AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL DURANTE A FORMAÇÃO DOCENTE

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15502419


Anna Júllia Martuchelli1
Atila Barros2


RESUMO
Esta pesquisa examina a importância da afetividade no desenvolvimento integral da criança na Educação Infantil, enfatizando sua inserção como eixo estruturante da formação docente. A ausência de vínculos afetivos no cotidiano escolar compromete a aprendizagem, a autoestima e as relações sociais das crianças, especialmente quando os educadores não estão preparados emocionalmente. A base teórica apoia-se em Vygotsky (1991), Wallon (2007), Pestalozzi e Freire (1996), que reconhecem a afetividade como elemento essencial à cognição, à ética e à prática pedagógica. À luz de Foucault (1977, 2008), a escola é compreendida como espaço de normalização, onde o afeto é reprimido por discursos técnico-disciplinares. Inserir a afetividade como categoria epistemológica é romper com essa lógica, instaurando uma prática docente humanizada e sensível.
Palavras-chave: Afetividade; Formação docente; Educação infantil; Desenvolvimento infantil; Prática pedagógica humanizada.

ABSTRACT
This research examines the importance of affectivity in the integral development of children in Early Childhood Education, emphasizing its inclusion as a structural axis in teacher training. The absence of affective bonds in the school environment compromises learning, self-esteem, and children's social relationships, especially when educators are not emotionally prepared. The theoretical framework is based on Vygotsky (1991), Wallon (2007), Pestalozzi, and Freire (1996), who recognize affectivity as essential to cognition, ethics, and pedagogical practice. From Foucault's perspective (1977, 2008), the school operates as a space of normalization, where affect is often suppressed by technical-disciplinary discourses. To reposition affectivity as an epistemological category is to break with this logic, establishing a more humanized and sensitive teaching practice.
Keywords: Affectivity; Teacher training; Early childhood education; Child development; Humanized pedagogical practice.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa emerge da análise crítica das recorrentes manifestações de carência afetiva no espaço escolar e suas repercussões estruturais no desenvolvimento integral da criança. Parte-se da constatação de que a ausência de vínculos emocionais consistentes afeta negativamente não apenas o processo de aprendizagem, mas também a constituição da autoestima, da segurança subjetiva e das relações interpessoais na infância. Quando a escola — instância primária de socialização — não se configura como espaço afetivamente estruturado, ou quando seus agentes não possuem formação para lidar com as dimensões emocionais da infância, institui-se um ambiente que perpetua desigualdades simbólicas e hierarquias afetivas, agravando a exclusão subjetiva dos sujeitos em formação.

A análise fundamenta-se nas contribuições teóricas de Henri Wallon, Lev Vygotsky, Johann Heinrich Pestalozzi e Paulo Freire, cujas obras enfatizam a inseparabilidade entre emoção, cognição e ética na construção do conhecimento. Wallon (2007) compreende a emoção como condição inaugural da atividade cognitiva, defendendo a articulação entre corpo, afeto e pensamento como núcleo do desenvolvimento. Vygotsky (1991), por sua vez, insere a afetividade no cerne das interações sociais mediadas, afirmando que "toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes: primeiro no plano social, depois no plano psicológico". Pestalozzi propõe a educação do “coração, da cabeça e das mãos”, antecipando uma pedagogia integral. Freire (1996), por fim, sustenta que “ensinar exige afeto”, convocando o educador a assumir uma postura ética, dialógica e humanizadora, em oposição ao tecnicismo desumanizador.

Do ponto de vista genealógico, a escola moderna pode ser interpretada, à luz de Michel Foucault, como uma tecnologia de poder que atua na constituição dos corpos infantis através da disciplina e da normatização. Em Vigiar e Punir (1977), Foucault descreve como as instituições educativas se organizam enquanto dispositivos de captura, orientados pela lógica da vigilância e da docilização dos corpos. Nesse contexto, a afetividade é sistematicamente deslegitimada em nome da neutralidade racional, funcional à manutenção de uma pedagogia normativa, centrada no adestramento da criança para a obediência. Como adverte o autor, "não se trata de excluir o afeto, mas de sujeitá-lo ao regime do saber-poder" (Foucault, 1977).

Inserida nessa malha de saberes e poderes, a formação docente reproduz, muitas vezes, uma racionalidade técnico-instrumental que invisibiliza as dimensões emocionais do ato educativo. O apagamento da afetividade como categoria epistemológica constitui, assim, uma forma de violência simbólica, que contribui para a reificação dos sujeitos infantis. Como observa Foucault (2008), a biopolítica moderna opera sobre a vida nua — e, nesse caso, sobre a infância como território de gestão dos afetos, dos corpos e dos comportamentos. Diante dessa conjuntura, torna-se imperativo repensar os paradigmas formativos que sustentam a prática pedagógica. A negligência das competências socioemocionais e da escuta sensível acarreta não apenas o empobrecimento da relação pedagógica, mas também a intensificação de crises afetivas, evasão escolar e desengajamento coletivo. Estudos em psicologia do desenvolvimento e neurociência educacional têm demonstrado que ambientes desprovidos de afetividade impedem a expressão do potencial cognitivo e emocional da criança, resultando em traumas que se prolongam até a idade adulta. A vulnerabilidade de alunos em contextos de negligência, abandono e violência familiar torna ainda mais urgente a instituição de uma cultura escolar que acolha, escute e valorize emocionalmente seus sujeitos. A escola, nesse sentido, precisa ser concebida como espaço ético de cuidado e mediação, onde o afeto não seja reduzido a traço subjetivo do professor, mas compreendido como competência formativa, capaz de transformar a educação em um projeto emancipador. Reivindicar o afeto como parte do currículo docente é, portanto, um gesto político que desestabiliza a lógica meritocrática, classificatória e normativa da escola moderna. Educar com afeto é recusar o modelo da pedagogia disciplinar para afirmar, como diria Freire (1996), uma pedagogia da esperança, fundada no amor, no diálogo e na radicalidade ética do encontro.

Repensar a centralidade da afetividade na prática pedagógica constitui um ato de resistência contra a lógica da racionalidade neoliberal que permeia a formação docente contemporânea. Trata-se de deslocar o afeto do campo da espontaneidade individual para o centro do projeto político-educativo, instituindo a escola como território de subjetivação, não de adestramento. Em sintonia com a crítica foucaultiana, urge substituir os dispositivos de controle por práticas de escuta, cuidado e reconhecimento, que contribuam para a constituição de sujeitos autônomos, críticos e eticamente implicados com a construção de uma sociedade mais justa.

MANIFESTAÇÕES DE CARÊNCIA AFETIVA NO ESPAÇO ESCOLAR E SUAS REPERCUSSÕES ESTRUTURAIS NO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL DA CRIANÇA

O espaço escolar, mais do que um local de transmissão de conteúdos acadêmicos, é um ambiente que favorece o desenvolvimento emocional, social e cognitivo da criança. Dentre os fatores que impactam diretamente o processo de aprendizagem e crescimento das crianças, destaca-se a questão da carência afetiva, que se manifesta de maneiras diversas e pode ter repercussões profundas no desenvolvimento integral do indivíduo. Este ensaio se propõe a explorar as manifestações de carência afetiva no contexto escolar e suas repercussões estruturais no desenvolvimento integral da criança, a partir da perspectiva teórica de Lev Vygotsky, um dos principais psicólogos do desenvolvimento, cujas obras iluminam a relação entre o afeto, o ambiente social e o desenvolvimento psicológico superior.

Carência afetiva é um conceito que se refere à falta de suporte emocional e afetivo, essencial para a formação do ser humano em sua totalidade. No contexto escolar, essa carência pode se manifestar de diversas formas, como o comportamento de indiferença ou agressividade, a dificuldade de estabelecer vínculos interpessoais saudáveis e a retração emocional, entre outras expressões de dificuldades afetivas. A ausência de um ambiente afetivo seguro e acolhedor pode comprometer não apenas a aprendizagem cognitiva, mas também as capacidades sociais e emocionais da criança, elementos fundamentais para o seu desenvolvimento integral. Vygotsky, ao discutir o desenvolvimento psicológico da criança, enfatiza a ideia de que o ser humano é um ser eminentemente social, cuja mente se forma por meio das interações sociais e da mediação cultural. Para o psicólogo russo, a aprendizagem não é um fenômeno isolado, mas sim uma construção que ocorre no contato com o outro, mediada por instrumentos simbólicos, como a linguagem. Nesse contexto, a carência afetiva no ambiente escolar pode ser compreendida como um fator limitante para o processo de internalização de funções psicológicas superiores. A escola, enquanto instituição que deveria ser um espaço de socialização e troca, torna-se, para essas crianças, um campo de estagnação emocional e cognitiva.

A teoria de Vygotsky se baseia na premissa de que o desenvolvimento humano é essencialmente um processo social. Em "A Formação Social da Mente" (1998), Vygotsky descreve como a interação social é fundamental para a formação do pensamento humano. Para ele, o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores ocorre de maneira dialética, isto é, por meio da interação entre o indivíduo e seu ambiente social. O afeto, enquanto parte integrante dessa interação, desempenha um papel central na construção da mente humana, pois é por meio de relações afetivas que as crianças aprendem a organizar suas emoções, pensamentos e comportamentos. Em seu trabalho "Pensamento e Linguagem" (1987), Vygotsky argumenta que o desenvolvimento linguístico e cognitivo está intimamente ligado ao contexto social e afetivo em que a criança se encontra. A linguagem, enquanto instrumento fundamental do pensamento, não se desenvolve isoladamente, mas dentro de um contexto relacional que envolve o afeto. Nesse sentido, a carência afetiva no ambiente escolar pode afetar o desenvolvimento da linguagem, limitando a capacidade da criança de construir significados e de se expressar de forma plena. Isso ocorre porque a aprendizagem não se dá apenas pela exposição a conteúdos cognitivos, mas pela mediação afetiva que facilita a internalização de conceitos e normas sociais.

A abordagem de Vygotsky destaca que o afeto no espaço escolar vai além da construção de vínculos de amizade ou respeito entre professor e aluno. Ele é essencial para a construção de uma base emocional sólida que permita ao indivíduo enfrentar os desafios do desenvolvimento cognitivo e social. Quando o afeto está ausente ou é insuficiente, a criança tem dificuldades de aprender com os outros, de compreender e internalizar as normas sociais e de desenvolver um senso de pertencimento, o que compromete seu desenvolvimento integral. O desenvolvimento integral da criança abrange não apenas a aprendizagem cognitiva, mas também o desenvolvimento emocional, social e ético. A carência afetiva no ambiente escolar tem repercussões profundas nesse processo, afetando a capacidade da criança de se relacionar com os outros, de desenvolver autoestima e de compreender o mundo à sua volta. O desenvolvimento emocional, muitas vezes negligenciado nas abordagens educacionais tradicionais, é essencial para a formação de uma personalidade saudável e para o desenvolvimento de habilidades sociais.

Segundo Vygotsky, a internalização de processos psicológicos superiores, como a linguagem, a memória e o pensamento abstrato, depende de um processo de mediação social que ocorre por meio das interações com os outros. A ausência de um ambiente afetivo positivo pode, portanto, levar a defasagens no desenvolvimento dessas capacidades. Além disso, a falta de vínculos afetivos adequados pode resultar em dificuldades de aprendizagem, pois a criança não é capaz de estabelecer a confiança necessária para se engajar plenamente no processo educativo. Ela pode desenvolver uma resistência à escola, ao conhecimento e até mesmo à formação de novas relações, prejudicando seu desenvolvimento emocional e social. O filósofo Michel Foucault, ao discutir as relações de poder e controle no espaço escolar, aponta como as instituições educacionais moldam as subjetividades dos indivíduos. No contexto da carência afetiva, a escola pode tornar-se um espaço de exclusão emocional, onde as crianças se veem como "objetos" do sistema educacional, sem a possibilidade de construção de sua identidade plena. Foucault, em obras como "Vigiar e Punir" (1975), discute como a estrutura escolar pode operar como uma "máquina" de normalização que inibe a expressão plena da individualidade, sobretudo quando o espaço escolar não favorece o desenvolvimento emocional e afetivo da criança.

A "formação social da mente", conceito central nas obras de Vygotsky, destaca a importância das interações sociais na construção das funções psicológicas superiores. A mente humana, para Vygotsky, não se desenvolve isoladamente, mas é construída socialmente, por meio de uma interação contínua com o ambiente e os outros. Em "A Formação Social da Mente" (1998), ele afirma que o sujeito, ao internalizar significados, depende de um contexto cultural e afetivo para construir seu pensamento. A carência afetiva, portanto, limita essa construção, pois impede a criança de se engajar plenamente nas interações sociais que favorecem o desenvolvimento cognitivo. No contexto escolar, isso se reflete na dificuldade da criança em estabelecer relações significativas com os outros, sejam eles colegas ou professores. A criança que não recebe o apoio emocional necessário não consegue estabelecer um "diálogo interior", fundamental para o desenvolvimento da consciência de si mesma e do mundo. Isso tem repercussões não apenas no aspecto acadêmico, mas na formação de uma identidade sólida e na capacidade de lidar com os desafios da vida social.

A carência afetiva no ambiente escolar é um tema de extrema relevância, especialmente no contexto contemporâneo, onde as pressões externas sobre as crianças e adolescentes aumentam e as escolas, muitas vezes, não conseguem oferecer o apoio emocional adequado. A compreensão das manifestações de carência afetiva e suas repercussões estruturais no desenvolvimento integral da criança é essencial para repensar as práticas pedagógicas e a formação dos educadores. A teoria de Vygotsky nos oferece uma ferramenta valiosa para compreender a importância do afeto no processo educativo e as consequências de sua ausência. A escola deve ser vista como um espaço de mediação, onde não apenas o conteúdo cognitivo é transmitido, mas onde as crianças aprendem a se relacionar, a lidar com suas emoções e a construir sua identidade. Quando o ambiente escolar é marcado pela carência afetiva, estamos diante de um problema estrutural que compromete o desenvolvimento integral das crianças e sua inserção plena na sociedade. A reflexão crítica sobre o tema nos leva a questionar as práticas educacionais e a urgência de uma educação mais sensível às necessidades afetivas dos alunos, a fim de promover um desenvolvimento integral que leve em consideração o ser humano em sua totalidade. Assim, a educação deve ser repensada como um processo que integra a dimensão emocional e afetiva, essencial para o crescimento humano.

MÉTODO

A presente investigação configura-se como um estudo de natureza qualitativa, sustentado por uma abordagem teórico-reflexiva com ênfase metodológica na pesquisa bibliográfica sistematizada. O objeto de análise, a afetividade no contexto escolar, demanda uma apreensão epistemológica que extrapola os limites da quantificação empírica, exigindo, portanto, um arcabouço metodológico capaz de captar a complexidade simbólica, relacional e subjetiva que permeia as interações entre educadores e educandos. Ao priorizar a compreensão profunda dos sentidos atribuídos à experiência afetiva no campo educacional, esta pesquisa busca compreender os modos pelos quais tais relações influenciam o desenvolvimento global da criança, especialmente na primeira infância.

A escolha metodológica justifica-se pela natureza do fenômeno investigado, cuja densidade exige a articulação entre teorias pedagógicas e psicológicas que historicizam o papel da afetividade na constituição do sujeito. Assim, a pesquisa se ancora em um referencial teórico que privilegia as contribuições fundantes de autores como Paulo Freire, Lev Semenovich Vygotsky, Henri Wallon e Johann Heinrich Pestalozzi, pensadores que, cada qual a seu modo, conferem centralidade à dimensão afetiva no processo educativo.

Vygotsky (2001), ao elaborar sua teoria histórico-cultural do desenvolvimento, afirma que as funções psicológicas superiores são formadas mediadas por signos e pelas relações sociais, sendo o afeto um elemento integrador da consciência. Em consonância, Wallon (2007) propõe uma leitura integrada das esferas afetiva e cognitiva, recusando qualquer dicotomia entre emoção e razão no processo formativo. Freire (1996), por sua vez, confere ao afeto uma função política e ética, associando o ato de educar ao ato de amar — um amor que se expressa no diálogo, na escuta e no reconhecimento do outro como sujeito de direitos. Já Pestalozzi antecipa, em sua pedagogia tríade — mente, coração e mãos, uma proposta de educação total, que articula saber, sensibilidade e ação.

A presente pesquisa, portanto, tem como objetivo analisar, à luz desses referenciais, de que maneira a afetividade pode e deve ser integrada à formação docente e às práticas pedagógicas, a fim de constituir ambientes escolares que promovam o desenvolvimento integral da criança em suas múltiplas dimensões: cognitiva, emocional, ética e relacional. A metodologia adotada permitiu estabelecer conexões analíticas entre os fundamentos teóricos e as práticas observáveis no contexto da Educação Infantil, desvelando as tensões entre discursos técnico-instrumentais e demandas subjetivas e afetivas no espaço escolar. Com isso, a investigação contribui para a construção de um olhar crítico e comprometido com a humanização da educação desde seus primeiros ciclos. Nesse sentido, pensar a afetividade como categoria pedagógica é também um gesto de resistência frente às racionalidades hegemônicas que operam pela neutralização das emoções, pela abstração da subjetividade e pela padronização dos vínculos pedagógicos. É afirmar, como sugere Freire (1996), que "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo" — e esse mundo, para ser educativo, precisa ser também afetivo, sensível e ético.

O PAPEL DO AFETO NA CONSTRUÇÃO INTEGRAL

A afetividade ocupa um papel estrutural no processo de constituição subjetiva da criança, interferindo decisivamente na qualidade dos vínculos que esta estabelece com adultos, pares e com o próprio ambiente escolar. Longe de constituir um elemento periférico da experiência educativa, o afeto revela-se como condição fundante para o desenvolvimento de competências emocionais, cognitivas, éticas e relacionais, articulando-se à construção da confiança, da autoestima, da autonomia e do senso de pertencimento. Em um contexto escolar onde a criança é reconhecida, valorizada e escutada, emergem condições favoráveis ao reconhecimento de suas emoções, bem como à sua capacidade de nomeá-las, expressá-las e regulá-las de forma saudável. Tal reconhecimento é central na constituição de uma subjetividade capaz de interagir de modo empático com o outro, numa lógica de reciprocidade afetiva.

A perspectiva vygotskiana (1991) reconhece que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores ocorre no interior de contextos sociais mediados, nos quais o afeto é um dos elementos reguladores da mediação simbólica. A emoção, nessa chave, não é externa ao processo cognitivo, mas sua condição histórica. Wallon (2007), ao propor uma abordagem psicogenética da infância, defende a inseparabilidade entre emoção e inteligência, alertando que o sentir precede o compreender. Já para Pestalozzi (2000), o processo educativo deve integrar mente, coração e mãos, ou seja, razão, sensibilidade e ação, como um todo orgânico, negando qualquer fragmentação da experiência formativa. Essa tradição converge para a ideia de que o vínculo afetivo não apenas favorece o desenvolvimento de habilidades cognitivas, mas também constitui o alicerce de uma ética do cuidado e do reconhecimento. Na dimensão biológica, as contribuições da neurociência têm corroborado essa hipótese ao demonstrar que a presença contínua de estímulos afetivos positivos ativa áreas do cérebro responsáveis pela aprendizagem, atenção e memória. O contato afetuoso desencadeia a liberação de neurotransmissores como a oxitocina, que facilita a formação de conexões neuronais estáveis, condição imprescindível para o fortalecimento da memória de longo prazo e do processamento emocional. No entanto, como demonstra a literatura especializada, não basta a presença eventual do afeto: é sua consistência, qualidade e intencionalidade pedagógica que determinam seus efeitos sobre o desenvolvimento psíquico e social da criança.

Essa compreensão amplia-se quando observamos o papel da afetividade na formação de sujeitos sociais éticos, capazes de respeitar diferenças, resolver conflitos por meio do diálogo e conviver de forma cooperativa. O convívio afetivo mediado por práticas pedagógicas sensíveis ensina a criança a compartilhar, a esperar sua vez e a reconhecer os direitos do outro. O desenvolvimento de tais competências, empatia, alteridade, escuta e negociação, configura-se como pilar da vida democrática e da coesão social.

Do ponto de vista foucaultiano, entretanto, essa valorização da afetividade exige uma ruptura com o modelo de escola tradicional, marcada por dispositivos disciplinares que regulam condutas e produzem subjetividades normalizadas. Em Vigiar e Punir (1975), Michel Foucault descreve como a instituição escolar, ao longo da modernidade, se consolidou como instrumento de docilização dos corpos e normatização das emoções. O afeto, nesse contexto, é sistematicamente neutralizado ou patologizado, pois representa uma ameaça à ordem racional e à previsibilidade exigida pelo poder disciplinar. "O corpo é diretamente captado pela política, moldado por dispositivos que o tornam útil e obediente" (Foucault, 1975, p. 141). Tal concepção aponta para o risco de se perpetuar uma pedagogia tecnicista, que marginaliza a dimensão afetiva sob a alegação de objetividade e eficácia.

Reconfigurar o papel da afetividade na prática docente, portanto, não significa romantizar o cuidado, mas reposicionar o afeto como uma prática ética, política e epistemológica. Como destaca Foucault (2008), o exercício do cuidado de si — epimeleia heautou — é condição para o governo de si e dos outros. A escuta atenta, o respeito à singularidade e a abertura ao outro tornam-se elementos de uma pedagogia que emancipa, e não adestra. Nesse sentido, o reconhecimento da criança como sujeito de direitos, conforme estabelece a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), exige que suas opiniões sejam consideradas nos processos decisórios, o que implica compreender a escuta afetiva como um direito e uma mediação pedagógica essencial. É nesse horizonte que a afetividade transcende o campo das emoções e se afirma como eixo estruturante da formação humana. A escola, idealizada por Pestalozzi como extensão do lar, deve configurar-se como território ético-estético de acolhimento, proteção e amor. Ao integrar os valores do cuidado, da escuta sensível e da reciprocidade afetiva, a instituição educativa contribui para o desenvolvimento de sujeitos críticos, sensíveis e comprometidos com a transformação do mundo que habitam.

A urgência de repensar o lugar da afetividade no campo educacional não decorre apenas de uma exigência subjetiva, mas de uma necessidade política e epistemológica. Integrar o afeto à prática pedagógica é resistir às racionalidades neoliberais que instrumentalizam a educação e esvaziam de sentido o vínculo entre ensinar e cuidar. Como adverte Foucault (1995), “todo regime de verdade é também um regime de poder”. Reivindicar o afeto é, assim, interrogar os dispositivos que regulam o que pode ser dito, sentido e vivido na escola. É promover uma outra economia dos afetos — não disciplinadora, mas emancipadora.

A AFETIVIDADE NA INFÂNCIA: IMPLICAÇÕES PSICOSSOCIAIS, COGNITIVAS E ÉTICAS

A ausência de afetividade nos anos iniciais da vida não representa apenas um hiato no plano emocional, mas inaugura uma série de prejuízos estruturais que incidem diretamente sobre o processo de desenvolvimento global da criança. Inserida em contextos familiares marcados pela negligência, rejeição, instabilidade ou violência simbólica, a infância encontra-se exposta a experiências psíquicas adversas que, na maioria das vezes, ultrapassam o campo do sofrimento subjetivo para interferir na formação da personalidade, na construção da autoimagem e na capacidade de regulação emocional. A carência afetiva reiterada se manifesta, com frequência, em comportamentos regressivos, baixa autoestima, dificuldades de aprendizagem, agressividade, isolamento e desengajamento social. A psicogênese da afetividade, conforme desenvolvida por Henri Wallon (2007), estrutura-se na ideia de que o sentir é anterior ao pensar, sendo a emoção a primeira forma de relação entre o bebê e o mundo. Ao afirmar que “a afetividade domina toda a psicologia da criança”, Wallon confere às emoções o estatuto de mediadoras primárias entre as necessidades orgânicas e os elementos do meio, compondo a base sobre a qual se erguerão as funções intelectuais superiores. Em consonância, Lev Vygotsky (2007) sustenta que o desenvolvimento das funções psíquicas superiores — como linguagem, memória, atenção voluntária e pensamento lógico — ocorre por meio de interações sociais mediados por signos e significados. Quando essas interações são privadas de calor afetivo, a criança encontra barreiras concretas para a internalização simbólica, dificultando tanto o engajamento cognitivo quanto o amadurecimento emocional. O afeto, portanto, não pode ser concebido como mero ornamento relacional. Ele opera como categoria fundante da experiência humana desde a infância, atravessando as dimensões cognitiva, moral, social e política. Do ponto de vista moral, a ausência de vínculos afetivos consistentes compromete a internalização de valores como solidariedade, empatia e cooperação, pois é por meio do afeto que a criança aprende a se reconhecer no outro. No plano social, a negligência afetiva reiterada pode desencadear comportamentos antissociais, mecanismos de defesa regressivos e dificuldades crônicas de interação. No plano cognitivo, observa-se a ocorrência de atrasos no desenvolvimento da linguagem, bloqueios simbólicos, redução da curiosidade exploratória e desmotivação diante de desafios escolares.

O campo das neurociências oferece contribuições relevantes ao demonstrar que ambientes afetivamente seguros são responsáveis pela ativação de circuitos neuronais relacionados à aprendizagem, memória e regulação emocional. A produção de neurotransmissores como a oxitocina, estimulada por interações de cuidado, constitui um dos fatores biológicos que facilitam o fortalecimento de redes sinápticas, consolidando a memória de longo prazo e ampliando a capacidade de autorregulação. Assim, os prejuízos provocados por um ambiente emocionalmente negligente não são apenas psíquicos e relacionais, mas também estruturais, afetando diretamente a arquitetura cerebral.

Sob uma perspectiva foucaultiana, a ausência de afeto pode ser lida como produto de uma racionalidade moderna que, ao instituir a escola como dispositivo disciplinar, subordinou o corpo infantil a um regime de regulação e normalização. Em Vigiar e punir (1975), Foucault analisa como o poder disciplinar fragmenta, observa e corrige o corpo para torná-lo útil e obediente. Nessa lógica, as emoções são entendidas como obstáculo ao controle, devendo ser suprimidas ou redirecionadas. O afeto, nesse contexto, não é apenas deslegitimado, mas convertido em ruído, em excesso. Como expressa Foucault (1995), os saberes pedagógicos modernos instituem "regimes de verdade" que definem o que pode ser dito, sentido e vivido no espaço escolar. O silenciamento da afetividade, assim, integra uma estratégia de poder que visa produzir subjetividades conformadas ao modelo racional-técnico do sujeito moderno. É nesse sentido que a afetividade deve ser compreendida não apenas como um imperativo psíquico, mas como uma prática de resistência à normatividade. Reivindicar o afeto como categoria pedagógica é confrontar os dispositivos de controle que historicam a infância como um tempo de preparação para a obediência e para a produtividade. A escuta sensível, a presença afetiva e o cuidado são, portanto, formas de reencantar a escola e restituí-la como espaço de produção de subjetividades singulares e emancipatórias.

FORMAÇÃO DOCENTE PARA O ACOLHIMENTO E PROMOÇÃO DE VÍNCULOS AFETIVOS 

A formação docente, quando considerada sob a ótica do acolhimento e da promoção de vínculos afetivos, implica uma compreensão ampliada da escola enquanto um espaço que vai além da simples transmissão de saberes, configurando-se como um ambiente de trocas humanas, emocionais e sociais. Nesse contexto, a afetividade, frequentemente negligenciada na formação dos professores, deve ser entendida como um componente intrínseco ao processo de ensino-aprendizagem, sendo essencial para a construção de relações pedagógicas mais humanizadas e eficazes. Em uma época em que a técnica e o saber acadêmico são muitas vezes priorizados em detrimento das dimensões emocionais da educação, torna-se urgente repensar a prática pedagógica de modo a incorporar a afetividade como um pilar fundamental no processo de ensino e aprendizagem.

Segundo Paulo Freire (1996), educar não consiste em transferir um conjunto de conhecimentos de forma estanque e autoritária, mas sim em criar as condições para que o saber seja construído coletivamente, em um movimento dialético entre educador e educando. O autor vai além da visão tradicional de ensino, ao defender que a prática pedagógica deve romper com uma lógica autoritária e conteudista, caracterizada pela imposição de conteúdos, para dar espaço a um ambiente que compreenda o educador como mediador sensível e comprometido com o desenvolvimento integral dos sujeitos. Nesse sentido, a afetividade emerge como um elemento central, pois é por meio dela que o educador estabelece um vínculo com o aluno, permitindo que este se sinta acolhido e, consequentemente, mais disposto a aprender. É necessário, portanto, que o educador vá além de sua função técnica e assuma um papel formativo, que implica acolher, escutar e compreender os sujeitos com quem interage. A afetividade não pode ser encarada como um acessório do processo de ensino, mas sim como um fator central na constituição das relações que tornam a aprendizagem possível. Como destaca Freire (1997), a afetividade é o espaço onde transitam sentimentos, medos, angústias e alegrias — dimensões emocionais que os alunos carregam consigo e que se intensificam no ambiente escolar. Ao reconhecer essas emoções, o educador tem a oportunidade de perceber que manifestações comportamentais, como desatenção ou agitação, muitas vezes indicam falhas na mediação pedagógica, e não simples distúrbios a serem reprimidos. Assim, a prática pedagógica deve ser transformada em um processo no qual a empatia, a escuta ativa e a construção de vínculos afetivos são fundamentais para o sucesso do processo educativo.

A teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), elaborada por Lev Vygotsky (1991), reforça a importância do vínculo afetivo na prática pedagógica. Vygotsky demonstra que a aprendizagem ocorre de forma mais eficaz quando o educador atua como mediador atento, considerando não apenas os aspectos cognitivos do aluno, mas também suas condições emocionais. A afetividade, nesse contexto, desempenha um papel de catalisador no processo de aprendizagem, podendo tanto potencializar quanto bloquear o desenvolvimento do aluno. O professor afetivamente disponível, que se compromete com o bem-estar emocional do educando, facilita o processo de transição entre o que o aluno já é capaz de realizar por si mesmo e o que pode conquistar com o apoio adequado, tornando a aprendizagem mais significativa. Importante destacar, também, que as emoções não devem ser vistas como obstáculos à racionalidade, mas sim como parte integrante dela. Nesse sentido, a prática pedagógica se transforma quando o professor se empenha em ensinar com afeto, se dedica a acompanhar o aluno com sensibilidade e se torna uma figura de referência afetiva. Quando a razão e a emoção se entrelaçam na relação pedagógica, o ambiente escolar torna-se um espaço de aprendizagem integral, no qual o interesse pelo saber é despertado de forma mais profunda. Nesse sentido, a afetividade não se limita a um componente emocional do ensino, mas se configura como um elemento estruturante da própria relação educativa.

Pestalozzi (1976), ao abordar a educação, destaca a importância de respeitar o desenvolvimento emocional e cognitivo da criança, reconhecendo suas necessidades, aptidões e ritmos individuais. A infância, em sua visão, é uma fase peculiar da vida, que exige cuidado, empatia e atenção aos processos emocionais do sujeito. Nesse sentido, o professor não deve ser apenas um transmissor de saberes, mas uma figura afetiva que compreende a criança em sua totalidade — corpo, mente e coração. Ao fazer isso, o educador contribui para o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades humanas, conferindo à educação um caráter verdadeiramente formador e humano. A afetividade, nesse contexto, é o elo que une as dimensões intelectuais, morais e físicas do sujeito, permitindo que o processo educativo se torne mais completo e integrado.

Henri Wallon, por sua vez, desenvolve uma teoria centrada no papel das emoções no desenvolvimento infantil. Para Wallon (2007), a afetividade constitui a primeira via de relação da criança com o mundo. Antes mesmo da linguagem ou da razão, são as emoções que permitem à criança estabelecer seus primeiros vínculos com os outros e com o ambiente que a cerca. Dessa forma, a escola deve ser entendida como um espaço relacional, no qual as emoções desempenham um papel crucial na formação do sujeito, e o professor, como mediador afetivo, exerce uma função fundamental nesse processo. Um educador emocionalmente disponível é capaz de criar um clima de confiança e respeito, fatores essenciais para o desenvolvimento integral do aluno. Essa perspectiva exige que a formação docente seja repensada, incluindo de forma estruturada a dimensão afetiva da prática pedagógica. A capacitação dos professores para lidar com as questões emocionais que permeiam o cotidiano escolar não deve ser vista como um luxo ou um adendo, mas como uma necessidade fundamental para que o educador possa cumprir seu papel de formador de cidadãos críticos, autônomos e emocionalmente equilibrados. O educador que é capaz de acolher, compreender e estabelecer vínculos afetivos com seus alunos contribui para um processo de aprendizagem mais profundo e para a formação de indivíduos mais completos, éticos e socialmente responsáveis.

Por fim, é indispensável ressaltar que a formação docente deve integrar não apenas os aspectos técnicos e pedagógicos, mas também o desenvolvimento de competências socioemocionais. A escuta ativa, a capacidade de acolher a diversidade de experiências e emoções, e a construção de vínculos positivos com os alunos são qualidades essenciais para o exercício da docência em uma escola que busca ser humanizadora. Como destaca Wallon (2007), a afetividade é a primeira forma de relação da criança com o mundo, e cabe ao educador, portanto, compreender a complexidade das emoções no processo educativo e se preparar para acolher as diversas necessidades que os alunos trazem consigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada no âmbito desta investigação permitiu afirmar de maneira contundente que a afetividade ocupa um papel efetivo no processo de ensino-aprendizagem, sendo um elemento constitutivo fundamental para o desenvolvimento integral da criança. Compreender a afetividade como parte intrínseca da prática pedagógica e da formação docente é reconhecer que o processo educativo transcende a simples transmissão de conteúdos acadêmicos, envolvendo, antes de tudo, uma interação profunda e contínua entre razão e emoção, entre conhecimento e sentimentos, entre sujeito e ambiente. Ao enfocar a afetividade, esta pesquisa reflete sobre a natureza das relações humanas no espaço escolar e sua relevância para a formação de sujeitos críticos, sensíveis e emocionalmente equilibrados.

Observou-se que uma parcela significativa dos docentes que ingressam nas salas de aula não possui a preparação adequada para lidar com as dimensões emocionais e afetivas dos alunos. Este déficit de formação afeta não só o desempenho acadêmico, mas também compromete aspectos igualmente essenciais ao desenvolvimento educacional, como a autoestima, a segurança emocional e as relações interpessoais entre educadores e educandos. Em vista disso, torna-se patente a necessidade de se repensar a formação docente, buscando incorporar a dimensão afetiva como um eixo estruturante da prática educativa. Isso implica não apenas em uma reformulação nos currículos, mas também na valorização da pedagogia do cuidado, no desenvolvimento das competências socioemocionais dos professores e no incentivo à escuta ativa, como práticas fundamentais para a construção de ambientes de aprendizagem mais humanos e inclusivos. As contribuições teóricas de autores fundamentais como Paulo Freire, Lev Vygotsky, Henri Wallon e Johann Heinrich Pestalozzi foram cruciais para o aprofundamento da análise e para o entendimento de que a aprendizagem não se reduz a um processo puramente racional ou técnico. Ao contrário, ela emerge da interação complexa entre as dimensões cognitivas e emocionais do ser humano. Para Freire (1996), a educação deve ser entendida como um processo dialógico e coletivo, em que o educador, ao mediar o saber, não deve se limitar a transferir conteúdos, mas deve criar as condições necessárias para que o educando construa seu próprio conhecimento, a partir de sua vivência, emoções e contexto. A afetividade, nesse processo, assume um papel central, pois a educação se dá, primeiramente, na construção de vínculos humanos e afetivos que possibilitam a aprendizagem significativa.

Lev Vygotsky (1998), por sua vez, introduz a noção de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que destaca a importância da mediação do educador no processo de aprendizagem, levando em consideração as condições emocionais e afetivas dos alunos. Segundo Vygotsky, a aprendizagem se torna mais eficaz quando o educador está atento ao contexto emocional do estudante, pois a afetividade pode tanto mobilizar quanto bloquear o processo cognitivo. Nesse sentido, o educador deve ser visto como um mediador afetivo, capaz de compreender a criança em sua totalidade e de criar ambientes de aprendizagem que favoreçam a expressão e a validação das emoções.

Henri Wallon (2007) também nos oferece uma contribuição valiosa ao enfatizar que a afetividade é o primeiro meio pelo qual a criança estabelece relações com o mundo. Para Wallon, as emoções não são obstáculos ao desenvolvimento cognitivo, mas sim uma via primária para o estabelecimento de vínculos sociais e afetivos que são fundamentais para o processo de aprendizagem. A teoria de Wallon reforça a necessidade de que o educador compreenda as emoções como um componente essencial da construção do saber, pois elas influenciam diretamente a forma como os alunos se relacionam com os conteúdos e com os outros.

Pestalozzi (2000), por sua vez, defende que o educador deve respeitar os estágios de desenvolvimento da criança, levando em conta suas necessidades emocionais e cognitivas. A educação, para Pestalozzi, não deve ser entendida apenas como a transmissão de conhecimentos abstratos, mas como o desenvolvimento harmônico das faculdades humanas em sua totalidade, que inclui as dimensões intelectuais, morais e físicas. A afetividade, neste contexto, não é um componente secundário ou acessório, mas sim um elo fundamental entre as diferentes dimensões do ser humano, conferindo à educação uma abordagem mais integral e humanizada.

A pesquisa também destacou o papel da escola como um espaço de compensação afetiva, especialmente para crianças em situação de vulnerabilidade social e emocional. Nos primeiros anos de escolarização, a escola pode atuar como um ambiente de acolhimento e de suporte emocional, proporcionando uma compensação para as carências afetivas que muitas crianças podem enfrentar em seus contextos familiares. No entanto, para que a escola exerça essa função compensatória de maneira efetiva, é essencial que os profissionais da educação sejam capacitados para reconhecer e lidar com as necessidades emocionais de seus alunos, promovendo vínculos afetivos saudáveis e criando ambientes seguros e acolhedores para todos. Dessa maneira, torna-se urgente repensar os currículos de formação inicial e continuada de professores, incorporando de forma estruturada o ensino das competências socioemocionais, da escuta ativa e da pedagogia do cuidado. A inclusão desses conteúdos não se configura como uma mera opção pedagógica, mas como uma necessidade ética, diante da complexidade das demandas emocionais das crianças no contexto educacional contemporâneo. A formação docente, portanto, deve se expandir para além do domínio das disciplinas acadêmicas, englobando também o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais que permitem ao educador lidar de maneira sensível e eficaz com os desafios que o contexto escolar apresenta.

Investir na afetividade como princípio pedagógico e formativo significa resgatar o sentido mais profundo da educação: formar sujeitos críticos, autônomos, sensíveis e capazes de estabelecer relações baseadas no respeito, na empatia e na solidariedade. A afetividade não é um aspecto periférico ou opcional da educação, mas um elemento essencial que contribui para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e humana. Ao garantir que a formação docente inclua de maneira efetiva o cuidado com as dimensões emocionais e afetivas dos alunos, a escola reafirma seu compromisso com a educação integral e com a formação de cidadãos capazes de transformar a realidade de maneira crítica e construtiva.

A relevância deste tema se manifesta no contexto educacional contemporâneo, onde a formação docente, muitas vezes centrada na técnica e na racionalidade, precisa ser expandida para incluir as dimensões emocionais e afetivas do ser humano. Ao integrar a afetividade à formação docente, a educação se torna um processo mais holístico, capaz de desenvolver não apenas a cognição, mas também a ética, a sensibilidade e a capacidade de empatia, que são fundamentais para o exercício pleno da cidadania. A educação, portanto, não pode ser vista como uma simples transmissão de saberes, mas como um processo de formação integral do ser humano, que envolve tanto o intelecto quanto as emoções, constituindo-se como uma prática profundamente humana e social.

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1 Discente do Curso de Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis). E-mail: [email protected].

2 Docente dos Cursos de Pedagogia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Ciências da Computação (UNESA-RJ). Doutorando em Educação pela Universidade Nacional de Rosário (UNR-ARG). Mestrado em Educação (UNESA-RJ). MBA em Data Warehouse e Business Intelligence (FI - PR). Pós-Graduado em Engenharia de Software, Antropologia, Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Educação no Campo, Filosofia e Ciência da Religião (FAVENI-MG). Historiador pela Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP).