AS BOLHAS INFORMACIONAIS, A POLARIZAÇÃO AFETIVA E A DESTRUIÇÃO DOS VÍNCULOS NA ERA DIGITAL
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.16790649
Nilton Pereira da Cunha1
RESUMO
O avanço das redes sociais e da inteligência algorítmica transformou profundamente a forma como nos informamos, interagimos e construímos vínculos. Ao filtrar e direcionar conteúdos com forme padrões de comportamentos, os algoritmos reforçam bolhas informacionais, restringindo o contato com perspectivas divergente. Os impactos ultrapassam o espaço virtual e chegam às relações pessoais, provocando rupturas em amizades e laços familiares que antes pareciam sólidos. Tal fenômeno pode ser comparado à metáfora das formigas pretas e vermelhas, que convivem pacificamente até que uma força externa agite o ambiente, levando-as ao confronto. Hoje, essa “agitação” é promovida pelas redes sociais, que incentivam reações rápidas e emocionais. Este artigo analisa a era digital a parte de quatro eixos: a mediação algorítmica da realidade, o isolamento cognitivo das bolhas informacionais, a escalada da polarização afetiva e os efeitos sobre os vínculos interpessoais. Busca-se compreender como esses processos minam a autonomia e apontar caminhos para o resgate da singularidade, individualidade e humanização – evitando que, sem nos darmos conta, passemos a tratar como adversários, e até inimigos, aqueles que um dia foram parte mais amada e sólida das nossas vidas: os amigos próximo e familiares.
Palavras-chave: Redes Sociais. Bolhas Informacionais. Era Digital. Polarização Afetiva. Algoritmos.
ABSTRACT
The advancement of social media and algorithmic intelligence has profoundly transformed the way we inform ourselves, interact, and build connections. By filtering and directing content based on behavioral patterns, algorithms reinforce information bubbles, restricting contact with divergent perspectives. The impacts extend beyond the virtual realm and into personal relationships, causing ruptures in friendships and family ties that once seemed solid. This phenomenon can be compared to the metaphor of black and red ants, who coexist peacefully until an external force agitates the environment, leading them to confront each other. Today, this "agitation" is fueled by social media, which encourages rapid and emotional reactions. This article analyzes the digital age from four perspectives: the algorithmic mediation of reality, the cognitive isolation of information bubbles, the influence of affective polarization, and the effects on interpersonal bonds. We seek to understand how these processes undermine autonomy and point out ways to rescue uniqueness, individuality, and humanization—avoiding the idea that, without realizing it, we begin to treat as adversaries, and even enemies, those who were once the most beloved and solid part of our lives: close friends and family.
Keywords: Social Networks. Information Bubbles. Digital Age. Affective Polarization. Algorithms.
1 Introdução
Vivemos uma era em que a mediação das nossas emoções, percepções, interações e afetos é cada vez mais determinada por sistemas invisíveis: os algoritmos. Esses códigos, projetados para maximizar engajamento e tempo de permanência nas plataformas digitais, moldam o que vemos, com quem interagimos e até como interpretamos o mundo.
Nesse cenário, emergem três fenômenos interligados e profundamente transformadores: as bolhas informacionais, que estreitam o horizonte de ideias; a polarização afetiva, que converte divergências em ameaças; e a corrosão dos vínculos sociais e familiares, que antes resistiam ao tempo, mas agora podem se romper em poucos cliques.
Essa dinâmica pode ser ilustrada pela metáfora das formigas pretas e vermelhas: quando colocadas juntas em um recipiente, convivem pacificamente; porém, se esse ambiente for agitado por uma força externa, elas passam a se atacar até a morte. Hoje, essa “agitação” ocorre no espaço virtual, onde as redes sociais funcionam como catalisadores de conflitos, manipulando emoções e incentivando reações impulsivas.
O que antes era mediado pelo diálogo e pela convivência agora é filtrado por sistemas que reforçam identidades de grupo, estimulam antagonismo e minam a escuta.
Este artigo propõe uma análise crítica desse fenômeno em quanto dimensões: a mediação algorítmica da realidade, o isolamento cognitivo produzido pelas bolhas informacionais, a escalada da polarização afetiva e, por fim, os efeitos dessas dinâmicas nas amizades e nos vínculos familiares.
Mas do que diagnosticar o problema, busca-se aqui refletir sobre caminhos possíveis para reconstruir os laços sociais, fortalecendo nossa autonomia e reafirmando a liberdade diante da manipulação invisível dos algorítmicos na era digital.
2 A era digital e o algoritmo como mediador da realidade
A ascensão da era digital representa uma das transformações mais profundas e aceleradas da história da humanidade, especialmente no que diz respeito à forma como os indivíduos acessam informações, constroem vínculos e recebem a realidade.
Se os meios de comunicação tradicionais – como rádio, televisão e jornal – desempenhavam um papel de filtro coletivo das narrativas sociais, hoje, essa função tem sido cada vez mais transferida a sistemas algorítmicos que operam silenciosamente nos bastidores das plataformas digitais.
Desde o surgimento das redes sociais, no início dos anos 2000, até o advento da inteligência artificial generativa nos anos 2020, testemunha-se uma reconfiguração radical da mediação simbólica do mundo, da subjetividade e do vínculo humano.
A virada algorítmica – termo usado por autores como Antoinette Rouvroy para descrever a transição da mediação simbólica para a mediação computacional – alterou profundamente a ecologia das relações sociais e cognitivas.
Em vez de representar o mundo de maneira plural, contextual e aberta, os algoritmos filtram, priorizam e personalizam os conteúdos de acordo com padrões de comportamento, preferências declaradas ou inferidas, e com objetivos majoritariamente comerciais.
Como observa a própria Rouvroy: “Os algoritmos não interpretam o mundo, mas operam sobre ele, o que produz uma nova forma de governo dos comportamentos e das percepções2”.
Essa nova arquitetura da atenção tem como marco inicial a popularização de redes sociais como Orkut, Facebook, YouTube e, mais, recentemente, Instagram, TikTok e X (antigo Twitter). Inicialmente vistas como ferramentas de conexão e expressão, essas plataformas tornaram-se ambientes altamente regulados por lógicas algorítmicas que maximizam o tempo de engajamento e moldam a experiência do usuário a partir da predição comportamental.
O que era para ser um espaço público digital se tornou um conjunto de bolhas privadas, retroalimentadas por preferências ideológicas, afetivas e cognitivas. Como aponta Eli Pariser, ao cunhar o termo “filter bubble”, os algoritmos criam uma espécie de câmara de eco personalizado, na qual “você acaba ficando preso em um universo de informações que refletem seus próprios pontos de vista e ignoram os contrários3”.
O que se observa, portanto, é uma crescente algoritimização da realidade, em que os filtros não são mais apenas culturais ou sociais, mas técnico-digitais, invisíveis ao olhar e, por isso mesmo, mais difíceis de questionar. A personalização do conteúdo, vendida como benefício, é também um fator decisivo na fragmentação da esfera pública e na intensificação da polarização afetiva.
O sociólogo Zygmunt Bauman4 já alertava, antes mesmo da explosão das redes sociais, que a modernidade líquida favorecia vínculos frágeis e relações descartáveis. Como a mediação algorítmica, esse processo ganha uma dimensão automatizada e sistemática, em que a fragmentação do tecido social não é um efeito colateral, mas, muitas vezes, parte do modelo de negócio.
Além disso, o crescimento do uso de dados comportamentos – a chamada “economia da vigilância”, nos termos de Shoshana Zuboff – evidencia como os algoritmos não apenas refletem as escolhas dos usuários, mas os induzem a novos comportamentos. A autora afirma que vivemos um novo tipo de capitalismo, no qual “a experiência humana é convertida em dados comportamentais que são analisados, transformados em produtos preditivos e comercializados5”
Assim, não é apenas a realidade que é medida: é o próprio desejo, a atenção e a subjetividade que são moldadas.
Esse panorama nos obriga a refletir criticamente sobre o papel dos algoritmos como novos mediadores da experiência humana. Se antes os vínculos sociais eram sustentados por interações simbólicas densas, presença física e complexidade afetiva, hoje tendem a ser substituídos por laços frágeis, mediados por telas e influenciados por lógicas técnicas que privilegiam a performance, a reação imediata e o engajamento superficial.
A linguagem do afeto, da escuta e da demora relacional – que exige tempo, disposição e presença – é gradualmente substituída por curtidas, compartilhamentos e respostas instantâneas, onde a emoção é capturada mais pela estética e pelo impacto do que pela profundidade do conteúdo.
Nas redes digitais, a lógica algorítmica opera segundo princípios que não valorizam o vínculo autêntico, mas sim a capacidade de gerar tráfego, cliques e permanência.
O afeto, nesse contexto, torna-se performática: são as reações visíveis, mensuráveis e rentáveis que moldam a dinâmica das relações. Isso promove uma cultura do vínculo descartável, na qual as conexões humanas são submetidas a uma lógica de obsolescência, similar à dos próprios produtos de consumo.
Essa transformação tem implicações profundas para construção psíquica e social dos indivíduos. A subjetividade, moldada por estímulos digitais constantes, passa a operar num regime de atenção fragmentada e reatividade contínua. A possibilidade de construir uma identidade sólida, com raízes em experiência compartilhadas e vínculos duradouros, cede lugar a uma subjetividade líquida, moldável e vulnerável às pressões do algoritmo.
Como resultado, vínculos familiares, amizades e laços comunitários vão se enfraquecendo, dando lugar a uma rede de conexões voláteis, instáveis e afetivamente empobrecidas.
Além disso, a lógica da personalização algorítmica reduz a possibilidade do encontro com a alteridade. Ao priorizar o que é semelhante, familiar o que é emocionalmente confortável, com isso, o algoritmo afasta o indivíduo da experiência de diferença, que é essencial para o crescimento pessoal e a convivência democrática. O outro – com suas opiniões, afetos e modos de vida distintos – torna-se uma ameaça ou um ruído, algo a ser evitado.
Com isso, a possibilidade de empatia, escuta e transformação mútua é gravemente comprometida, alimentando o processo de polarização afetiva que se tornou marca do nosso tempo
Essa polarização, por sua vez, não é apenas política ou ideológica: ela é afetiva e relacional. Pessoas se afastam não apenas por divergências de opinião, mas por não suportarem mais a frustração de conviver com o diferente.
Laços familiares são rompidos por visões de mundo divergentes amplificadas pelas redes, e amizades antigas se desfazem diante da intolerância emocional cultivada por bolhas informacionais. A coesão social, outrora sustentada por vínculos interpessoais e valores comuns, se vê erodida por uma lógica que transforma o outro em inimigo simbólico.
Em suma, os algoritmos não apenas moldam o que vemos e consumimos, mas afetam profundamente e modo como nos vinculamos, sentimos e existimos no mundo. Ao reconfigurarem os espaços de interação humana, instauram uma nova gramática das relações: rápida, superficial, personalizada e volátil.
Diante disso, é urgente repensar a centralidade dessas tecnologias e suas consequências para a saúde mental, para o tecido social e para a própria possibilidade de construção de uma vida comum.
Relações que demandam esforço, escuta e negociação tornam-se menos atrativa do que aquelas que oferecem validação instantânea e conforto emocional imediato.
A consequência direta é a deteriorização dos vínculos profundos, da escuta empática e do convívio plural – pilares fundamentais para a construção da cidadania, da convivência democrática e da saúde mental coletiva.
Portanto, a era digital não é apenas um novo tempo tecnológico: é uma nova forma de organização da realidade simbólica e afetiva. É nesse contexto que surgem as bolhas informacionais, a polarização afetiva e a consequência erosão dos vínculos humanos.
3 Bolhas Informacionais: o novo isolamento cognitivo
O termo bolha informacional designa um fenômeno característico da era digital em que os indivíduos passam a receber, consumir e interagir quase exclusivamente com conteúdos que confirmam suas crenças, valores e opiniões previamente estabelecidas.
Esse confinamento cognitivo é impulsionado por mecanismos algorítmicos que operam de forma invisível, mas decisiva, filtrando e personalizando os fluxos de informação com base em dados de comportamento, preferências e padrões de navegação.
O resultado é uma espécie de ecossistema fechado, onde ideias dissonantes são raras ou repetidas, consolidando zonas de conforto intelectual e emocional.
Conforme aponta Eli Pariser6, essas bolhas não apenas limitam a diversidade de informação, mas também distorcem a percepção da realidade, tornando-a parcial e enviesada.
As plataformas digitais, ao priorizarem o engajamento e a retenção do usuário, constroem ambientes cada vez mais personalizados, em que o contraditório é percebido como ameaça e o diferente como erro.
O algoritmo, nesse contexto, opera como um curador invisível da realidade, selecionando o que será visto, lido, ouvido e compartilhado – não com base na pluralidade, mas na previsibilidade comportamental.
Esse fenômeno não é neutro, ao se basearem em padrões estatísticos e predições, eles reduzem a complexidade humana e dados e reações automáticas, o que afeta diretamente a forma como os indivíduos constroem seu entendimento do mundo e interagem socialmente.
A lógica da bolha informacional é reforçada pelo chamado efeito de confirmação, um viés cognitivo que leva o sujeito a buscar, interpretar e lembrar informações que confirmam suas crenças e a rejeita ou ignorar aquelas que as contradizem.
Com isso, as bolhas não são apenas tecnológicas e afetivas. Elas promovem um tipo de isolamento que vai além do físico: trata-se de um isolamento cognitivo, em que o outro deixa de ser reconhecido como legítimo em sua diferença e passa a ser percebido como ameaça à integridade do próprio mundo simbólico.
Na era digital, portanto, o conceito clássico de liberdade de informação se torna simbólico e até paradoxal. Se por um lado o acesso à informação é amplificado, por outro, a qualidade e a diversidade dessa informação são severamente limitadas pelas arquiteturas algorítmicas que mediam as interações.
O usuário acredita estar informado, mas está imerso em uma realidade construída sob medida, o que empobrece o debate público, fragiliza os vínculos sociais e contribui para a radicalização afetiva.
A bolha informacional é, portanto, um dos principais vetores da polarização e da fragmentação social contemporânea. Não apenas reorganiza o acesso ao conhecimento, mas também reconfigura as condições de possibilidade do diálogo, empatia e reconhecimento mútuo.
Na verdade, trata-se de um novo tipo de clausura – não mais física, mas simbólica – que redefine a maneira como percebemos o mundo, o outro e a nós mesmos.
Ao reforçar crenças preexistentes promove a perigosa homogeneização da informação, isso, ao invés de oferecer ao sujeito um ambiente plural de ideias, a arquitetura digital contemporâneas o envolver em um circuito fechado de confirmações, no qual o que é diferente tende a ser excluído, ridicularizado ou combatido.
Essa homogeneização não é causa – é consequência direta de sistemas algorítmicos projetados para manter o usuário engajado, entregando-lhe o conteúdo que mais agrada ou confirma suas emoções e convicções anteriores.
Essa filtragem constante tem um efeito profundo sobre a capacidade de reflexão intelectual. Ao evitar o confronto com o contraditório, o pensamento se acomoda, tornando-se menos crítico, mais automático e ideologicamente encapsulado. A complexidade dos temas é reduzida a dicotomias simples: certo/errado, nós/eles, bem/mal, ou seja, ao binarismo. Com isso, perde-se a disposição para dúvida, escuta e aprendizado, que são pilares do pensamento reflexivo e do diálogo democrático.
No ambiente digital, as pessoas deixam de pensar por si mesmas, passando a agir e reagir segundo padrões previsíveis. Nesse ambiente, esse risco se materializa na forma de uma inteligência automatizada que antecipa desejos, reforça gostos e consolida visões de mundo como se fossem verdades absolutas.
O pensamento reflexivo, que exige tempo, contraste, silêncio e complexidade, é substituído por reações rápidas, polarizadas e afetivamente carregadas.
Esse processo atinge também a empatia, habilidade fundamental para a convivência social. Ao deixar de entrar em contato com experiências e pontos de vista distintos, o sujeito se desumaniza em relação ao outro. O diferente é transformado em inimigo e o vínculo social se fragiliza.
A empatia, que depende da imaginação moral – isto é, da capacidade de se colocar no lugar do outro –, é sufocada por uma arquitetura digital que separa, segmenta e isola.
O resultado é uma sociedade cada vez mais fragmentada, onde os laços humanos se tornam frágeis, e o espaço público é tomado por disputas emocionais intensas, muitas vezes desprovidas de conteúdo real.
A convivência, que antes exigia negociação simbólica e disposição para o conflito construtivo, passa a ser substituída por trincheiras afetivas e cognitivas, onde todos falam, mas ninguém escuta.
Essa condição não apenas empobrece o debate público, mas também atrofia habilidades sociais fundamentais, especialmente nas gerações mais jovens, que aprendem a se relacionar dentro desse modelo de reatividade algorítmica.
A homogeneização da informação, ao parecer inofensiva por sua aparência de conforto e familiaridade, é na verdade uma ameaça estrutural à alteridade, ao pensamento complexo e, sobretudo, à própria condição humana de encontro.
Mais do que uma crise da escuta ou do pensamento, vivemos uma crise da empatia profunda, que compromete o desenvolvimento de um sentimento essencial para a vida em sociedade: o amor fraterno. A exposição contínua a realidades distorcidas, alimentadas por algoritmos que reforçam o ego e apagam o outro, impede o sujeito de reconhecer a dor alheia como legítima, de estender a mão sem julgar, de construir laços para além da convivência ideológica. Em vez de fraternidade, cultiva-se a indiferença ou o ódio. Em vez de solidariedade, a competição narcísica. Em vez de compaixão, o desprezo.
Esse não é apenas um fenômeno social ou psicológico. Trata-se de uma desumanização progressiva, silenciosa, mas devastadora. Estamos criando uma geração que perde, desde cedo, a oportunidade de se afetar verdadeiramente pelo outro – e, com isso, perde também a chance de amar, no sentido mais profundo da palavra.
Quando o diferente se torna inimigo e o outro deixa de importar, o que está em jogo não é apenas a coesão social, mas a própria possibilidade de sermos humanos entre humanos.
É esse o drama maior da era digital: não apenas a fragmentação da informação, mas a fragmentação do afeto, do vínculo, da alma coletiva que nos sustenta como espécie.
4 Polarização Afetiva: quando discorda é ameaça
A polarização afetiva é um fenômeno que ultrapassa os limites do campo ideológico. Diferentemente da polarização política tradicional – em que grupos defendem ideias distintas em um embate racional de projetos –, a polarização afetiva é marcada por uma divisão emocional intensa, na qual o simples fato de o outro discordar já é suficiente para que ele seja percebido como ameaça, inimigo ou moralmente inferior. Nesse modelo relacional, não se discute mais ideias: odeia-se pessoas.
Como definem Iyengar, Sood e Lelkes, “A polarização afetiva refere-se à tendência dos indivíduos e categorizar os outros com base em identidades partidárias e a responder com fortes sentimentos de favoritismo endogrupal e hostilidade exogrupal, independentemente de divergências políticas objetivas7”. Em outras palavras, o afeto – e, sobretudo, o desafeto – torna-se o critério central das relações sociais.
Na era digital, alimentada por algoritmos que privilegiam o engajamento emocional, essa forma de polarização se intensifica. As bolhas informacionais oferecem uma espécie de ecologia afetiva controlada, onde só há espaço para o semelhante – e tudo o que escapa dessa lógica é percebido como um ataque. O diferente, então, deixa de ser apenas alguém com outra opinião: passa a representar uma ameaça à identidade emocional do sujeito, que reage não com argumentos, mas com ressentimento, repulsa e desqualificação moral.
Como afirma Zygmunt Bauman, em tempos de modernidade líquida, “o outro deixa de ser uma oportunidade de encontro e passa a ser um risco a ser evitado8”. Essa visão distorcida do outro é potencializada pelas estruturas das redes sociais, onde o espaço de debate público cede lugar ao espetáculo da reafirmação narcísica.
Nessa lógica, tudo que contradiz minha visão de mundo é interpretado como ataque pessoal – e não como possibilidade de aprendizagem mútua.
Essa dinâmica emocional corrosiva compromete não apenas os vínculos sociais, mas também a própria noção de comunidade. A popularização afetiva constrói trincheiras afetivas profundas, onde se odeia mais o adversário do que se ama a própria causa.
Ela mobiliza o afeto como arma, e não como ponte – e, ao fazer isso, desfaz laços, destrói amizades, rompe famílias e impede a construção de qualquer projeto coletivo duradouro.
Quando a discordância vira ruptura e a diferença vira inimigo, deixamos de dialogar e começamos a sobreviver em campos opostos, onde o medo e o ressentimento são mais fortes que o respeito e a escuta.
A polarização afetiva não nos divide apenas politicamente – ela nos mutila emocionalmente. Ou seja, a divergência de opinião deixa de ser uma oportunidade de reflexão ou crescimento coletivo e passa a ser vivenciada como ofensa pessoal. Em vez de representar apenas um ponto de vista distinto, o outro que pensa diferente é percebido como alguém que fere, agride, ameaça aquilo que se considera verdade – e, muitas vezes, aquilo que considero ser eu mesmo. A divergência, então, não apenas incomoda: ela machuca.
Esse processo é profundamente alimentado pela dinâmica emocional das redes sociais. Os ambientes digitais são constituídos para intensificar emoções, pois são elas que mantém o usuário engajado.
As recompensas emocionais instantâneas, como curtidas, compartilhamentos e comentários, reforçam posturas radicais, discursos polarizados e posicionamentos maniqueístas.
Quanto mais agressivo ou inflamado for o conteúdo, maior tende a ser sua repercussão – e, portanto, sua recompensa emocional. Cria-se uma lógica viciante de validação afetiva, onde a raiva e o desprezo geram mais engajamento do que a escuta e a compreensão.
O contrário também é verdadeiro: o silêncio digital diante de um posicionamento ou a crítica pública funcionam como punições emocionais, frequentemente interpretadas como rejeição.
Daí emerge o fenômeno do cancelamento, que não se limita mais a figuras públicas, mas atingem cidadãos comuns em seus próprios círculos sociais. A consequência é o medo crescente de expressar opiniões genuínas, o reforço do conformismo ideológico e a corrosão do espaço relacional íntimo.
A intolerância ao diferente deixa, então, de se restringir ao plano social ou político e invade o círculo íntimo: famílias se rompem por divergências ideológicas, amizades de longa data se desfazem após um comentário nas redes, colegas de trabalho, faculdades, universidades silenciam-se por receio de confrontos emocionais.
O que antes era um vínculo afetivo agora é mediado pelo risco de desaprovação ou exclusão. A capacidade de conviver com o contraditório – essencial para qualquer laço humano duradouro – dá lugar à exigência de conformidade total.
Esse fenômeno não é apenas cultural, ele é estruturalmente estimulado pelas plataformas. Os algoritmos das redes sociais não estão interessados em promover o entendimento entre as pessoas, mas em manter sua atenção, e isso é feito pela amplificação do conflito.
Em um ambiente digital que recompensa a indignação e pune a nuance, a moderação se torna invisível e a empatia, irrelevante.
Estamos assistindo, assim, ao colapso de uma das competências mais fundamentais da vida em comunidade: a capacidade de discordar sem romper, divergir sem desumanizar.
Quando até o espaço íntimo se torna território de guerra afetiva, o vínculo deixa de ser abrigo para se tornar campo de tensão constante. E nesse cenário, o amor, a confiança e o cuidado – que só florescem em ambientes de escuta e acolhimento – se tornam escassos, frágeis e descartáveis.
Vínculos que foram construídos ao longo de anos de convivência, compartilhamento de experiências, afetos e memórias, passam a ser dissolvidos em poucos cliques, destruídos pela lógica binária dos algoritmos, que reduzem a complexidade das relações humanas a simples posicionamentos: “concorda ou discorda”, “é aliado ou inimigo”, “pertence ou deve ser expulso”.
Uma existência que antes se media pela profundidade do afeto hoje é ameaçada por um ambiente que valoriza a velocidade da reação e a superficialidade do julgamento.
É assim que, diante de tantas rupturas, nos tornamos emocionalmente exilados no próprio círculo que antes chamávamos de lar.
5 Efeitos nas amizades e nos vínculos familiares
Os algoritmos das redes sociais atuam como forças externas invisíveis, programadas para ampliar emoções, reforçar divisões e estimular o engajamento afetivo em que o conflito é uma arma.
Como já observava Aristóteles: “O ser humano é por natureza, um animal social9” – assim como as formigas, que também vivem em coletividade e cooperação. Ambas as espécies, formigas e humanos, são sociais por essência.
Para ilustrar esse fenômeno, imagine formigas pretas e vermelhas colocadas em um mesmo recipiente: se deixada em paz, convivem sem se atacar. Mas, ao serem agitadas por alguém, passam a se agredir até a morte. O problema não está nas formigas, mas na mão que sacode o ambiente, que elas não entendem.
De forma análoga, os algoritmos sacodem o ambiente social digital. Geram polarização afetiva, transforma divergências em agressões, e fazem amigos íntimos e familiares queridos em antagonistas, promovendo brigas, bloqueios em redes sociais e o rompimento de vínculos construídos ao longo de anos. Diferentemente das formigas podemos compreender e devemos agir e contra-atacar esse processo nefasto e desumano.
Contrariamente do que ocorriam em períodos anteriores, em que os conflitos e divisões ocorriam entre grupos distintos – por classe social, cor, religião ou ideologia – agora o abalo atinge o núcleo afetivo, inclusive, o centro sagrado da vida: as relações de confiança entre os que se amam, ou se amavam.
É um fenômeno silencioso e inédito, que rompe por dentro os vínculos mais profundos.
O efeito mais profundo dessa agitação algorítmica não é apenas a ruptura de vínculos, mas a corrosão da própria escuta. A convivência, que sempre exigiu tempo, ambiguidade e disposição para compreender o outro em sua complexidade, vem sendo substituída por respostas rápidas, certezas inflexíveis e julgamentos sumários.
A ambiguidade – esse espaço vital onde moram o cuidado, dúvida, silencia e o afeto – tem sido sistematicamente eliminada pelas lógicas binárias das redes sociais: está certo ou errado, é aliado ou inimigo, é cancelado ou exaltado.
Os algoritmos não favorecem o diálogo: ele promove o embate. E onde antes havia conversa, hoje há disputa. O outro deixa de ser um interlocutor e passa a ser um adversário a ser vencido.
Relações que antes suportavam discordância saudáveis passam a ser testadas por pequenos desacordos que rapidamente se tornam intransponíveis. A escuta empática exige tempo e presença – duas qualidades escassas na lógica acelerada das redes sociais.
Nesse processo, o afeto vai se esvaziando. Não porque já não encontra ambiente para se manifestar. A escuta, o acolhimento do outro em sua diferença, tem sido substituída por um tribunal emocional, onde toda ambiguidade é tratada como ameaça e toda dúvida, como fraqueza.
A polarização, alimentada por recompensas emocionais rápidas e estímulos constantes à reatividade, rompe os vínculos não por incompatibilidade entre pessoas, mas porque há um agente externo que está o tempo todo sacudindo o recipiente invisível onde todos nós estamos conectados e interagindo.
Esse recipiente invisível, constantemente agitado pelos algoritmos, fragiliza as estruturas emocionais que sustentam a convivência. As redes sociais deixam de ser apenas meios de comunicação e passam a operar como dispositivos de modulação afetiva, que intensificam a exaltação, eliminam a escuta e promovem o embate como forma dominante de interação.
Nesse cenário, o espaço para a dúvida, para a ambiguidade e para a construção coletiva do sentido é comprimido pela lógica binária da exposição e do confronto.
A consequência mais profunda dessa agitação permanente é o adoecimento psíquico coletivo, que se expressa na crescente sensação de exaustão, na perda do pertencimento e na experiência de solidão acompanhada – estar entre muitos, mas sentir-se invisível. A saúde mental é afetada não apenas pelo excesso de informações, mas sobretudo pela falta de vínculos estáveis e de espaço legítimos de acolhimento e escuta.
Como destaca Byung-Chul Han10, vivemos numa “sociedade do cansaço”, onde a autoexploração e a hiperposição geram sujeitos esgotados, emocionalmente sobrecarregados e incapazes de sustentar relações profundas.
O isolamento moderno, portanto, não decorre apenas do distanciamento físico, mas da quebra simbólica do laço. Quando as redes agitam o recipiente, o outro passa a ser percebido como adversário e não como extensão da própria humanidade.
E o que antes era construído em anos de convivência – amizades, afetos, respeito – pode ser desfeito em poucos segundos, por uma reação impensada, um comentário impulsivo ou um julgamento precipitado. Assim, surgem os muros emocionais no lugar das pontes afetivas.
Essa nova configuração das relações humanas exige uma reflexão ética e urgente sobre os modos como estamos nos relacionando. A solidão contemporânea é, em grande medida, um produto da perda da escuta, ausência de pausa e substituição do vínculo pelo engajamento.
Como enfatiza Eva Illouz: “O amor, na modernidade, tornou-se um campo de experiências profundamente moldado por estruturas econômicas e culturais que transformam o afeto em mercadoria11”.
O desafio está em reconstruir o espaço da conversa, da dúvida e do afeto, antes que a lógica da agitação transforme definitivamente as relações em batalhas e os afetos em armas.
6 Reflexões críticas e possibilidades de reconstrução dos vínculos afetivos
É possível sair da bolha? Essa é uma das perguntas mais urgentes de nosso tempo. A metáfora da bolha, tão presente na análise das interações digitais contemporâneas, não se limita a isolar opiniões: ela molda percepções, afasta divergências e corrói vínculos que levaram anos para se construir. No entanto, sair da bolha é possível – mas não sem esforço consciente, lucidez crítica e disposição para o desconforto do encontro com o outro.
O primeiro passo é reconhecer que estamos sendo continuamente sacudidos por forças invisíveis, como algoritmos e dinâmicas emocionais amplificadas pelas redes sociais. Assim como no experimento metafórico das formigas pretas e vermelhas, que convivem pacificamente até que alguém sacuda o recipiente, também nós estamos sendo constantemente agitados por estímulos que promovem confronto, não diálogo; reatividade, não escuta; afinidade, não alteridade.
Nesse contexto, a saída da bolha demanda letramento digital, entendido aqui não apenas como capacidade técnica de lidar com as plataformas, mas como a habilidade crítica de compreender os mecanismos que operam na arquitetura da informação e na mediação das emoções.
Como nos alerta Antoinette Rouvroy: “Os algoritmos não interpretam o mundo, mas operam sobre ele12”, moldando não apenas o que vemos, mas como sentimos e com quem nos conectamos.
Superar esse ciclo exige mais que informação: requer uma reeducação afetiva e relacional. Necessitamos restaurar a empatia como base da convivência, redescobrir o valor do silêncio e da ambiguidade, e reconstruir a escuta como prática política e afetiva.
A convivência com o diferente não é ameaça, mas oportunidade. E é justamente na diversidade de afetos, ideias e sensibilidades que se abrem os caminhos para a reconstrução de vínculos mais humanos, mais profundos e mais duradouros.
Para resistir à lógica da dissolução, é preciso nadar contra a correnteza da aceleração e do binarismo.
Significa reaprender a conversar, suportar o dissenso, dar tempo ao tempo – e, sobretudo, reconhecer que o outro não é um erro a ser corrigido, mas um mundo a ser compreendido.
A reconstrução dos vínculos afetivos na era digital, portanto, passa por uma revolução interior e coletiva: cultivar presença, atenção e generosidade em tempos de dispersão, automatismo e cancelamento.
Sair da bolha não é escapar para outro lugar, mas transformar o próprio espaço da convivência – para que ele volte a ser em terreno fértil de encontro, respeito e afeto.
É importante que tenhamos consciência que a saída da bolha não é apenas uma jornada para fora de um ambiente digital filtrado – é, sobretudo, um retorno para dentro, um reencontro com aquilo que há de mais essencial: os laços originários que nos sustentam enquanto humanos.
Em meio à avalanche de estímulos e à lógica binária das redes sociais, muitos de nós, perderam o contato com o espaço sagrado das relações familiares e das amizades antigas – aquelas que resistiam às diferenças, que conheciam nossas sombras e ainda assim nos acolhiam.
A polarização afetiva, alimentada por algoritmos que amplificam emoções extremas, rompeu almoços em família, distanciou irmãos, tornou insustentável o grupo de amigos da juventude, faculdade, universidade.
Discutimos com quem sempre nos amou, mas poupamos desconhecidos que pensam igual a nós na internet. Há algo profundamente distorcido nisso – e reconhecer essa distorção é o início da reconstrução.
Retomar o diálogo familiar e restaurar vínculos afetivos antigos não é um capricho sentimental. É um ato de resistência emocional e política. Inclusive, é a prova concreta de que não somos apenas peças manipuláveis dentro de uma engrenagem digital que opera na lógica do confronto.
Ao exercitar a escuta com quem pensa diferente, ao pedir perdão por palavras atravessadas em momentos de reatividade, ao abrir espaço para a ambiguidade dos afetos, mostramos a nós mesmos que estamos no comando. Que nossa afetividade não está à venda. Que nossa identidade não se reduz a um perfil ou a um posicionamento.
A família – no sentido mais profundo e simbólico – é o primeiro lugar onde aprendemos a amar, negociar, esperar. Os amigos antigos – com todas as suas imperfeições – são espelhos da nossa própria história.
Romper com esses vínculos por causa de disputas ideológicas ou posições políticas momentâneas é como arrancar as raízes de uma árvore para torná-la mais leve. Ela até balança mais ao vento, mas perde a sustentação.
Reconstruir não é voltar ao passado, mas dar novo sentido ao que foi quebrado. É lembrar que vínculos afetivos não precisam ser homogêneos, mas sim sinceros. Que podemos discordar com amor, criticar com afeto, rir mesmo na divergência.
Essa é a base da saúde mental: saber que pertencemos a algo maior do que nossas opiniões. Saber que somos acolhidos apesar das diferenças, mas por causa da humanidade que compartilhamos.
Como disse o filósofo Martin Buber: “Toda vida verdadeira é encontro13”. E reencontrar quem se perdeu na travessia da polarização talvez seja o gesto mais revolucionário da nossa era.
É nesse gesto – de enviar uma mensagem, fazer uma ligação, marcar um café, ouvir com o coração aberto – que começa a reconstrução do tecido afetivo que nos sustenta como sociedade.
E é nele que reside a esperança de que, apesar da fragmentação promovida pelas redes, ainda podemos escolher o vínculo em vez de ruptura, o afeto em vez do embate, a escuta em vez do cancelamento.
É justamente na nossa capacidade de sustentar vínculos apesar das diferenças, de amar mesmo sem concordar, que reside aquilo que nos torna verdadeiramente humanos. Ser humano é ser singular, é carregar contradições, ambiguidade e afetos únicos que não cabem nas lógicas padronizadas das redes sociais.
Ao contrário da homogeneização promovida pelos algoritmos, que nos agrupam por semelhanças e nos afastam do diferente, a vida real exige convivência com o imprevisível, com o que escapa ao controle e à categorização.
Como alerta Byung-Chul Han: “A sociedade da transparência e da positividade elimina a alteridade, negatividade e profundidade, instaurando a tirania da mesmice14”.
Resistir a pasteurização emocional das redes sociais é, portanto, um ato de preservação daquilo que há de mais profundo na existência: a nossa humanidade, que não podemos deixá-la ser capturar por filtros, métricas e homogeneizações. Somos feitos daquilo que não se repete – e preservar essa singularidade é um ato de resistência contra a pasteurização emocional e relacional do nosso tempo.
É importante aqui destacar que, os efeitos das redes sociais e da exposição às telas não são restritos a uma fase da vida: eles atravessam a existência humana em todas as suas etapas, moldando afetos, percepções e relações de forma invisível, mas profundamente perceptível.
Na idade adulta, podemos observar que ela se manifesta por meio da polarização afetiva, que compromete o diálogo e fragmenta os vínculos familiares e sociais. Na adolescência, essa influência, pode ser observada, na busca incessante por validação externa – curtidas, seguidores, reações –, em um processo que fragiliza a construção da autoestima e da identidade.
Já na primeira infância, os impactos são ainda mais alarmantes: o cérebro em formação é moldado para responder apenas a estímulos rápidos, intensos e repetitivos, próprios da lógica digital, comprometendo o desenvolvimento emocional, a atenção sustentada e capacidade de lidar com frustrações, inclusive, a própria estrutura do cérebro, mediante as conexões sinápticas.
Refletir criticamente sobre esse processo é uma necessidade urgente da sociedade contemporânea, pois, como adverte Nilton Cunha: “Vivemos uma sociedade híbrida, onde a experiência do real e do virtual já não distinguem com clareza, e isso exige novos pactos educativos e afetivos para que não percamos o essencial: a formação integral do ser humano15”.
Entender esse impacto e agir sobre ele é uma tarefa coletiva e inadiável.
Conclusões finais
A era digital, mediada por algoritmos invisíveis e dinâmica de recompensa emocional imediata, transformou radicalmente a forma como nos relacionamos, nos informamos e nos percebemos como sujeitos sociais.
As bolhas informacionais, aos nos enclausurarem em universos simbólicos personalizados, minam a pluralidade do debate e intensificam a intolerância ao diferente.
Já a polarização afetiva, sustentada por mecanismos de validação externa, converte as emoções em moeda social, substituindo a escuta e o diálogo pelo embate e pela reafirmação constante do “Eu”.
Nesse cenário, vínculos que foram construídos ao longo de anos, em ambientes familiares, escolares e comunitários, tornam-se frágeis diante da lógica binária e acelerada das redes sociais.
A amizade cede espaço à curtida; o conflito saudável à ruptura definitiva; a ambiguidade, que outrora era motor do crescimento humano, é rejeitada como fraqueza ou incoerência.
É necessário, portanto, compreender que não estamos diante apenas de uma transformação tecnológica, mas de uma reconfiguração subjetiva e relacional profunda. Urge desenvolver políticas públicas de educação digital crítica, promover espaços de convivência offline e fortalecer práticas de escutar e empatia como contraponto à lógica algorítmica da polarização. Como lembra Eva Illouz, as emoções não são meramente individuais, mas mediadas social e culturalmente – e hoje, moldadas também pelas plataformas.
Por fim, reconhecer que estamos todos imersos nesse “recipiente invisível” que é o universo digital nos convoca à responsabilidade ética: não se trata apenas de resistir aos algoritmos, mas de reconstruir o tecido afetivo da vida social.
Só assim poderemos reverter o colapso das relações sociais que ameaça a própria possibilidade equilibrada e adequada da humanidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BAUMAN, Sygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2001.
CUNHA, Nilton Pereira da. A sociedade híbrida: e sua implicações no desenvolvimento infantil. Disponível em: https://revistatopicos.com.br/artigos/a-sociedade-hibrida-e-suas-implicacoes-no-desenvolvimento-infantil. Consultado em: 07/08/2015.
HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.
HAN, Byung-Chul. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2016
ILLOUZ, Eva. O amor nos tempos do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
IYENGAR, S; SOOD, G; LEKES, Y. Affect, not ideology: a social identity perspective on polarization. Public Opinion Quartely, v. 76, n. 3, p. 405-431, set. 2012.
PARISER, Eli. The filter bubble: what the internet is hiding from you. New York: Penguin Press, 2011.
ROUVROV, Antoinette. O governo das informações: da vigilância à algoritmização do social. In: MACHADO, E. P. C.; PALÁCIOS, M. (Orgs.) Governança da Internet no Brasil: São Paulo: Nupef, 2013.
ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.
1 Nilton Pereira da Cunha é Professor, Pesquisador, Escritor e Coordenador Educacional do Instituto Nacional de Evolução Humana. Graduado e Pós-graduação Lato e Stricto Sensu na área da Educação, também graduado e pós-graduado em Direito, com artigos e livros publicados em português e castelhano em vários países: Brasil, Argentina e Colômbia, tais como: O autismo e a interação social: Como desenvolver uma criança saudável na Era Digital; El autismo y la interacción social: como desarrollar una crianza saludable en la Era Digital; Educação, Família e Geração Digital: os desafios e perspectivas da pós-modernidade.
2 ROUVROV, Antoinette. O governo das informações: da vigilância à algoritmização do social. In: MACHADO, E. P. C.; PALÁCIOS, M. (Orgs.) Governança da Internet no Brasil: São Paulo: Nupef, 2013.
3 PARISER, Eli. The filter bubble: what the internet is hiding from you. New York: Penguin Press, 2011.
4 BAUMAN, Sygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
5 ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intríseca, 2019.
6 PARISER, Eli. Idem. 2011.
7 IYENGAR, S; SOOD, G; LEKES, Y. Affect, not ideology: a social identity perspective on polarization. Public Opinion Quartely, v. 76, n. 3, p. 405-431, set. 2012.
8 BAUMAN, Zigmunt. Idem. 2001.
9 ARISTÓTELES. Política Brasília: Editora da UnB, 1998.
10 HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.
11 ILLOUZ, Eva. O amor nos tempos do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
12 ROUVROY, Antoinette. Idem. 2013.
13 BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2001.
14 HAN, Byung-Chul. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
15 CUNHA, Nilton Pereira da. A sociedade híbrida: e sua implicações no desenvolvimento infantil. Disponível em: https://revistatopicos.com.br/artigos/a-sociedade-hibrida-e-suas-implicacoes-no-desenvolvimento-infantil. Consultado em: 07/08/2015.