A IMPORTÂNCIA DOS PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS RACIAIS HISTÓRICOS NA EDUCAÇÃO

PDF: Clique Aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10345734


Sandra Cristina Leite¹
Sinnara Gomes de Godoy França²

RESUMO
Este estudo tem como escopo os principais acontecimentos que marcam o contexto histórico racial, considerando os desafios iminentes preconceito, discriminação, injúria racial, dentre outros, que que se inseriram em meio sociedade brasileira ao longo dos anos. Nesse contexto, cita-se que conhecer alguns desses acontecimentos é de suma importância para as diferentes culturas, em especial quando se trata da Afro-brasileira. Diante disso, o objetivo do estudo foi investigar os principais acontecimentos raciais que marcaram historicamente a educação brasileira. Para responder ao objetivo em foco, foi desenvolvida uma revisão bibliográfica de cunho narrativo, pesquisada em bibliotecas virtuais em diferentes modalidades de trabalhos, tais como artigos cientificas, revistas, monografias e outros. Com isso, os resultados obtidos com o presente artigo, evidenciaram que os acontecimentos históricos raciais são relevantes para que a cultura Afro-brasileira seja entendida por todos aqueles que manifestam interesse, como estudiosos, pesquisadores, adeptos do tema etc. Diante disso, concluiu-se que os acontecimentos raciais que permeiam a sociedade brasileira refletem de modo expressivo ao se abordar a cultura Afro-brasileira os seus principais acontecimentos nesse sentido.
Palavras-chave: Afro-brasileira; Acontecimentos raciais; Cultura; Educação; História
 
ABSTRACT
This study has as its scope the main events that mark the racial historical context, considering the imminent challenges prejudice, discrimination, racial injury, among others, that have been inserted in Brazilian society over the years. In this context, it is mentioned that knowing some of these events is of paramount importance for different cultures, especially when it comes to Afro-Brazilian. Therefore, the objective of the study was to investigate the main racial events that historically marked Brazilian education. To respond to the objective in focus, a bibliographic review of a narrative nature was developed, researched in virtual libraries in different types of works, such as scientific articles, magazines, monographs and others. Thus, the results obtained with the present article showed that racial historical events are relevant for Afro-Brazilian culture to be understood by all those who express interest, such as scholars, researchers, supporters of the theme, etc. In view of this, it was concluded that the racial events that permeate Brazilian society reflect in an expressive way when approaching the Afro-Brazilian culture its main events in this sense.
Keywords: Afro-Brazilian; Racial events; Culture; Education; History
 
1. INTRODUÇÃO
 
A história da educação do negro pode ser considerada como uma história de um conjunto de fenômenos, uma vez que parte da concepção do veto ao negro, percorre os caminhos da articulação de consciência dos seus direitos, além de procurar ressignificar a função social da escola (QUANE et al., 2005). Contudo, ainda é preciso recuperar de fato os movimentos no sentido de organizar suas experiências educativas e escrever uma nova história social da educação do negro.
 
Embora tenha se assistido no final do século XX, no âmbito escolar, palavras como diversidade, inclusão, democracia, diálogo, respeito, entre outras, e com isso, tais nomenclaturas tenham ganhado mais espaço na sociedade, mesmo com sentidos e significados diferentes para aqueles que evocam essas palavras, nota-se que ainda há um longo caminho a ser percorrido.
 
Para melhor delimitar o tema, discorreu-se sobre dois tópicos específicos, no primeiro tratou-se dos principais acontecimentos raciais no contexto histórico da educação e no segundo, buscou-se evidenciar como esse ensino ocorreu ao longo dos anos nas escolas brasileiras.
 
A partir de tais prerrogativas, a justificativa plausível para este estudo é o fato de que o ambiente escolar tem acompanhado as muitas mudanças no que se refere aos acontecimentos históricos que envolvem a questão racial e a cultura Afro-brasileira. Logo, grifa-se que os referidos acontecimentos ocorreram de modo gradativo e lento em meio a sociedade.
 
Logo, o objetivo do estudo foi investigar os principais acontecimentos raciais que marcaram historicamente a educação brasileira. Para responder ao objetivo em foco, foi desenvolvida uma revisão bibliográfica de cunho narrativo, pesquisada em bibliotecas virtuais em diferentes modalidades de trabalhos, tais como artigos cientificas, revistas, monografias e outros. 
 
2. ACONTECIMENTOS RACIAIS HISTÓRICOS NA EDUCAÇÃO
 
Em termos como inclusão, diversidade, preconceito, democracia, respeito, entre outras, podem apresentar significados opostos, dado que, ao mesmo tempo em que tratam de verdade, carregam consigo a manipulação (LARROSA; SKLIAR, 2001). Para Vygotsky (1993), no uso de uma palavra, o sentido e o significado dessa palavra são diferentes, pois o sentido remete a algo mais amplo, pois traz à nossa consciência os eventos psicológicos despertados por determinada palavra. 
 
Por sua vez, significado refere-se a uma pequena parte do sentido, sendo algo mais delimitado e preciso. Assim sendo, compreende-se que o significado de um termo é a parte que compõe a consciência individual, sendo estabelecido por meio de uma interação entre as pessoas, portanto, possui caráter social.
 
Muitas são as ocorrências de preconceito e discriminação no ambiente escolar. Fatos como esses denotam que o racismo perpassa tanto o discurso quanto a ação, levando até mesmo à violência física. Isso é evidenciado por meio de relatos de inúmeros estudantes (crianças, adolescentes e jovens) negros. Esses relatos contemplam desde a falta de empatia de professores até piadas e exclusões por parte dos colegas; e mais, há casos de acusações sem prova de furto pelo simples fato que um indivíduo é julgado pela cor de sua pele. Esse processo é histórico e continua a marginalizar estudantes negros no país.
 
Para Gomes (2003), a escola é uma das reprodutoras das representações negativas que se tem sobre o povo negro no país, o que vai na contramão daquilo que se espera dessa instituição social, que é o de transmitir e socializar conhecimentos e culturas. Observa-se que muitos conteúdos escolares e sua difusão por meio de materiais didáticos reforçam o racismo subjetivamente, desestimulando muitos estudantes negros. Não há valorização, nesses materiais, das culturas africana e afro-brasileira. Por outro lado, percebe-se uma superestimação de valores eurocêntricos, daquilo que deve ser almejado e alcançado.
 
Diante disso, nota-se que se faz necessária e urgente a criação, dentro das escolas, de um ambiente que valorize, em especial, a cultua afro-brasileira, subsidiando discussão e a promoção de atividades pedagógicas. São essas representações que alcançam a essência das crianças negras do país.
 
A lei n.º 10.639/2003 consistiu em marco para a mudança do paradigma no currículo escolar, visto que inseriu, no currículo, a história e a cultura afro-brasileira e africana como tema obrigatório. A referida lei altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", conforme é prescrita no arts. 26-A, 79-A e 79-B. que seguem:
 

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. "Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacional da Consciência Negra'" (BRASIL, 2003, p. 1).

Portanto, o que antes não tinha na LDB de 1996, com a Lei n.º 10.639/2003 foi acrescido, evidenciando assim, a importância ada inserção História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas brasileiras como um todo. Interessante mencionar ainda a ênfase dada ao 'Dia Nacional da Consciência Negra' que também foi incluído no calendário escolar como forma de reforçar a aprendizagem a luta contra a discriminação e racismo como um todo.
 
Em síntese, a lei nº 10.639/20039 alterou os artigos 26-A e 79-B da LDB10 Lei nº 9394/96, determinando a obrigatoriedade de estudos que se ligam à História e Cultura AfroBrasileira nos níveis que compõem o ensino da educação básica, estabelecendo como conteúdo programático nas disciplinas do currículo o estudo da História da África e dos Africanos , a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes a história do Brasil (BRASIL, 2003).
 
Todavia, diversos são os obstáculos que impedem que esse tema seja explorado em sua completude, pois na teoria é uma coisa, na prática nem sempre os conteúdos são ministrados como deveriam. Um desses obstáculos diz respeito ao racismo incrustrado na cultura brasileira (FREIRE, 2005).
 
Ademais, quando se trata de história e cultura, essas vertentes não devem ser exclusivas dessa ou daquela disciplina, visto que a contribuição do povo africano reside em todas as áreas do conhecimento; portanto, pode ser explorada por todos os componentes curriculares. E ainda, o governo deve promover projetos voltados para a educação e a conscientização dos professores com relação ao combate ao racismo no ambiente escolar, pois há muitos profissionais que não estão preparados e nem capacitados para resolverem situações problema que envolvam racismo e preconceito (GOMES, 2003).
 
Nesse viés, Cavalleiro (2005) afirma que a discriminação, pode ser percebida quando em condições sociais dadas, de supostas igualdades entre brancos e negros, se evidencia um favorecimento para um determinado grupo nos aspectos social, educacional e profissional. Fato que acaba descaracteriza a luta por igualdade que se busca para o cumprimento do currículo escolar e de outras situações que são vivenciadas na sociedade pelos negros.
 
Diante do exposto, pode-se asseverar que a instituição escola não pode ignorar essas questões, pois seu foco é a elaboração de conhecimentos e a promoção da cidadania. E isso não ocorre omitindo-se diante dos fatos. Assim, não se pode separar o destino dos indivíduos do destino de uma sociedade; em outros termos, não se pode jogar nas costas dos indivíduos a responsabilidade total pelo seu destino, bem como não se pode esperar que a escola resolva os problemas sociais e emancipe as pessoas.
 
O que se pode esperar é uma escola que acolha crianças e adolescentes negros e forneça a eles os instrumentos necessários para que possam se desenvolver como qualquer outro indivíduo. Neste sentido, o discurso dentro dessa instituição deve ser modificado para que reflexos positivos sejam vistos na vida social como um todo (FREIRE, 2005).
 
Ademais, é importante dar visibilidade às questões raciais, damos visibilidade aos alunos e permitimos a eles a compreensão histórica de toda a diversidade etnicorracial por trás da formação da sociedade brasileira (negros e índios). Além disso, ao valorizarmos demais grupos étnicos, expomos as desigualdades que permeiam a sociedade e problematizamos o falso discurso de que na sociedade brasileira não existe racismo (FREIRE, 2005).
 
A aceitação dos outros, com suas necessidades e diferenças, é o elemento principal de uma convivência social harmônica e saudável. Assim, ao se estabelecer um diálogo aberto, estruturado, fundamentado, democrático e crítico no ambiente escolar, permitimos que a voz daqueles que sofrem com o racismo tenha força na escola, na vida social, nas redes sociais e em outros âmbitos (GOMES, 2003).
 
3. O ENSINO NA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA
 
A criação de espaços de luta em favor da igualdade racial no Brasil perpassa os séculos, desde a formação de quilombos (XVI) até a criação de instituições ou associações no início do século XX (CASTRO et al., 2009). Nesse cenário, o desafio em inserir conteúdos próprios sobre a história e a cultura afro-brasileira e africana, no currículo das escolas é uma reivindicação dos Movimentos Sociais Negros, desde o início do século XX.
 
No entanto, apesar da pressão interna em torno da valorização de tal temática, apenas a partir da segunda metade do século passado o Estado brasileiro passou a se interessar, efetivamente, no desenvolvimento de políticas de compensação, entendendo a importância em salvar a história da cultura Africana no Brasil (MIRANDA, 2004).
 
Essa questão pôs o país em meio a um compromisso internacional de combate ao racismo e a discriminação, como, por exemplo, foi visto na Convenção da UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura no ano de 1960 que visava combater todas as formas de racismo na educação e em, 2001, na Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminação Correlatas (MIRANDA, 2004).
 
No início desse século, tem-se a criação de diferentes espaços com o objetivo de dar maior visibilidade à população negra, conforme pode ser vislumbrado no quadro 1 que segue:
 
Quadro 1 - décadas que marcaram a evolução das questões raciais no Brasil
Décadas
 
Principais acontecimentos
 
Na década de 1930 e 1940
 
A criação da Frente Negra Brasileira que defendia a educação como caminho para a promoção da igualdade racial no país, e o Teatro Experimental do Negro (TEN) que objetivava inserir no teatro brasileiro o negro como tema, intérprete e criador.
 
Na década de 1950
 
Surge a Associação Cultural do Negro (ACN) que teve como proposta a construção de uma ideologia para o negro brasileiro.
 
Na década de 1960 e 1970
 
Acontecimentos fora do Brasil como a luta dos negros estadunidenses por direitos civis, as lutas de independência dos países africanos e, internamente, a ditadura militar no Brasil, espalharam a semente da militância negra.
Na década de 1990
 
O censo do IBGE (1999) apresenta variantes de pertencimento étnico-racial no que diz respeito à população negra.
 
Anos 2000
 
As mudanças no contexto étnico-racial ainda acontecem de modo tímido.
 
Fonte: Adaptado de CASTRO et al., (2009).
A Constituição de 1988, em seu art. 3º, item IV, registrou a importância em se garantir o bem de todos, sem comprometer o local de origem, raça, cor, idade ou outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). Em seu art. 5º, inciso 42, está escrito que a prática de racismo constitui um crime inafiançável e imprescritível. O art. 215, §1º, registra a proteção às manifestações culturais (BRASIL, 1988).
 
Em nível nacional, o Decreto nº 1.904/1996, referente ao Programa Nacional de Direitos Humanos, reconhece o valor histórico do esforço dos negros na construção do país. Nele, pode ser citado, o Art. 1º “Fica instituído o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, contendo diagnóstico da situação desses direitos no País e medidas para a sua defesa e promoção, na forma do Anexo deste Decreto” (BRASIL, 1996). Em outras palavras, o artigo em foco explica sobre a garantia dos direitos dos negros na concepção dos Direitos humanos. Além disso, no Art. 2º do Decreto nº 1.904/1996, o PNDH apontou como objetivos:
 

I - A identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos diretos humanos no País;
II - A execução, a curto, médio e longo prazos, de medidas de promoção e defesa desses direitos;
III - a implementação de atos e declarações internacionais, com a adesão brasileira, relacionados com direitos humanos;
IV - A redução de condutas e atos de violência, intolerância e discriminação, com reflexos na diminuição das desigualdades sociais;
- A observância dos direitos e deveres previstos na Constituição, especialmente os dispostos em seu art. 5°;
VI - A plena realização da cidadania (BRASIL, 1996, p. 1). 

Sobre cada um dos itens abordados Art. 2º do Decreto nº 1.904/1996 fica claro que se priorizou a identificação dos principais obstáculos que interferiam nas questões de garantias de direitos humanos aos negros. Também foi possível analisar que a promoção desses direitos, em especial para a população negra acontece de forma lenta, mediana e as vezes pode demorar muito para serem executados.
 
Em relação a implementação de atos e declarações internacionais ligados aos direitos dos negros também ganhou destaque no PNDH. Foi neste programa que foi notada a diminuição de condutas e atos de violência, intolerância e discriminação, refletindo também no que se refere as desigualdades socais.
 
Outro aspecto interessante foi a observância dos direitos e deveres previstos na Constituição, principalmente os que estão estabelecidos no Art. 5° e, consequentemente a evidenciação da plena realização da cidadania. Todavia, é sempre bom reforçar que os ganhos nesse sentido sempre foram obtidos com muita luta.
 
Também vale mencionar as leis 7.7161/1999; 8.081/1990 e 9.459/1997, que regulamentam crimes decorrentes de preconceito de raça, cor de pele, religião, etnia ou país de origem, estabelecendo sanções aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito. Também integra o disposto a Lei nº 8.096 (Estatuto da Criança e do Adolescente), de 13 de junho de 1990, e o Plano Nacional de Educação, a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. (MIRANDA, 2004).
 
Dada uma legislação tão vasta e esclarecedora sobre a gravidade do tema, seria natural concluir que as discussões sobre discriminação e o preconceito racial no Brasil houvessem se esgotado já no século XX. No entanto, embora os dispositivos legais trouxessem mudança no entendimento da questão, na prática, a adesão social tem-se revelado limitada e a situação de segregação vivenciada pelos afrodescendentes ainda se mantém (MIRANDA, 2004). 
 
No campo educacional, entre as medidas afirmativas que visam combater as desigualdades sociais brasileiras, bem como propiciar desconstruções e construções necessárias para práticas da promoção de igualdade racial, são previstas na legislação pertinente à Educação das Relações Étnico-Raciais (CASTRO et al., 2009).
 
No contexto específico da educação, o assunto é tratado na Lei 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nos arts. 26, 26-A e 79-B, que definem um acesso igual, a todos os brasileiros, a diferentes fontes da cultura nacional brasileira, assim como igualdade de condições de vida e direito à cidadania e cultura que compõem a nação brasileira (BRASIL, 1996).
 
Em 1998, foi lançado os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), ficando definido pelo ministro da Educação e do Desporto que os parâmetros curriculares nacionais precisam respeitar a diversidade regional, cultural e política existente no país e, também considerar a necessidade de desenvolver referências nacionais comuns ao processo educacional em todas as regiões brasileiras. Foi desenvolvido com o objetivo de criar condições nas escolas que permitam aos jovens acessar um conjunto de conhecimentos socialmente desenvolvidos e reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania (BRASIL, 1998).
 
O discurso do ministro fala do respeito e da valorização da diversidade cultural com o objetivo de exercer a cidadania. Segundo Souza (2003), os PCNs também apresentam uma nova maneira de se abordar as questões sociais, inserindo os chamados "temas transversais" que não constituem propriamente um novo domínio do conhecimento, mas um conjunto de temas que permeiam diferentes áreas, compondo seus conteúdos e diretrizes didáticas.
 
Vale ressaltar que a "pluralidade cultural", entre os temas transversais descritos pelos PCNs, abordada sob a perspectiva do respeito e reconhecimento da diversidade étnica e cultural que constitui a sociedade, merece um destaque especial.
 
Todavia, foi somente por meio da Lei n.º 10.639 que a discussão sobre o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira passou a ter maior relevância no âmbito do Ensino Básico. Assim, a referida lei, publicada em 9 de janeiro de 2003, incluiu, no currículo das redes de ensino, a obrigatoriedade do estudo acerca da história e da cultura afro-brasileira e africana.
 
Esse processo consistiu em marco legal e conquista histórica dos movimentos minoritários em defesa dos negros, refletindo a resistência e o combate ao preconceito étnico-racial, marcando, dessa forma, a história da educação no Brasil (MIRANDA, 2004). Isso porque levantou discussões sobre a importância de se estudar e resgatar a cultura e a história do povo negro no país. 
 
Desse modo, alegou-se preocupação com a unidade de conteúdo, a qual poderia comprometer, conforme art. 7º, inciso II, da referida lei, norma de interesse público, como pontuada pela Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, não podendo a lei conter matéria diferente (estranha) de seu objeto. A despeito do veto, esse instrumento normativo possibilitou um amplo debate acerca do racismo e do preconceito na sociedade brasileira.
 
A fim de complementar a Lei nº 10.639/03, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em 10 de março de 2004, o Parecer nº 003/2004, fundamentando a Resolução n.º 1, também do CNE, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, vigorando a partir de 17 de junho de 2004. Esse parecer ratificou a importância da Lei nº 10.639/03 para resgatar e valorizar a história e a cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica.
 
O objetivo do Parecer nº 003/2004 é oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, ou seja, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade (BRASIL, 2004).
 
Todavia, o termo foi ressignificado pelo Movimento Negro que, em várias situações, o utiliza com um sentido político e de valorização do legado deixado pelos africanos. É importante, também, explicar que o emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial é usado para:
 

Marcar que essas relações tensas devidas a diferenças na cor da pele e traços fisionômicos o são também devido à raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que difere em visão de mundo, valores e princípios das de origem indígena, europeia e asiática (BRASIL, 2004, p. 1).

 
Dessa maneira, as relações entre os povos denotam que a questão étnico-racial sempre foi um problema entre as diferenças raças, porém, a população negra sempre foi a que mais sofreu com isso. Na verdade, essa população tem convivido de maneira tensa a cultura e o padrão estético negro e africano e um padrão estético e cultural branco europeu.
 
Outro fator que colabora para que os negros tenham de certo modo sua história registrada é o fato de 45% da população brasileira ser composta de negros e também o fato de não ter sido usar dados suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas.
 
Segundo Brasil (2004), ainda persiste no Brasil um imaginário étnico-racial que privilegia a população branca e valoriza principalmente as raízes europeias da sua cultura, ignorando ou quase não valorizando as outras, como a cultura indígena, a africana, a asiática, dentre outras.
 
Por outro lado, tem-se que considerar que os diferentes grupos, em sua diversidade, constituem o Movimento Negro brasileiro, têm comprovado o quanto é dura a experiência dos negros de ter julgados negativamente seu comportamento, ideias e intenções antes mesmo de abrirem a boca ou tomarem qualquer iniciativa.
 
Com isso, para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é preciso fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então chegar a uma decisão de que a sociedade queremos construir daqui para frente (BRASIL, 2004).
 
Essa decisão política impactou pedagogicamente a formação dos professores e o ensino nas escolas, contribuindo para a garantia de vagas para negros no ensino formal, objetivando reparar os séculos de exclusão vividos por esse povo. Ressalta-se ainda que o estudo acerca da história e da cultura afro-brasileira e africana não está restrito à população negra, pois essa é a própria história da sociedade brasileira, “pluriétnica e multicultura” (BRASIL, 2004).
 
Por mais que a Lei nº 10.639/03 propicie o debate acerca de questões que envolvem racismo, preconceito e desigualdade social no Brasil, ela só terá efetividade por meio de luta e resistência, de sua prática efetiva nas escolas. Caso contrário, é letra morta (MIRANDA, 2004).
 
Em Goiás, no que se refere à temática, destaca-se a Deliberação n.º 04, de 2 de agosto de 2006, do Conselho Estadual de Educação (CEE), que institui Normas Complementares às Diretrizes Curriculares para a educação das relações étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
 
Para que a lei 10.639/03 seja posta em prática é necessário que as escolas e os educadores tenham acesso a materiais que se adequem à proposta da lei, cabendo também às escolas encontrar um modo de redesenhar as aulas para encaixar os conteúdos exigidos. Sendo assim, o grande desafio é justamente colocar esse acesso em prática de fato.
 
Nesse contraponto, observa-se que os livros didáticos no Brasil, ainda não têm uma orientação que realmente contemple as raízes africanas do país (LIMA, 2016). Frente a isso, observa-se que existe pouco material de estudos produzido sobre a história e cultura dos Afro-brasileiros no Brasil; pude ter acesso a alguns materiais como o Kit “A cor da Cultura” e alguns livros de histórias que tem como protagonista negros (LIMA, 2016).
 
Para atingir os objetivos, os docentes devem organizar a prática pedagógica em relação ao ensino de História e cultura étnico-racial, o que segundo a lei 10.639/03 vai de encontro a ministrar:
 
Conteúdos curriculares de História terão que reorientar o ensino da História da África, dos Africanos e Afro-Brasileiros nos currículos de História, de Literatura e de Educação. Essa não será uma mudança qualquer. Ela exigirá uma revisão do livro didático, devendo contar com a contribuição dos educadores, dos autores, dos movimentos negros, dos editores e do governo. Uma questão fundamental para a redefinição desses novos conteúdos será a construção de um “novo olhar” sobre o negro (NEVES, 2005, p. 51).
 
Com base no disposto por Neves (2005), os docentes, seja da área especifica de História ou que trabalham do º ao 5º do Ensino Fundamental I devem adotar materiais que contemplem este ensino, bem como ressignificar a aprendizagem em diferentes contextos.
 
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais, por exemplo, o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, volta-se ao sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, buscando, dentre outras coisas:
 
Quadro 2 – o que deve ser valorizado ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nas escolas
Ordem
 
O que deve ser contemplado
 
1As reparações, reconhecimento e valorização da identidade
 
2Valorização da cultura e da história dos negros depende necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; e
 
3Apoiar desde professores a alunos como um todo em relação a garantia de direitos no que se refere a etnia-racial. 
 
Fonte: BRASIL (2007).
Com base no quadro 2, percebe-se que a intenção da lei em foco, é assegurar a construção de uma pedagogia da diversidade e da educação de relações étnico raciais, fazendo com que as pessoas reflitam e combatam a discriminação racial, valorizando a diversidade étnica, estimulando os valores e comportamentos de respeito e solidariedade.
 
Desse modo, o contexto inserido é visto como algo que deve ser trabalhado de forma contínua e engajado em uma temática pautada em um processo de luta pela superação do racismo e desigualdade, como isso podemos ver que uma das grandes intenções da lei é promover mudanças na escola e na sociedade, fazendo com que as crianças reflitam desde cedo sobre tais assuntos, através da temática de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, dessa forma é possível trabalhar o fortalecimento de identidades e de direitos e que culmina com ações educativas de combate ao racismo e a todo tipo de discriminação.
 
Quanto os materiais produzidos depois da implementação da lei 10.639/03, Lima (2016) pontua que existe pouco material de estudos produzido para o ensino da História e cultura negra, pois falta a valorização da própria história, além disso, os materiais que existem e chegam até as escolas são pouco utilizados.
 
Em suma, foi possível perceber que é de grande importância estudar e trabalhar o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas, pois a escola é o local privilegiado para trabalhar temas que permite formar cidadãos conscientes, possibilitando o educando ampliar seu horizonte existencial, cultural e crítico, e que levam os alunos a valorizar as várias culturas, a posicionar-se contra todo tipo de discriminação, como a cultural, social, religiosa, de gênero, de etnia, dentre outras (LIMA, 2016).
 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
Ao realizar este estudo foi possível perceber que apesar das leis em vigor em relação a questão racial ainda há um longo caminho para a construção do que efetivamente a Lei 10.639/03 que foi criada para ampliar essa discussão no ambiente escolar tem como expectativa, pois sendo a Lei Um “embrião”, constata-se que há um árduo caminho para uma “revolução cultural no Brasil”.
 
Talvez o desconhecimento da História do Brasil implica também essa percepção inicial, pois o que aparece nos questionários é o desconhecimento sobre tal parte da história. Desconstruir preconceitos sobre a África também aparece nos dados coletados, na medida em que o imaginário que se tem sobre o continente dificulta a elaboração de propostas pedagógicas sobre o tema.
 
Contudo, é sempre bom salientar que o uso de materiais nas escolas que auxiliem os professores a ministrar aulas que contemplem a História, cultura e etnia-racial ainda não são suficientes para a proposta que a 10.639/03 apresenta para o contexto que se vive desde a escravização e após alguns poucos avanços nesse sentido.
 
Isso indica a necessidade da inclusão de disciplinas na formação inicial e continuada de professores e gestores, pois ainda se encontram declarações de que a África é um país, e não um continente. Outro ponto importante nesse diagnóstico aponta também o silenciamento sobre as práticas racistas na escola e a postura desses professores e gestores com relação a estratégias de combate e prevenção à discriminação racial. 
 
Diante disso, concluiu-se que os acontecimentos raciais que permeiam a sociedade brasileira refletem de modo expressivo ao se abordar a cultura Afro-brasileira os seus principais acontecimentos nesse sentido. Logo, a sugestão que fica para aprofundar o tema é a realização de uma pesquisa de campo em escolas públicas para debater o tema entre os professores e alunos e também comunidade escolar como um todo.
 
Dessa maneira, o trabalho contribuirá para a reflexão sobre os acontecimentos históricos que ajudam a entender o processo de construção e desconstrução racial, uma vez que este ainda é um considerado um problema de cunho social em meio as unidades de ensino e na sociedade como um todo.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988.
 
BRASIL. Lei nº 8.096 - Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de junho de 1990. Brasília, 1990.
 
BRASIL. Decreto nº 1.904/1996. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1996/decreto-1904-13-maio-1996-431671-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em dez. de 2021. 
 
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional Lei 9.394/96. Brasília, 1996. 
 
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 1998.
 
BRASIL, Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Disponível: 
 
BRASIL. CNE. Parecer nº. 03 de 10 de março de 2004. Dispõe sobre as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana. Relatora: Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Ministério da Educação. Brasília, julho de 2004.
 
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2004. 
 
BRASIL. Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: SECAD; SEPPIR, 2009. 
 
CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2005.
 
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra - 42.ª edição, 2005.
 
GOMES, Nilma Lino. Educação, Identidade negra e formação de professores/as; um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Disponível em Revista educação e pesquisa, São Paulo, v, 29. nº 1, p. 1:jan/jan. 2003.
 
LARROSA, Jorge & SKLIAR, Carlos (Orgs.). Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
 
LIMA, Hanna Karoline Macedo de. A importância de trabalhar o ensino da história e da cultura afrobrasileira e africana em sala de aula / Hanna Karoline Macedo de Lima.– Cabaceiras: UFPB, 2016.
 
MIRANDA, Romeu. APP Sindicato. Jornal 30 de agosto. Edição Pedagógica Especial, outubro de 2004. 
 
NEVES, Gilberto. A discriminação racial na educação brasileira. In: Revista de Educação Popular, nº 4. Uberlândia: EDUFU, 2005.
 
QUANE, Adama. História da Educação do Negro e outras histórias/Organização: Jeruse Romão. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. 2005.
 
SOUZA, Marina de Melo. África e Brasil Africanos. São Paulo: Ática, 2003.  
 
CASTRO, Cristiana Gonzaga Candido de Souza et al. O ensino de história e cultura afrobrasileira e africana no Paraná: legislação, políticas afirmativas e formação docente. – SEED/PR. -p. 1-15, 2009.
 
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Aprendizado e Desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993.
 

¹ Mestranda do curso de Ciências da Educação pelo Instituto de Graduação e Pós-graduação de Goiás Universidade Americana.
 
² Professora Dra. do Instituto de Graduação e Pós-graduação de Goiás Universidade Americana.