RELAÇÕES DE INTERESSE NA REVISTA O CRUZEIRO: UMA VISÃO INSTRUMENTALISTA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14829795


Ana Caroline Tavares Haubert1


RESUMO
Este trabalho foi desenvolvido a partir do interesse em verificar a ocorrência de padrões de manipulação através de notícias influenciadas por aspectos políticos e interesses corporativos em conteúdos publicados em O Cruzeiro, a principal revista ilustrada brasileira da primeira metade do século XX e que deixou de circular em julho de 1975. Para tanto, a análise fará uso dos conceitos de padrões de manipulação, cujo contexto será analisado à luz da teoria instrumentalista. A base teórica contará com informações de autores como Perseu Abramo, sobre padrões de manipulação e Nelson Traquina, sobre Teoria Instrumentalista. A análise é feita a partir de cinco reportagens de O Cruzeiro. O contexto político da época, envolvendo Getúlio Vargas, também é descrito no corpo do trabalho, já que, além de influenciar a linha editorial assumida pelo veículo pertencente a Assis Chateaubriand, é tema direto ou indireto das reportagens aqui apresentadas. O trabalho possibilita, portanto, a conclusão de que sim, o veículo manipulou diferentes fatos e informações em diferentes editorias visando, perceptivelmente, interesses próprios, em diferentes épocas.
Palavras-chave: Jornalismo; Manipulação; O Cruzeiro, Teoria Instrumentalista.

ABSTRACT
This study was developed out of an interest in verifying the occurrence of manipulation patterns through news influenced by political aspects and corporate interests in content published in O Cruzeiro, the main illustrated magazine in Brazil during the first half of the 20th century, which ceased circulation in July 1975. For this purpose, the analysis will use the concepts of manipulation patterns, with their context being examined in the light of the instrumentalist theory. The theoretical framework will include information from authors such as Perseu Abramo, on manipulation patterns, and Nelson Traquina, on Instrumentalist Theory. The analysis is based on five reports from O Cruzeiro. The political context of the time, involving Getúlio Vargas, is also described in the body of the work since, in addition to influencing the editorial line adopted by the publication owned by Assis Chateaubriand, it is a direct or indirect theme of the reports presented here. The study thus enables the conclusion that the publication did indeed manipulate different facts and information across different editorial sections, aiming, perceptibly, at its own interests at different times.
Keywords: Journalism; Manipulation; O Cruzeiro; Instrumentalist Theory.

1 INTRODUÇÃO

Em 1988, Perseu Abramo já escrevia sobre a manipulação de informação difundida nos veículos de comunicação. No entanto, a prática descrita por ele não surge, tampouco se desfaz, nesse período. A manipulação no campo da informação já podia ser identificada anos antes da sua publicação, independentemente do meio de divulgação que fosse - impresso, radiofônico ou televisivo.

Além das classificações apresentadas pelo autor, será verificada, através da análise de cinco reportagens da revista O Cruzeiro, a manipulação de informações de modo que os fatos favorecessem o proprietário do veículo, Assis Chateaubriand. As mudanças editoriais, ora apoiando e ora atacando o governo comandado por Getúlio Vargas demonstram, através da análise com base nos padrões de manipulação segundo Perseu Abramo, que estas foram influenciadas para atender interesses corporativos e políticos do gestor de O Cruzeiro nos conteúdos propagados pelo veículo de intensa circulação.

O trabalho também conta com o esclarecimento da Teoria Instrumentalista, que justifica teoricamente o posicionamento e o comportamento dos gestores de comunicação com base em interesses particulares.

Para ilustrar esse contexto, com o objetivo de verificar a ocorrência de padrões de manipulação, serão analisadas cinco matérias jornalísticas da extinta revista O Cruzeiro, um dos veículos de comunicação pertencentes ao magnata Assis Chateaubriand.

É importante citar ainda, o contexto histórico político da época, que influenciou diretamente a linha editorial do veículo, que mudou de acordo com a relação de aproximação e afastamento do proprietário com o governo da época - Getúlio Vargas.

Partindo do princípio que os veículos de imprensa produzem conteúdos baseados em manipulação, não refletindo a realidade como de fato ela é, mas com base em seus próprios interesses, segundo Perseu Abramo (2009), vamos iniciar a análise com alguns métodos chamados pelo autor de padrões de manipulação observáveis e que serão utilizados como operadores na análise.

2 PADRÕES DE MANIPULAÇÃO SEGUNDO PERSEU ABRAMO

Perseu Abramo apresenta na teoria quatro elementos que ele caracteriza como padrões de manipulação: ocultação; fragmentação; inversão e indução.

O autor explica que, embora haja sim um comportamento manipulador por parte da imprensa, nem todo conteúdo produzido por ela é de fato manipulado. Isso porque, se essa fosse uma conduta permanente, o papel do jornalismo se autodepreciaria, tornando o serviço de apuração e divulgação de fatos e fontes reduzidos e insignificantes.

O debate sobre o tema é de extrema importância, tendo em vista que a manipulação de informações acaba por impactar diretamente a realidade da sociedade em várias esferas.

Além de que, os indicadores apresentados pelo autor podem ser identificados em conteúdos jornalísticos ainda nos dias atuais. O que vai tornar jornalístico um fato depende sim das características do órgão de imprensa, da sua visão de mundo, da sua linha editorial, do seu “projeto” (ABRAMO, 2003, p. 23).

São padrões de manipulação observáveis de Perseu Abramo:

a) Padrão de Ocultação

Não se trata do desconhecimento de um fato, mas sim da escolha em silenciar propositalmente determinado assunto. Essa omissão pode acontecer no planejamento da edição, na pauta ou durante a programação de divulgação.

Esse padrão pode acontecer ainda, na cobertura - ou não - de um fato considerado - ou não - jornalístico pelo veículo de imprensa. A manipulação, nesse caso, acontece pela seleção e omissão de determinado assunto, já que o mundo real, como dito pelo autor, não se divide em fatos jornalísticos e não jornalísticos.

b) Padrão de Fragmentação

A desestruturalização de um fato, quando apenas partes de um assunto ou acontecimento é “aproveitado”, citado ou divulgado, ilustra o que Abramo chama de padrão de fragmentação. Isso acontece quando os antecedentes e descendentes de um fato são desconectados dele durante o processo, não correspondendo aos vínculos reais.

De acordo com o autor, esse padrão se operacionaliza durante o planejamento de pauta, na elaboração do texto e na edição. Diferente da ocultação, esse padrão é considerado jornalístico, mas será remodelado com base nos princípios e diretrizes do órgão de imprensa.

Ao perder o seu significado original em sua totalidade, a realidade passa a ser apresentada em fragmentos, distorcida, portanto, manipulada.

c) Padrão de Inversão

Proveniente da fragmentação dos fatos, uma vez que esses são descontextualizados, o padrão de inversão passa a operar no reordenamento das partes, afetando assim, a posição e importância das mesmas. Destruindo a realidade original, passa a criar artificialmente outra realidade.

O autor apresenta várias formas de inversão:

c.1) Relevância de aspectos

Acontece quando há a troca de destaque, ou seja, o principal passa a ser secundário e vice-versa.

c.2) Versão pelo fato

Não é o fato em si que importa, mas a versão do próprio órgão de imprensa relacionada ao fato. Pode ser uma versão originada pelo próprio veículo, adotada ou aceita de alguém, provenientes da fonte das declarações e opiniões.

O veículo então passa a ignorar ou a renunciar a exposição dos fatos, preferindo apresentar suas próprias declarações sobre o acontecido. Mesmo com os fatos se contradizendo, a imprensa segue sustentando as suas versões.

Frequentemente, sustenta as versões mesmo quando os fatos as contradizem. Muitas vezes, prefere engendrar versões e explicações opiniáticas cada vez mais complicadas e nebulosas a render-se à evidência dos fatos. Tudo se passa como se o órgão de imprensa agisse sob o domínio de um princípio que dissesse: se o fato não corresponde à minha versão, deve haver algo errado com o fato. (ABRAMO, 2003, p.29).

c.3) Inversão da opinião pela informação

Esse, se caracteriza especialmente pela substituição, parcial ou inteiramente, da informação pela opinião. Não sendo essa, um adicional ao fato, mas justamente a intenção em fazer com que um substitua ao outro. Nesse contexto, o juízo de valor é utilizado como um mecanismo de retrato da realidade; a valorização que o órgão dá a determinado assunto com base em seus próprios critérios.

