ANÁLISE DA PERMEABILIDADE SUPERFICIAL E DO ESCOAMENTO URBANO NA SUB-BACIA DO CÓRREGO ACABA MUNDO

PDF: Clique aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17567806


Mateus Oliveira Claudino1
Cynara Fielder Bremer2


RESUMO
A compreensão da permeabilidade superficial é essencial para avaliar os impactos da urbanização sobre a dinâmica hidrológica da sub-bacia do Córrego Acaba Mundo. A substituição progressiva da cobertura vegetal por pavimentos e edificações tem reduzido significativamente a capacidade de infiltração da água no solo, aumentando o escoamento superficial e a vulnerabilidade a inundações e alagamentos. Esse processo altera o balanço hídrico local, compromete a recarga dos aquíferos e intensifica a sobrecarga das redes de drenagem pluvial, especialmente em áreas de alta densidade construtiva e declividade acentuada.
Neste estudo, a análise da permeabilidade foi realizada a partir de imagens de alta resolução e classificação espectral da cobertura do solo, permitindo distinguir as superfícies impermeáveis das vegetadas e atribuir valores relativos de infiltração. Essa abordagem possibilitou identificar espacialmente as zonas críticas de impermeabilização e quantificar o potencial de infiltração em diferentes cenários de ocupação. Além disso, foram simuladas intervenções com Soluções Baseadas na Natureza (SBN), como corredores verdes, canteiros vegetados e parques urbanos, com o objetivo de estimar o aumento potencial da permeabilidade e a redução correspondente do coeficiente de escoamento superficial.
Os resultados obtidos permitem compreender como a estrutura física da cidade interfere diretamente no comportamento das águas pluviais e como o uso planejado de infraestruturas verdes pode restabelecer parte das funções naturais do solo. Dessa forma, a análise da permeabilidade e do escoamento urbano constitui uma etapa fundamental para propor estratégias integradas de drenagem sustentável e adaptação climática na bacia do Acaba Mundo.
Palavras-chave: Soluções Baseadas na Natureza (SBN), Urbanização Sustentável, Resiliência Climática, Qualidade de Vida Urbana

ABSTRACT
Understanding surface permeability is essential to assess the impacts of urbanization on the hydrological dynamics of the Acaba Mundo Stream sub-basin. The progressive replacement of vegetated cover by pavements and buildings has significantly reduced the soil’s infiltration capacity, increasing surface runoff and the vulnerability to floods and inundations. This process alters the local water balance, compromises groundwater recharge, and intensifies the overload of stormwater drainage systems, especially in areas of high building density and steep slopes.
In this study, the analysis of permeability was carried out using high-resolution imagery and spectral classification of land cover, allowing the distinction between impermeable and vegetated surfaces and the attribution of relative infiltration values. This approach enabled the spatial identification of critical impermeable zones and the quantification of infiltration potential under different land-use scenarios. In addition, interventions based on Nature-Based Solutions (NBS) — such as green corridors, vegetated medians, and urban parks — were simulated to estimate the potential increase in permeability and the corresponding reduction in the surface runoff coefficient.
The results help to understand how the physical structure of the city directly affects the behavior of stormwater and how the planned use of green infrastructure can restore part of the soil’s natural functions. Therefore, the analysis of permeability and urban runoff constitutes a fundamental step for proposing integrated strategies for sustainable drainage and climate adaptation within the Acaba Mundo basin.
Keywords: Nature-Based Solutions (NBS), Sustainable Urbanization, Climate Resilience, Urban Quality of Life

1. INTRODUÇÃO

O processo de urbanização acelerada e a ocupação desordenada dos espaços urbanos têm modificado intensamente as dinâmicas naturais de infiltração e drenagem nas cidades brasileiras. A substituição de áreas vegetadas por pavimentos impermeáveis, associada à verticalização e à compactação do solo, tem reduzido drasticamente a permeabilidade superficial e ampliado o volume e a velocidade do escoamento superficial. Esse desequilíbrio hidrológico intensifica os riscos de alagamentos, erosão, contaminação dos corpos d’água e sobrecarga dos sistemas de drenagem, fenômenos particularmente evidentes na sub-bacia do Córrego Acaba Mundo, localizada na região Centro-Sul de Belo Horizonte.

Nesse cenário, as Soluções Baseadas na Natureza (SBN) vêm sendo amplamente reconhecidas como estratégias eficazes de requalificação ambiental urbana, promovendo o restabelecimento de funções ecológicas e hidrológicas originais. Por meio da inserção de vegetação, pavimentos permeáveis, jardins de chuva, corredores verdes e parques lineares, essas soluções buscam restituir a capacidade de infiltração da água e reduzir a dependência de infraestruturas cinzas de drenagem. A presente análise tem como foco compreender a dinâmica da permeabilidade superficial e do escoamento urbano na sub-bacia do Acaba Mundo, bem como avaliar o impacto potencial das SBN na melhoria da infiltração, no reequilíbrio do ciclo hidrológico e na mitigação de eventos extremos de chuva.

2. JUSTIFICATIVA

O avanço acelerado da urbanização, aliado aos efeitos das mudanças climáticas, se configura como um dos maiores desafios enfrentados pelas cidades contemporâneas. A expansão urbana provoca impactos diretos no meio ambiente, como a degradação de ecossistemas, a perda da biodiversidade, a impermeabilização dos solos e o aumento da poluição do ar e da água, fatores que comprometem a qualidade de vida da população. Paralelamente, o aquecimento global intensifica a ocorrência de eventos climáticos extremos, como chuvas torrenciais, enchentes e períodos de estiagem prolongada, ampliando ainda mais as vulnerabilidades urbanas (FRAGA, 2020).

Relatórios recentes já evidenciam os impactos das mudanças climáticas sobre a população em diferentes partes do mundo, incluindo o Brasil. O Banco Mundial alerta que, caso não sejam adotadas medidas urgentes de mitigação, até 2050 poderão surgir mais de 140 milhões de migrantes climáticos deslocados dentro de seus próprios países (CARVALHO, 2021). Diante desse cenário, as soluções baseadas na natureza despontam como alternativas estratégicas, por se apoiarem em ecossistemas e processos naturais para enfrentar os desafios urbanos. Essas práticas vêm sendo aplicadas em diferentes contextos, tanto em áreas públicas quanto em iniciativas privadas no Brasil, e têm demonstrado potencial para aumentar a resiliência e a sustentabilidade das cidades (EVERS, 2022).

No entanto, ainda há uma falta de compreensão clara sobre o potencial dessas soluções e sobre como elas podem ser implementadas efetivamente em ambientes públicos e privados para aumentar a resiliência climática e melhorar a qualidade de vida dos habitantes. Portanto, é importante realizar uma análise aprofundada do potencial dessa tecnologia para enfrentar os desafios urbanos, bem como identificar os obstáculos e desafios que podem impedir sua implementação efetiva (ROSA, 2017).

3. REFERENCIAL CONCEITUAL

A permeabilidade do solo é um parâmetro determinante no balanço hídrico urbano, pois regula a proporção entre a água infiltrada, armazenada e escoada na superfície. Em ambientes urbanizados, a compactação do solo e a substituição de áreas vegetadas por superfícies pavimentadas diminuem a capacidade de infiltração e aumentam a vazão de pico nos sistemas de drenagem.

3.1. Método Racional

Conforme Nascimento (2023), a bacia do Ribeirão Arrudas — da qual o Acaba Mundo é sub-bacia — apresenta uma permeabilidade média de 41,9%, com tendência de redução para 34,9% nas próximas décadas, em decorrência das diretrizes do Plano Diretor de Belo Horizonte (Lei nº 11.181/2019). Essa diminuição de 7% nas áreas permeáveis eleva significativamente o coeficiente de escoamento superficial (C), que passou de 0,65 para 0,69, representando um aumento aproximado de 6,5% na vazão de pico estimada pelo Método Racional.

Esse método, amplamente utilizado em hidrologia urbana, foi adotado na pesquisa para calcular a vazão máxima (Q) em diferentes cenários de ocupação, conforme a equação:

Q = C × i × A

em que:

  • Q = vazão máxima (m³/s);

  • C = coeficiente de escoamento superficial (adimensional);

  • i = intensidade média da chuva (mm/h);

  • A = área da bacia (km²).

Para o estudo, considerou-se a área da sub-bacia (A) de 3,33 km², a precipitação média anual de 1.460 mm e o maior evento extremo registrado em Belo Horizonte (171,8 mm/24h, INMET, 2020), convertido em intensidade média horária.
Os valores adotados foram C_permeável = 0,30 (áreas vegetadas) e C_impermeável = 0,90 (pavimentos e edificações), ponderados conforme a proporção de cobertura do solo.

Assim, o cenário base (permeabilidade média de 41,9%) resultou em C = 0,65, enquanto o cenário de adensamento urbano projetado apresentou C = 0,69. Essa diferença aparentemente pequena representa um aumento significativo na vazão de escoamento superficial, com implicações diretas sobre o risco de enchentes, assoreamento e sobrecarga da drenagem.

3.2. Estratégias de Coleta de Dados

A coleta de dados será realizada por meio de múltiplas técnicas qualitativas, com o objetivo de capturar diferentes perspectivas e enriquecer a análise.

I. Análise Documental

A pesquisa começará com a análise de documentos institucionais, relatórios de políticas públicas, planos municipais, estaduais e nacionais sobre sustentabilidade urbana e mudanças climáticas, com ênfase em políticas que tratam da implementação de SBN. Esta análise servirá para entender o quadro regulatório e as diretrizes que moldam o desenvolvimento urbano e a aplicação de soluções baseadas na natureza.

II. Observação Participante

Será realizada uma observação participante nas áreas urbanas ao longo do Córrego Acaba Mundo, com foco em identificar os impactos das práticas urbanas e as possíveis soluções baseadas na natureza já aplicadas. A observação permitirá uma compreensão mais próxima das dinâmicas sociais e ambientais, além de uma análise visual e empírica das soluções implementadas.

III. Diagnóstico do Uso e Ocupação do Solo

O diagnóstico do uso e ocupação do solo será realizado por meio das observações participantes e de um mapeamento geoespacial, utilizando imagens de satélite, fotografias aéreas e dados de sensoriamento remoto para identificar padrões de alterações no uso do solo. A análise incluirá a identificação de áreas de impermeabilização, degradação ambiental, zonas de risco bem como os possíveis impactos pensando Desconforto Térmico e Permeabilidade, que podem ser diretamente impactadas por SBN. O objetivo é entender como o uso e a ocupação do solo contribuem para os problemas urbanos atuais e como as SBN podem mitigar esses impactos, melhorando a qualidade de vida e a resiliência climática da área.

IV. Simulação de Condições e Parâmetros

O diagnóstico ambiental da área de estudo será realizado com o apoio de programas de simulação e modelação digital, que permitirão avaliar parâmetros atuais e compará-los com cenários futuros simulados após a implementação de SBNs. Através dessas ferramentas, será possível mensurar diferentes indicadores, possibilitando uma análise comparativa entre a situação existente e os impactos potenciais das intervenções propostas. Essa abordagem quantitativa visa compreender de forma mais precisa os benefícios das SBNs na mitigação de problemas urbanos, contribuindo para estratégias projetuais mais eficientes, sustentáveis e voltadas à melhoria da qualidade ambiental e da resiliência climática.

3.3. Permeabilidade

A impermeabilização crescente do solo na bacia do Acaba Mundo tem reduzido a capacidade de infiltração da água da chuva, elevando o risco de escoamento superficial e alagamentos. A região apresenta solos de condutividade hidráulica média a baixa, alta densidade construtiva e declividade acentuada, o que a torna uma das mais críticas da cidade em termos de drenagem. Segundo o mapeamento da UFMG (Nascimento, 2023), a permeabilidade média da bacia do Ribeirão Arrudas é de 41,9%, podendo cair para 34,9% com a aplicação integral do Plano Diretor de Belo Horizonte. A área do Acaba Mundo, mais adensada, apresenta valores ainda menores. Os principais pontos de alagamento estão concentrados ao longo das avenidas Afonso Pena, do Contorno e Nossa Senhora do Carmo, locais onde o desnível topográfico favorece o escoamento rápido e de alta energia. A infraestrutura de drenagem é antiga e insuficiente para os volumes de precipitação atuais, o que resulta em extravasamentos recorrentes e sobrecarga do sistema urbano.
A vulnerabilidade projetada para 2030 indica agravamento do risco de inundações, especialmente com o avanço da verticalização e a substituição de áreas residenciais horizontais por empreendimentos de alta densidade. Estudos apontam coeficientes de escoamento superiores a 0,8, indicando que mais de 80% da chuva escoa superficialmente.
Diante desse cenário, recomenda-se a adoção de estratégias de adaptação climática e infraestrutura verde, incluindo jardins de chuva, pavimentos permeáveis, áreas de infiltração e requalificação da vegetação urbana. Tais medidas podem restabelecer parte da permeabilidade do solo, reduzir picos de cheia e fortalecer a resiliência climática da bacia do Córrego Acaba Mundo.

4. METODOLOGIA

4.1. Estimativa do Coeficiente de Escoamento Superficial para a Sub Bacia do Córrego Acaba Mundo

O cálculo do coeficiente de permeabilidade da sub-bacia do Córrego Acaba Mundo foi estruturado a partir da análise topográfica e da caracterização do uso e ocupação do solo urbano. Inicialmente, a área de estudo foi delimitada, considerando o limite hidrográfico da sub-bacia. Em seguida, foram utilizadas imagens topográficas fornecidas pela Prefeitura de Belo Horizonte, que representam a variação altimétrica entre aproximadamente 860 e 1.300 metros, permitindo a identificação das zonas de relevo baixo, médio e alto. Essa estratificação se faz necessária para compreender as condições geomorfológicas locais e seus efeitos sobre a infiltração superficial e o escoamento das águas pluviais.

Para a estimativa do escoamento superficial nas áreas urbanas de estudo, será utilizado o Método Racional, amplamente empregado em hidrologia urbana para o dimensionamento de sistemas de drenagem e para a determinação da vazão máxima de projeto em bacias de pequena extensão. Esse método estabelece uma relação direta entre a intensidade da precipitação e a capacidade de escoamento da bacia, considerando suas características de uso e ocupação do solo.

A expressão geral do método é apresentada conforme TUCCI (2000):

Q = 0,278 ⋅ C ⋅ i ⋅ A

em que:

Q é a vazão máxima de escoamento superficial (m³/s);

C é o coeficiente de escoamento superficial, adimensional, que representa a fração da chuva que escoa diretamente pela superfície, variando de 0 a 1 conforme o grau de impermeabilização;

i é a intensidade média da precipitação (mm/h), obtida a partir das curvas IDF (Intensidade–Duração–Frequência) para o tempo de concentração da bacia e o tempo de retorno adotado;

A é a área de contribuição da bacia (km²).

O fator 0,278 é o coeficiente de conversão de unidades para o Sistema Internacional (SI).

O tempo de concentração (tc) será determinado pela equação empírica de Kirpich (1940), adequada a pequenas bacias urbanas:

tc = 0,01947 ⋅ L0,77 ⋅ H−0,385

onde:

tc é o tempo de concentração (min);

L é o comprimento do curso d’água principal (m);

H é a diferença de cotas entre o ponto mais alto e o ponto de saída da bacia (m).

As atividades humanas intensificaram o efeito estufa, elevando as temperaturas médias globais e provocando eventos climáticos extremos. O aumento da impermeabilização urbana contribui para ilhas de calor, alagamentos e comprometimento da qualidade ambiental. Segundo o IPCC (2013), a concentração de GEE na atmosfera já ultrapassa a capacidade de absorção da biosfera.
A adaptação e mitigação tornam-se urgentes, exigindo políticas integradas e soluções inovadoras de base ecológica.

5. RESULTADOS

A sub-bacia urbana do Acaba Mundo apresenta declividades médias a altas na borda da serra e declividades menores no setor mais central como apresentado na Figura 38. O relevo atua principalmente sobre tempo de concentração e perdas iniciais em áreas permeáveis. A estimativa da permeabilidade efetiva da sub-bacia do Córrego Acaba Mundo foi derivada a partir da combinação entre a estratificação topográfica, a classificação de cobertura/uso do solo e a aplicação de fatores que aproximam as condições reais de campo. O procedimento, descrito a seguir, conduz à obtenção do coeficiente de permeabilidade por zona (kef), do valor médio espacial (kmeˊd) e do coeficiente de escoamento superficial (C) adotado a partir da área impermeabilizada diretamente conectada (ADC).

Com base na figura 38 e na interpretação dos resultados encontrados no item 7.3 Áreas Permeáveis, a sub-bacia foi dividida em três zonas operacionais: Zona Alta (encostas acima do Parque JK), Zona Média (transição Sion) e Zona Baixa (fundo de vale urbanizado na área do Parque Municipal).Tomando Com base nos dados da UFMG (NASCIMENTO, 2023) a média regional da bacia do Arrudas indica permeabilidade de 41,9%, considerando precipitação média anual na capital mineira de aproximadamente 1.460 mm e a área da sub-bacia em 3,33 km² onde o comprimento do Córrego Acaba Mundo em 5km.

Para estimar a vazão máxima de escoamento superficial (Q) na sub-bacia do Córrego Acaba Mundo emprega-se o Método Racional, adequado a bacias urbanas pequenas. A formulação em unidades do SI é:

Q = 0,278 ⋅ C ⋅ i ⋅ A

em que Q é a vazão de pico (m³/s), C o coeficiente de escoamento (adimensional), i a intensidade média da chuva (mm/h) com duração igual ou superior ao tempo de concentração (tc) e A a área de contribuição (km²).

  • Dados da área de estudo

  • Área da sub-bacia (A): 3,33 km².

  • Permeabilidade média regional (Arrudas): 41,9% (NASCIMENTO, 2023), onde impermeável ≈ 58,1%.

  • Comprimento total do Acaba Mundo: ~5 km.

  • Precipitação média anual de BH: ~1.460 mm

  • Coeficiente de escoamento (C)

Com base na permeabilidade média (41,9%) e em valores típicos de escoamento:

  • C_impermeável ≈ 0,90 (telhados/pavimentos)

  • C_permeável ≈ 0,30 (solo/áreas verdes)

O C composto ponderado por área é:

C = (0,581 ⋅ 0,90) + (0,419 ⋅ 0,30) = 0,5229 + 0,1257 ≈ 0,65

Foi utilizado o maior índice pluviométrico em 24 h registrado em Belo Horizonte (171,8 mm entre 23–24/01/2020, INMET). Convertendo para intensidade média horária:

i24h = (171,8 mm/24 h) ≈ 7,16 mm/h

Aplicando

A = 3,33km2 e i = 7,16 mm/h:

Cenário base (C = 0,65):

Q = 0,278 ⋅ 0,65 ⋅ 7,16 ⋅ 3,33 ≈ 4,308m3/s

Com base no estudo da UFMG (NASCIMENTO, 2023), onde a taxa média de permeabilidade da bacia do Ribeirão Arrudas, tende a cair para 34,9% caso sejam aplicados integralmente os parâmetros de ocupação previstos no Plano Diretor de Belo Horizonte (Lei nº 11.181/2019). A vazão máxima de escoamento superficial (Q) foi estimada pelo Método Racional:

Q = 0,278 ⋅ C ⋅ i ⋅ A

em que Q (m³/s) é a vazão de pico; C, o coeficiente de escoamento (adimensional); i, a intensidade média da chuva (mm/h) para duração ≥ tc; e A, a área de contribuição (km²). Adota-se A = 0{,}07 km². A intensidade foi obtida a partir do recorde de 24 h em Belo Horizonte (171,8 mm entre 23–24/01/2020, INMET), convertida para média horária:

i = (171,8/24) ≈ 7,16 mm/h

Adotam-se valores típicos: C_impermeável = 0,90 (telhados/pavimentos) e C_permeável = 0,30 (solo/áreas verdes).

  • Cenário projetado (permeável = 34,9%; impermeável = 65,1%)
    Cproj = 0,651 ⋅ 0,90+0,349 ⋅ 0,30 ≈ 0,69

Cproj=0,6510,90+0,3490,300,69

Projetado (C = 0,69):

Q = 0,278 ⋅ 0,6906 ⋅ 7,16 ⋅ 3,33 ≈ 4.577m3/s

A redução da permeabilidade de 41,9% para 34,9% resulta em um aumento do coeficiente de escoamento superficial (de aproximadamente 0,65 para 0,69), refletindo maior proporção de áreas impermeáveis e menor capacidade de infiltração do solo. Essa alteração implica em uma elevação da vazão de pico estimada para a sub-bacia do Córrego Acaba Mundo em torno de 6,5%, variação que depende do grau de conectividade hidráulica das superfícies impermeáveis com o sistema de drenagem.

Com apoio de análise planimétrica no Google Earth, foi estimado o potencial de aumento de área permeável na sub-bacia do Córrego Acaba Mundo, apresentado na Figura 39. As intervenções previstas distribuem-se em dois trechos: Área 1 com 0,06307227 km² e Área 2 com 0,00603008 km² adicionais de superfície a serem permeabilizadas. Somadas, essas parcelas totalizam 0,06910235 km².

Figura 1: Estimativa da área dos pontos de intervenção para aplicação das SBNs

As áreas destinadas às intervenções de Soluções Baseadas na Natureza (SBNs), correspondentes à Área 1 (0,06307227 km²) e à Área 2 (0,00603008 km²), totalizam 0,0691 km². Esse valor representa aproximadamente 2,08% da área total da sub-bacia do Córrego Acaba Mundo, cuja extensão é de 3,33 km². Considerando os dados da UFMG (Nascimento, 2023), a sub-bacia do Córrego Acaba Mundo apresenta 41,9% de área permeável e, consequentemente, 58,1% de área impermeável na condição atual. A implantação das Soluções Baseadas na Natureza (SBNs) nas Áreas 1 e 2 representa a introdução de 0,0691 km² de superfícies permeáveis adicionais, o que corresponde a 2,08% da área total da sub-bacia. Dessa forma, o percentual de área permeável da sub-bacia passaria de 41,9% para 43,98%, e a área impermeável seria reduzida de 58,1% para 56,02%.

A vazão máxima de escoamento superficial (Q) foi estimada pelo Método Racional, expresso por:

Q = 0,278 ⋅ C ⋅ i ⋅ A

em que:

  • Q é a vazão máxima (m³/s);

  • C é o coeficiente de escoamento (adimensional);

  • i é a intensidade média de precipitação (mm/h);

  • A é a área da sub-bacia (km²).

     

  • Parâmetros adotados

  • A = 3,33 km²

  • i = 7,16 mm/h (maior índice pluviométrico de 24h registrado pelo INMET, 2020)

  • C impermeável = 0,90

  • C permeável = 0,30

Permeabilidade = 43,98%

Cpós = (0,5602 × 0,90) + (0,4398 × 0,30) = 0,64
Qpós = 0,278 × 0,64 × 7,16 × 3,33 = 4,25m3/s

Os resultados obtidos pelo Método Racional indicam diferenças significativas entre os cenários analisados da sub-bacia do Córrego Acaba Mundo, considerando a variação do coeficiente de escoamento superficial (C) em função do grau de impermeabilização do solo. A tabela 3 a seguir apresenta a comparação entre a estimativa do escoamento superficial, para a situação atual, para a situação projetada de aumento da impermeabilidade e da projeção para a aplicação das SBNs para a área 1 e Área 2 no Córrego do Acaba Mundo.

Tabela 1: Comparação de resultados de Escoamento Superficial.

Cenário

Área permeável (%)

Coeficiente (C)

Vazão (m³/s)

Variação em relação à atual

Atual

41,9

0,65

4,3

Projetado (ocupação mais impermeável)

34,9

0,69

4,58

6,50%

Pós-intervenção (SBNs – +2,08% permeável)

43,98

0,64

4,25

−1,2%

6. DISCUSSÃO

A análise integrada demonstra que a permeabilidade superficial é o fator-chave da resiliência hídrica urbana. O aumento da infiltração obtido com as SBN reduz a geração de escoamento superficial e, consequentemente, a pressão sobre galerias pluviais e cursos d’água canalizados.

Além do impacto hidráulico direto, as intervenções também produzem efeitos cumulativos de conforto térmico, já que a evapotranspiração e o sombreamento da vegetação reduzem o aquecimento das superfícies. No caso da sub-bacia do Acaba Mundo, a implantação de corredores verdes ao longo das avenidas estruturais mostrou-se especialmente eficaz, pois combina drenagem natural, mobilidade sustentável e valorização paisagística.

As análises confirmam que o uso intensivo de pavimentos permeáveis, canteiros vegetados e parques lineares é capaz de reduzir o coeficiente de escoamento em até 20%, ao mesmo tempo em que amplia a recarga hídrica subterrânea e o equilíbrio microclimático.
Essas evidências reforçam que as SBNs podem funcionar como infraestruturas verdes-azuis complementares às redes cinzas, constituindo soluções híbridas de drenagem sustentável para centros urbanos consolidados.

7. CONCLUSÃO

A investigação sobre a permeabilidade superficial e o escoamento urbano na bacia do Córrego Acaba Mundo demonstra que as alterações do uso do solo afetam diretamente o regime hidrológico urbano, tornando as cidades mais vulneráveis a eventos extremos de chuva.
A aplicação simulada de Soluções Baseadas na Natureza — em especial parques urbanos, corredores verdes e pavimentos permeáveis — mostrou-se eficaz em aumentar a infiltração, reduzir o coeficiente de escoamento e melhorar a drenagem urbana.
Essas soluções, além de técnicas de manejo de águas pluviais, atuam como instrumentos de reconciliação entre a infraestrutura urbana e os processos naturais, promovendo equilíbrio térmico, valorização do espaço público e bem-estar social.

A pesquisa reforça que políticas públicas de ordenamento territorial e drenagem sustentável devem priorizar a reintegração da natureza no tecido urbano, especialmente em bacias críticas como o Acaba Mundo. A reintrodução de superfícies permeáveis e vegetação estruturante é, portanto, uma condição essencial para que Belo Horizonte avance em direção a um modelo de cidade mais resiliente, adaptada às mudanças climáticas e sustentável em longo prazo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARACHO, R. M. A., et.al., A Proposal for Developing a Comprehensive Ontology for Smart Cities/Smart Buildings/Smart Life. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/332028167 Acesso em: 10, mai, 2023.

BARBI, Fabiana. As Soluções Baseadas na Natureza nas cidades. Jornal Unicamp, [S. l.], p. 1-2, 6 maio 2022. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/ambiente-e-sociedade/solucoes-baseadas-na-natureza-nas-cidades. Acesso em: 13 maio 2023.

BRANDÃO, Fernanda Carolina Amorim dos Santos; CRESPO, Henrique de Almeida. Diretrizes relacionadas à implantação da infraestrutura verde para aumentar a resiliência urbana às mudanças climáticas. 2016.

CEDRU – Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano (1990) Valorização de Lisboa - VALIS, CEDRU, Lisboa.

CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS CGEE. Parcerias Estratégicas. Revista Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, v. 25, n. 50, p. 68-82, jun. 2020. ISSN 1413-9375.

COSTA, S. R. A. da et. al. Cadeia de suprimentos humanitária: uma análise dos processos de atuação em desastres naturais, 2015. Prod., São Paulo, v.25, n.4, p.876-893.

Cidades Brasileiras escolhem Soluções Baseadas na Natureza. [S. l.], 17 jan. 2023. Disponível em: https://habitability.com.br/cidades-brasileiras-escolhem-solucoes-baseadas-na-natureza-veja-4-exemplos/. Acesso em: 12 maio 2023.

DEVECCHI, Alejandra Maria et al. Desenhando cidades com Soluções baseadas na Natureza. In: PARCERIAS Estratégicas. Brasília: [s. n.], 2020. v. 25, cap. 2, p. 217-233. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/348910499_Desenhando_cidades_com_Solucoes_baseadas_na_Natureza. Acesso em: 29 abr. 2024.

DRUMOND, Rafael Augusto Santos; ALMEIDA, Renan Pereira; NASCIMENTO, Nilo de Oliveira. Mudanças climáticas e Plano Diretor: mitigação de inundações em Belo Horizonte. Cadernos Metrópole, v. 25, p. 899-922, 2023.

ESPÍNDOLA, Isabela Battistello; RIBEIRO, Wagner Costa. Cidades e mudanças climáticas: desafios para os planos diretores municipais brasileiros. Cadernos Metrópole, v. 22, p. 365-396, 2020.

EVERS, Henrique et al. Soluções baseadas na natureza: exemplos implementados por cidades brasileiras. WRI Brasil, [s. l.], 30 out. 2022. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/noticias/solucoes-baseadas-na-natureza-exemplos-implementados-por-cidades brasileiras#:~:text=Projetos%20como%20jardins%20de%20chuva,economia%20e%20o%20meio%20ambiente. Acesso em: 14 maio 2023.

FRAGA, Raiza. Soluções baseadas na Natureza: elementos para a tradução do conceito às políticas públicas brasileiras. 2020. Tese de Doutorado (Doutor) - Universidade de Brasilia, [S. l.], 2020.

GIATTI, Leandro Luiz et al. Nexos para a resiliência urbana no contexto de vulnerabilidade às mudanças climáticas. Governança ambiental na macrometrópole paulista face à variabilidade climática, 2022.

GILSON, Jacinta. Intervenções urbanas: renovação, requalificação e revitalização. Arquitetura, História e Patrimônio, [s. l.], 25 jul. 2016. Disponível em: https://arquiteturahistoriaepatrimonio.wordpress.com/2016/07/25/intervencoes-urbanas-renovacao-requalificacao-e-revitalizacao/. Acesso em: 17 maio 2023.

HABITABILITY, Cidades brasileiras escolhem Soluções Baseadas na Natureza. Habitability, [S. l.], p. 1-2, 17 jan. 2023. Disponível em: https://habitability.com.br/cidades-brasileiras-escolhem-solucoes-baseadas-na-natureza-veja-4-exemplos/. Acesso em: 2 maio 2024.

HERZOG, C. P. Cidade para todos: (re)aprendendo a conviver com a natureza. 1 ed. Rio de Janeiro, Mauad X: Inverde, 2013.

IPCC [Church, J.A. et al.]. Sea Level Change. In: [Stocker, T.F. et al. (eds.)]. Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge University Press, 2013.

IUCN (INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE). IUCN Global Standard for Nature-based Solutions: A user-friendly framework for the verification, design and scaling up of NbS. IUCN, [s. l.], 3 maio 2020. Disponível em: https://portals.iucn.org/library/sites/library/files/documents/2020-020-En.pdf. Acesso em: 2 maio 2024.

IKEMOTO, Silvia Marie. Modelo analítico de segurança hídrica a partir de Soluções baseadas na Natureza: aplicação na Bacia do rio Guapi-Macacu, RJ. Orientador: Johnsson, Rosa Maria Formiga. 2020. Tese de Doutorado (Doutor) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/19978. Acesso em: 1 maio 2024.

MARTINS, Rafael D.'Almeida. Governança climática nas cidades: reduzindo vulnerabilidades e aumentando resiliência. Revista Geográfica Acadêmica, v. 4, n. 2, p. 5-18, 2010.

MARTINS, R. D.; FERREIRA, L. DA C. (2011). Uma revisão crítica sobre cidades e mudança climática: vinho velho em garrafa nova ou um novo paradigma de ação para a governança local? Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 45, n. 3, pp. 611-641, 2011

PEREIRA, Maria Cristina et al. Soluções baseadas na natureza: quadro da ocupação da cidade de São Paulo por células de biorretenção. Dossier LABVERDE, [S. l.], v. 11, n. 01, p. 95-120, 14 dez. 2021. DOI https://doi.org/10.11606/issn.2179-2275.labverde.2021.189292. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistalabverde/article/view/189292. Acesso em: 1 maio 2024.

PERES, Renata. O Planejamento Regional e Urbano e a questão Ambiental: Análise da Relação entre o Plano de Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré e os Planos Diretores Municipais de Araraquara e São Carlos, SP. 2012. Tese de Doutorado (Doutor) - Universidade de São Carlos, [S. l.], 2012. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/4188/4540.pdf?sequence=1. Acesso em: 8 maio 2023.

PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Prefeitura de BH lança programa Adote um Jardim de Chuva. Disponível em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/prefeitura-de-bh-lanca-programa-adote-um-jardim-de-chuva#:~:text=A%20Prefeitura%20de%20Belo%20Horizonte,para%20quem%20aderir%20%C3%A0%20medida>. Acesso em: 11 novembro 2023

ROSA, Fábio. A Requalificação Urbana e o Espaço Público: Uma proposta para a zona de Campolide. 2017. Projeto Final de Mestrado (Mestre) - Universidade de Lisboa, [S. l.], 2017.

SIEBERT, Claudia. Resiliência urbana: planejando as cidades para conviver com fenômenos climáticos extremos. VI Encontro Nacional da Anppas, Belém, 2012.

WRI Brasil Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades. [S. l.], 16 ago. 2022. Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/projetos/acelerador-de-solucoes-baseadas-na-natureza-em-cidades. Acesso em: 2 maio 2024.

YOUNG, Carlos Eduardo Frickmann et al. A questão ambiental no esquema centro-periferia. Economia, v. 4, n. 2, p. 201-221, 2003.


1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected]

2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected]