A INSTITUIÇÃO IMAGINÁRIA DA SOCIEDADE E A DEMOCRACIA RADICAL: REFLEXÕES A PARTIR DE CORNELIUS CASTORIADIS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15161334


Aline Sousa Bessa1
Daniele Sousa Bessa2


RESUMO
O presente artigo explora a ideias de Cornelius Castoriadis sobre a instituição imaginária da sociedade e a democracia radical. Castoriadis argumenta que as sociedades são construídas sobre significações imaginárias que influenciam a percepção e organização social. O autor critica as democracias representativas, pois, no seu ponto de vista, estas instituições limitam a participação cidadã. Sendo assim, ele propõe uma democracia radical baseada na autonomia e na participação contínua e efetiva dos cidadãos. O texto discute como as idieias de Castoriadis podem reformar as instituições democráticas atuais, sugerindo a necessidade de estruturas mais participativas e deliberativas onde a cidadania, de fato seja considerada. Analisa, ainda, as propostas de Castoriadis para uma democracia radical que leve em conta a participação contínua dos cidadãos nas tomadas de decisões políticas. O principal objetivo do artigo é demonstrar como as ideias de Cornelius Castoriadis pode nos conduzir e nos inspirar a um pensamento crítico sobre as instituições democráticas contemporâneas. Para alcançar as propostas do artigo, será empregada a metodologia a indutiva com enfoque qualitativo da pesquisa bibliográfica, permitindo a formulação mais precisa de problemas e a crição de novas hipóteses. As principais referências metodológicas são: Cornelius Castoriadis; Gaston Bachelard; Gilbert Duran e Charles Taylor.
Palavras-chave: Instituição imaginária. Sociedade. Democracia Radical. Cornelius Castoriadis.

ABSTRACT
This article explores Cornelius Castoriadis' ideas about the imaginary institution of society and radical democracy. Castoriadis argues that societies are built on imaginary meanings that influence perception and social organization. The author criticizes representative democracies because, in his point of view, these institutions limit citizen participation. Therefore, he proposes a radical democracy based on autonomy and the continuous and effective participation of citizens. The text discusses how Castoriadis' ideas can reform current democratic institutions, suggesting the need for more participatory and deliberative structures where citizenship is actually considered. It also analyzes Castoriadis' proposals for a radical democracy that takes into account the continuous participation of citizens in political decision-making. The main objective of the article is to demonstrate how Cornelius Castoriadis' ideas can lead and inspire us to critical thinking about contemporary democratic institutions. To achieve the article's proposals, inductive methodology will be used with a qualitative focus on bibliographical research, allowing for a more precise formulation of problems and the creation of new hypotheses. The main methodological references are: Cornelius Castoriadis; Gaston Bachelard; Gilbert Duran and Charles Taylor.
Keywords: Imaginary institution. Society. Radical Democracy. Cornelius Castoriadis.

1 INTRODUÇÃO

Cornelius Castoriadis foi um economista, filósofo, psicanalista, crítico político, e pensador da linha marxista nascido em Atenas, na Grécia em 1922, mas radicou-se na França, desde 1945, local onde seus pensamentos passaram a ser disseminados, vindo a falecer no ano de 1977. O principal foco de su pensamento é fazer uma revisão dos conceitos e discursos políticos da modernidade, visando a construção de um espaço político efetivamente democrático, onde os cidadãos, na sua mais complexa pluralidade, sejam considerados (MAIA, 2008, p. 170)

O pensamento Castoriadis apresenta uma concepção política e social alicercada na idéia da criação de novas formas de organização da sociedade. Essa nova organização tem como pressuposto a necessidade de repensar o conceito de instituição. Nessa discussão Castoriadis propõe a noção de imaginário como elemento que transcende a racionalidade e a funcionalidade da instituição social, dessa transcendência deriva o conceito castoriadiano de instituição imaginária.

Aliada a esse pensamento está também a noção de democracia radical como crítica às instituições democráticas modernas. Conforme se constará no artigo, esses conceitos levam a uma revisão da noção de democracia e a percepção da necessidade de reformas das insituições democráticas atuais e da própria organização social. Para melhor compreensão das ideiais, o texto está dividido em duas partes. A primeira se concentrada sobre o tema da instituição imaginária da sociedade; a segunda sobre o tema da democracia radical visando caminhos para a superação do modelo de democracia institucional dos tempos atuais que não apresenta amplos espaços para a cidadania de modo plural e deliberativo.

A compreensão das estruturas sociais e políticas contemporâneas exige um olhar crítico sobre os fundamentos que sustentam as instituições e moldam a vida coletiva. Nesse contexto, o pensamento de Cornelius Castoriadis oferece uma perspectiva inovadora ao propor a noção de “instituição imaginária da sociedade” e defender a ideia de uma “democracia radical” como alternativa às formas tradicionais de organização política. Partindo da crítica à democracia representativa, o autor propõe a superação das limitações impostas pelas instituições modernas por meio de uma nova forma de participação cidadã, efetiva e contínua. Este trabalho tem como objetivo refletir sobre essas propostas à luz de outros pensadores que abordam o papel do imaginário na constituição social, como Gaston Bachelard, Gilbert Durand e Charles Taylor, buscando demonstrar como esses conceitos podem contribuir para a reformulação das práticas democráticas e o fortalecimento da autonomia coletiva.

2 A INSTITUIÇÃO IMAGINÁRIA DA SOCIEDADE

Para Castoriadis a consciência humana é essencialmente prática e criadora. Muito mais do que reflexões teóricas, a consciência tem potencialidade para proporcionar a modificação do mundo material, ainda mais, como também modificar as condutas dos homens e de suas relações (CASTORIADIS, 1982, p.33)

A instituição imaginária da sociedade, conforme formulada por Cornelius Castoriadis, refere-se ao processo pelo qual as sociedades criam, de forma autônoma, suas próprias estruturas, significações e normas. Para o autor, não existe uma base natural ou determinista que fundamente as instituições sociais; ao contrário, elas são fruto da imaginação coletiva que confere sentido ao mundo social e orienta as ações humanas. Esse imaginário social institui valores, práticas e representações que organizam a convivência, ainda que muitas vezes operem de forma inconsciente. A sociedade, nesse sentido, é auto-instituinte, ou seja, constantemente se recria por meio da interação entre o sujeito e o conjunto de significações simbólicas que a sustentam. Assim, Castoriadis rompe com a ideia de um sujeito passivo diante das instituições, apontando para a possibilidade de transformação social a partir da ação criadora dos indivíduos, sendo esta uma das bases fundamentais para a construção de uma nova concepção de democracia.

Conforme Castoriadis enquanto agrupamento humano a sociedade, tem sido objeto de investigação em vários momentos históricos, tanto do ponto de vista filosófico, sociológico, como político e psicológico. Apesar de filósofo marxista, Castoriadis desenvolve uma reflexão psicológica da sociedade. Segundo ele, todo indivíduo possui um núcleo psíquico, irredutível às forças sócio-históricas. “A sociedade é uto-criação e auto-alteração, a partir de cada indivíduo, como uma salvação do caos da psique. Portanto, as significações imaginárias criam o mundo para cada indivíduo. A sociedade, então, são as instituições enquanto que a psique é a rebeldia em toda sua balbúrdia. Podemos afirmar que do ponto de vista psicossocial, o indivíduo é fabricado: a psique vai abandonando o caos e investindo-se num mundo institucional, apropriando-se de regras socialmente instituídas. Socializar-se, portanto, é interiorizar as instituições. Assim, a sociedade cria o mundo, o investe de sentido, faz um conjunto de provisões de significação destinada a suprir com antecedência tudo o que aparecer e dota-se de um poder para que a socialização aja diante da psique. Poder então seria a capacidade de levar alguém a fazer o que sozinha não faria, convencido de que o faz espontaneamente: eis o indivíduo institucionalizado (MAIA, 2008, p. 172-173)

A partir desse pensamento, se percebe em Castoriadis uma crítica a teoria marxista, bem como toda a lógica do pensamento ocidental, a começar por Platão. Alvo principal de sua crítica, no entanto, são os determinismos da natureza. O que podemos perceber em Castoriadis são reflexões de um pensador preocupado em apresentar uma visão crítica sobre um modelo enrijecido de sociedade moderna que retira do sujeito a autoria, a criação e a responsabilidade (BITENCOURT, 2008, p. 159).