Essa inversão é operada pela negação, total ou quase total, da distinção entre juízo de valor e juízo de realidade, entre o que já se chamou de “gêneros jornalísticos”, ou seja, de um lado a notícia, a reportagem, a entrevista, a cobertura, o noticiário, e, de outro, o editorial, o artigo, formas de apreensão e compreensão do real que, coexistentes numa mesma edição ou programação, completavam-se entre si e ofereciam ao leitor alternativas de formar sua (do leitor) opinião, de maneira autônoma e independente. (ABRAMO, 2003, p. 31).

Há aproximadamente 20 anos, Abramo (2003) já dizia que o fato era apresentado ao leitor arbitrariamente escolhido dentro da realidade, fragmentado no seu interior, com seus aspectos correspondentes selecionados e descontextualizados, reordenados invertidamente quanto à sua relevância, seu papel e seu significado, e, ainda mais, tendo suas partes reais substituídas por versões opiniáticas dessa mesma realidade. Abusivo e absoluto, é como o autor define o caráter de inversão da opinião sobre a informação.

d) Padrão de Indução

Este padrão, segundo Abramo, é a definição de uma realidade criada, articulada e inventada para manipular o leitor. A indução pode partir de um conjunto de meios, mas tem maior influência quando realizada pelos maiores veículos de comunicação, os mais poderosos, aos que têm maior tiragem e audiência, aos que têm e ocupam maiores espaços, aos que veiculam mais publicidade.

A indução se manifesta pelo reordenamento ou recontextualização dos fragmentos da realidade, pelo subtexto – aquilo que é dito sem ser falado – da diagramação e da programação, das manchetes, notícias e comentários, sons e imagens, pela presença/ausência de temas, segmentos do real, de grupos da sociedade e de personagens. Alguns assuntos jamais, ou quase nunca, são tratados pela imprensa, enquanto outros aparecem quase todo o dia. Alguns segmentos sociais são vistos pela imprensa apenas sob alguns poucos ângulos, enquanto permanece na obscuridade toda a complexa riqueza de suas vidas e suas atividades. (...) Depois de distorcida, retorcida e recriada ficcionalmente, a realidade é ainda assim dividida pela imprensa em realidade do campo do Bem e realidade do campo do Mal, e o leitor/espectador é induzido a acreditar não só que seja assim, mas que assim será eternamente, sem possibilidade de mudança. (ABRAMO, 2003, p. 34).

Uma vez conhecidos os padrões, é preciso compreender a Teoria Instrumentalista, uma vez que a manipulação da informação tem relação direta com a sociedade, seus interesses e o jornalismo.

3 TEORIA INSTRUMENTALISTA

A Teoria da Ação Política ou Instrumentalista, desenvolvida na década de 70, tem como foco retratar a relação entre o jornalismo, a sociedade e os interesses político-partidários. A teoria segue um modelo baseado nos estudos da parcialidade, analisando se há ou não distorções em notícias e qual é o impacto que a atividade jornalística causa política e socialmente (Pena, 2010).

Porém, a teoria possui duas vertentes de interpretação: a versão de esquerda e a de direita. Enquanto a esquerda diz que os veículos priorizam notícias sobre o capitalismo, a direita diz que o objetivo é questionar o sistema.

Os autores Herman e Chomsky (EUA, 1979) defendem que a mídia está a serviço de interesses políticos e a notícia é aquilo que vende o “produto”, servindo como propaganda para o sistema capitalista. Tal posicionamento, segundo Herman e Chomsky (1979), demonstra a subordinação dos jornalistas aos interesses das elites políticas e econômicas.

Já o ponto de vista de direita afirma que os jornalistas agem com parcialidades políticas que distorcem as noticias e propagam uma visão anti-capitalista, servindo os autores, portanto, como instrumentos.

De qualquer forma, segundo Traquina (2012) ambas teorias defendem que as notícias são distorções sistemáticas para atender interesses políticos, projetando através delas os seus pontos de vista.

Silva, Bacellar e Garcia (2013) afirmam que as notícias são capazes de distorcer a mensagem atendendo aos interesses políticos de poderosos que desejam se utilizar de um serviço público informativo como palanque e divulgar sua visão sobre determinados fatos.

