A INFLUÊNCIA DA NATUREZA NO DESENVOLVIMENTO E NA APRENDIZAGEM DA EDUCACAO INFANTIL
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15550835
Mirella Cortês1
Yara Pereira de Anchieta2
Atila Barros3
RESUMO
O presente estudo propõe uma análise crítica dos efeitos da vivência em ambientes naturais sobre os processos de desenvolvimento integral e aprendizagem de crianças na etapa da educação infantil, articulando aportes interdisciplinares que concebem o brincar ao ar livre como prática fundante da constituição subjetiva e sociocultural da infância. A imersão em contextos naturais evidencia-se como promotora de múltiplas dimensões do desenvolvimento humano, físico, afetivo, social e cognitivo, ao passo que instaura uma relação ética e sensível com o meio ambiente, fundada na experiência direta e corporal com a alteridade não-humana. Em contraposição, este trabalho tensiona os efeitos deletérios do uso excessivo de dispositivos digitais na infância, considerando os impactos dessa presença onipresente sobre a qualidade das interações sociais, a espontaneidade lúdica e o enfraquecimento do vínculo com o mundo natural.
Palavras-chaves: Benefícios; Natureza; Educação Infantil.
ABSTRACT
This study proposes a critical analysis of the effects of experiences in natural environments on the processes of holistic development and learning in early childhood education, drawing on interdisciplinary frameworks that conceive outdoor play as a foundational practice in the subjective and sociocultural constitution of childhood. Immersion in natural contexts emerges as a catalyst for multiple dimensions of human development—physical, affective, social, and cognitive—while simultaneously fostering an ethical and sensorial relationship with the environment, grounded in direct and embodied encounters with non-human alterity. In contrast, this work problematizes the deleterious effects of excessive use of digital devices during childhood, reflecting on how such omnipresence compromises the quality of social interactions, the spontaneity of play, and the connection with the natural world.
Keywords: Benefits; Nature; Early Childhood Education.
INTRODUÇÃO
A infância contemporânea está imersa em um contexto de intensas tensões, onde os avanços tecnológicos se contrapõem à crescente perda do contato direto e contínuo com o meio natural. Em uma sociedade saturada por tecnologias digitais, a experiência da criança é cada vez mais mediada por telas, o que tem gerado desafios significativos para o seu desenvolvimento integral. A inserção precoce no mundo virtual, sem a devida mediação e reflexão pedagógica, não só compromete o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças, mas também limita a construção de vínculos afetivos autênticos e o exercício da autonomia infantil. O brincar espontâneo, indispensável para o fortalecimento da identidade e da sociabilidade, tem se visto progressivamente restringido por essa realidade digital, impactando, portanto, a formação de um sujeito pleno e sensível.
Nesse cenário, emerge a urgência de reafirmar o direito das crianças ao contato com ambientes naturais, reconhecendo-os não apenas como espaços para a diversão ou lazer, mas como territórios essenciais para a formação integral da criança. A natureza, em sua dimensão ampla, é um campo pedagógico de extrema importância, que propicia experiências sensoriais, afetivas e cognitivas que se revelam fundamentais para o desenvolvimento. Ao se colocar a natureza como elemento essencial no processo educativo, questiona-se a centralidade das telas e se defende um paradigma educacional que valorize o contato direto com o mundo natural. O direito à natureza, ao brincar livre e a ambientes saudáveis, como consta em marcos legais e princípios educacionais, representa uma faceta crucial da formação integral das crianças, sendo, portanto, um direito inalienável garantido pela Constituição Federal de 1988, pela Convenção sobre os Direitos da Criança e pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, estabelece que a educação deve ser promovida de maneira a garantir o pleno desenvolvimento da pessoa humana, e a BNCC reforça, em seus princípios, a importância da interação com o ambiente como um elemento constitutivo da aprendizagem. Esse respaldo legal não é meramente formal, mas aponta para a necessidade de um compromisso pedagógico que vá além do simples acesso à educação. A criança, ao ter direito ao contato com a natureza, tem assegurada a possibilidade de construir vínculos com o mundo, desenvolver uma consciência ambiental e, principalmente, uma percepção do mundo como algo vivo, interconectado e permeado por ciclos naturais que também são formadores do ser.
Diversos especialistas contribuem para a compreensão do papel da natureza no desenvolvimento infantil. Winnicott (1975) salienta que o brincar espontâneo, particularmente no ambiente natural, é elementar para a constituição do self. Para ele, a criança encontra, no brincar, uma forma de externalizar e processar seus sentimentos, impulsos e, sobretudo, a construção da identidade. Este espaço de liberdade e exploração é, portanto, crucial para o amadurecimento psíquico. Em uma linha semelhante, Regina Gomes Barragan (2021), em seu trabalho sobre o ensino com e na natureza, crítica a confinamento das crianças em ambientes fechados, e discute como essa condição prejudica o pleno desenvolvimento da criatividade e da afetividade. Para Barragan, o confinamento das crianças dentro das “quatro paredes” das escolas contemporâneas não só limita suas possibilidades de exploração física e sensorial, mas também restringe sua capacidade de interagir com o mundo de maneira reflexiva e afetiva.
Lou Ainá Fleury (2019), ao propor o conceito de “desemparedamento da infância”, reforça essa crítica. Fleury defende a desconstrução dos espaços escolares tradicionalmente fechados, sugerindo que as escolas devem ser lugares de encontro com a natureza. A ideia de “desemparedamento” não se refere apenas ao afastamento físico das paredes das escolas, mas também à ruptura com os limites simbólicos que restringem a criança a um aprendizado fragmentado, descontextualizado da vida real. Fleury propõe que a educação infantil se insira em um movimento de aproximação constante com os elementos naturais, de forma a permitir que as crianças se percebam como parte ativa e dinâmica dos processos naturais que ocorrem no mundo.
O filme Tainá – Uma Aventura na Amazônia ilustra poeticamente essa perspectiva. A narrativa da infância em imersão na floresta revela como o ambiente natural se apresenta como um educador vivo e sensível, capaz de proporcionar experiências de aprendizagem que transcendam o tradicionalismo da escola. A criança, ao se inserir no contexto da floresta, desenvolve, segundo a trama, uma escuta atenta, uma observação do mundo e uma capacidade de pertencimento que vai além das construções cognitivas tradicionais. O filme, ao representar a floresta como um espaço de aprendizado, sugere que o ambiente natural é, por si só, um educador que propicia a construção do conhecimento de forma orgânica e vivencial, oferecendo à criança a oportunidade de aprender com os elementos do mundo.
Entretanto, em meio a essa reflexão sobre a importância da natureza, deve-se observar as políticas educacionais contemporâneas, que têm se debruçado sobre o uso excessivo das tecnologias digitais. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) já aponta, em seu Manual de Orientação, os riscos de uma infância cada vez mais imersa no universo digital, destacando que o excesso de tempo de tela está relacionado com o comprometimento de processos fundamentais ao desenvolvimento psíquico e emocional das crianças. A recomendação é de que, além da limitação do tempo de exposição, sejam promovidas ecologias do cuidado, em que a criança tenha contato com o mundo de forma sensível e integrada, e que o desenvolvimento infantil seja entendido como um processo contínuo, interligado ao mundo natural. No âmbito educacional, o desafio é, portanto, duplo: não basta apenas promover a redução do tempo de exposição às telas, mas também criar alternativas que ampliem os horizontes infantis. A promoção de ecologias do cuidado envolve a criação de ambientes que integrem os aspectos tecnológicos, mas sem excluir a experiência sensorial direta com a natureza, com a afetividade e com as culturas locais. É imprescindível que se criem práticas pedagógicas que respeitem e potencializem a curiosidade infantil, promovendo uma aprendizagem que não se limite aos muros da escola, mas que dialogue com o mundo natural e suas potencialidades formativas.