O termo “imaginário” muitas vezes, pode ser compreendido como algo que não existe; uma espécie de mundo oposto à realidade concreta. Às vezes, a noção de imaginário está ligada à ideia de devaneios ou fantasias que permitem a evasão para das preocupações cotidianas. Por outro lado, o imaginário também pode ser o resultado de uma força criadora radical própria à imaginação humana, capaz de transcender a realidade e transformá-la. (BARBIER, 1994, p. 15). É nesse sentido que podemos pensar o conceito de imaginário social no ponto de vista de Castoriadis.

Para Castoriadis, a história é criação; criação de formas totais de vida humana. As formas sociais-históricas não são “determinadas” por “leis” naturais ou históricas. A sociedade é autocriação. Quem cria a sociedade e a história é a sociedade instituinte, em oposição à sociedade instituída, imaginário social no sentido radical. A auto-instituição da sociedade é a criação de um mundo humano: de coisas, de realidade, de linguagem, de normas, de valores, modos de viver e de morrer, objetivos pelos quais vivemos e outros pelos quais morremos — e, obviamente, em primeiro lugar e acima de tudo, ela é criação do indivíduo humano no qual a instituição da sociedade está solidamente incorporada (CASTORIADIS, 1987, p. 271)

Para Castoriadis o termo imaginário, nada tem a ver com o que algumas correntes psicanalíticas apresentam como “imaginário”: o “especular”, que, evidentemente, é apenas imagem de e imagem refletida. O imaginário não é a partir da imagem no espelho ou no olhar do outro. O imaginário é a criação incessante e essencialmente indeterminada de figuras/ formas/ imagem, a partir das quais somente é possível falar-se de “alguma coisa” (CASTORIADIS, 1982, p. 13)

O ser social vincula-se ao modo de ser da psique, pois “a verdadeira polaridade não é aquela entre indivíduo e sociedade, mas entre psique e sociedade” (CASTORIADIS, 1992, p. 274). A instituição social é responsável por isso, pela emergência da separação, para o indivíduo, entre um mundo privado e um mundo público. Não há passagem tranqüila da psique à sociedade, o indivíduo “não é um fruto da natureza, mesmo tropical, ele é criação e instituição social” (CASTORIADIS, 1995, p. 355).

Imaginário social e/ou sociedade instituinte designam aquilo que no social-histórico é posição, criação e fazer-ser. Imaginário radical é aquilo que é posição, criação e fazer-ser na e para a psique. Castoriadis utiliza também o termo imaginário radical numa acepção ampla, referenciado a toda e qualquer atividade instituinte, individual ou coletiva (CASTORIADIS, 1995, p. 414).

A partir do imaginário Castoriadis pensa a relação de inerência do humano ao social-histórico expressando o sentido profundo das escolhas humanas, enquanto escolhas fundadoras da vida social, a ação humana como criação coletiva social-histórica tomada na acepção política (forte) do termo. Assim descreve o autor:

Minha meta é que se passe de uma cultura da culpa para uma cultura da responsabilidade... O que tenho em vista são indivíduos capazes de assumir tanto suas pulsões quanto o fato de que pertencem a uma coletividade que somente pode existir enquanto coletividade instituída, que não pode existir sem leis, nem por acordo milagroso das espontaneidades... é porque deus está morto – ou porque nunca existiu – que não se pode fazer tudo. É porque não há outra instância que nós somos responsáveis (CASTORIADIS, 2002, p. 107).

Outro pensador que desenvolve a ideia de imaginário para pensar a sociedade é Bachelard. Bachelard é um filósofo que vai a fundo na relação do imaginário com o real. “De fato, a maneira pela qual escapamos do real designa claramente a nossa realidade íntima. Um ser privado da função do irreal é um neurótico, tanto como o ser privado da função do real”(BACHELARD, 2001, p. 7)

Em Bachelard real e imaginário não são instâncias separadas, mas que se complementam. De certa forma, a ideia bachelardiana é a de que quem não sabe sonhar não sabe percorrer todas as possibilidades do “real”. O que seria da ciência sem o pensamento livre, aberto e questionador? “O sonho não é um produto da vida acordada. É o estado subjetivo fundamental” (BACHELARD, 2001, p. 101)

Para Bachelard a imaginação não éum abstrato ou um irreal, mas é algo vivo. Além disso, a imaginação não é apenas passiva, não mora apenas no olhar; ela pode ser também ativa, construtora; assim ela se transforma na imaginação das mãos, na imaginação que molda, cria e que se movimenta: a imaginação dinâmica.

Nesse sentido, a imaginação não é meramente a faculdade de formar as imagens da realidade; ela é a faculdade de formar as imagens que ultrapassam a realidade. Ela é uma faculdade de sobre-humanidade. A imaginação inventa a nova vida, ela inventa do novo espírito. (BABHELARD, 1993, p. 25)

Para Durand “o imaginário, longe de ser paixão vã, é ação eufémica e transforma o mundo” A poesia é um piloto, Orfeu acompanha Jasão. (DURAND, 1984, p. 500/501) O imaginário revela-se muito especialmente como um lugar de “entre saberes” (DURAND, 1996, p. 215- 227). É pela imaginação que acontece a doação do sentido e que funciona o processo de simbolização, é por ela que o pensamento do homem se desaliena dos objetos que a divertem, como os sonhos e os delírios que a pervertem e a engolem nos desejos tomados por realidade (DURAND, 1984, p. 37)

Nesse sentido, a imaginação, revela-se como um fator importante de equilíbrio psicossocial. Por isso, o autor salienta a função da imaginação consiste em equilibrar biológica, psíquica e sociologicamente quer os indivíduos, quer as sociedades. A este respeito, Gilbert Durand salienta que o imaginário, ao constituir a essência do espírito, representa o esforço do ser para levantar uma esperança viva face e contra o mundo objetivo da morte (DURAND, 1984, p. 499). Neste sentido, o imaginário, devedor da imaginação criadora, visa a transformação do mundo, iniciando pelas instituições.

O imaginário, portanto, à luz de Castoriadis e Bachelard é uma força criadora capaz de dinamizar a lógica rígida da instituição social e romper com os determinismos da natureza. Sendo assim a imaginação pode ser um importante instrumento para se pensar em novas organizações sociais mais abertas, plurais e participativas, onde poderá ser implantada uma democracia radical que supere as democracias tradicionais.

3 METODOLOGIA

A pesquisa desenvolvida neste artigo adota uma abordagem qualitativa de natureza teórica e exploratória, centrando-se no método indutivo. O caminho metodológico escolhido visa compreender os conceitos de “instituição imaginária” e “democracia radical” a partir da filosofia de Cornelius Castoriadis, relacionando-os criticamente ao modelo de democracia representativa vigente. A opção pelo método indutivo se justifica pela intenção de, a partir da análise de autores e obras, levantar hipóteses interpretativas sobre a participação cidadã nas democracias contemporâneas e refletir sobre possíveis transformações institucionais.

A principal estratégia metodológica utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com o levantamento, leitura e análise crítica de obras de referência que dialogam com os temas centrais. Foram consultadas fontes primárias do próprio Castoriadis, bem como de autores complementares como Gaston Bachelard, Gilbert Durand e Charles Taylor. Esses pensadores foram fundamentais para enriquecer o debate sobre o imaginário social, a autonomia e a ação política transformadora, contribuindo para uma reflexão mais ampla e crítica acerca das instituições democráticas atuais.

No desenvolvimento da análise, os dados coletados foram organizados por afinidade temática e interpretados com base em categorias analíticas extraídas dos próprios referenciais teóricos. Não se tratou de mensuração estatística, mas de uma leitura hermenêutica orientada pela busca de sentidos e significações no discurso filosófico e político. Essa metodologia permitiu alcançar uma compreensão mais aprofundada das críticas de Castoriadis às democracias institucionais e sua proposta de uma democracia radical ancorada na participação ativa e contínua dos cidadãos.

4 DEMOCRACIA RADICAL

Para os gregos a liberdade estava relacionada à participação ativa e coletiva do poder político. Nesse sentido, era livre quem pertencesse ao grupo social, consequentemente, que não participasse da pólis, isto é, da vida política, era considerado bárbaro ou carente de liberdade. Era na pólis, na vida sociopolítica que o indivíduo expressava a sua liberdade (TOMASEVICIUS FILHO, 2006, p. 1086).

Este caráter da liberdade como pertença ao grupo social fazia com que esta fosse considerada um status reservado a poucos (TOMASEVICIUS FILHO, 2006, p. 1086). Desse modo não se concebia a liberdade como uma escolha pessoal ou ato voluntario e subjetivo. O verdadeiro sentido de liberdade se dava, para os gregos, sobretudo numa dimensão coletiva, numa vivencia social e política. No entanto, onde poucos poderiam participar. Portanto, nessa perspectiva grega de democracia era um apanágio reservado, seletivo, envolvendo principalmente homens e adultos.

O filósofo inglês John Locke também revelava a sua dimensão coletiva, comunitária da política. No seu pensamento, a sociedade não somente seria o local onde o direito de liberdade deveriam ser partilhados, como também controlados e atém mesmo punidos quando infligem leis coletivas. Para ele, a ideia de liberdade a ideia de coletividade deveria superar a ideia de individualidade. A própria sociedade deve criar mecanismos que regularizasse isso, que não permitisse arbitrariedades. Segundo Locke ao ingressar na sociedade política, cada indivíduo passava a assumir a obrigação de submeter-se à vontade e à resolução da maioria. Essa maioria, para o filósofo era é única maneira de essa comunidade agir (BARROS, 2019, p. 67).

Para ele esse era nessa relação entre indivíduos e coletividade que residiria o verdadeiro sentido do termo democracia. Contudo, nos últimos anos, tem se percebido que o termo democracia, a semelhança dos gregos, não tem abarcado a todos os cidadãos, uma imensa gama de pessoas, tem tido pouca partição nos espaços políticos e nas instituições democráticas. É nesse âmbito que tem se desenvolvido o conceito de democracia radical. Como afirma Castoriadis:

Não é somente o Antigo Regime que o público e o político é assunto privado do monarca ou sob o totalitarismo do aparelho do partido, uma das múltiplas razões pelas quais seria risível falar de democracia nas sociedades ocidentais de hoje é que a esfera pública nelas é, de fato privado – isso tanto na França quanto nos Estados Unidos ou Inglaterra (CASTORIADIS, 2004, 208)

Soa empegar o conceito de democracia radical para fazer referência ao modelo teórico ou a uma forma de exercício da política que defende a participação ativa dos cidadãos em todas as esferas da vida social incluindo dentro das políticas institucionais, a administração de bens comuns e recursos públicos ou a intervenção em processo de deliberação e tomada de decisões. Quem sustenta esse modelo de propostas apresentam as formas institucionais da democracia representativa como modalidades mais intensas de participação política, como assembleias ou conselhos cidadãos, plebiscitos populares, ou seja, momentos participativos ou outras instâncias de decisão coletiva. Entendida deste modo, a democracia radical expressa um compromisso com o empoderamento da cidadania, a igualdade política dos indivíduos e a descentralização do poder.

Esta definição de uso comum nos debates políticos e intelectuais sobre os movimentos sociais e novos repertórios democráticos expressa a complexa história conceptual que sublinha o termo de democracia radical e não esgota a enorme diversidade de significados que tem recebido esta noção, especialmente na filosofia política ocidental nas últimas décadas. Geralmente, a democracia radical é definida como como uma forma de pensar a democracia sem recorrer a essências, princípios universais ou fundamentos de legitimidade.

A democracia é radical não somente quanto garante uma maior participação da cidadania nos assuntos comuns, senão quando se concebe a si mesma como um processo de realização dos ideais democráticos. Do ponto de vista filosófico, a democracia radical é uma forma de superar as deficiências específicas da democracia institucional representativa. A democracia radical não é simplesmente uma crítica a democracia tradicional, mas uma forma de ampliar o espaço político incluindo novos objetos, novas identidades coletivas e novas formas relações entre a políticas e os cidadãos.

Há duas ideias fundamentais do pensamento de Castoriadis: o conceito dos donos do poder como os donos da significação e o conceito de política como a atividade coletiva tendo como objeto a instituição da sociedade enquanto a política. Para o autor, estamos na premência de criar novas significações, dotando de sentido as instituições sociais. Temos a necessidade da imaginação, como a capacidade de propor novas formas políticas”. É nesse âmbito que se insere a democracia radical. A democracia pressupõe a construção de um corpo político, capaz de superar do modelo burguês liberal, que cria um inerte, indiferente, um irresponsável político. (MAIA, 2008, 172-173)

Pertinente é o pensamento de Castoriadis nesse sentido:

O ponto essencial é que em democracia não temos uma ciência da coisa pública e do bem comum, temos opiniões das pessoas; essas opiniões se enfrentam, são discutidas, argumentadas e depois, finalmente, o povo, toma uma posição e decide por seu voto (CASTORIADIS, 2006, p. 152).

Sobre esse tema outro autor importante é Charles Taylor. Esse autor canadense analisa a relação entre o indivíduo e a sociedade e critica o individualismo que segundo ele, possui em seus pressupostos a ideia de um self desengajado. Segundo Taylor, no cenário da sociedade contemporânea, o individualismo apresenta-se de forma ambivalente. Existe uma constante busca de emancipação do indivíduo diante dos controles morais da sociedade tradicional, onde “cada um tem o direito de desenvolver a sua própria forma de vida, fundada sobre a sua percepção daquilo que é realmente importante ou tem valor para si (TAYLOR, 1992, p.14).

Nesse aspecto, que se revela o lado obscuro individualismo: centrando-se sobre o próprio eu, o ser humano nivela e restringe sua vida, empobrecendo-a de significado, distanciando-a do interesse pelos outros e pela sociedade: “A cultura da auto-realização conduziu muitos a perder de vistas as questões que os transcende enquanto indivíduos” (TAYLOR, 1992, p.15).

Desse modo, o individualismo acaba por influenciar a dimensão política da vida na sociedade contemporânea. Uma sociedade onde as pessoas preocupam-se demasiadamente consigo mesmas, reduzindo-se cada vez mais à condição de indivíduos isolados (TAYLOR, 1992, p.9)

Esta é uma sociedade onde poucos desejam participar, e um número menor ainda efetivamente participa ativamente do autogoverno da sociedade. Este tipo de sociedade cria condições para o surgimento de um despotismo ou o totalitarismo. Onde leis são promulgadas, sem a partição popular. Esse é um dos graves problemas da sociedade contemporânea e das instituições democráticas atuais: todas centralizadas, burocratizadas, onde os indivíduos se alienam das decisões da esfera pública e do controle político, deixando todo o poder nas mãos dos representantes, que muitas vezes, não representam a vontade geral, mas apenas as vontades particulares ou de seus próprios grupos e seus interesses.

Percebe-se claramente que as instituições e as estruturas da sociedade da maneira como estão organizadas limitam drasticamente as nossas escolhas, transformando democracia não num espaço político direito e radical, mas um espaço reservado a alguns ligados ao poder centralizado (TAYLOR, 1992. p.8).