Alguns fatores que sustentam o cenário teórico instrumentalista são que o jornalista não possui autonomia, mas sim o dono do veículo; os empresários possuem relações estreitas com donos dos meios de comunicação; as notícias são resultados de interesses políticos e ideológicos. Afirma-se ainda, que o estado é quem determina as notícias e que essas servem como instrumento para se alcançar determinados interesses.

Segundo Felipe Pena (2010), esse modelo teórico sustenta que por trás das notícias factuais escondem-se estratégias de relações públicas e reforço de seu conteúdo e objetivo capitalista por intermédio de artigos de opinião e outros artifícios. Ambas trabalham com pressupostos marcados. Contudo, afirma Pena (2010), ninguém escapa: enquanto uma acredita que os jornalistas têm controle sobre a produção das notícias e estão dispostos a influenciar em defesa de idéias próprias, outra defende que o papel dos jornalistas está reduzido à função de cumpridor de ordens patronais.

Geralmente o grupo de pessoas que utiliza deste princípio não têm a intenção de lesar a sociedade, mas infelizmente é o que acontece quando a prioridade deixa de ser a mesma. (SILVA, Daiane Santos da; BACELLAR, Maíra Rodrigues; GARCIA Wanderley Florêncio, 2017.)

4 O CRUZEIRO X RELAÇÕES DE INTERESSE

Dono de uma rede de meios de comunicação, Assis Chateaubriand foi um magnata da comunicação brasileira. Antes mesmo de Assis Chateaubriand ter se tornado o responsável pela chegada da televisão ao Brasil, em 1950, ele já era dono dos “Diários Associados”, que era composto por jornais, revistas, emissoras de rádios, formando assim, a maior rede de comunicação do país. Logo, Chateaubriand possuía muita influência social, financeira, política e informacional.

Em 1928, Assis Chateaubriand fundou a revista O Cruzeiro, semanário que, segundo o próprio, teria contado em seu lançamento com o auxílio de Getúlio Vargas, então ministro da Fazenda, o qual teria obtido a metade do capital necessário. (FERREIRA, 2005).

Durante a sua existência, porém, a revista teve grande destaque, tanto pela sua linguagem gráfica, com muito conteúdo visual e fotográfico, quanto pelo seu conteúdo, gerando reportagens de repercussão nacional.

A posição que Assis Chateaubriand possuía socialmente era tão interessante para o governo de Getúlio Vargas, quanto o inverso, segundo Ferreira (2005). A autora afirma que as análises realizadas sobre o pioneiro da televisão no país, Assis Chateaubriand, foram unânimes para identificar a relação ambígua do jornalista com as forças políticas que se estabeleceram no país após 1930.

A relação de boa vizinhança com o governo Vargas começa a mudar a partir de 1931. A rachadura começou com divergências relacionadas às estratégias de Vargas, com um possível posicionamento ditatorial do governo.

No ano seguinte, Chateaubriand apoiou, através dos seus veículos, a Revolução Constitucionalista de São Paulo, cuja manifestação tratava sobre a insatisfação dos paulistas com o governo de Getúlio Vargas, especialmente pela centralização de poder imposta pelo governo na época.

Como resposta, o jornalista teve a sede e a maquinaria de O Jornal confiscadas pelo governo Vargas. Já em 1936, no entanto, foi conveniente para o magnata se reaproximar do Estado Novo, mas por pouco tempo. No mesmo ano, Chateaubriand voltou a se posicionar contrário ao governo, cuja posição se aprofundou em meados de 1954, quando a rede dos Diários Associados, que a essa altura já era composto por vários jornais, revistas e agência de notícias, muitas emissoras de rádio e uma de televisão, criou um embate direto com o jornal de Samuel Wainer, o Última Hora, ex-funcionário de Assis Chateaubriand e principal apoiador do governo Vargas, segundo Ferreira (2005).

Uma manobra realizada por Chatô, demonstrando o seu descontentamento com o modelo de governo desenvolvido, foi dar espaço televisivo de sua emissora TV Tupi ao principal jornalista de oposição do governo, Carlos Lacerda. À frente do programa “Falando Francamente”, Lacerda entrevistava os telespectadores através de ligações, oportunizando e expandindo assim, posicionamentos contrários ao governo.

(...) a importância que o mercado interno vai adquirindo no cenário político-econômico, faz com que o poder concedente, ou melhor, o Estado, principalmente durante o regime militar, passe a beneficiar, além de grupos que tradicionalmente freqüentavam o poder político do país (burguesia exportadora), representantes de outros segmentos da burguesia nacional, de origem social mais diversificada mas que, assimilados ao grupo de poder, passam a compartilhar de suas expectativas, constituindo importantes aliados na luta pela legitimação dos valores doutrinários do regime. (FERREIRA, 2005).

A condução de Assis, como proprietário do veículo, ilustra que o papel desempenhado por ele foi determinante para estreitar relações com as elites, neste caso, o governo. O modelo, considerado como uma propaganda, ratifica o conceito teórico que diz que os autores produzem conteúdos noticiosos de acordo com a sua ligação com negócios e com o governo, como explica Traquina (2012).

5 METODOLOGIA

Buscando perceber como alguns padrões de manipulação se manifestam em conteúdos informativos, com base na Teoria Instrumentalista, que visa atender interesses políticos dos meios de comunicação, esse trabalho vai analisar cinco matérias da revista O Cruzeiro, de 1930 a 1955, demonstrando que esse tipo de manipulação da mídia pela política sempre existiu. Essa amostragem será estudada pela análise de conteúdo, com base nos padrões definidos por Perseu Abramo e a Teoria de Ação Política ou Instrumentalista.

Segundo Herscovitz (2010), a análise de conteúdos é um importante elemento quando se procura “descrever e classificar produtos, gêneros e formatos jornalísticos”. Produtos, que em muitos momentos se misturam com notícias, confundindo o leitor, bem como afirma a teoria instrumentalista, aliada a alguns padrões de manipulação segundo Abramo (2003).

A partir da sua conceituação, são analisadas cinco matérias da revista “O Cruzeiro”, que se encaixam dentro das descrições da teoria, que são as relações de interesses construídas com base em suas publicações, e suas estruturas são analisadas a partir dos critérios apresentados por Perseu Abramo, para entender como elas podem ser expostas como exemplos de produção jornalística afetada pela teoria instrumentalista dentro do contexto político do seu tempo.

As reportagens, em idioma de língua portuguesa, são classificadas entre o período de (1930-1955), e foram encontradas virtualmente na sessão de Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Digital Brasil.

A metodologia utilizada é uma análise de conteúdo que busca entender as narrativas jornalísticas, interesses privados e ideológicos presentes nos materiais examinados, sobretudo através da pesquisa e observação (HERSCOVITZ, 2014).

Seguindo um modelo baseado nos estudos da parcialidade, a teoria analisa nas reportagens se há ou não distorções em notícias e qual é o impacto que a atividade jornalística causa política e socialmente (Pena 2010).

5.1 OPERADORES DE ANÁLISE

Serão utilizados, como operadores de análise no presente trabalho, os seguintes padrões de manipulação: indução, fragmentação e de inversão da versão pelo fato, segundo Perseu Abramo.

Levando em consideração a época, mais de 80 anos, e a impossibilidade de entender todos os acontecimentos ocorridos na época, seria inviável utilizar outros padrões, como o de ocultação, que não foi selecionado, pois para fazê-lo seria necessário um volume de conteúdo muito maior para analisar, especialmente pelo fato que o corpo do trabalho representa exatamente o contrário da ocultação, que é a divulgação dos fatos, logo, eles dizem respeito a questões contextualizadas da época em que foram feitas de forma mais acentuada.

Para entender o que foi oculto, seria necessário vivenciar e compreender todo o cenário da época para analisar o que deixou de ser abordado pelo veículo em questão, o que exigiria um corpo maior e uma análise de outros acontecimentos relevantes na política e vida social da época.

O foco aqui é ilustrar apenas alguns dos métodos caracterizados como padrão de manipulação de Perseu Abramo aliado à teoria instrumentalista, portanto, não sendo esse o ponto principal do desenvolvimento de análise deste trabalho.

5.2 AMOSTRAGEM

a) Cruzeiro e a Revolução Nacional - Padrão de Indução

Durante a “Revolução Nacional”, quando Getúlio Vargas tomou posse do Governo Provisório, em 3 de novembro de 1930, data que marcou o fim da República Velha no Brasil, a revista O Cruzeiro prestou apoio público à candidatura de Vargas, produzindo um material com número especial de caráter documental de 100 páginas, com informações e fotografias exclusivas sobre o período.

O material reúne informações sobre os acontecimentos decorrentes da eleição presidencial do dia 1 de março até 3 de novembro, quando Getúlio Vargas tomou posse. Depois de pronta, a edição extra produzida pelo semanário, denominada como um “luxuoso álbum” que reúne os “mais importantes documentos fotográficos e históricos da Revolução” passou a ser comercializada por 5$000 reis, como é mostrado na edição 0003 do dia 21 de novembro de 1931. Aqui, o próprio uso da palavra “luxuoso” remete à uma perceptível tentativa de induzir a percepção da matéria de forma positiva.

Essa manobra feita pelo veículo, condiz com o padrão de indução, que justifica a composição de uma série de processos que envolvem o planejamento, produção, edição do material jornalístico, alinhados à apresentação gráfica, bem como os índices de tiragem e audiência de publicidade, fazendo parte da indústria cultural e do empreendimento empresarial-capitalista. Essa associação é feita a partir da circulação da revista, que conseguiu alcançar aproximadamente quatro milhões de leitores, cujo cálculo leva em consideração a tiragem da publicação e o número de exemplares vendidos, bem como o número de pessoas que puderam entrar em contato com o veículo, fosse através da família, de empresas ou até mesmo de amigos (SERPA, 2007).

Levando em conta ainda a grande tiragem e audiência do veículo, com vasta publicidade, essa iniciativa condiz com este padrão de manipulação que justifica, através da diagramação, programação, manchetes, notícias, comentários e imagens, a constante presente de personagens, neste caso, Getúlio Vargas.

O presente padrão explica ainda, que enquanto alguns assuntos quase nunca são tratados pela imprensa, outros comparecem abusivamente, à saciedade, com uma irritante e enjoativa frequência, condizente com este material, que passou a ser divulgado em todas as edições da revista durante a vigência do mesmo.

O teor do texto, que louva a “revolução nacional” e a promove como feito a ser lembrado claramente indica o posicionamento do veículo, e o padrão de indução se verifica não pelo conteúdo, em si, mas pela maneira como o veículo ostensivamente se dedica a privilegiar a abordagem desde o título, que coloca o próprio veículo na manchete, até a publicidade ostensiva da edição especial anunciada em homenagem ao fato.

Figura 1: Recorte de edição – 08/11/1930

Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Digital Brasil.

Figura 2: Recorte de edição – 21/11/1931

Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Digital Brasil.

Além de ajudar a posicionar Vargas na liderança, o anúncio do material, que esteve presente em várias tiragens de diferentes edições da revista, beneficiou financeiramente Assis Chateaubriand. Mais tarde, após a efetivação do lançamento das campanhas eleitorais, Chateaubriand colocou seus jornais a serviço da causa aliancista, partido de Vargas, e conquistou assim, recursos para lançar mais dois órgãos, o Diário de São Paulo, na capital paulista, e o Diário da Noite, no Rio de Janeiro. Estes veículos representam alguns dos benefícios que Chateaubriand recebeu por apoiar o governo no poder da época.

b) Cruzeiro e Getúlio Vargas - Padrão de fragmentação e padrão de inversão da versão pelo fato

A matéria veiculada no dia 26 de abril de 1952, na edição de número 028, exemplifica um dos padrões de manipulação segundo Perseu Abramo. O conteúdo da matéria trata sobre um encontro entre diversos e divergentes políticos para um almoço, que contou inclusive com a presença do presidente da república, Getúlio Vargas, e o dono da revista O Cruzeiro, e também político, Assis Chateaubriand.

O operador de análise que se encaixa nesse contexto é o padrão de fragmentação, que acontece quando apenas partes de um assunto ou acontecimento é apresentado, comentado ou divulgado. No caso dessa matéria, o padrão pode ser observado através da configuração da mesma, com a fragmentação na elaboração do texto, na edição, na diagramação e na apresentação da matéria.

Isso porque, a narrativa da matéria é descrita com fatos particularizados e fragmentados de situações desconectadas entre si, tanto na construção do texto, quanto na diagramação que divide a matéria em três páginas aleatórias. Além de trazer descontinuidade na leitura e uma certa dificuldade em conectar os fatos entre si, a matéria é dividida com vários subtítulos, reunindo acontecimentos distintos, o que acaba por confundir o leitor.

Nesse caso, a matéria exemplifica perfeitamente o padrão de fragmentação, segundo a narrativa de Abramo (2003), pela questão dos fatos serem desligados dos seus antecedentes, processos e continuidade, podendo ser reconectados ou reinvinculados.

Além disso, diferente da ocultação, quando determinado assunto não é considerado jornalístico pelo veículo, ele é remodelado com base nos princípios e diretrizes do órgão de imprensa. Ou seja, pouco provavelmente esse trecho seria considerado uma notícia por outros veículos, mas nesse caso ele é, porque diz respeito ao próprio proprietário do veículo, logo, ele é apresentado da maneira mais conveniente para o mesmo. Ainda, é possível observar o padrão de inversão da versão pelo fato, já que não é ele em si que importa, mas a versão do próprio órgão de imprensa relacionada ao fato.

Outro ponto de destaque nesta matéria, é que mesmo citando o nome de todos os presentes no almoço, que são muitos, o texto destaca apenas o diálogo transcorrido entre o presidente da república, Getúlio Vargas, e o dono do Cruzeiro, Assis Chateaubriand, revelando a relação de interesse existente entre a autoridade e o veículo devido a sua relevância social, como poderemos ver a seguir. O episódio justifica, portanto, os padrões de manipulação utilizados em um dos veículos pertencentes ao magnata e a prática da teoria instrumentalista, quando gestores buscam servir os próprios interesses baseados em fatores como a política.

Figura 3: Recorte de edição – 26/04/1952

Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional Digital Brasil.

c) Atentado na rua Toneleros - Padrão de inversão da versão pelo fato

O episódio da rua Toneleros, em Copacabana, no Rio de Janeiro, ocorrido no dia 5 de agosto de 1954, cujo momento foi marcado na história pelo atentado contra a vida do jornalista, político e grande opositor de Vargas, Carlos Lacerda, e que acabou resultando na morte do major-aviador Rubens Florentino Vaz, deixando o guarda municipal Sálvio Romeiro ferido, foi decisivo para o rumo que o cenário político da época teve. Assim como a atuação da revista Cruzeiro frente ao caso.

Devido a tensão política, social e econômica da época, dada a fragilidade do governo e o fato de o chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato, ter sido apontado como o mandante do crime, a situação impactou diretamente e negativamente Getúlio Vargas.

Os veículos de imprensa de todo o país voltaram-se à cobertura do caso, e com a revista O Cruzeiro não foi diferente. Na edição 045, do dia 21 de agosto de 1954, o veículo deu início a uma série de reportagens sobre o fato, que claro, gerou grande pressão e repercussão sobre Vargas.

A legitimidade dada pela revista às declarações de uma das vítimas, Carlos Lacerda, quando o crime ainda não havia sido esclarecido, acabou o tornando a ‘voz oficial’ do caso, cujo contexto se encaixa no padrão de inversão da versão pelo fato.

Em um trecho da matéria, localizada no segundo trecho da página 9, o veículo noticia a declaração da fonte, Carlos Lacerda, que “responsabiliza o presidente da república pelo atentado”. Tal afirmação corresponde ao padrão de manipulação que inverte a versão pelo fato, quando adota ou aceita a declaração de alguém “não oficial” como oficial.

Esta expressão, segundo Abramo (2006), serve para utilizar a fonte “oficial” ou “mais oficial” de qualquer segmento da sociedade, e não apenas as autoridades do Estado ou do governo, no lugar dos fatos uma versão. Especialmente pelo fato de o veículo ter retratado na matéria a fala de Carlos Lacerda, uma das vítimas, e não a do governo, considerado ‘oficial’.

A ideia da “versão pelo fato” pode ser problemática quando se observa distantes do tempo os acontecimentos. À luz do acontecimento, ainda hoje a “versão pelo fato” pode vir a ocorrer de formas não intencionais, no processo de apuração. O que se observa, aqui, é a maneira contundente que se dá o discurso abraçado pela publicação face ao conturbado cenário político de então.

Figura 4: Recorte de edição – 21/08/1954