APLICAÇÃO DA TAXONOMIA DE BLOOM NO ENSINO DE QUÍMICA ORGÂNICA DE PRODUTOS NATURAIS: BIOSSÍNTESE DE ALCALOIDES
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17221308
Francisco José Mininel1
Silvana Márcia Ximenes Mininel2
RESUMO
Este trabalho de pesquisa tem como objetivo a utilização da Taxonomia de Bloom para ensinar conceitos de biossíntese de alcaloides. A proposta auxilia na melhora das habilidades cognitivas dos alunos, assim como incentiva uma maior interação entre os indivíduos no domínio educacional. A Taxonomia de Bloom é um sistema de classificação hierárquica dos objetivos educacionais que ajuda professores no ensino superior a planearem e avaliarem o processo de aprendizagem. Organizada em domínios (cognitivo, afetivo, psicomotor), a versão revisada foca-se nos processos cognitivos com seis níveis – Lembrar, Compreender, Aplicar, Analisar, Avaliar e Criar – cada um representado por verbos para definir habilidades específicas dos alunos. No ensino superior, a taxonomia orienta a criação de currículos, métodos de ensino e avaliações que estimulem o pensamento de ordem superior e o aprendizado profundo.
Palavras-chave: Taxonomia de Bloom. Habilidades cognitivas. Objetivos educacionais. Métodos de ensino.
ABSTRACT
This research aims to use Bloom's Taxonomy to teach concepts of alkaloid biosynthesis. The proposal helps improve students' cognitive skills and encourages greater interaction between individuals in the educational domain. Bloom's Taxonomy is a hierarchical classification system of educational objectives that helps higher education teachers plan and assess the learning process. Organized into domains (cognitive, affective, psychomotor), the revised version focuses on cognitive processes with six levels—Remembering, Understanding, Applying, Analyzing, Evaluating, and Creating—each represented by verbs to define specific student skills. In higher education, the taxonomy guides the creation of curricula, teaching methods, and assessments that encourage higher-order thinking and deep learning.
Keywords: Bloom's Taxonomy. Cognitive skills. Educational objectives. Teaching methods.
INTRODUÇÃO
Muitos são os instrumentos existentes para apoiar o planejamento didático-pedagógico, a estruturação, a organização, a definição de objetivos instrucionais e a escolha de instrumentos de avaliação. A Taxonomia de Bloom é um desses instrumentos cuja finalidade é auxiliar a identificação e a declaração dos objetivos ligados ao desenvolvimento cognitivo que, no contexto deste artigo, engloba a aquisição do conhecimento, competência e atitudes, visando facilitar o planejamento do processo de ensino e aprendizagem. Embora este seja um instrumento adequado para utilização no ensino superior, poucos educadores fazem uso dele por não conhecerem uma maneira adequada de utilizá-lo.
Como afirmam Ferraz & Belhot (2010), a introdução da taxonomia abriu o potencial para a padronização da linguagem nos ambientes acadêmicos. Isso gerou novos debates em torno da definição de objetivos instrucionais. Também permitiu que as ferramentas de aprendizagem fossem abordadas de forma mais abrangente e organizada, incluindo a integração de progressos tecnológicos que podem oferecer recursos novos e inovadores para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem.
Assim sendo, espera-se que a utilização da Taxonomia de Bloom como abordagem no ensino de conceitos relativos à Química de Produtos Naturais, proporcione uma experiência de aprendizagem mais significativa e enriquecedora para os alunos, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, a interação entre os indivíduos no contexto educacional e o aprimoramento de competências necessárias para o enfrentamento de desafios futuros. Os resultados esperados para esta aplicação são que os alunos demonstrem um entendimento sólido de conceitos básicos da área e sejam capazes de aplicar esses conceitos em outras situações acadêmicas, fazendo a transposição didática. Espera-se também que os alunos sejam capazes de analisar informações e estabelecer conexões entre os conceitos aprendidos, criar mapas mentais sobre os conceitos aprendidos e avaliar seus conhecimentos.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Taxonomia de Bloom possibilita uma análise dos objetivos e das situações nas quais o conhecimento é aplicado (KRATHWOHL, 2002). Portanto, essa ferramenta pode ser utilizada para classificar os objetivos educacionais e também a avaliação dentro do processo de ensino e aprendizagem.
Sobre o assunto, Ferraz e Belhot (2010, p. 421) colocam que:
Na educação, decidir e definir os objetivos de aprendizagem significa estruturar, de forma consciente, o processo educacional de modo a oportunizar mudanças de pensamentos, ações e condutas. A Taxonomia de Bloom é uma das ferramentas existentes para apoiar o planejamento didático-pedagógico, considerando-se a estruturação, organização, definição de objetivos instrucionais e ainda pode ser utilizada como instrumento de avaliação dos objetivos de aprendizagem.
De acordo com a taxonomia de Bloom, o processo de ensino e aprendizagem, assim como o de desenvolvimento de habilidades, é sistemático e complexo, uma vez que envolve etapas hierarquizadas (KRATHWOHL, 2002). Na sua concepção atual, essas habilidades podem ser subdivididas em três domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor. Apesar de os três domínios da taxonomia de Bloom terem sido amplamente discutidos e divulgados na literatura, o domínio cognitivo é o mais conhecido e utilizado, visto que seus pressupostos teóricos têm sido aplicados em planejamentos educacionais para definir objetivos, estratégias e sistemas de avaliação (FERRAZ & BELHOT, 2010).
Wallon foi pioneiro na divisão do conhecimento nos 3 domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor (DE LIMA, 2011), entendendo que a aprendizagem intelectual, somente, não proporciona o desenvolvimento dos estudantes de forma plena. Bloom et. al (1956) constituiu sua teoria dos objetivos educacionais dividindo o conhecimento nesses 3 domínios, apresentando evoluções hierárquicas dentro de cada um, chamando-os de descritores. A Taxonomia dos Objetivos Educacionais, ou Taxonomia de Bloom consiste em uma ferramenta que auxilia o planejamento didático e a avaliação ao propor a organização dos objetivos educacionais a cada aula, respeitando o processo de estruturação do conhecimento a partir de propostas mais simples até as mais complexas. O domínio afetivo a partir da Taxonomia de Bloom propõe a construção da estrutura afetiva e da rede de valores dos estudantes, capaz de incidir em suas escolhas, nos sentimentos, decisões, comportamentos, etc. (BLOOM; KRATHWOHL & MASIA, 1973). É fundamental construir uma educação transformadora e questionadora, que forme cidadãos críticos capazes de tornarem-se autônomos acerca de sua aprendizagem, é preciso humanizar o ensino através dos estudantes e de nós, educadores (FREIRE, 1996).
Segundo Bloom (1944-1972), muitas pessoas reconhecem que a capacidade humana de aprendizagem difere de uma pessoa para outra. Entretanto, Bloom e sua equipe ao direcionar seus estudos, fizeram uma descoberta que viria a ser de grande notoriedade no meio educacional: nas mesmas condições de ensino (desconsiderando as variáveis externas ao ambiente educacional) todos os alunos aprendiam, mas se diferenciavam em relação ao nível de profundidade e abstração do conhecimento adquirido (BLOOM; HASTIN; MADAUS, 1971). Essa diferença poderia ser caracterizada pelas estratégias utilizadas (que levariam ao estudo de estilos de ensino e aprendizagem) e pela organização dos processos de aprendizagem para estimular o desenvolvimento cognitivo. Naquele momento, o desenvolvimento cognitivo e sua relação com a definição do objetivo do processo de aprendizagem foram a direção tomada para a definição da taxonomia. Segundo Conklin (2005), a Taxonomia de Bloom e sua classificação hierárquica dos objetivos de aprendizagem têm sido uma das maiores contribuições acadêmicas para educadores que, conscientemente, procuram meios de estimular, nos seus discentes, raciocínio e abstrações de alto nível (higher order thinking), sem distanciar-se dos objetivos instrucionais previamente propostos. Segundo Mager (1984), um objetivo instrucional é uma descrição clara sobre o desempenho e a competência que os educadores gostariam que seus educandos demonstrassem antes de serem considerados conhecedores de determinados assuntos. Esse objetivo está ligado a um resultado intencional diretamente relacionado ao conteúdo e à forma como ele deverá ser aplicado. Um dos motivos pelo qual a taxonomia proposta por Bloom et al. tornou-se tão importante e trouxe significativas contribuições à área acadêmica foi o fato de que antes dos anos 50 um dos grandes problemas na literatura educacional era a falta de consenso com relação a determinadas palavras usualmente relacionadas à definição dos objetivos instrucionais como, por exemplo, o verbo conhecer era utilizado com o sentido de ter consciência, saber da existência ou para expressar domínio de um determinado assunto (CONKLIN, 2005). A taxonomia trouxe a possibilidade de padronização da linguagem no meio acadêmico e, com isso, também novas discussões ao redor dos assuntos relacionados à definição de objetivos instrucionais. Neste contexto, instrumentos de aprendizagem puderam ser trabalhados de forma mais integrada e estruturada, inclusive considerando os avanços tecnológicos que podiam prover novas e diferentes ferramentas para facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Segundo Guskey (2001), poucos indivíduos na história da educação tiveram grande impacto nas políticas e práticas educacionais como Benjamim S. Bloom que, durante sua carreira, desenvolveu inúmeros projetos, programas e poderosas perspectivas para os educadores em como facilitar o aprendizado e definir objetivos cognitivos. A Taxonomia de Bloom do Domínio Cognitivo é estruturada em níveis de complexidade crescente – do mais simples ao mais complexo – e isso significa que, para adquirir uma nova habilidade pertencente ao próximo nível, o aluno deve ter dominado e adquirido a habilidade do nível anterior.
METODOLOGIA
Este trabalho se baseia na Taxonomia de Bloom para a elaboração de uma proposta para o ensino de biossíntese dos alcaloides. Para usar a Taxonomia de Bloom, é preciso definir objetivos de aprendizagem em diferentes níveis de complexidade, começando pela memorização e progredindo para a compreensão, aplicação, análise, avaliação e criação. Dessa forma, as atividades e avaliações devem corresponder a cada nível, utilizando verbos específicos para cada etapa, como "listar" para lembrar, "explicar" para compreender, "resolver" para aplicar, "comparar" para analisar, "julgar" para avaliar e "desenvolver" para criar.
Em 1999, Dr. Lorin Anderson, um antigo aluno de Bloom, e seus colegas publicaram uma versão atualizada da Taxonomia de Bloom que considera uma gama maior de fatores que afetam o ensino e a aprendizagem. Essa taxonomia revisada tenta corrigir alguns problemas da taxonomia original. Diferentemente da versão de 1956, a taxonomia revisada diferencia “saber o quê” (o conteúdo do raciocínio) de “saber como” (os procedimentos para resolver problemas). A Dimensão do Conhecimento é o “saber o quê”. Ela se divide em quatro categorias: factual, conceitual, procedimental e metacognitiva. O conhecimento factual inclui elementos isolados de informação, como definições de vocabulário e conhecimento de detalhes específicos. O conhecimento conceitual consiste em sistemas de informação, como classificações e categorias. O conhecimento procedimental (saber como fazer) inclui algoritmos, heurística ou método empírico, técnicas e métodos, bem como o conhecimento sobre quando usar esses procedimentos. O conhecimento metacognitivo (refletir sobre o que se sabe) refere-se ao conhecimento dos processos cognitivos e das informações sobre como manipular esses processos de forma eficaz. A dimensão Processo Cognitivo da Taxonomia de Bloom revisada, como na versão original, possui seis capacitações. Da mais simples a mais complexa, são elas: lembrar, entender, aplicar, analisar, avaliar e criar (Figura 1).
Fonte: https://missglauedu.weebly.com/taxonomia-de-bloom-e-tecnologia.html
O trabalho foi realizado numa turma do 4º Período de Farmácia de uma Universidade particular na cidade de Fernandópolis-SP, na disciplina de Farmacognosia. Os assuntos trabalhados estão listados na Figura 2, bem como os objetivos a serem alcançados.
Fonte: Os autores
A utilização da Taxonomia de Bloom em Química de Produtos Naturais irá contribuir para o desenvolvimento das habilidades cognitivas dos alunos, como análise, síntese, avaliação e aplicação de conhecimentos. A proposta de atividade orientada em torno da Taxonomia de Bloom irá incentivar uma maior interação entre os alunos, estimulando a troca de conhecimentos, opiniões e experiências, promovendo um ambiente colaborativo e coletivo.
A Tabela 1 abaixo indica os objetivos de aprendizagem de acordo com os níveis de aprendizagem e de acordo com os níveis cognitivos da Taxonomia de Bloom que vão dos mais simples aos mais complexos.
Tabela 1. Níveis e objetivos de aprendizagem segundo a Taxonomia de Bloom (Tema: alcaloides).
Nível da Taxonomia | Verbo(s) | Objetivos acerca de alcaloides |
Lembrar | Listar, identificar | Listar os principais tipos de alcaloides encontrados em plantas medicinais. |
Entender | Explicar, resumir | Explicar a função biológica dos alcaloides em organismos vegetais. |
Aplicar | Utilizar, demostrar | Utilizar o conhecimento sobre a estrutura química dos alcaloides para prever sua solubilidade. Demonstrar principais reações orgânicas na biossíntese de alcaloides. Demonstrar processos biossintéticos de produção dos alcaloides. |
Analisar | Comparar, diferenciar | Comparar os mecanismos de ação de diferentes grupos de alcaloides no sistema nervoso. |
Avaliar | Justificar, argumentar | Avaliar os riscos e benefícios do uso de alcaloides em Fitoterapia. |
Criar | Desenvolver, projetar | Projetar uma proposta eficiente de extração de alcaloides a partir de uma planta específica. |
Fonte: Os autores.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Inicialmente, os alunos leram um artigo sobre alcaloides de autoria de Kohnen-Johannsen & Kayser (2019), com o título “Alcaloides Tropânicos: Química, Farmacologia, Biossíntese e Produção”. Nesse processo de leitura utilizou-se os seguintes critérios (Figura 3) a fim de atingir os objetivos propostos, ou seja, o entendimento e a aprendizagem significativa sobre alcaloides, bem como lembrar os conceitos já trabalhados em sala.
Fonte: Os autores.
A partir do texto lido, os alunos buscaram o entendimento do que são os alcaloides. Nesse processo listaram os aspectos que identificam o metabólito vegetal, aprendendo dessa forma o conceito de maneira efetiva e concreta. Listaram (verbo listar), de acordo com os objetivos propostos, os principais tipos de alcaloides encontrados em plantas medicinais (Figura 4). Fizeram um resumo (verbo resumir) as funções dos alcaloides em organismos vegetais.
Fonte: https://www.passeidireto.com/arquivo/139360721/alcaloides-origem-e-classificacao
Ao observarem as estruturas químicas dos alcaloides (nível de Taxonomia Aplicar), utilizaram-nas (verbo utilizar) para prever a solubilidade desses compostos (Figura 5). Dessa forma, entenderam que os alcaloides são compostos polares, portanto possuindo regiões polares tais como (grupos amina e hidroxila) e apolares (anéis aromáticos). A forma ionizada (protonada) tende a ser mais solúvel em água. A forma livre (base livre, não protonada) tende a ser mais solúvel em solventes orgânicos. A solubilidade dos alcaloides muda com o pH, pois eles são básicos. Em meio ácido, ficam protonados (forma salina), mais solúveis em água. Em meio básico, ficam na forma livres (não ionizada), mais solúveis em solventes orgânicos, tais como, clorofórmio e éter.
Quanto à presença de grupos funcionais, grupos hidroxila aumentam a solubilidade em água. Grupos metilas ou cadeias apolares favorecem a solubilidade em solventes não polares.
Fonte: Os autores.
Dessa forma, após o aprendizado efetivo do conceito de alcaloides, o professor orientou que buscassem entender e demostrar quais reações químicas eram fundamentais no processo biossintético desses metabólitos. Após ampla pesquisa, os alunos trouxeram para a sala e para o debate, as reações principais que ocorreriam no metabolismo vegetal para produção de alcaloides.
Reações químicas envolvidas:
Síntese de bases de Schiff: Essa é uma reação comum na formação de diversos alcaloides (Figura 6).
Reação de Mannich: Outra reação típica que participa da biossíntese de diferentes classes de alcaloides. O mecanismo da reação de Mannich começa com a formação de um íon imínio a partir da amina e do aldeído (Figura 7).
Fonte: JAMIESON et al., 2021.
Reações de transferência de grupo catalisadas por enzimas na biossíntese: A reação final de transferência de grupo relevante para esta revisão é a transferência de grupos prenil do pirofosfato de isoprenila para diferentes nucleófilos em moléculas pequenas. Essas reações são catalisadas por uma família de enzimas conhecidas como preniltransferases. A unidade prenil que é transferida do doador pirofosforilado para o substrato pode ser tão pequena, como no dimetilalil de cinco carbonos (mais comum), ou nos grupos oligoprenil mais alongados, como o geranil de dez carbonos, o farnesil de quinze carbonos, etc. No sítio ativo da enzima, os doadores de Δ 2 -prenil pirofosfato podem sofrer clivagem da ligação C–O para produzir o carbocátion C1, que é estabilizado pela deslocalização da carga positiva. O ataque do carbocátion por um carbono nucleófilo forja a nova ligação e completa a reação de transferência de prenil). Anéis aromáticos ricos em elétrons, como hidroxibenzenos e indóis, podem servir como nucleófilos para atacar o cátion alil e realizar, em essência, uma substituição aromática eletrofílica (Figura 8).
Fonte: JAMIESON et al., 2021.
Após a leitura, foi disponibilizado aos alunos, material impresso ilustrando o processo de Biossíntese de produtos naturais do metabolismo secundário, em especial os alcaloides. Essa estratégia, visava ampliar o conhecimento dos alunos sobre a produção de metabólitos vegetais nas plantas. Dessa forma, seguiu-se a taxonomia de Bloom para identificar como alcançar a aprendizagem. Bloom estabeleceu níveis hierárquicos que os alunos devem passar, ou seja, para atingir objetivos superiores, antes precisam compreender os inferiores. Para estabelecer o planejamento, é preciso considerar a área de aprendizagem, seus objetivos específicos, os instrumentos de avaliação e as atividades que precisam ser realizadas durante o processo no domínio cognitivo.
Alguns educadores esquecem que é mais fácil e adequado atingir altos graus de abstração de um conteúdo a partir do estímulo do desenvolvimento cognitivo linear, ou seja, a partir de conceitos mais simples para os mais elaborados (estratégia indutiva) e/ou do concreto/real para o abstrato.
Assim, os educadores devem auxiliar seus discentes, de forma estruturada e consciente, a adquirirem competências específicas a partir da percepção da necessidade de dominar habilidades mais simples (fatos) para, posteriormente, dominar as mais complexas (conceitos).
Dessa forma dentro do nível da Taxonomia Aplicar, os alunos demontraram (verbo demonstrar) através de suas pesquisas o processo biossintético dos alcaloides, por exemplo, a nicotina, cocaína, escopolamina, calistegina entre outros.
A biossíntese de alcaloides são os processos metabólicos complexos, ocorrendo principalmente em plantas, que transformam substratos simples, como aminoácidos (ornitina, lisina, tirosina, triptofano), em compostos nitrogenados complexos com variadas atividades biológicas e farmacêuticas. Essas vias envolvem diversas reações bioquímicas, como a formação de bases de Schiff e reações de Mannich, que levam à produção desses metabólitos secundários, essenciais para a defesa vegetal e com aplicações medicinais (Tabela 2).
Tabela 2. Tipos de alcaloides, origem e importância farmacológica.
Alcaloide | Origem | Importância |
Nicotina | Reação com ácido nicotínico (niacina) | Estimulante, presente no tabaco |
Hiosciamina/Atropina/Escopolamina | Integram a rota tropano (via tropina) | Anticolinérgicos, usados na medicina |
Cuscohigrina | Alcaloide menor do grupo tropânico | Presentes em plantas como coca |
As diferentes classes de ATs: cocaína, escopolamina/hiosciamina e as calisteginas compartilham uma rota biossintética precursora comum começando com os aminoácidos l -ornitina (Orn) e l -arginina (Arg). Na planta, Orn e Arg são formados a partir do glutamato (Glu), um aminoácido que está diretamente conectado à assimilação de nitrogênio (Figura 9). A amônia (absorvida do solo ou sintetizada a partir do nitrato) é incorporada ao Glu por meio da via da glutamina sintetase-glutamato sintase (GS-GOGAT). O Glu é o precursor em várias vias da poliamina (PA). A regulação dos PAs é muito complexa e não totalmente elucidada devido às suas funções pleiotrópicas e a concentração de PA nas plantas pode ser usada como indicadora de várias formas de estresse abiótico (KOHNEN-JOHANNSEN & KAYSER, 2019).
Fonte: Molecules 2019, 24 (4), 796; https://doi.org/10.3390/molecules24040796
A partir do cátion N-metilpirrolidinium, demonstrou-se (verbo demonstrar), a biossíntese dos alcaloides hiosciamina e escopolamina (Figura 10).
Originário do N -metil-Δ 1 -pirrolínio, os próximos passos na biossíntese da escopolamina (não foram elucidados por um longo tempo. Recentemente, em 2018, Bedewitz et al. (2018) identificaram uma policetídeo sintase atípica de A. belladonna que catalisa a formação do intermediário ácido 4-(1-metil-2-pirrolidinil)-3-oxobutanoico. Este intermediário é posteriormente transformado em tropinona por uma condensação descarboxilativa mediada por malonil-coenzima A catalisada por uma enzima do citocromo P450, denominada AbCYP82M3. A tropinona serve como substrato para duas redutases estereoespecíficas: a tropinona redutase I (TR-I; EC 1.1.1.206) e a tropinona redutase II (TR-II; EC 1.1.1.236). A TR-I catalisa sua redução a tropina (3α-tropanol), enquanto a TR-II catalisa a redução da tropinona a pseudotropina (3β-tropanol), respectivamente. A pseudotropina é o precursor da biossíntese da calistegina, enquanto a tropina é usada para produzir escopolamina (KOHNEN-JOHANNSEN & KAYSER, 2019).
Fonte: Molecules 2019, 24 (4), 796; https://doi.org/10.3390/molecules24040796
A biossíntese da cocaína (Figura 11), após seu ponto de ramificação com intermediários comuns compartilhados com outros ATs, ainda está sob investigação e não totalmente elucidada. Na literatura, duas possibilidades diferentes do caminho para a biossíntese da cocaína foram relatadas. De acordo com a hipótese clássica, o átomo de carbono ponte C-1 da metilecgonina é derivado de um cátion N -metil-Δ 1 -pirrolínio e o de C-2 se origina do acetoacetato. No entanto, experimentos de alimentação com cátion N -metil-Δ 1 -pirrolínio marcado foram inconclusivos in planta e não puderam confirmar essa teoria. Foi, portanto, sugerido que a regioquímica observada da incorporação do cátion N -metil-Δ 1 -pirrolínio marcado na cocaína era compatível com a introdução gradual de unidades C2 no esqueleto da ecgonina, derivadas do acetato. Consequentemente, esta hipótese propõe um novo intermediário na biossíntese da cocaína, o ácido N- metil-2-pirrolidinoacético. Embora este composto tenha sido detectado em várias plantas, todas as tentativas de incorporação dele nas formas éster ou tioéster foram até agora malsucedidas. Quimicamente, a adição nucleofílica da primeira reação da fração acetil-CoA é assumida como uma reação do tipo Mannich usando o ânion enolato; a extensão da cadeia lateral ocorre via condensação de Claisen. O enantiômero ( S ) cicliza e forma a estrutura bicíclica do esqueleto do anel tropano da cocaína por uma reação de Mannich intramolecular. A hidrólise do éster CoA, seguida por metilação e redução dependentes de SAM, produz metilecgonina (2-carbometoxi-3β-tropina). A metilecgonina, por sua vez, condensa-se com benzoil-CoA, que é derivado da l- fenilalanina, formando cocaína. Schmidt et al. (2015) descreveram uma enzima que catalisa essa reação e a denominaram cocaína sintase. Essa sintase pertence à família BAHD, que catalisa a transferência de tioésteres acil ativados por CoA para moléculas aceitadoras contendo oxigênio ou nitrogênio (KOHNEN-JOHANNSEN & KAYSER, 2019).
Fonte: Molecules 2019, 24 (4), 796; https://doi.org/10.3390/molecules24040796
Um dos estudantes trouxe para a aula um processo biossintético da cocaína a partir da acetil-SCoA, conforme descrito na Figura 12. Nesse processo observa-se a reação de Mannich intramolecular.
Fonte: https://www.wikiwand.com/pt/articles/Coca%C3%ADna
No nível de Taxonomia Analisar, buscou-se comparar (verbo) os mecanismos de ação de diferentes grupos de alcaloides no sistema nervoso. Dessa forma, os alunos pesquisaram a partir de fontes diversas, incluindo artigos, livros e internet e coletaram informações, acerca destes compostos no organismo vivo.
Os alcaloides atuam no sistema nervoso através de uma variedade de mecanismos, como o bloqueio de receptores de neurotransmissores (ex: atropina como antagonista muscarínico), a estimulação de receptores (ex: nicotina atua nos receptores nicotínicos) ou a interferência na recaptação e metabolismo de neurotransmissores. Essa ação se baseia nas suas propriedades estruturais, que lhes permitem interagir com os sistemas biológicos para produzir efeitos que vão desde a estimulação e dependência até funções terapêuticas diversas.
A ação dos alcaloides no sistema nervoso é determinada pela forma como sua estrutura se liga a receptores ou enzimas específicas, imitando ou bloqueando a ação de neurotransmissores endógenos. A natureza da sua estrutura nitrogenada permite essa interação, que pode variar amplamente, resultando em diferentes efeitos fisiológicos, tanto para defesa da planta quanto para uso terapêutico no homem (Figura 13).
Fonte: Os autores.
Em relação ao nível de Taxonomia Avaliar, buscou-se argumentar sobre os riscos e benefícios do uso de alcaloides em Fitoterapia. O uso de alcaloides em fitoterapia oferece benefícios como atividades anticancerígenas, anti-inflamatórias e antimicrobianas, mas apresenta riscos significativos, incluindo efeitos tóxicos no fígado e rins, toxicidade cardiovascular e reprodutiva, e potencial de dependência, requerendo orientação profissional e produtos de fontes autorizadas para garantir a segurança e evitar intoxicações.
No nível de Taxonomia Criar, projetou-se (verbo projetar), extrair os possíveis alcaloides presentes em folha de café e não no pó, que é mais comum. Dessa forma, os alunos foram para o laboratório e seguiram o protocolo indicado na Figura 14.
Fonte: Protocol Citation: Rômulo Pereira de Jesus, Ricardo M. Borges, 2024. General extraction of alkaloids in acidic medium. protocols.io https://dx.doi.org/10.17504/protocols.io.5jyl8dek8g2w/v1
Após o processo de extração, o processo de pesquisa de alcaloides se deu da seguinte forma: foi acrescentado a um graal 5 mL de ácido sulfúrico a 1%. Em seguida, dissolveu-se o resíduo, distribuindo para 5 tubos de ensaio pequenos em quantidades iguais. Gotejou-se os RGA (reagentes colorimétricos para alcaloides), de 1 a 2 gotas. Preparou-se um tubo apenas com a amostra para comparação (branco).
Dessa forma, identificaram que a folha de café possui alcaloides, sendo a trigonelina o principal alcaloide encontrado em todas as espécies analisadas, com a cafeína sendo o outro alcaloide mais conhecido e presente nos grãos de café e, em menor proporção, nas folhas.
Portanto, ao longo do trabalho foram utilizados os níveis de Taxonomia descritos por Bloom, constituído dos verbos: Lembrar, Entender, Aplicar, Analisar, Avaliar e Criar. A partir deles seguiram os objetivos a serem alcançados a partir do tema alcaloides (Figura 15).
Fonte: Os autores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta proposta faz uma abordagem que se preocupa com o discurso que trata da necessidade de trabalhar em uma aula com atividades que permeiem a Aprendizagem Colaborativa dos alunos, de acordo com a Taxonomia de Bloom.
Lima-Filho & Jesus (2014) destacaram que geralmente os objetivos declaram o que é esperado que os discentes aprendam, contudo, esquece-se de explicitar, de forma coerente, o que eles são capazes de realizar com aquele conhecimento. Observaram que alterações da Taxonomia original estavam concisas e o primeiro passo verificado seria à questão do verbo e a agregação direta com o objetivo cognitivo, avaliação do objetivo e desenvoltura de competências (ANDERSON et al., 2013).
Para Ferraz & Belhot (2010, p. 422), há duas das inúmeras vantagens de se utilizar a Taxonomia de Bloom no contexto educacional são: oferecer a base para o desenvolvimento de instrumentos de avaliação e utilização de estratégias diferenciadas para facilitar, avaliar e estimular o desempenho dos alunos em diferentes níveis de aquisição de conhecimento; Estimular os educadores a auxiliarem seus discentes, de forma estruturada e consciente, a adquirirem competências específicas a partir da percepção da necessidade de dominar habilidades mais simples (fatos) para, posteriormente, dominar as mais complexas (conceitos). Para garantir a aprendizagem, Pinto (2015) afirma que é necessários métodos de aprendizagem que tirem os alunos da posição de agentes passivos e os tornem sujeitos atuantes no seu processo de aprendizagem. Em conformidade com o autor, o aluno necessita sentir-se capaz e seguro para dedicar-se no contexto organizacional dos conhecimentos adquiridos em sala de aula ou em ambientes virtuais de aprendizagem, dispensando-o da necessidade de viver com a incerteza de tentativa e erro.
Dessa forma, a Taxonomia de Bloom contribui para aprendizagem, pois é essencial que o planejamento seja estruturado em torno de objetivos, da delimitação dos conteúdos, da escolha das estratégias e instrumentos para a aprendizagem. Assim, todo desenvolvimento cognitivo deve seguir uma estrutura hierárquica, como forma de propiciar a aplicação e a transferência de um conhecimento adquirido.
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1 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Doutor em Química pelo Instituto de Química (UNESP- Campus de Araraquara-SP). E-mail: [email protected]
2 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Mestre em Química (PPGQUIM/UNESP-Araraquara-SP). E-mail: [email protected]