A POLÍTICA EXTERNA DE ANGOLA DURANTE A VIGÊNCIA DO PRESIDENTE JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO (2017-2022)
PDF: Clique Aqui
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14830521
Juvenal Pelo Quicassa
RESUMO
O presente artigo examina a Política Externa de Angola durante o mandato do presidente João Manuel Gonçalves Lourenço (2017-2022), período que corresponde ao seu primeiro mandato. Esse período foi marcado por mudanças estratégicas significativas, visando a diversificação de parcerias internacionais, a atração de investimentos estrangeiros e a reconstrução da credibilidade do país no cenário global. João Lourenço assumiu o governo com desafios econômicos e uma imagem internacional negativa herdados da administração anterior. Sua liderança promoveu reformas internas e uma diplomacia proativa para combater a corrupção e modernizar a economia. A diversificação de parcerias incluiu a aproximação com países europeus, como Portugal, e com os Estados Unidos, além da continuidade de relações importantes com a China. No contexto africano, Angola desempenhou um papel de liderança regional, mediando conflitos e promovendo a estabilidade no continente, especialmente no âmbito da SADC. No cenário global, o governo angolano participou activamente de debates sobre mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável, buscando projetar o país como um ator relevante e comprometido. O artigo conclui que a política externa de João Lourenço representou uma tentativa de reinvenção da imagem de Angola, almejando maior integração ao sistema internacional e consolidando alianças estratégicas. No entanto, aponta que a continuidade desse progresso dependerá da superação de desafios internos, como a dependência do petróleo e a fragilidade econômica.
Palavras-chave: Política Externa. Angola. João Lourenço.
ABSTRACT
This article examines Angola's Foreign Policy during the mandate of President João Manuel Gonçalves Lourenço (2017-2022), a period that corresponds to his first term. This period was marked by significant strategic changes, aimed at diversifying international partnerships, attracting foreign investment and rebuilding the country's credibility on the global stage. João Lourenço took office with economic challenges and a negative international image inherited from the previous administration. His leadership promoted internal reforms and proactive diplomacy to combat corruption and modernize the economy. The diversification of partnerships included closer ties with European countries, such as Portugal, and the United States, in addition to continuing important relations with China. In the African context, Angola played a regional leadership role, mediating conflicts and promoting stability on the continent, especially within the scope of SADC. On the global stage, the Angolan government actively participated in debates on climate change and sustainable development, seeking to project the country as a relevant and committed actor. The article concludes that João Lourenço's foreign policy represented an attempt to reinvent Angola's image, aiming for greater integration into the international system and consolidating strategic alliances. However, he points out that the continuity of this progress will depend on overcoming internal challenges, such as dependence on oil and economic fragility.
Keywords: Foreign Policy. Angola. João Lourenço.
INTRODUÇÃO
A política externa de um país desempenha um papel crucial na definição de sua posição no cenário internacional, refletindo tanto suas prioridades internas quanto seus objectivos estratégicos globais. Em Angola, o período de 2017 a 2022 foi marcado pela liderança de João Manuel Gonçalves Lourenço, que assumiu o desafio de redefinir a imagem do país após anos de crise econômica e críticas relacionadas à corrupção e má gestão. Durante esse período, a política externa angolana passou por transformações significativas, com foco na diversificação de parcerias internacionais, promoção de investimentos estrangeiros e fortalecimento do papel de Angola no continente africano
A transição política que ocorreu com a eleição de João Lourenço representou uma ruptura com o passado, caracterizada pela implementação de reformas estruturais e uma abordagem mais pragmática para enfrentar os desafios internos e projectar o país no cenário global.
A diversificação econômica, o combate à corrupção e a busca por uma maior integração ao sistema internacional tornaram-se pilares dessa nova fase. Além disso, a diplomacia angolana buscou consolidar o país como um actor relevante nas questões regionais e globais, promovendo estabilidade e cooperação no continente africano.
Este artigo analisa a política externa angolana durante o primeiro mandato de João Lourenço, destacando as estratégias adotadas para reconstruir a credibilidade do país, diversificar suas parcerias internacionais e reposicionar Angola como um protagonista no continente africano e no mundo. A abordagem inclui uma avaliação das reformas internas, alianças estratégicas e desafios enfrentados nesse período, oferecendo uma visão abrangente sobre os impactos e legados dessa gestão no contexto internacional.
MUDANÇA DA LIDERANÇA POLÍTICA
Sem dúvidas que, o presidente João Lourenço, uma vez legitimado o seu poder enquanto 3º presidente da República de Angola, foi uma grande novidade do ponto de vista da liderança e governança do MPLA enquanto partido no poder. Verificou-se de forma clara e objectiva, o que era outrora impensável no âmbito da promoção de determinadas reformas no quadro das instituições do Estado de forma pragmática e exaustiva, sem qualquer evento precedente na história da liderança política de Angola.
De facto, que, tais mudanças tiveram reflexos significativos, assistidos hoje, no posicionamento de Angola no cenário internacional e consequentemente a obtenção de uma imagem prestigiosa um pouco mais favorável na arena internacional, tendo mais tarde se refletido nas múltiplas parcerias com diversos actores estratégicos internacionais.
A política externa de Angola no governo de João Lourenço (2017-2022), genericamente caracterizou-se por uma abordagem estratégica voltada para a diversificação de parceiros internacionais, a promoção de investimentos estrangeiros e o fortalecimento do papel do país no continente africano. Essa política buscou refletir as prioridades de desenvolvimento econômico, combate à corrupção e projeção internacional do país.
É importante mencionar que o presidente João Lourenço herdou uma Angola economicamente fragilizada pela queda nos preços do petróleo e uma imagem internacional associada à corrupção e má gestão, factos atribuídos a anterior administração1. Sua administração buscou construir um novo capítulo na história do país, marcado por uma abordagem mais pragmática e ambiciosa no cenário internacional.
Podemos, de forma criteriosa considerar que a ação externa de Angola aquando do primeiro mandato do governo de João Lourenço estiveram (estão) assentes nas seguintes variáveis:
RECONSTRUÇÃO DA CREDIBILIDADE PERDIDA PELO ANTERIOR GOVERNO
Logo no início de seu mandato, o presidente Lourenço se deparou com o desafio de reverter a percepção negativa de Angola no exterior. Face isto, o combate à corrupção tornou-se uma bandeira central de sua política interna, o qual também serviu de triunfo para sua diplomacia.
Este, não apenas promoveu reformas internas, mas também utilizou a política externa para recuperar activos desviados e negociar com parceiros internacionais. Essa narrativa de transformação visava atrair investimentos estrangeiros, especialmente em sectores diversificados, e reconstruir a confiança perdida.
O governo angolano passou a dialogar abertamente com instituições multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, adotando medidas de austeridade fiscal e reformas estruturais que agradaram a investidores globais. No quadro desses diálogos rotineiros, ambas as instituições recomendaram a diversificação da economia angolana. Foram propostos incentivos para desenvolver sectores como agricultura, manufatura e turismo.
No mesmo quadro, foi exigida maior transparência na gestão dos recursos públicos, incluindo as receitas do petróleo. As instituições pressionaram por auditorias em empresas estatais, como a Sonangol2, e por melhorias nos mecanismos de combate à corrupção sistêmica. Tais recomendações já tiveram sido anunciadas à administração do seu antecessor, mas que, não tiveram sucesso no âmbito da sua materialização. Porém, o presidente Lourenço teve um posicionamento um pouco mais confortável face á tais recomendações, procurando concretizar de forma gradativa a materialização de tais recomendações.
Essa postura marcou uma ruptura com o passado e posicionou Angola como um país comprometido com a transparência e a governança.
DIVERSIFICAÇÃO DE PARCERIAS INTERNACIONAIS
Na narrativa do presidente Lourenço, Angola tem buscado por "novos horizontes", chegando a causar uma certa descontinuidade da lógica de parcerias tradicionais, como é o caso da china, cuba e outros não menos importante.
Pese embora que a relação com a China continuasse significativa, especialmente no sector de infraestrutura, o presidente Lourenço mostrou-se empenhado em diversificar os parceiros internacionais. Um dos eventos que vai de facto justificar essa dimensão de horizonte vai ser aproximação com Portugal3. A reaproximação com Portugal simbolizou essa nova etapa, destacada pela visita do presidente Lourenço a Lisboa em 2018, que reforçou os laços históricos e abriu novas oportunidades econômicas e culturais.
Ao mesmo tempo, Angola intensificou diálogos com os Estados Unidos e países da União Europeia, apresentando-se como um destino para investimentos no contexto de uma economia em transição, acompanhado de conjunto de estratégias voltados a incentivos fiscais.
Tal como mencionado por Santiago (2018), no blog jornal de negócios:
“O desanuviar nas relações bilaterais entre Angola e Portugal é o momento indicado para estreitar os laços económicos. Lisboa deve tirar partido da relação e proximidade histórica apoiando Luanda, por exemplo, a suprir défice de qualificações”.
De facto, essa diplomacia econômica ganhou contornos estratégicos, com o presidente Lourenço promovendo Angola como um "mercado de oportunidades" além do petróleo, incluindo áreas como agricultura, turismo e energia renovável.
LIDERANÇA REGIONAL
No contexto africano, a política externa do presidente Lourenço desenhou uma Angola como protagonista na busca pela paz e estabilidade.
O envolvimento de Angola enquanto mediadora em conflitos, como na República Democrática do Congo e na República Centro-Africana, projecta o país como um pilar da diplomacia africana. Tal abordagem está alinhada com o conceito de "diplomacia preventiva", amplamente defendido por organizações internacionais como as Nações Unidas, que enfatiza a mediação como ferramenta para evitar a escalada de conflitos. (BOUTROS-GHALI, 1992).
No âmbito regional, Angola assume um papel estratégico dentro da SADC. Essa postura reflete uma visão de integração política e econômica que busca consolidar a estabilidade regional como alicerce para o desenvolvimento. De acordo com Nathan (2010), a SADC tem evoluído de uma comunidade voltada para a cooperação econômica para uma entidade que também prioriza a segurança coletiva, o que explica o engajamento angolano.
Além disso, a posição geográfica e os recursos naturais de Angola conferem-lhe vantagens estratégicas, tornando o país um parceiro confiável para seus vizinhos, factor essencial para fortalecer a coesão regional. (ADEBAJO, 2016).
Assim, a política externa angolana sob Lourenço demonstra uma clara ambição de contribuir para a construção de uma África mais integrada e pacífica, utilizando a diplomacia como instrumento central para alcançar esses objectivos.
PROJEÇÃO NO CENÁRIO GLOBAL
A visão do presidente Lourenço para Angola durante o período em estudo, demonstrava claramente uma dimensão bastante ambiciosa quanto ao posicionamento de Angola no cenário Internacional. Seu governo utilizou foros internacionais, como as Nações Unidas, para defender agendas globais, incluindo mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável.
Essa postura reflete a crescente importância de países africanos em debates globais sobre temas transnacionais, como mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável. Tal como mencionam os autores Brown e Harman (2013), a participação activa de estados africanos em organizações como as Nações Unidas não apenas fortalece sua visibilidade internacional, mas também amplia sua capacidade de moldar decisões que afectam o continente.
Partindo dessa perspectiva, Angola, ao alinhar sua política externa com questões globais, demonstra compreender o papel crescente das "diplomacias temáticas" no mundo contemporâneo, especialmente em relação à sustentabilidade e ao combate às mudanças climáticas. (SACHS, 2015).
Esses temas têm ganhado centralidade na agenda internacional e oferecem oportunidades para Estados em desenvolvimento projectarem uma imagem de liderança responsável e de compromisso com soluções coletivas.
Além disso, a estratégia do presidente Lourenço também reflete um esforço para diversificar as parcerias do país e atrair investimentos externos. Como apontam Cilliers e Schünemann (2013), a visibilidade em foros globais pode funcionar como um mecanismo para aumentar a credibilidade de um governo no cenário internacional, especialmente em países que enfrentam desafios internos, como Angola.
Assim, ao se engajar nesses debates, Angola buscou durante o período em estudo não apenas ser reconhecida como um actor diplomático relevante, mas também garantir que suas prioridades internas estejam alinhadas com as tendências globais, promovendo maior integração ao sistema internacional.
No entanto, é imperioso mencionar que a política externa de Angola durante a vigência do presidente João Lourenço, de 2017 a 2022, pode ser vista como uma narrativa de reinvenção. Onde o presidente, buscou por meio de um conjunto de esforços e estratégias quer a nível domésticos quer a nível internacional, projectar uma Angola moderna, aberta ao mundo e preparada para um papel de maior destaque no continente africano e além.
Embora que os desafios internos, como a dependência do petróleo e a fragilidade econômica, continuassem a pesar, a diplomacia do presidente Lourenço de facto trouxe avanços significativos para a imagem e as relações internacionais do país.
Essa história, entretanto, é inacabada. Os primeiros passos dados por Lourenço delinearam um caminho promissor, mas a continuidade dessa trajetória dependerá de como Angola lidará com suas vulnerabilidades internas e consolidará as alianças construídas nesse período. A política externa de João Lourenço foi, acima de tudo, uma busca por novos começos em um cenário global cada vez mais complexo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A política externa de Angola durante o primeiro mandato de João Manuel Gonçalves Lourenço (2017-2022) foi marcada por uma busca intensa de reinvenção e reposicionamento no cenário global. Ao adotar uma abordagem estratégica que privilegiou a diversificação de parcerias, a atração de investimentos estrangeiros e a recuperação da credibilidade internacional, Angola deu passos significativos para se estabelecer como um ator relevante na política regional e global. A ênfase no combate à corrupção e na implementação de reformas internas reforçou a narrativa de compromisso com a transparência e a boa governança, aspectos que contribuíram para melhorar a imagem do país junto a parceiros internacionais.
No âmbito regional, o protagonismo de Angola como mediadora em conflitos e promotora da estabilidade política demonstrou o fortalecimento de sua liderança na África Austral. No cenário global, o engajamento em questões transnacionais, como mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável, posicionou Angola como uma nação comprometida com soluções coletivas para desafios contemporâneos.
Apesar dos avanços, desafios persistem. A dependência do petróleo, a fragilidade econômica e a necessidade de consolidar as reformas estruturais ainda representam obstáculos que poderão influenciar a continuidade das iniciativas empreendidas nesse período. No entanto, os esforços de João Lourenço estabeleceram bases sólidas para uma política externa mais dinâmica e adaptada às demandas do século XXI, sinalizando um futuro promissor para o papel de Angola na comunidade internacional.
Em síntese, a gestão de João Lourenço em matéria de política externa simbolizou um marco de transformação e renovação. O sucesso dessa trajetória dependerá não apenas da superação de desafios internos, mas também da capacidade do país de fortalecer as parcerias construídas e consolidar sua posição como um ator estratégico no continente africano e no mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADEBAJO, A. The curse of Berlin: Africa after the Cold War. Hurst Publishers. 2016
BROWN E HARMAN. A participação activa de estados africanos em organizações como as Nações Unidas não apenas fortalece sua visibilidade internacional, mas também amplia sua capacidade de moldar decisões que afectam o continente. 2013
BOUTROS-GHALI, B. An Agenda for Peace: Preventive diplomacy, peacemaking, and peace-keeping. United Nations. 1992
CILLIERS, J., & SCHÜNEMANN, J. The future of intrastate conflict in Africa: More violence or greater peace? Institute for Security Studies. 2013
FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL Angola Temas Selecionados. Relatório do FMI n.º 15/302. 2015. Disponível em: https://www.imf.org/external/lang/portuguese/pubs/ft/scr/2015/cr15302p.pdf
NATHAN, L. The SADC security architecture: An assessment. African Security Review, 19(1), 84-92. 2010
SACHS, J. D. The Age of Sustainable Development. Columbia University Press. 2015
1 O desfecho da administração do presidente dos Santos teve bastante reflexos negativos no âmbito económico. Durante o mandato de dos Santos, Angola tornou-se fortemente dependente das exportações de petróleo, que representavam a maior parte das receitas fiscais e das exportações nacionais. Isso tornou a economia vulnerável às flutuações dos preços do petróleo no mercado internacional. A queda acentuada dos preços a partir de 2014 agravou as dificuldades econômicas do país. Esses desafios herdados da administração de dos Santos colocaram pressões significativas sobre o governo de seu sucessor, João Lourenço, que se comprometeu a implementar reformas econômicas e combater a corrupção, mas enfrenta dificuldades para reverter anos de má gestão e práticas sistêmicas prejudiciais.
2 Fundo monetário Internacional (2015). Angola Temas Selecionados. Relatório do FMI n.º 15/302. Disponível em: https://www.imf.org/external/lang/portuguese/pubs/ft/scr/2015/cr15302p.pdf
3 Tais relações haviam sido interrompidas por um conjunto de factores ligada a própria manopla de justiça portguesa, que por muito tempo instaurou investigações a elementos da elite angolana por actos de ilicitude, tendo sido agravado com maior abrangência com o caso do ex-vice-presidente Manuel Vicente por ter subornado a magistratura portuguesa em 2007. Estes eventos preconizaram a quebra de confiança e de relações amistosas entre os dois governos por aproximadamente 10 anos, o que voltou a ser reestabelecida em 2018. Disponível em: https://www.rfi.fr/pt/angola/20181122-joao-lourenco-em-visita-de-estado-portugal