ácido elágico), m/z 283 (éster fenetil do ácido cafeico), m/z 285 (Camferol) e m/z 169 (ácido gálico). As fórmulas moleculares dos compostos detectados estão apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1. Compostos detectados na infusão das folhas de Combretum duarteanum Cambess. e respectivos m/z em modo negativo.
Nome do composto | m/z ([M – H]-) | Fórmula Estrutural |
2-O-galoilpunicalina | 933 | |
Quercetina-7-O-galoilglicosídeo | 625 | |
Seringetina hexosídeo | 507 | |
Ácido elágico hexosídeo | 463 | |
Ácido elágico | 301 | |
Camferol | 285 | |
Éster fenetil de ácido cafeico | 283 | |
Ácido gálico | 169 |
Observou-se sinal de molécula desprotonada [M-H]- em m/z 285. A fragmentação de segunda-ordem não foi estável, porém, da análise dos fragmentos apresentados no espectro full scan (MS2) observa-se o padrão de fragmentação Retro-Diels Alder com íons em m/z 151 e em m/z 134, evidenciando que esta substância é o canferol (Tabela 1).
Em relação ao canferol, observa-se que origina íon em m/z 163, conforme demonstrado na Figura 4.
Fonte: (GONÇALVES et al, 2023)
O composto natural canferol, presente principalmente no reino vegetal, tem vários efeitos benéficos para os humanos. As fontes alimentares de canferol são geralmente frutas e vegetais. Avanços recentes na instrumentação aumentaram a capacidade de identificação de glicosídeos de canferol e derivados de canferol, cuja ingestão também foi relacionada a vários benefícios à saúde, conforme relatado em vários estudos epidemiológicos. Os alvos moleculares do canferol incluem principalmente fatores de transcrição, mediadores inflamatórios, proteínas citocinas e quinases , peptídeos, citocromos, fatores nucleares, enzimas antioxidantes, genes do ciclo celular e hormônios (LIMA, 2022).
O íon precursor m/z 301 (Tabela 1) corresponde a molécula desprotonada do ácido elágico. A partir da perda de dióxido de carbono (CO2) chega-se ao íon produto com m/z 257. O íon em m/z 257 perde uma molécula de monóxido de carbono (CO) formando o fragmento com m/z 229 (Figura 5).
Na Figura 5 sugerimos o processo de fragmentação do ácido elágico.
Na Figura 6, sugerimos o processo de fragmentação do ácido elágico.
Fragmentações de segunda ordem (MS/MS) do íon em m/z 463 (ácido elágico hexosídeo), leva aos íons produtos em m/z 415, 353 e 301 (Figura 7).
Fonte: (RODRIGUES, 2007)
Dessa forma, evidencia-se na espécie estudada, uma variedade de compostos fenólicos, os quais são importantes antioxidantes. Isso resulta da facilidade com a qual um átomo de hidrogênio de um grupo hidroxil (OH) da sua estrutura aromática é doado para um radical livre, bem como a habilidade da mesma em suportar um elétron não-emparelhado através do deslocamento do mesmo ao redor de todo o sistema de elétron da molécula (DUTHIE et al., 2003). Entre os compostos fenólicos da dieta com uma reconhecida atividade antioxidante, destacam-se os flavonóides, taninos, chalconas, cumarinas e os ácidos fenólicos (MARTÍNEZ-VALVERDE et al., 2000). A atividade antioxidante destas substâncias é de interesse nutricional, uma vez que tem sido associada a potencialização de efeitos promotores da saúde humana através da prevenção de várias doenças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Combretum duarteanum Cambess., pertencente à família Combretaceae é empregada na composição ou formulações de medicamentos, biofármacos com ação terapêutica, profilática, destinadas ao uso humano e animal e, também seu emprego em composições cosméticas. Os dados obtidos nesse estudo, corroboram os dados da literatura, os quais indicam que extratos de folhas de C. duarteanum apresentam inúmeros compostos fenólicos com efeito anti-inflamatório e pronunciada atividade antioxidante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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STACE, C. A. Combretaceae: Terminalia and Buchenavia. The New York Botanical Garden Press, New York, 2010.
1 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil do Campus de Fernandópolis-SP. Doutor em Química pelo Instituto de Química da UNESP, Campus de Araraquara-SP. E-mail: [email protected]
2 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Mestre em Química (PPGQUIM/UNESP- Araraquara-SP). E-mail: [email protected]