Esta pesquisa, ao refletir sobre a importância da natureza na educação infantil, articula os fundamentos legais e as contribuições teóricas com práticas pedagógicas que apontam para um modelo de educação mais sensível, interconectado com os elementos da vida e com os processos de aprendizagem vivenciais. A educação que se propõe a integrar a natureza ao currículo não é uma educação desconectada dos tempos contemporâneos, mas uma proposta que respeita as necessidades afetivas e culturais das crianças. Promover uma educação que ressignifique o contato com a natureza é, portanto, uma forma de reafirmar o direito das crianças à formação integral, ao pertencimento ao mundo e à construção de uma cidadania mais sensível e engajada com as questões ambientais.
Ao longo deste estudo, ficou evidente a centralidade do contato com a natureza como um direito essencial e inalienável no processo educacional. Contudo, embora os marcos legais assegurem esse direito, as práticas pedagógicas ainda estão longe de integrar a natureza de forma sistemática e efetiva nas atividades diárias da educação infantil. A questão da superexposição às tecnologias digitais é um reflexo de uma sociedade que, ao tentar acelerar os processos educacionais, acaba por desconsiderar a importância dos tempos e espaços dedicados ao brincar, à observação sensorial e ao aprendizado livre. Portanto, a reflexão sobre o papel da natureza na educação infantil não deve ser vista apenas como uma crítica ao uso de telas, mas como um convite a repensar a educação como um todo, ampliando seus horizontes e integrando as crianças ao mundo de forma mais profunda, afetuosa e vivencial. O reencontro com a natureza não é um retrocesso, mas um avanço para uma educação mais humanizada, integrada e sensível às necessidades das crianças e às demandas do planeta.
MÉTODO
A pesquisa em questão adota a metodologia de análise de conteúdo, conforme fundamentado nas obras de Bardin (1977) e Ferreira (2000). Esse método, amplamente utilizado nas ciências sociais e humanas, busca examinar de forma sistemática e rigorosa o conteúdo presente em diversas formas de comunicação, como textos, discursos e imagens, com o objetivo de identificar padrões, categorias e significados que surgem do material analisado.
A análise de conteúdo é uma abordagem qualitativa que transforma dados qualitativos em unidades mensuráveis, possibilitando uma interpretação aprofundada dos fenômenos observados. Bardin (1977) descreve esse processo como composto por três etapas principais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, com a finalidade de compreender o conteúdo das mensagens de diferentes perspectivas. Ferreira (2000) complementa esse conceito ao enfatizar a flexibilidade do método, que pode ser aplicado tanto a textos verbais quanto a imagens ou outras manifestações simbólicas, adaptando-se ao objeto de estudo da pesquisa.
Na fase de pré-análise, o pesquisador realiza uma leitura preliminar do material com o objetivo de compreender seu contexto e os objetivos da pesquisa. Durante essa etapa inicial, o material é organizado e sistematizado de acordo com critérios previamente definidos, a fim de facilitar a análise subsequente. Além disso, são definidas as unidades de registro que serão analisadas ao longo do estudo. Na exploração do material, o pesquisador realiza uma análise mais detalhada, identificando padrões, temas recorrentes e relações significativas entre as diferentes partes do material. Para isso, utiliza a técnica de codificação, que consiste em atribuir códigos específicos a fragmentos de texto ou imagem, permitindo agrupar conteúdos semelhantes. Por fim, na etapa de tratamento dos resultados, os dados organizados são analisados de forma interpretativa, com o intuito de identificar tendências, significados e implicações dos dados. Este processo é feito em diálogo com as questões de pesquisa e o referencial teórico adotado, a fim de construir conclusões e novas proposições teóricas.
A escolha pela análise de conteúdo como método se justifica pela sua capacidade de fornecer uma interpretação detalhada e aprofundada dos dados, permitindo uma análise tanto dos aspectos manifestos quanto latentes do material estudado. O método é eficaz na investigação de fenômenos complexos, pois possibilita identificar conteúdos explícitos e implícitos, enriquecendo a compreensão dos temas abordados.
Portanto, ao seguir os procedimentos descritos por Bardin (1977) e Ferreira (2000), a análise de conteúdo oferece uma maneira sistemática de tratar e interpretar dados, permitindo uma compreensão mais profunda do fenômeno investigado. O método não só facilita a organização dos dados, mas também contribui para a construção de teorias e para a validação de hipóteses existentes, sendo uma ferramenta essencial para investigações acadêmicas que envolvem a análise de materiais complexos e diversificados.
A IMPORTÂNCIA DO DIREITO À NATUREZA NA INFÂNCIA
A análise das bases legais que sustentam o direito das crianças ao contato com a natureza é uma etapa imprescindível para a construção desta pesquisa. O direito à educação ambiental, assim como o direito ao lazer, ao brincar e ao contato com o ambiente natural, são reconhecidos como componentes essenciais para o desenvolvimento integral das crianças, conforme estabelecido em diversos marcos legais tanto no Brasil quanto no cenário internacional.
A Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu artigo 2274, estabelece de forma clara que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos das crianças, adolescentes e jovens, englobando direitos fundamentais como a vida, a saúde, a alimentação, a educação, o lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, o respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária. Este dispositivo não apenas defende o bem-estar das crianças em termos de saúde e educação, mas também sublinha a importância de um desenvolvimento integral, incluindo o lazer e o respeito aos direitos culturais. A integração do ambiente natural ao desenvolvimento das crianças pode ser compreendida como um reflexo desse compromisso legal, que implica, entre outras coisas, no reconhecimento da natureza como um campo essencial de aprendizado e vivência. Além disso, a Constituição Brasileira, no artigo 2255, estabelece o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade de vida. Este direito é acompanhado pela responsabilidade do poder público e da coletividade em defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A proteção ambiental, portanto, não deve ser vista como uma questão isolada, mas como uma extensão natural do direito das crianças a um desenvolvimento saudável, que inclui o acesso ao meio ambiente como parte de sua formação e educação. Esse marco legal, ao garantir a preservação e o acesso a espaços naturais, não só protege o ambiente, mas também assegura o direito das futuras gerações a um legado ambiental equilibrado.
No cenário internacional, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (UN-CRC) reconhece a relevância do contato com a natureza para o bem-estar infantil. O artigo 31 da convenção garante o direito da criança ao descanso, ao lazer, ao brincar e à participação em atividades culturais e artísticas, explicitando que o brincar ao ar livre é uma dimensão básica do desenvolvimento infantil. O artigo 29, por sua vez, reforça que a educação deve ser voltada ao desenvolvimento do respeito pelo meio ambiente natural, visando a conscientização das crianças sobre a importância da preservação e do equilíbrio ambiental. Em 2013, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU publicou o Comentário Geral nº 17, no qual expressou preocupação com a baixa valorização do direito ao brincar, especialmente em ambientes naturais, ressaltando a relevância de experiências lúdicas ao ar livre no desenvolvimento físico, emocional e social das crianças.