A democracia radical, conforme proposta por Cornelius Castoriadis, surge como uma alternativa crítica ao modelo representativo tradicional, caracterizado pela centralização do poder e pela exclusão da maioria da população dos processos decisórios. Diferente da democracia liberal, que se apoia em instituições fixas e em representantes políticos muitas vezes distantes da realidade social, a democracia radical defende uma participação ativa, contínua e plural dos cidadãos em todas as esferas da vida pública. Trata-se de um modelo político que se constrói permanentemente, sem apelar para verdades absolutas ou princípios imutáveis, e que exige a autonomia dos indivíduos como fundamento de uma coletividade consciente de sua responsabilidade na criação e manutenção das instituições. Nesse contexto, Castoriadis ressalta a necessidade de novos significados e práticas políticas que permitam a reinvenção constante da sociedade, ampliando o espaço de atuação da cidadania.

Os resultados da pesquisa indicam que as propostas de Castoriadis permanecem altamente relevantes para a crítica das democracias contemporâneas e para o fortalecimento do ideal democrático. Ao relacionar o conceito de democracia radical com os aportes teóricos de autores como Charles Taylor, Gaston Bachelard e Gilbert Durand, foi possível compreender que a imaginação, enquanto força criadora, é fundamental para romper com os modelos políticos engessados e abrir caminho para uma sociedade mais deliberativa e inclusiva. A pesquisa demonstrou, ainda, que os atuais sistemas democráticos limitam a participação cidadã e reforçam estruturas de poder hierarquizadas. Assim, conclui-se que a democracia radical não é apenas uma proposta teórica, mas uma orientação prática para repensar e transformar a política, com base na autonomia, na responsabilidade coletiva e na capacidade imaginativa dos sujeitos sociais.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz de Castoriadis o presente artigo abordou os temas da instituição imaginária da sociedade e a democracia radical como subsídios para o desenvolvimento de críticas à instituição democrática atual. Além de Castoriadis, outros referenciais teóricos foram utilizados, tais como Bachelard, Durant e Taylor. A partir desses pensadores se conclui que as instituições democráticas pensadas por filósofos e sociólogos, muitas vezes se manifestam de maneiras rígidas e fechadas sem grandes espaços para a cidadania.

Uma forma de proporcionar abertura à pluralidade que caracteriza a cidadania pode por meio de novos conceitos e novas noções para se pensar na organização social, dentre eles se destacam a instituição imaginária e a democracia radical. A partir desses conceitos é possível estabelecer caminhos de reformas das instituições democráticas atuais, onde ainda onde cidadãos ainda não conseguem exercer efetivamente os seus papéis e direitos políticos com amplas garantias.

A partir das análises realizadas, pode-se afirmar que os objetivos propostos pelo trabalho foram plenamente atingidos. A investigação permitiu compreender como os conceitos de instituição imaginária da sociedade e democracia radical, desenvolvidos por Castoriadis, oferecem ferramentas potentes para a crítica das instituições democráticas atuais. A pesquisa demonstrou que essas ideias não apenas desconstroem as limitações da democracia representativa, como também apontam para a possibilidade de uma reestruturação institucional baseada na autonomia e na participação ativa dos cidadãos. Com isso, confirmou-se a hipótese de que a teoria castoridiana pode inspirar novas formas de organização política mais inclusivas, deliberativas e plurais.

Entre as principais contribuições do estudo estão a ampliação do debate sobre democracia e a valorização do papel do imaginário social como elemento fundante da ação política. A proposta de uma democracia radical, ao questionar os modelos tradicionais de poder, mostra-se atual e aplicável na reflexão sobre reformas institucionais. Como limitação, reconhece-se o caráter teórico e bibliográfico da pesquisa, o que impede uma análise empírica direta dos impactos dessas ideias na prática social. Para estudos futuros, recomenda-se a aplicação do referencial teórico em contextos concretos, como movimentos sociais ou experiências de gestão participativa, além da adoção de métodos qualitativos de campo que possam verificar os efeitos dessas concepções na realidade vivida.

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1 Mestranda em Direito na Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected]

2 Mestranda em Direito na Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected]