ANÁLISE TEÓRICA DO FILME “HISTÓRIAS CRUZADAS” A PARTIR DAS REFERÊNCIAS DA PSICOLOGIA SOCIAL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15313433


Edna Artilino dos Santos Maschio1
Evileide Fatima Figueiredo Tomazeli2
Karine Baldo de Gênova Campos3
Larissa Brandão Rocha Silva4
Viviani Aparecida Scudeler Bastos5
Daniela Emilena Santiago6


RESUMO
O presente artigo foi elaborado visando a necessidade de refletir sobre o filme “Histórias Cruzadas” com base nos parâmetros postos pela Psicologia Social. Como tal, está integrado a disciplina de Psicologia Social a que os autores do presente manuscrito estão vinculados e nele refletem sobre alguns elementos que estão presentes no filme como o racismo representado na obra, e, a apropriação de conceitos por parte dos seres humanos de forma a consolidar as desigualdades sociais como algo natural. O filme é uma possibilidade de refletirmos sobre a apropriação de conceitos pelos seres humanos, como o preconceito mas também sobre as possibilidades de mudança de conceitos, algo inerente ao desenvolvimento do ser humano. Concluímos que o filme é um importante dispositivo que viabiliza a reflexão crítica e que pode ser um importante dispositivo para consolidar os conceitos atrelados à Psicologia Social.
Palavras-chave: Histórias Cruzadas. Apropriação. Psicologia Social.

ABSTRACT
This article was written to reflect on the film “The Help” based on the parameters established by Social Psychology. As such, it is part of the discipline of Social Psychology to which the authors of this manuscript are linked and in it they reflect on some elements that are present in the film, such as racism represented in the work, and the appropriation of concepts by human beings in order to consolidate social inequalities as something natural. The film is an opportunity for us to reflect on the appropriation of concepts by human beings, such as prejudice, but also on the possibilities of changing concepts, something inherent to human development. We conclude that the film is an important device that enables critical reflection and that it can be an important device for consolidating the concepts linked to Social Psychology.
Keywords: The Help. Appropriation. Social Psychology.

1 INTRODUÇÃO

O presente texto é uma resenha sobre o filme Histórias Cruzadas (2011), que retrata o racismo presente nos Estados Unidos na década de 1960 e que teve como base o livro intitulado de “The Help” (no Brasil, “A Resposta”) da autora Kathryn Stockett (Silva e Silva, 2017). O filme foi indicado ao Oscar em 2012 onde conquistou três estatuetas por meio dos prêmios vinculados à melhor atriz coadjuvante, melhor atriz e melhor filme. Na época o filme movimentou mais de 200 milhões de dólares e permaneceu em cartaz nos cinemas por mais de 25 dias consecutivos7.

Assim, é um filme que apresentou grande inserção social e apresenta ainda hoje, grande relevância. Nele, as cenas se desenvolvem numa pequena cidade chamada Jackson, situada no Estado do Mississipi, Estados Unidos da América. Apesar de ser uma dramaturgia, retrata a realidade daquela época, uma sociedade racista, preconceituosa e hierárquica. A história é centrada em várias mulheres e dentre elas temos Eugenia. A personagem Eugenia (Emma Stone) é uma mulher branca, escritora da alta sociedade e mesmo com todo seu privilégio branco da alta sociedade da época se sentia intensamente incomodada com os tratamentos que as pessoas davam aos negros. Diante disso, Eugenia decide ajudar as empregas domésticas negras a expor as situações de abusos, desrespeitos e racismo pelos quais passavam.

Além de Eugênia, o filme também nos apresenta as personagens Aibileen (Viola Davis) e Minny (Octavia Spencer), ambas negras e empregas domésticas e que foram destaques nessa trama. Depois de muita resistência e medo, resolveram expor a verdadeira situação na qual elas passavam para Eugênia, que, escreveu uma obra retratando todas as situações narradas pelas mulheres entrevistadas. O filme é construído de forma a recuperara as histórias vivenciadas pelas empregadas para compor o livro de Eugênia. Nesse processo, ao desenrolar das histórias muitos episódios comoventes de racismo são expostos pelas empregadas domésticas. A luta das mulheres negras era árdua, mas no final uma pequena vitória é concretizada com a aceitação dos do livro escrito por Eugenia, revelando ao mundo, os absurdos que ocorriam na cidade de Jackson.

Quando nos foi apresentada a possibilidade de elaboração do presente trabalho optamos pelo filme em questão devido a nosso interesse por obras que discutem a questão do racismo. Outrossim, é importante destacar que esse artigo foi inicialmente elaborado como um trabalho acadêmico apresentado à disciplina Psicologia Social, desenvolvido pelas alunas do 2º e 3º semestre do curso de Psicologia da Universidade Paulista (UNIP), Campus Assis, São Paulo e que também são autoras do presente manuscrito.

A temática desenvolvida refere-se às análises do filme Histórias Cruzadas (2011) correlacionada a matéria de Psicologia Social, tendo como base teórica e científica o estudo bibliográfico de alguns livros relacionados ao assunto abordado no filme. Metodologicamente o artigo foi elaborado por meio da reprodução de alguns trechos do filme seguido da análise teórica, conforme eixos sumariados. Assim, trata-se de um trabalho de natureza teórica uma vez que o mesmo recorreu a plataforma fílmica e a base teórica para ser realizado e não recorreu ou se pautou em elementos associados a fontes de seres humanos (Minayo, 2001).

O interesse pelo tema adveio de o curso, como indicado, ter suscitado essa temática por meio de várias disciplinas afins. No entanto, a questão da apropriação de conceitos, incluindo preconceituosos como os apresentados no filme, despertaram o interesse do grupo, afinal de contas, porque em uma sociedade como a nossa ainda há atos, comportamentos e falas preconceituosas?. A composição do texto, por outro lado, seguiu a formato de texto único uma vez que nele, como é possível observar, foi realizada a recomposição de trechos da história apresentada no filme e correspondente análise.

2 Histórias Cruzadas: aproximações e reflexões a partir do viés da Psicologia Social

Bem, o filme Histórias Cruzadas nos apresenta a realidade das empregadas domésticas que recebiam baixos salários por longas jornadas de trabalho e ainda eram submetidas à opressão dos patrões na década de 1960, tendo como referência da época uma sociedade que era comandada pelos brancos na realidade americana. No caso da obra consultada Aibileen e Minny representam as empregadas que tecem as narrativas. Nesse caso, ambas eram empregadas na casa de brancos, desempenhando funções de cozinheiras, faxineiras e babás, basicamente. A remuneração que recebiam não correspondia ao merecimento pela enorme carga de trabalho que realizavam nas longas jornadas. É apresentado que Aibileen era responsável por educar, medicar e cuidar da filha de sua patroa com quem estabelece um enorme vínculo de maternagem.

Os homens negros também eram submetidos aos serviços braçais como jardineiros e outras funções para atender os brancos, e, é apresentado que homens e mulheres negras residiam em bairros mais longínquos das residências dos brancos. Para chegar ao trabalho esses profissionais tinham que sair bem cedo de casa e chegavam bem tarde, a noite. Tanto Aibileen quanto Minny tem filhos e os deixam sob cuidados de familiares para que possam trabalhar, inclusive, para que possam exercer papéis maternos com crianças brancas ao passo que não conseguem fazê-lo com seus próprios filhos.

Uma jornalista branca recém-formada, Eugenia, retorna à cidadezinha que também era a sua cidade de origem e incomodada com os tratamentos que suas “amigas” davam as pessoas pretas. Eugênia é apresentada como uma moça branca com muitos ideais distintos da sociedade em que está inserida. Quando participa desse círculo Eugenia resolve se dedicar ao estudo dessa situação a que estavam sujeitas as empregadas domésticas negras. O intuito era deixar explicito o quão as pessoas brancas eram cruéis e preconceituosas. Para fazê-lo Eugenia passa a realizar entrevistas com as empregadas para coletar informações sobre suas vivências e assim compor um livro que narraria as situações de violência e opressão pelas quais as empregadas passariam.

Assim, é importante frisar que uma das empregadas trabalhava na casa de uma amiga de Eugenia, a Aibileen. Com ela realizava conversas às escondidas para evitar a opressão do patrão e conhecer sua realidade. Tudo começou com a coragem de Aibileen de se expor, sob a insistência de Eugenia, garantindo o anonimato dos relatos, já que na época os direitos civis dos negros praticamente eram limitados por um sistema opressor branco. No entanto, Eugênia precisou frisar várias tentativas para que Aibileen pudesse se colocar uma vez que o medo da empregada em relatar suas vivências era enorme.

Devido a extensão do filme apresentaremos alguns recortes de cenas em que a desigualdade e o racismo estrutural se mostra latente. Na cena acontece em um evento para nomear a mãe de Eugenia, Charlotte, como chef de Estado da Associação Filhas da América, uma associação de mulheres brancas, patriotas, extremista e racistas. A cerimônia foi na casa de Charlotte (mãe de Eugenia), onde estavam presentes inúmeras mulheres, incluindo uma mulher importante de Washington (capital dos Estados Unidos), a presidente da associação “Filhas da América”. Constantine, a empregada doméstica negra, estava trabalhando no local.

Raquel, filha de Constantine chega para visitar a mãe, mas é surpreendida com uma ordem de expulsão vinda de Charlotte, a qual tomou tal decisão por pressão em ter a possibilidade de perder o cargo. Agiu por conveniência pois estava na presença da presidente da Associação e outras mulheres que a julgariam se ela aceitasse tal situação. O enredo desse episódio termina quando Constantine e Raquel são expulsas da casa, ocasionando um momento sensível, pois Constantine havia trabalha a vida toda na casa de Charlotte, criando Eugenia e servindo a família com muito zelo. A expulsão aconteceu porque não soaria de bom tom Charlotte ter uma negra em sua residência em um evento de suma importância.

Nesse episódio pode se dizer que a atitude de Charlotte se deu pela influência do grupo de pessoas presente no local, pois foi observada o desconforto dela ao realizar tal atitude. Ficou explicito que Charlotte ficou desconfortável com a situação em ter que demitir Constantine, só para obter um status na sociedade, colocando em cheque a importância que Constantine tinha pra ela, uma mulher que passou a vida se dedicando a sua família e principalmente na crianção de sua filha Eugenia. Eugenia se manifesta totalmente consternada pela situação e se posiciona em relação ao ato da mãe o que provoca uma situação de crise entre ambas.

Comportamentos racistas podem ser explicados por pensamento de grupo, isso explica a psicologia social. Segundo Lima (2020, p.78) “Na década de 1970, ganham destaque as abordagens em termos de relações entre grupos, sendo o preconceito entendido como expressão de interesses grupais”. A necessidade de pertencer a um grupo social, como no caso do filme, onde as pessoas brancas eram coerentes com as atrocidades que ocorriam só para pertencer a sociedade racista da época de 60.

Pensamento de grupo é um tipo de pensamento em que os membros do grupo compartilham uma motivação tão forte para atingir o consenso que eles acabam perdendo a capacidade de avaliar criticamente pontos de vistas alternativos. O pensamento de grupo é mais provável de ocorrer quando o líder popular ou poderoso está rodeado de pessoas de status mais baixos. (Feldman, 2015, p.543).

Interessante frisar que, ainda que a maioria das pessoas pensassem de forma a discriminar os negros, nem todos tinha essa perspectiva. Nesse sentido, Eugenia representa o início de uma reflexão em torno da mudança ou seja, visando perceber a sociedade de uma maneira distinta da compreensão de uma maioria.

Outra cena que nos remete a refletir sobre a psicologia social no filme, a foi descrita por Minny. Eugenia colheu informações sobre o estilo de vida e trabalho que as empregadas domésticas negras se sujeitavam e escreveu um livro para denunciar essas condutas. E esse episódio de racismo foi incluído no livro, o qual fez muito sucesso e acabou garantindo a o anonimato das histórias contadas e escritas.

Uma dona de casa branca chamada presidia uma organização que arrecadava fundos para serviços sociais, no entanto criou um projeto para que todo lar dos brancos tivessem um banheiro separado da casa, para uso exclusivo dos negros, pois acreditavam que ao compartilhar o banheiro com pessoas negras trariam doenças da “raça” para os brancos. Durante uma tempestade, sua empregada doméstica chamada Minny acabou usando o banheiro interno da casa, sendo algo inadmissível. Minny fui punida com demissão do serviço.

Realizando uma analogia com os estudos da cronologia histórica da Psicologia Social pode-se perceber que a história não é estática mas está em contate devir. Por isso, com a história estando sempre mudando a cada época em função dos acontecimentos e das lutas por direitos iguais e humanos de uma sociedade assim como a forma com que compreendemos a analisamos as diferentes expressões sociais presentes na realidade. Assim, um fenômeno que é compreendido de tal forma hoje, não poderá se compreendido da mesma maneira daqui há alguns anos quando as condições sociais, econômicas que deram origem a ele mudaram ou como nos diz Lane (1981, p. 10):

Porém a história não é estática nem imutável, ao contrário, ela está sempre acontecendo, cada época gerando o seu contrário, levando a sociedade a transformações fundamentalmente qualitativas.

Segundo Rodrigues et al. (2000), acreditava-se, por exemplo, que todos os indivíduos de ascendência africana eram ineptos, preguiçosos e infratores da lei. Contudo, a oportunidade de conviver com essas pessoas propiciou a modificação dessas percepções, promovendo, por sua vez, uma reestruturação cognitiva que visou alterar os componentes afetivos e comportamentais associados a essas crenças. Como resultado, observou-se a diminuição do preconceito e a manifestação de comportamentos amigáveis em relação aos indivíduos negros.

No entanto, é errôneo e precipitado dizer que essa diminuição foi efetivamente alcançada, pois ainda é perceptível a discriminação e atos racistas em várias esferas e camadas da sociedade nos dias atuais. Importante é, conforme Lane (1981) compreender essa forma de interpretar os fenômenos sociais possuem relação com a história, ou seja, trazem, no seu bojo, a compreensão de uma realidade que traz resíduos no passado. No caso do filme observamos que a realidade contextual é de um país que segregou e segrega negros, porém, no tempo em pauta a segregação era sancionada socialmente.

Outra cena extremamente válida e importante para a reflexão está associada ao fato ocorrido com Aibileen, empregada na casa de uma amiga de Eugenia. Ocorreu um desaparecimento de uma joia, na verdade uma trama estruturada por Hilly, na casa em que Aibileen trabalhava. Hilly, mulher branca estimula a amiga para que demita Aibileen, e a demissão acaba acontecendo. Aibileen desempenhava todos os cuidados da filha de sua patroa, inclusive sabia como medicar a menina, como ela adormeceria, como fazê-la comer mas nada disso foi considerado uma vez que Hilly era uma personalidade marcante naquela comunidade e fazia com que todas as mulheres adotassem os comportamentos que desejasse.

Desta forma a jornalista Eugenia, na época, quis levar a sociedade à mudança em relação ao racismo para transformar uma sociedade mais justa para todos, relatando vários episódios de desumanização provocados pela sociedade racista, porém, apesar de ser um tema impactante, também é exibido momentos indulgentes e de afetividade. Para tanto, ainda que tenha usado nomes fictícios com a publicação do livro a comunidade local consegue identificar quem seriam as depoentes e sobretudo, quem seriam as mulheres retratadas como patroas. No momento em que o livro é publicado rapidamente torna-se um grande sucesso e é rapidamente esgotado. Eugênia estava noiva e quando o noivo teve ciência do teor da publicação, ele a abandona.

Além das relações envolvendo diferentes classes sociais e de raças destacadas no item anterior, o filme Histórias Cruzadas (2011) apresenta várias conexões com a maternidade, abordando tanto a relação biológica entre mães e filhos quanto o papel das babás negras na criação das crianças brancas no sul dos Estados Unidos durante a segregação racial que se estendia na década de 1960.

No filme, muitas mães brancas da alta sociedade delegam a criação de seus filhos às empregadas domésticas negras, que assumem um papel fundamental na educação e no cuidado das crianças. A relação entre mães e filhos no filme é marcada pela frieza e pela distância emocional, essas mães ensinam preconceitos raciais, contra as babás negras, mesmo as crianças tendo uma afetividade com quem as cria de verdade (babás de cor preta).

Na história sociocultural da mulher, a maternidade era definida como função básica da figura materna por excelência, por simplesmente ser natureza da mulher. O fato inato da capacidade de reprodução vinculou a imagem da maternidade como bons costumes, submissão ao conjugue e hereditariedade religiosa. Chodorow (1990), apontam para o fato de que essa expectativa da sociedade em relação a mulher, ao exercer papel materno deva-se muito mais a uma transposição social e cultural das suas capacidades de dar à luz e amamentar.

É observado que a delegação da maternidade observada no filme Histórias Cruzadas (2011), deve se ao fato da transposição social e cultural, em relação a imagem da mulher. Famílias tradicionais e com características e costumes da época de 80, eram nitidamente obrigatório os conjugues terem filhos para participarem da sociedade em questão. Badinter (1985) nos coloca que nas sociedades antigas era comum que as mulheres burguesas delegassem o cuidado de seus filhos para mulheres pobres. Na sua obra a autora não cita que seriam mulheres negras, porém, chama a nossa atenção ao fato de que o cuidado com os filhos não era algo que a mulher rica e branca deveria fazer. Para ser inserida em uma sociedade, ela deveria também pagar para que alguém exercesse esse cuidado por ela. Isso lhe garantiria certo status social.

Em contrapartida as babás negras tentam ensinar compaixão e dignidade. Aliás, uma das protagonistas, demonstra profundo amor e dedicação à garotinha que cria, ensinando-lhe valores de autoestima e bondade. Isso ressalta como a maternidade influencia a próxima geração, para o bem ou para o mal. Essas ações no filme mostram que a maternidade não é apenas biológica, mas também emocional e baseada no cuidado diário. Por outro lado, demonstra ainda que as crianças estabelecem grande vínculo com as empregas negras e que não tem ainda preconceito em relação as mesmas, bem diferente dos adultos com os quais convivem.

O viver em grupos permite o confronto entre as pessoas e cada um vai construindo o seu "eu" neste processo de interação, através de constatações de diferenças e semelhanças entre nós e os outros. É neste processo que desenvolvemos a individualidade, a nossa identidade social e a consciência-de-si-mesmo. (Lane, 1981, p. 16).

Outro ponto de reflexão é que as empregadas domésticas do filme muitas vezes deixam seus próprios filhos para criar os filhos das “patroas brancas”. Isso reforça a ideia de que a maternidade, para muitas mulheres, envolve sacrifícios profundos, principalmente em contextos de desigualdade social e racial. Nesse sentido, há que se considerar que as mulheres em questão são excluídas até do acesso a uma vida cotidiana que desejassem como cuidar dos filhos mas que não podem fazê-lo devido a necessidade de trabalho.

Ribeiro (2019) cita que para perceber-se criticamente implica enfrentar uma série de desafios para aqueles que vivem sem questionar o sistema de opressão racial. Conscientizar-se sobre os privilégios que determinados grupos sociais possuem, por meio da prática de pequenos exercícios de percepção, pode transformar situações de violência que, antes do processo de conscientização, não seriam objeto de questionamento.

Na psicologia social, as teorias e pesquisas nos mostram que muitos dos nossos comportamentos sociais, mesmo os mais complexos, podem ser amplamente guiados por motivos não conscientes ou automáticos (Evans, 2008); de tal forma que, muitas vezes, nosso único "chão" é a ilusão de controle. Todavia, existem propostas, chamadas de modelos da dissociação, que demonstram que nossas crenças pessoais podem ser alteradas quando em confronto com crenças coletivas (Devine, 1989), ou seja, mudando nossas atitudes explícitas, podemos manter as implícitas sob controle e com o tempo até alterá-las. (Lima, 2020, p. 67).

Em relação a formação de indivíduos conscientes de sua função numa sociedade mutável, o ensino e a escola crítica, a qual não aceita a absoluta validade de nenhuma verdade, permiti que as relações sociais sejam objeto de questionamento e reformulação. Tal abordagem favorece a formação de indivíduos cientes de suas determinações sociais e de sua inserção histórica na sociedade, tendo suas práticas sociais possivelmente reestruturadas (Lane, 1981).

Eugenia ao escrever sobre as histórias relatadas por Minny e Aibileen, e demais domésticas negras da época, se apresentou como uma forma de firmar a história crítica que os negros passavam na época e abrir portas pra novas oportunidades de luta, antes invisibilizada pela cor da pele. No final do filme, após a venda estrondosa dos exemplares do livro, Eugenia envia parte do dinheiro lucrado com as vendas para as empregadas que participaram da elaboração do livro para que elas pudessem usufruir do fruto de sua colaboração e coragem.

Para tanto, Viola Davis8 que deu vida a Aibileen e que foi vencedora do Oscar criticou esse final em entrevista uma vez que para a atriz o fato das empregadas receberem o dinheiro da obra não as colocaria em situação de igualdade com mulheres brancas do período. Além disso, Viola destaca que o final do filme teria tido muito mais impacto positivo se o papel da escrita fosse conferida a mulheres negras e não a uma branca. Porém, essa obra suscita perspectivas diferentes sobre os fenômenos ali retratados o que não deprecia, no entanto, a sua importância para pensar e refletir sobre a apropriação do racismo nas sociedades modernas.

3 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

O filme Histórias Cruzadas (2011) ilustra de maneira exemplar como as normas sociais influenciam atitudes e comportamentos. É explicito a influência do contexto sócio-histórico no enredo do filme, que apesar de ser representado no passado, atuais comparações se enquadram de forma idônea. Nesse sentido, a obra demonstra como os conceitos que parte da sociedade tem hoje possui raízes históricas e que estão associadas a estrutura social consolidada.

Entretanto, também evidencia como indivíduos podem desafiar essas normas com o objetivo de promover a justiça social. A Psicologia Social nos proporciona embasamento científico que pode nos estimular em torno de uma compreensão do impacto do preconceito, da conformidade e da identidade social, demonstrando que mudanças significativas podem ocorrer quando há coragem para questionar o sistema e para possibilitar a expressão das vozes das minorias.

Nesse sentido, observamos que os conceitos sociais não estão postos e determinados, antes, observamos que há possibilidades de mudanças sociais sempre quando há mudanças na realidade. Uma sociedade preconceituosa, como a retratada no filme e com profundas raízes históricas também pode ser alterada ainda que com os resíduos no passado a influenciando. Dito de outra forma, a sociedade pode mudar como vê e compreende os fenômenos sociais.

Em um último entendimento podemos salientar ainda que a história nos indica que a mudança provém, em essência, de condições históricas concretas e objetivas e que, ainda que a sociedade seja racista a sua natureza é consolidada por meio do desenvolvimento capitalista. Por conseguinte, o capitalismo potencializa situações de desigualdade como o racismo. Importante frisar que todos os brancos apresentados na obra detinham poder econômico ao passo que os negros não detinham esse poder e acabam inseridos em trabalhos com remuneração regular apenas para sobreviverem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Badinter, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

CHODOROW, N. Psicanálise da Maternidade. Uma Crítica a Freud a Partir da Mulher. Rio de Janeiro,1990.

FELDMAN, R. S. Introdução à Psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.

LANE, S. T. M. O que é Psicologia Social? São Paulo, SP, Editora Brasiliense. 1981.

LIMA, M. E. O. Psicologia social do preconceito e do racismo. São Paulo, SP: Blucher, 2020.

MINAYO, M.C.F.D. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

RODRIGUES, A; CARDOSO, E. C; JABLONSKI, B. Psicologia social. 33. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

SILVA, G. O.; SILVA, D. C. S. da. Relações intersemióticas em “The Help” e a versão fílmica “Histórias Cruzadas. In: IV Seminário de Educação, Linguagem E Tecnologias; XII Simpósio de Educação, Modernidade e Cidadania; XII Seminário de Estudos Linguísticos e Literários: Letramentos e linguagens em perspectivas críticas, 2017, on-line. Anais eletrônicos [...]. Anápolis: Programa se Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias – PPG-IELT: Anápolis: UEG, 2017. Disponível em: https://www.anais.ueg.br/index.php/selt/issue/view/313. Acesso em: 26 mar. 2025.


Fonte

HISTÓRIAS Cruzadas. Direção: Tate Taylor. Produção: Chris Columbus e Michael Barnathan. Local: Estados Unidos, 2011. Mídia: Streaming.


1 Discente do Curso Superior de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas da UNIP, Campus Assis e-mail: [email protected]

2 Discente do Curso Superior de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas da UNIP, Campus Assis e-mail: [email protected]

3 Discente do Curso Superior de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas da UNIP, Campus Assis e-mail: [email protected]

4 Discente do Curso Superior de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas da UNIP, Campus Assis e-mail: [email protected]

5 Discente do Curso Superior de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas da UNIP, Campus Assis e-mail: [email protected]

6 Docente do Curso Superior de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas da UNIP, Campus Assis. Mestre em Pedagogia e Psicologia pela Unesp de Assis, Mestre em História pela Unesp de Assis e Doutora em História pela Unesp de Assis e-mail: [email protected]

7 Disponível em https://www.adorocinema.com/filmes/filme-176673/bilheterias/. Acesso: 18 de abr de 2025.

8 Disponível em https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/almanaque/historias-cruzadas-por-que-o-filme-e-um-arrependimento-para-viola-davis.phtml. Acesso: 22 de abr de 2025.