Segundo o Comitê, o contato com a natureza favorece o desenvolvimento de habilidades essenciais, como a criatividade, o equilíbrio, a agilidade, a cooperação social e a concentração. Além disso, proporciona benefícios psicológicos e espirituais ao promover o bem-estar emocional das crianças. Atividades ao ar livre, como jardinagem, colheita, celebrações tradicionais e momentos de contemplação, fortalecem o vínculo da criança com o meio ambiente, permitindo-lhe vivenciar a natureza de forma concreta e sensível. No entanto, o acesso a esses espaços tem se tornado cada vez mais limitado, especialmente nas áreas urbanas e em comunidades de baixa renda, onde a urbanização intensiva e a falta de planejamento urbano adequado dificultam o acesso das crianças a ambientes naturais de aprendizado e lazer. Essa realidade reforça a necessidade de políticas públicas que promovam a criação de espaços naturais e de acesso à natureza, especialmente em áreas urbanas, onde as crianças muitas vezes não têm oportunidade de experimentar o mundo natural de forma direta e significativa. É imperativo que os espaços de convivência e as políticas públicas reconheçam a importância desses ambientes no processo educacional, assegurando que as crianças, independentemente de sua localização ou condição social, possam vivenciar a natureza como parte de sua formação integral. Nesse contexto, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem um papel essencial. Ela reconhece a importância do contato com o ambiente natural como parte do desenvolvimento integral das crianças. A BNCC propõe que as crianças, desde a educação infantil até os anos iniciais do ensino fundamental, explorem o ambiente natural, considerando-o como um campo essencial para o desenvolvimento da curiosidade, criatividade e respeito pelo meio ambiente. A Base estabelece que o desenvolvimento sensorial, motor e emocional da criança deve ser estimulado por meio de atividades ao ar livre, incorporando as práticas educativas relacionadas ao meio ambiente em seu currículo.
A organização da área de Ciências da Natureza na BNCC é um exemplo de como esse contato com a natureza deve ser formalmente integrado ao currículo escolar. A BNCC divide essa área em três Unidades Temáticas: Matéria e Energia, Vida e Evolução, e Terra e Universo. Cada uma dessas unidades se desdobra em objetos de conhecimento vinculados a habilidades específicas que buscam promover o desenvolvimento da capacidade dos alunos de compreender e interpretar o mundo natural, social e tecnológico. Essa estrutura reflete uma proposta mais integrada e reflexiva, considerando o papel da ciência, da natureza e do ambiente na formação dos estudantes. A BNCC, ao propor esse currículo, não só visa à educação científica, mas também à formação de hábitos mais sustentáveis e à conscientização ambiental. Assim, é evidente que tanto os marcos legais nacionais quanto as diretrizes educacionais reconhecem o contato com a natureza como um direito essencial para o desenvolvimento integral das crianças. O brincar ao ar livre, a exploração do ambiente natural e a integração dos conteúdos relacionados ao meio ambiente no currículo escolar são fundamentais para uma educação que respeite e preserve o meio ambiente. Essas práticas devem ser defendidas e promovidas, não apenas como uma questão pedagógica, mas como uma garantia para as futuras gerações de um planeta mais equilibrado e sustentável.
O estudo das bases legais e educacionais que garantem o direito das crianças ao contato com a natureza revela a complexidade e a urgência desse direito no contexto atual. Embora existam marcos legais claros que asseguram o direito à educação ambiental e ao contato com a natureza, a implementação de políticas públicas eficazes e a integração efetiva desses princípios no currículo escolar ainda encontram desafios significativos. As crescentes limitações ao acesso à natureza em áreas urbanas e em comunidades de baixa renda demonstram a necessidade de um esforço contínuo e direcionado para criar e preservar espaços naturais acessíveis às crianças. A reflexão sobre o direito ao contato com a natureza é, portanto, básico para a construção de uma sociedade que valorize não apenas o desenvolvimento humano, mas também a preservação ambiental, de forma a garantir que as futuras gerações possam viver em harmonia com o planeta.
A CONTRIBUIÇÃO DOS ESPAÇOS NATURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO INTEGRAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL
O direito das crianças ao contato com a natureza não apenas se constitui em uma questão legal, mas também é reconhecido como um direito indispensável para o seu desenvolvimento integral. Nos últimos anos, pesquisadores e educadores têm destacado a relevância dos espaços naturais como ambientes essenciais para a promoção de aprendizagens significativas e para o desenvolvimento de múltiplas habilidades que são imprescindíveis na formação de sujeitos plenos. Nesse contexto, a inter-relação entre a educação infantil, os espaços naturais e os processos de aprendizagem assumem um papel central na construção de um modelo pedagógico que se distancia da escolarização tradicional e se aproxima de uma pedagogia mais integrada, voltada para a totalidade do desenvolvimento infantil. Neste ensaio, será analisada a contribuição dos espaços naturais para o desenvolvimento integral das crianças na educação infantil, articulando as reflexões de teóricos como Paulo Freire, Lev Vygotsky e Jean Piaget, com ênfase na importância do lúdico e do brincar ao ar livre.
O conceito de desenvolvimento integral na educação infantil abarca a ideia de que a formação da criança deve respeitar não apenas os aspectos cognitivos, mas também os afetivos, sociais, emocionais e físicos. Esse entendimento é um dos pilares da Pedagogia Freiriana, que defende a educação como um processo de libertação e de construção contínua de saberes que se dão no encontro com o mundo. Para Paulo Freire (1996), a educação deve ser uma prática dialógica, em que o educando se apropria da realidade e, ao mesmo tempo, transforma-a. Nesse sentido, os espaços naturais oferecem um campo de ação e reflexão que favorece o protagonismo infantil, permitindo que as crianças se apropriem da natureza como uma extensão de sua própria aprendizagem. A natureza, no contexto da educação infantil, não é vista apenas como um recurso pedagógico, mas como um ambiente que oferece experiências sensoriais e afetivas únicas. Os espaços naturais proporcionam às crianças a oportunidade de explorar de maneira concreta o mundo à sua volta, de vivenciar as transformações do ciclo da vida, de tocar, ver, cheirar e ouvir o que é natural. Como Leila Teixeira Gonzaga e Augusto Fachín-Teran (2013) afirmam, os espaços naturais, muitas vezes considerados não formais, têm um grande potencial para o ensino de ciências e para o desenvolvimento das crianças, permitindo que elas se tornem agentes ativas na construção do seu conhecimento.
A teoria do desenvolvimento sociocultural de Vygotsky também oferece uma base sólida para compreender como os espaços naturais podem contribuir para o desenvolvimento infantil. Para Vygotsky (1998), o conhecimento é construído nas interações sociais, mediadas por instrumentos, símbolos e, em muitos casos, pelo brincar. O brincar ao ar livre, em ambientes naturais, não é apenas uma forma de lazer, mas uma forma de interação social e mediação de significados. O contato com o ambiente natural possibilita às crianças a construção de representações simbólicas que são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Vygotsky argumenta que o brincar é um fenômeno social e cultural, e é nesse contexto que ele se insere como uma atividade básica para o desenvolvimento cognitivo da criança. O brincar ao ar livre, em particular, permite que as crianças explorem a natureza e interajam com ela de maneira sensorial e simbólica, desenvolvendo habilidades cognitivas e emocionais importantes. O uso de brinquedos naturais, como galhos, folhas e pedras, por exemplo, permite que as crianças, ao mesmo tempo em que se divertem, construam um entendimento sobre a materialidade do mundo, criando formas de simbolização e expressão.
O IMPACTO DO LÚDICO E DAS ATIVIDADES EM ESPAÇOS NATURAIS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
O conceito de lúdico na educação infantil é amplamente discutido por Jean Piaget, especialmente no que diz respeito à interação com o ambiente físico. Piaget (1976) enfatiza que o desenvolvimento cognitivo das crianças ocorre por meio da interação com o meio ambiente, sendo o brincar um dos meios mais importantes para essa interação. Ele defende que o brincar ao ar livre permite que as crianças explorem a realidade de forma concreta, o que favorece a construção de estruturas cognitivas mais complexas. A relação da criança com o mundo natural não é apenas uma relação sensorial, mas também uma relação cognitiva, em que a criança passa a compreender os princípios do mundo físico, como a causalidade, a transformação e o espaço-tempo.
As atividades lúdicas, em particular, quando realizadas ao ar livre, também são uma forma de aprendizado social. O jogo de faz-de-conta, a construção de abrigos improvisados, a observação e manipulação de elementos naturais como árvores, animais e rios, são experiências que permitem à criança interagir socialmente com seus pares, aprendendo sobre regras, colaboração, e o respeito ao outro. Como Niles e Socha (2014) afirmam, as atividades lúdicas contribuem significativamente para o desenvolvimento da empatia e da cooperação, habilidades essenciais para a formação de cidadãos responsáveis e solidários. Além disso, o brincar ao ar livre fortalece o vínculo afetivo das crianças com o meio ambiente, como ressaltado por Rubia Paula Niles e Kátia Socha (2014). A criação de espaços educativos em contato com a natureza, como jardins, hortas e áreas de lazer ao ar livre, promove a vivência direta da criança com os ciclos naturais e a realidade ambiental. O vínculo afetivo com a natureza, como sugere o comentário de Vygotsky sobre o papel do ambiente na formação do indivíduo, reflete-se no desenvolvimento emocional das crianças, proporcionando-lhes um senso de pertencimento ao mundo e um espaço para expressar suas emoções de forma genuína e integrada.
A integração de espaços naturais no contexto educacional infantil exige que as escolas e as políticas públicas educacionais criem e incentivem ambientes que favoreçam a exploração natural. Gonzaga e Fachín-Teran (2013) propõem que a educação científica, por exemplo, pode se beneficiar enormemente da utilização de espaços não formais, como áreas verdes urbanas, bosques, parques e outros ambientes naturais, em que as crianças possam realizar observações e experimentos diretamente ligados ao conteúdo curricular. A utilização desses espaços possibilita, portanto, uma aprendizagem mais envolvente e significativa, integrando teoria e prática de maneira fluida e natural. Ao considerar o espaço natural como um aliado na educação infantil, é imperativo também garantir que as atividades sejam planejadas de maneira a respeitar o ritmo e as necessidades de cada criança, respeitando a pedagogia de Freire (1996), que defende uma educação baseada na autonomia, no respeito e na valorização da experiência vivida. É preciso que as práticas pedagógicas sejam projetadas de forma que as crianças possam se apropriar dos espaços naturais como territórios de aprendizagem, nos quais possam explorar, questionar, observar e experimentar, construindo seu próprio conhecimento sobre o mundo que as cerca.
A contribuição dos espaços naturais para o desenvolvimento integral na educação infantil é um tema de grande relevância, pois envolve não apenas o desenvolvimento cognitivo, mas também aspectos emocionais, sociais e físicos das crianças. No entanto, a implementação de práticas educacionais que favoreçam o contato das crianças com a natureza ainda enfrenta obstáculos significativos, especialmente nas grandes cidades, onde o acesso a espaços verdes é restrito e a urbanização exacerbada dificulta a criação de ambientes naturais acessíveis. A reflexão sobre o uso pedagógico desses espaços precisa ser aprofundada para que as políticas educacionais possam integrar de maneira mais eficaz os princípios freirianos, vygotskianos e piagetianos em um modelo educativo que valorize o brincar, a exploração sensorial e o desenvolvimento integral. Esse modelo pedagógico, ao colocar as crianças em contato direto com a natureza, não apenas amplia suas possibilidades de aprendizagem, mas também as prepara para um futuro em que o respeito e a preservação ambiental sejam atitudes fundamentais para a convivência humana.
DESEMPAREDAR PARA CRESCER
A obra de Lou Ainá Fleury (Desemparedamento da infância: a escola como lugar de encontro com a natureza, 2018) convida-nos a refletir sobre o papel essencial da natureza no desenvolvimento infantil, propondo uma reavaliação profunda dos espaços educativos contemporâneos, em particular as escolas. A autora defende que, para a formação integral das crianças, é imperativo romper com as limitações impostas pelas paredes das escolas tradicionais, criando ambientes de aprendizado que integrem o mundo natural no cotidiano pedagógico. Fleury enfatiza a necessidade de proporcionar às crianças experiências diretas e sensoriais com a natureza, reconhecendo o ambiente natural como um agente pedagógico elementar no processo de aprendizagem. Tais experiências não apenas possibilitam a construção de conhecimentos significativos, mas também estimulam a criatividade, a imaginação e o desenvolvimento do senso de pertencimento ao mundo natural. A presença da natureza no cotidiano da educação infantil desempenha um papel crucial na promoção do desenvolvimento integral da criança. Ao explorar e interagir com o ambiente natural, as crianças têm a oportunidade de vivenciar o aprendizado de forma concreta e experiencial. Fleury (2018) argumenta que o contato com a natureza permite que as crianças não apenas observem fenômenos naturais, mas também se envolvam ativamente em atividades que estimulam habilidades motoras, cognitivas e afetivas. Ao brincar na terra, subir em árvores ou observar pequenos animais, as crianças desenvolvem competências que dificilmente seriam adquiridas dentro do ambiente restrito e controlado de uma sala de aula convencional. O brincar ao ar livre permite uma interação mais direta com o mundo físico, favorecendo o desenvolvimento de habilidades práticas e experienciais, enquanto também fortalece os vínculos emocionais e sociais entre as crianças e o ambiente que as cerca.
A natureza, nesse sentido, deixa de ser apenas um cenário e se torna uma protagonista ativa do processo educacional. O conceito de desemparedamento da infância proposto por Fleury é simbólico e afetivo, além de físico. Ao sair das paredes fechadas da escola, as crianças são convidadas a ser protagonistas de suas próprias experiências, investigando, descobrindo e criando conhecimento a partir da vivência direta com os elementos naturais. A autora sublinha que a escola deve ser concebida como um espaço de encontro entre a criança e a natureza, onde o ambiente natural não apenas serve como um espaço de lazer, mas como um local de aprendizagem autônoma, cooperativa e solidária, onde as crianças se reconhecem como parte do todo natural.
Ao integrar a natureza ao currículo escolar, Fleury (2018) destaca a importância de promover o protagonismo infantil, onde as crianças são vistas como agentes ativas na construção do seu próprio conhecimento. Esse protagonismo se manifesta em atividades como a construção de hortas escolares, o cuidado de jardins e o envolvimento em atividades ao ar livre como parte do currículo pedagógico. Essas práticas não apenas ensinam conteúdos científicos, mas também promovem o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais, como a cooperação, o respeito e a responsabilidade socioambiental. A autora defende que, ao brincar ao ar livre, as crianças desenvolvem autonomia ao tomarem decisões sobre suas ações e ao lidarem com o ambiente de forma independente, sem a mediação constante de um adulto. Esse processo de autodeterminação é fundamental para o desenvolvimento do senso de responsabilidade não apenas com o meio ambiente, mas também com os outros e com elas mesmas. A interação com a natureza, ao possibilitar o desenvolvimento da empatia, permite que a criança reconheça seu papel na preservação do ambiente, formando uma consciência ecológica que vai além do simples conhecimento teórico sobre a natureza.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que rege a educação infantil no Brasil, corrobora com as ideias de Fleury ao propor atividades que integrem a teoria e a prática, estimulando o conhecimento e o contato direto com o ambiente natural. A BNCC sugere, por exemplo, que atividades como piqueniques em parques, aulas ao ar livre, construção de hortas comunitárias, reciclagem de lixo e visitas a museus com elementos naturais em exposição podem ser incorporadas ao currículo escolar. Essas práticas, ao permitirem que as crianças se conectem com o ambiente natural, visam reduzir o chamado “déficit de natureza” (Louv, 2005), que descreve o afastamento progressivo das novas gerações do mundo natural e os impactos negativos desse distanciamento no desenvolvimento físico, emocional e psicológico das crianças. Em particular, a Coleção Sou Criança, desenvolvida pelo SAE Digital, oferece uma proposta pedagógica alinhada à BNCC e aos princípios do desemparedamento da infância. Lançada em 2022, essa coleção foi concebida para proporcionar às crianças experiências sensoriais e pedagógicas com elementos naturais. Cada grupo da Educação Infantil é associado a um elemento natural específico: Água, Terra, Ar, Fogo e Seres Vivos. O objetivo central da coleção é permitir que as crianças explorem esses elementos por meio de atividades que envolvem o conhecimento ambiental, o desenvolvimento de habilidades práticas e o envolvimento afetivo e cognitivo com os recursos naturais. A coleção propõe experiências vivenciais, como a construção e o cuidado de hortas, a observação de aves e a realização de práticas artísticas e de letramento matemático a partir de elementos naturais.
O contato com a natureza, ao ser incorporado à educação infantil, desempenha um papel central na formação de sujeitos conscientes, críticos e responsáveis. Ao integrar a natureza ao currículo escolar, não apenas se oferece um aprendizado mais integral, mas também contribui para o desenvolvimento de uma consciência ecológica que se manifesta em comportamentos e atitudes mais sustentáveis. As crianças, ao vivenciarem essas experiências de aprendizado ao ar livre, aprendem a respeitar o meio ambiente e a reconhecer a interdependência entre os seres vivos. Ainda, o desemparedamento da infância não é uma questão apenas de acesso ao ambiente natural, mas de percepção e valorização do meio ambiente como um sujeito ativo no processo educativo. Fleury (2018) propõe uma pedagogia que respeite a curiosidade das crianças e as necessidades emocionais e cognitivas de cada faixa etária, estimulando a exploração e o aprendizado ativo. A natureza, portanto, torna-se um protagonista ativo no processo de formação de indivíduos saudáveis, conscientes de seu papel socioambiental e comprometidos com a preservação da vida no planeta.
A proposta de desemparedamento da infância e a integração da natureza à educação infantil são fundamentais em um contexto contemporâneo onde as crianças, em sua grande maioria, têm acesso restrito a ambientes naturais. A urbanização crescente, a tecnologização da educação e a falta de espaços públicos acessíveis têm contribuído para o distanciamento das crianças do ambiente natural, o que, como Lou Ainá Fleury (2018) observa, compromete seu desenvolvimento integral. Esse distanciamento pode ter consequências graves, não apenas no plano emocional e psicológico, mas também nas questões de saúde, visto que a falta de interação com a natureza está associada a uma série de problemas, como sedentarismo, ansiedade e déficit de atenção. Por outro lado, a integração da natureza no currículo escolar, proposta pela BNCC e por Fleury (2018), é uma estratégia eficaz para recuperar a conexão das crianças com o mundo natural e promover uma aprendizagem mais contextualizada e significativa. A educação ambiental, quando integrada de forma sistemática e reflexiva, contribui para a formação de cidadãos conscientes e comprometidos com a sustentabilidade. Portanto, a criação de políticas públicas e práticas pedagógicas que promovam o acesso às experiências naturais é essencial para o futuro das novas gerações.
A NATUREZA COMO EDUCADORA VIVA
Ao refletirmos sobre a importância da natureza na educação infantil, devemos compreender que o ambiente natural não se configura apenas como um espaço físico, mas como um elemento ativo no processo de formação e aprendizagem das crianças. Nesse contexto, o contato direto com a natureza adquire uma relevância crescente, uma vez que contribui não apenas para o desenvolvimento cognitivo, mas também para o fortalecimento das habilidades emocionais e sociais. A natureza, com sua multiplicidade de estímulos sensoriais e suas interações dinâmicas, oferece experiências ricas, capazes de impulsionar a curiosidade, a exploração e a descoberta. Essas experiências são fundamentais para o desenvolvimento integral das crianças, que, ao interagirem com o mundo natural, passam a se perceber como parte de um todo interconectado, o que fortalece o senso de pertencimento e a responsabilidade socioambiental.
Ao reconhecer o ambiente como um espaço vivo, a autora Lou Ainá Fleury (2018) nos convida a repensar os limites físicos e simbólicos que historicamente têm separado a educação da natureza. Fleury propõe que a escola, ao ser compreendida apenas como um espaço fechado e controlado, perde uma parte significativa do seu potencial pedagógico. Nesse sentido, é necessário romper com as convenções da escolarização tradicional e abrir a escola para um mundo mais amplo, onde o espaço natural seja integrado ao processo educativo de maneira significativa. A autora sugere que a escola deve ser concebida como um ponto de encontro entre a criança e a natureza, onde o ambiente externo, longe de ser uma mera decoração ou espaço complementar, torna-se protagonista no processo de aprendizagem. Essa pedagogia viva implica em uma educação sensível, que respeita a curiosidade infantil e a espontaneidade das descobertas, permitindo que as crianças, ao interagir com o mundo natural, desenvolvam uma conexão emocional e cognitiva profunda com ele.
A presença de espaços naturais no cotidiano da educação infantil favorece a exploração livre, a curiosidade espontânea e o desenvolvimento das habilidades motoras, essenciais para o desenvolvimento integral das crianças. Em contraste com o modelo tradicional, muitas vezes fechado e estruturado de maneira rígida, o contato com a natureza proporciona uma aprendizagem mais dinâmica e conectada à vida real. Ao brincar em um jardim, observar os animais ou subir em uma árvore, as crianças experimentam situações que não podem ser reproduzidas dentro de um ambiente escolar convencional. Piaget (1976) destaca que a criança constrói seus conhecimentos a partir da interação com o mundo físico, e é justamente essa interação concreta e sensorial com a natureza que proporciona aprendizagens significativas e profundas.
O FILME TAINÁ – UMA AVENTURA NA AMAZÔNIA COMO METÁFORA DA EDUCAÇÃO SENSÍVEL
O filme Tainá – Uma Aventura na Amazônia (2000) exemplifica de maneira significativa essa profunda relação entre criança e natureza, retratando a jornada de uma criança indígena que cresce imersa na floresta amazônica. A personagem Tainá aprende, desde muito cedo, a se relacionar com seu ambiente natural, absorvendo conhecimentos não apenas práticos, como técnicas de sobrevivência e navegação na floresta, mas também valores essenciais, como empatia, solidariedade e cuidado com os outros seres vivos. Esse aprendizado não se dá de maneira formal ou estruturada, mas por meio de uma vivência direta, rica em experiências sensoriais, que inclui a observação dos animais, o cuidado com as plantas e o respeito pelos ciclos naturais. A floresta, no contexto do filme, é não apenas o cenário, mas um verdadeiro educador vivo, que ensina Tainá a integrar a racionalidade com o cuidado e respeito pela vida.
Em sinopse do longa-metragem, Tainá – Uma Aventura na Amazônia narra a jornada de Tainá (Eunice Baía), uma corajosa menina indígena de oito anos que vive na floresta amazônica sob a tutela de seu avô Tigê, um ancião sábio que lhe transmite os saberes ancestrais de seu povo, por meio de lendas, histórias e práticas tradicionais. Em meio a paisagens exuberantes e desafios instigantes, Tainá salva o macaco Catu das mãos de Shoba, um cruel traficante de animais silvestres. A partir desse encontro, inicia-se uma perseguição implacável por parte da quadrilha, forçando Tainá a fugir pela selva. Durante a fuga, ela cruza o caminho da bióloga Isabel e de seu filho Joninho (Caio Romei), um garoto de dez anos que vive na floresta contra sua vontade e manifesta um profundo estranhamento com a vida longe da cidade. Apesar dos conflitos iniciais, a convivência com Tainá faz Joninho repensar seus valores e desenvolver coragem para enfrentar os perigos da mata. Unidos, os dois embarcam em uma missão para impedir os contrabandistas que capturam e comercializam animais da floresta para laboratórios estrangeiros, onde são utilizados em experimentos genéticos. Entre diferenças culturais, descobertas e aprendizados mútuos, Tainá e Joninho constroem uma ponte simbólica entre o universo urbano e o modo de vida tradicional amazônico, refletindo sobre identidade, respeito à natureza e cooperação.
O longa-metragem é dirigido por Tania Lamarca e Sergio Bloch, com roteiro assinado por Cláudia Levay e Reinaldo Moraes. No elenco, destacam-se Eunice Baía, Luiz Carlos Tourinho e Charles Paraventi.
A personagem, ao compreender que sua racionalidade não a torna superior à natureza, mas sim responsável por proteger e preservar a vida ao seu redor, demonstra como a educação ambiental pode transformar a forma como as crianças percebem o mundo. Fleury (2018) ressalta que a educação ambiental não deve ser uma atividade complementar ou superficial, mas um pilar imperativo da formação infantil. Ao crescer em contato com a natureza, as crianças desenvolvem uma consciência ecológica que se reflete em comportamentos mais responsáveis e comprometidos com a preservação do meio ambiente. Tainá, como personagem, exemplifica de forma clara e simbólica o que Freire (1996) e Vygotsky (1988) defendem sobre a educação ativa e experiencial. O filme transmite a ideia de que a aprendizagem é um processo contínuo, que vai além do conhecimento teórico e envolve o envolvimento direto com o ambiente e as relações sociais e afetivas que ele proporciona. A educação ambiental, quando integrada de forma natural à vida cotidiana da criança, pode gerar impactos duradouros na formação de cidadãos conscientes e sensíveis aos desafios ambientais que a sociedade enfrenta.
A proposta de desemparedamento da infância, conforme defendida por Fleury (2018), é um convite à revalorização dos espaços naturais como locais de aprendizagem e desenvolvimento. Ao incorporar a natureza no currículo escolar, a educação se torna mais integrada e contextualizada, permitindo que as crianças sejam investigadoras ativas de seu próprio conhecimento, explorando e descobrindo o mundo ao seu redor. O currículo escolar, assim, deixa de ser uma lista de conteúdos a serem assimilados e passa a ser uma experiência vivencial, em que a natureza, mais do que um conteúdo didático, torna-se uma entidade viva que interage com o processo de aprendizagem.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por exemplo, reforça a importância de atividades que integrem prática e teoria, oferecendo oportunidades para que as crianças se envolvam em atividades como piqueniques, aulas ao ar livre, e construção de hortas comunitárias. Tais atividades não apenas promovem o aprendizado de conteúdos científicos, mas também incentivam a cooperatividade, a solidariedade e o cuidado com o outro e com o meio ambiente. Essas práticas contribuem para a diminuição do "déficit de natureza", um termo que descreve o crescente afastamento das crianças do mundo natural, e seus efeitos negativos na saúde física e mental das novas gerações. No entanto, apesar das evidentes vantagens do desemparedamento da infância e da integração da natureza ao currículo escolar, existem desafios significativos para a implementação dessas práticas na realidade educacional contemporânea. O modelo tradicional de ensino, predominantemente baseado em espaços fechados e em práticas pedagógicas dirigidas, ainda prevalece na maioria das escolas, tornando difícil a inclusão do ambiente natural como parte integrante do processo educativo. A urbanização crescente, a falta de espaços públicos verdes e a privatização das áreas naturais também limitam o acesso das crianças a esses ambientes, tornando a educação ambiental uma tarefa desafiadora, especialmente nas grandes cidades. Ainda, é necessário que os educadores repensem sua prática pedagógica e estejam dispostos a incorporar o ambiente natural como um aliado no processo de ensino-aprendizagem. A formação contínua dos profissionais da educação, com foco em práticas pedagógicas ativas, é indispensável para que as escolas possam se transformar em espaços vivos e dinâmicos, onde a natureza é parte fundamental do currículo escolar. A mudança de paradigma requer um compromisso coletivo entre escolas, famílias e políticas públicas para garantir que as novas gerações cresçam mais conectadas com a natureza, desenvolvendo uma consciência ecológica que seja reflexo de um compromisso ético e sustentável com o planeta.
A natureza, quando integrada ao ambiente escolar, se revela como um componente essencial do desenvolvimento integral da criança. O desemparedamento da infância propõe um modelo pedagógico em que a experiência direta com o mundo natural ocupa um lugar central no processo educativo, favorecendo o desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais, sociais e ecológicas. O filme Tainá – Uma Aventura na Amazônia nos apresenta uma metáfora rica para essa proposta pedagógica, ao demonstrar como a interação com a natureza pode ser um agente transformador na formação de indivíduos mais conscientes, sensíveis e responsáveis. Portanto, ao repensar o espaço escolar e seu papel na formação infantil, devemos considerar a natureza não como um cenário, mas como uma verdadeira protagonista na construção de um futuro mais equilibrado e sustentável.
TELAS DEMAIS, NATUREZA DE MENOS: UM ALERTA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
O crescente uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) no cotidiano das crianças tem gerado um amplo debate sobre as implicações desse envolvimento para o desenvolvimento infantil, especialmente em termos de aprendizagem, socialização e saúde. O uso intensivo de dispositivos tecnológicos por parte dos adultos tem estimulado um fascínio crescente nas crianças, que, de maneira mais ou menos explícita, imitam esse comportamento. Esse processo, que aparentemente envolve um simples consumo de mídia digital, parece esconder um fenômeno mais profundo, que influencia de maneira complexa e multifacetada o desenvolvimento emocional, cognitivo e físico das crianças. Em muitas situações, o uso de dispositivos digitais é introduzido de forma pouco reflexiva e até mesmo abusiva, com o objetivo de acalmar ou distrair as crianças, especialmente em momentos que exigiriam delas paciência ou atenção emocional. Este fenômeno não é restrito ao ambiente familiar, mas também permeia a educação e outros espaços sociais, onde o tempo de exposição às telas é crescente. A utilização excessiva dessas tecnologias tem se mostrado preocupante não apenas para profissionais da educação, que observam as consequências no processo de aprendizagem, mas também para os profissionais da saúde, que relacionam essa prática a uma série de problemas físicos, cognitivos e emocionais.
As consequências do uso excessivo de telas nas crianças são amplamente reconhecidas em estudos realizados por instituições de saúde, como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) (2019) e a Academia Americana de Pediatria (AAP) (2016). Entre os impactos negativos mais destacados, podemos citar cefaleias, distúrbios do sono, miopia, perda auditiva, além de problemas de postura e deformações na coluna vertebral, que são particularmente evidentes em crianças em fases de crescimento ósseo e muscular. Esses efeitos não são apenas físicos, mas também emocionais e sociais. Crianças que passam longos períodos em frente a telas apresentam maior risco de déficits de linguagem, dificuldades de socialização e transtornos afetivos, incluindo depressão infantil e ansiedade. Fenômenos emergentes, como a síndrome do toque fantasma (sensação de que o celular está tocando mesmo quando está fora de uso) e a nomofobia (medo de ficar sem o celular), também estão sendo identificados como consequências do uso excessivo de dispositivos digitais. O uso de dispositivos tecnológicos por crianças não deve ser considerado de maneira simplista, como um mero objeto de consumo, mas sim inserido em uma rede complexa de interações que envolvem atores humanos e não humanos, conforme proposto pela Teoria Ator-Rede (TAR), formulada por Bruno Latour (2005) e John Law (1992). Segundo essa teoria, a sociedade e a realidade social não devem ser compreendidas como um conjunto de entidades separadas, mas sim como uma teia dinâmica de interações entre humanos e não-humanos, como os dispositivos digitais. Nesse modelo, as telas deixam de ser vistas apenas como instrumentos passivos e começam a ser entendidas como atores ativos no processo de formação das subjetividades e das relações sociais.
A TAR propõe que as interações entre as crianças e as telas não são meros episódios de uso passivo, mas fazem parte de uma rede de conexões que impactam a construção dos sentidos e experiências infantis. Cada interação entre criança e tecnologia mobiliza outros atores e elementos simbólicos, como a família, a escola, os amigos, e até mesmo os conteúdos digitais. A tecnologia, portanto, não apenas mediatiza as relações sociais, mas produz e transforma essas relações, criando formas de interação e comunicação.
O uso crescente de dispositivos digitais, no entanto, impõe desafios à qualidade e à frequência das experiências lúdicas das crianças, como destaca Donald Winnicott (1971/1975), que compreende a brincadeira como uma manifestação dos fenômenos transicionais, situados entre o mundo interno e a realidade objetiva. Para Winnicott, o brincar é um processo essencial para o desenvolvimento emocional e social das crianças, pois é por meio dele que a criança estabelece conexões significativas com o mundo, com os outros e consigo mesma. A brincadeira livre, que ocorre no contato com a natureza ou em contextos mais espontâneos, é um dos meios mais eficazes para o desenvolvimento da criatividade, da imaginação e da empatia. Entretanto, a crescente presença de tecnologias digitais no cotidiano infantil tem reconfigurado a brincadeira de formas que nem sempre favorecem esses aspectos essenciais. Ao substituir brincadeiras ao ar livre ou atividades manuais por interações mediadas por telas, muitas vezes há uma redução na espontaneidade, na interatividade física e na imersão sensorial, elementos fundamentais para o pleno desenvolvimento infantil. O uso de telas para entretenimento pode inibir a imaginação e reduzir o engajamento corporal, impactando negativamente a saúde física e o bem-estar emocional das crianças.
As principais diretrizes pediátricas, como as da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Academia Americana de Pediatria (AAP), enfatizam que o uso das tecnologias deve ser monitorado e limitado, especialmente durante a primeira infância, a fase mais crucial para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais e sociais. A recomendação é que as crianças tenham limites claros quanto ao tempo de exposição às telas, priorizando a qualidade da interação em vez da quantidade. O uso excessivo de dispositivos digitais está associado a atrasos no desenvolvimento da linguagem, distúrbios do sono, problemas de atenção e déficits na socialização, afetando a capacidade das crianças de interagir e compreender o mundo ao seu redor.
A Academia Americana de Pediatria (AAP) (2016) vai além ao associar o uso excessivo de telas a problemas de obesidade e déficits no desenvolvimento cognitivo e emocional, destacando a necessidade de controle parental como medida essencial para mitigar os efeitos adversos dessa prática. Embora reconheça que as tecnologias, quando utilizadas de forma orientada e pedagógica, podem ser valiosas ferramentas no processo educativo, a AAP enfatiza que a interação digital não deve substituir as experiências sensoriais e as atividades de brincadeira ao ar livre, que são fundamentais para o desenvolvimento infantil.
Embora as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) apresentem desafios claros, elas também possuem um grande potencial educativo. A partir da perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, Oliveira, Mello e Franco (2020) argumentam que as TDIC, devido ao seu potencial comunicativo, interativo e multissensorial, podem ser potencialmente benéficas para o desenvolvimento cognitivo das crianças, desde que integradas a uma organização didática intencional e crítica. As tecnologias podem ser usadas para fomentar o pensamento científico, a interação social e a criatividade, especialmente quando inseridas em propostas pedagógicas que incentivem a colaboração e a reflexão crítica. A verdadeira questão, portanto, não reside em uma dicotomia entre natureza e tecnologia, mas em como articular esses dois elementos de maneira equilibrada e harmônica no cotidiano das crianças. Após o período da pandemia de Covid-19, que acelerou a introdução de tecnologias nas rotinas educacionais, é essencial questionar como as crianças interagem com as telas e como a brincadeira, um elemento crucial para seu desenvolvimento, foi reconfigurada nesse contexto.
A reflexão sobre o uso de Tecnologias Digitais na educação infantil não pode se restringir a uma análise simplista do tempo de exposição, mas deve considerar os modos de interação e as qualidades da experiência proporcionadas por essas tecnologias. As TDIC, quando bem integradas ao processo educativo, têm o potencial de enriquecer o aprendizado e fomentar a interação social. Contudo, é imprescindível que o uso dessas ferramentas seja equilibrado com experiências sensoriais e afetivas que muitas vezes só podem ser vividas no contato com a natureza. Neste contexto, a educação infantil deve proporcionar um espaço plural, onde as crianças possam experimentar tanto as tecnologias quanto a natureza de forma integrativa. A busca por esse equilíbrio é imprescindível para garantir um desenvolvimento saudável e pleno, onde as tecnologias sejam aliadas e não substitutas das interações humanas e do vínculo com o mundo natural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa empreendida ao longo deste trabalho buscou realizar uma investigação crítica sobre os impactos do uso excessivo de telas na infância, tendo como pano de fundo diversas perspectivas teóricas, clínicas, políticas e pedagógicas. Com o intuito de abordar a complexidade do fenômeno, exploramos Teoria Ator-Rede (TAR), os postulados da psicanálise winnicottiana, as diretrizes pediátricas e legais, e abordagens pedagógicas sensíveis à natureza e à cultura. O estudo visa construir um panorama multifacetado, revelando como as infâncias contemporâneas estão sendo moldadas por interações intensivas com tecnologias digitais e pela desconexão progressiva com o mundo natural.
A Teoria Ator-Rede (TAR), como proposta por Bruno Latour (2005) e John Law (1992), oferece uma abordagem essencial para compreender a tecnologia não apenas como uma ferramenta, mas como um ator ativo que influencia e redefine as relações sociais e as subjetividades das crianças. Essa teoria quebra a dicotomia tradicional entre humano e não-humano, tratando dispositivos tecnológicos como agentes sociotécnicos que não apenas mediam, mas também produzem e transformam as relações sociais e a percepção do mundo. De acordo com a TAR, os dispositivos digitais são mais do que simples objetos: são atores que mobilizam e alteram as experiências cotidianas, afetando as práticas pedagógicas, a socialização e o desenvolvimento emocional das crianças. Dentro deste modelo teórico, o uso excessivo de dispositivos digitais, ao se tornar uma prática constante e muitas vezes não refletida, reconfigura os modos de estar no mundo das crianças. O uso intensivo dessas tecnologias não só modula o comportamento das crianças, mas também intervém diretamente na construção de subjetividades, fazendo com que as relações sociais se tornem mediadas de maneira cada vez mais impessoal, através de telas, em detrimento do contato direto com outras pessoas e com o ambiente físico.
Sob a ótica da psicanálise winnicottiana, a importância do brincar espontâneo e do ambiente facilitador para a constituição psíquica da criança torna-se ainda mais evidente. Donald Winnicott (1971/1975) destaca que a brincadeira, como fenômeno transicional, é o espácio simbólico que permite à criança estabelecer uma conexão genuína com o mundo, equilibrando o mundo interno com a realidade externa. A brincadeira livre promove a autonomia e a expressão emocional, proporcionando à criança os instrumentos para a construção do self e das relações sociais. A presença contínua e desmedida das telas no cotidiano infantil compromete essas bases fundamentais. O que deveria ser um espaço de desenvolvimento psíquico e emocional é substituído por interações rápidas e superficiais com dispositivos eletrônicos, afetando as funções simbólicas e dificultando o estabelecimento de vínculos afetivos e emocionais profundos. Em vez de interagir com o mundo de forma concreta e sensorial, a criança acaba mediada por telas, prejudicando o desenvolvimento emocional e o processo de construção do self.
As diretrizes pediátricas, como as emitidas pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) (2019) e pela Academia Americana de Pediatria (AAP) (2016), enfatizam a importância de se estabelecer limites claros no uso de telas durante a infância, com foco na qualidade das interações, mais do que no tempo de exposição. De acordo com essas entidades, a exposição precoce e excessiva a dispositivos digitais está associada a uma série de riscos para a saúde física e psicológica das crianças, como déficits no desenvolvimento da linguagem, distúrbios do sono, dificuldades de socialização, e obesidade. Além disso, é crescente a preocupação com transtornos emocionais, como a ansiedade e a depressão infantil, que podem ser exacerbados pelo uso desmedido de telas. Entretanto, embora as diretrizes alertem para os danos causados pelo uso excessivo, elas também reconhecem que as tecnologias digitais, quando bem integradas e utilizadas de forma intencional no contexto educacional, podem desempenhar um papel positivo no desenvolvimento infantil. As TDIC, quando usadas de maneira crítica e com objetivos pedagógicos claros, têm o potencial de enriquecer a aprendizagem e ampliar as possibilidades de interação das crianças com o mundo.
É nesse contexto de desafios tecnológicos que as abordagens pedagógicas sensíveis à natureza ganham destaque, como uma alternativa para combater os efeitos negativos do uso excessivo de telas. O filme Tainá – Uma Aventura na Amazônia (2000) oferece uma poderosa metáfora para a educação ambiental e a importância do contato com a natureza no desenvolvimento infantil. A protagonista Tainá, uma criança indígena que cresce na floresta, aprende não apenas técnicas de sobrevivência, mas também valores essenciais como empatia, solidariedade e cuidado com a vida. Ao se relacionar com os elementos naturais – observando, ouvindo, cuidando – Tainá desenvolve uma consciência ecológica que transcende o simples aprendizado prático, tornando-se um processo de conexão afetiva com o mundo ao seu redor. Esse aprendizado, que emerge diretamente da vivência sensorial e da interação com a natureza, sugere que as crianças podem aprender de forma mais profunda quando estão imersas em contextos que as conectam diretamente com o mundo natural. A educação ambiental, portanto, deve ser considerada como um pilar essencial no processo educacional, não como um conteúdo secundário, mas como uma dimensão básica para a formação integral das crianças, reconhecendo seu direito a viver em um ambiente saudável e interagir com a natureza de forma livre e espontânea.
A proposta de Fleury (2018) sobre o desemparedamento da infância surge como uma crítica ao modelo de escolarização que restringe a experiência das crianças aos limites físicos da sala de aula, e à necessidade de transformar os espaços educativos em ambientes que permitam à criança vivenciar experiências diretas e sensoriais com o mundo. Fleury defende que a escola deve ser um lugar de encontro com a natureza, em que jardins, parques, hortas e trilhas se tornem ambientes de aprendizado ativo e descoberta. Nesse sentido, a natureza não deve ser encarada como um conteúdo acessório ou complementar, mas como parte integrante e estruturante do processo educativo. Esse desemparedamento simbólico e físico proporciona uma educação mais viva, mais sensível, e mais conectada com o ritmo natural da vida, permitindo que as crianças se tornem agentes ativos na construção de seus próprios conhecimentos.
Programas pedagógicos como a Coleção Sou Criança, desenvolvida pelo SAE Digital, exemplificam como essas ideias podem ser aplicadas na prática educativa. Alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a coleção propõe atividades que estimulam a exploração dos elementos naturais em cada fase do desenvolvimento infantil. Ao associar atividades práticas, sensoriais e familiares, essas propostas pedagógicas visam resgatar o vínculo das crianças com o planeta, combatendo o déficit de natureza e promovendo um aprendizado integral que engloba tanto o conhecimento científico quanto o desenvolvimento emocional e socioambiental. Em face dos impactos negativos do uso excessivo de telas, é indispensável que a educação infantil busque um equilíbrio entre o uso das Tecnologias Digitais e o contato direto com o ambiente natural. A reflexão sobre as interações das crianças com as tecnologias, como exposto neste trabalho, não deve se limitar ao simples controle de tempo de tela, mas deve envolver uma reconfiguração das práticas educativas, promovendo experiências sensoriais e afetivas que muitas vezes só podem ser vivenciadas no contato com a natureza. Ao integrar a tecnologia com a natureza e a pedagogia sensível, as escolas podem contribuir para a formação de sujeitos mais conscientes, conectados e responsáveis com o mundo ao seu redor.
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1 Discente do Curso de Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis).
2 Discente do Curso de Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis).
3 Docente dos Cursos de Pedagogia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Ciências da Computação (UNESA-RJ). Doutorando em Educação pela Universidade Nacional de Rosário (UNR-ARG). Mestrado em Educação (UNESA-RJ). MBA em Data Warehouse e Business Intelligence (FI - PR). Pós-Graduado em Engenharia de Software, Antropologia, Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Educação no Campo, Filosofia e Ciência da Religião (FAVENI-MG). Historiador pela Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP). E-mail: [email protected]
4 O Artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trata dos direitos da criança, do adolescente e do jovem, destacando o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar esses direitos com absoluta prioridade. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988b).
5 O Artigo 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988 trata do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, estabelecendo que este é um direito de todos e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (Brasil, 1988a).