A IMPORTÂNCIA DAS ATIVIDADES LÚDICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15540444


Angela Maria Caetano Queiroz1
Lorrayne Da Silva Fernandes2
Atila Barros3


RESUMO
A presente pesquisa discute a centralidade da ludicidade no processo educativo da infância, defendendo o brincar como eixo estruturante do desenvolvimento integral da criança. Fundamentado nas contribuições teóricas de Jean Piaget, Lev Vygotsky, Paulo Freire e Tizuko Kishimoto, o texto analisa como o jogo, a brincadeira e as atividades simbólicas favorecem a construção do conhecimento, a elaboração de emoções, a socialização e a autonomia. O brincar é compreendido como prática pedagógica significativa, que permite à criança experimentar, pensar, criar e agir sobre o mundo à sua volta, mobilizando múltiplas dimensões cognitivas e afetivas. A ludicidade, quando integrada de forma intencional ao planejamento docente, torna a aprendizagem mais leve, criativa e contextualizada, promovendo vínculos entre educadores e educandos. O artigo também destaca o papel do professor como mediador do brincar e a importância de condições institucionais adequadas para a implementação de práticas lúdicas.
Palavras-chave: Educação infantil; brincar; lúdico

ABSTRACT
This study discusses the centrality of playfulness in early childhood education, advocating for play as a structuring axis of the child's holistic development. Grounded in the theoretical contributions of Jean Piaget, Lev Vygotsky, Paulo Freire, and Tizuko Kishimoto, the text analyzes how games, play, and symbolic activities foster knowledge construction, emotional development, socialization, and autonomy. Play is understood as a meaningful pedagogical practice that enables the child to experiment, think, create, and act upon the world around them, engaging multiple cognitive and affective dimensions. When intentionally integrated into instructional planning, ludicity makes learning lighter, more creative, and contextually relevant, strengthening the bonds between educators and learners. The article also highlights the teacher's role as a mediator of play and the importance of adequate institutional conditions for the effective implementation of ludic practices.
Keywords: Early childhood education; play; ludicity

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa propõe uma análise aprofundada sobre o papel estruturante da ludicidade no processo educativo da infância, com ênfase nas contribuições que as práticas lúdicas oferecem ao desenvolvimento cognitivo, emocional, social e motor das crianças. A origem etimológica da palavra lúdico, do latim ludus, remete à ideia de brincar, no entanto, no campo educacional, essa concepção transcende o mero entretenimento e passa a designar uma abordagem metodológica que incorpora jogos, dinâmicas e atividades simbólicas como mediações fundamentais do processo de ensino-aprendizagem.

Conforme Piaget (1976), a criança, ao brincar, assimila a realidade à sua maneira, interagindo com os objetos não pela função objetiva que eles possuem, mas pelo significado que ela subjetivamente lhes atribui. Em Science of Education and the Psychology of the Child (1970), o autor enfatiza que “a brincadeira é uma forma de exercício das estruturas mentais em formação, que permite à criança representar e reorganizar a realidade por meio da ação simbólica” (Piaget, 1970, p. 37). Nesse processo, o brincar torna-se um modo peculiar de a criança construir conhecimento, explorar o mundo, exercitar a criatividade e desenvolver capacidades de adaptação diante dos desafios. De maneira convergente, Vygotsky (1998) considera o brincar como um dos principais instrumentos de desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Em sua teoria da zona de desenvolvimento proximal, o autor defende que a criança, ao se engajar em atividades lúdicas mediadas por adultos ou por colegas mais experientes, atua além de seu nível atual de desenvolvimento, antecipando aprendizagens que só se consolidarão plenamente no futuro. “Na brincadeira, a criança sempre se comporta acima de sua idade média e de seu comportamento diário; na brincadeira, ela é, por assim dizer, uma cabeça acima de si mesma” (Vygotsky, 1998, p. 102). A ludicidade, assim, representa o espaço privilegiado onde a imaginação encontra a mediação social, potencializando a formação da consciência e a internalização de significados.

As contribuições de Kishimoto (1994) reforçam essa perspectiva ao argumentar que o brincar, enquanto prática social e cultural, favorece o desenvolvimento da linguagem, da autonomia e das competências sociais. A autora destaca que a ludicidade é mais do que um instrumento didático: ela constitui uma linguagem própria da infância, por meio da qual a criança se expressa, organiza suas experiências e interage com o outro e com o mundo. O brincar está, portanto, no cerne da aprendizagem significativa, na medida em que conecta os conteúdos escolares à vivência concreta e simbólica do educando.

Na prática pedagógica, o papel do educador é determinante para que a ludicidade se efetive como estratégia de ensino intencional. Como mediador do processo de aprendizagem, o professor deve planejar, adaptar e orientar atividades que dialoguem com o repertório cultural da criança, respeitem seus ritmos de desenvolvimento e promovam experiências desafiadoras, porém acessíveis. Segundo Freire (1996), “ensinar exige respeito aos saberes dos educandos” (Freire, 1996, p. 27), e esse respeito, na educação infantil, concretiza-se na valorização do brincar como forma legítima de produção de conhecimento. Ao acompanhar de forma atenta as ações lúdicas, o docente não apenas observa, mas intervém pedagogicamente, ampliando as possibilidades de reflexão, criação e aprendizagem.

Salomão, Martini e Jordão (2007) argumentam que as situações de ensino não dirigidas, quando fundamentadas em uma pedagogia lúdica, proporcionam à criança um espaço de experimentação livre e responsável, onde ela se torna protagonista do próprio processo formativo. Tais práticas favorecem o desenvolvimento integral do sujeito, ao mesmo tempo em que cultivam um ambiente afetivo, acolhedor e esteticamente estimulante. A ludicidade permite que o erro seja incorporado como parte do aprendizado, reduz as tensões associadas à escolarização precoce e transforma o ato de aprender em uma vivência significativa e prazerosa. Além disso, conforme apontam Rosemberg e Silva (2008), o direito ao brincar é um direito à cidadania e à dignidade na infância, sendo dever da escola assegurar espaços, tempos e práticas que garantam essa experiência. A ludicidade, assim compreendida, deixa de ser vista como simples recurso e passa a ser reconhecida como eixo estruturante do currículo e como princípio ético-político que orienta toda a ação educativa.

A reflexão desenvolvida neste estudo aponta para a necessidade de uma reconfiguração da prática pedagógica na educação infantil, tendo a ludicidade como fundamento metodológico e epistemológico. As contribuições de Piaget, Vygotsky, Kishimoto e Freire evidenciam que o brincar não é acessório, mas essência do processo educativo na infância. Através dele, a criança explora o mundo, elabora significados, constitui sua subjetividade e aprende com sentido. Assim, torna-se urgente que políticas públicas, currículos escolares e práticas docentes reconheçam e promovam a ludicidade como um direito inalienável e como um recurso formativo de alta potência. Apostar no lúdico é afirmar a infância como tempo de potência, criatividade e aprendizagem viva. Que o brincar continue a ser não apenas tolerado, mas cultivado como gesto pedagógico de resistência, liberdade e humanização, um gesto que forma sujeitos críticos, sensíveis e profundamente comprometidos com a vida em toda a sua complexidade.

MÉTODO

A presente investigação caracteriza-se como uma pesquisa de natureza qualitativa, ancorada em revisão de literatura e na análise de documentos oficiais, com o objetivo de compreender, em profundidade, a centralidade das atividades lúdicas no processo educativo da primeira infância. Considerando a complexidade que envolve o desenvolvimento humano em suas múltiplas dimensões, cognitivas, emocionais, sociais e motoras, o estudo propõe discutir como o brincar, enquanto prática pedagógica intencional, pode configurar-se como instrumento estruturante da aprendizagem e da formação integral da criança no contexto da educação infantil.

O percurso metodológico baseou-se na leitura crítica e interpretativa de obras clássicas e contemporâneas, destacando-se os aportes de Jean Piaget e Lev Vygotsky. Em Science of Education and the Psychology of the Child (1970), Piaget concebe o brincar como uma forma simbólica de assimilação da realidade, por meio da qual a criança reorganiza cognitivamente o mundo à sua volta: “O jogo constitui uma atividade de exercício, uma assimilação funcional que prepara, por vias distintas, o surgimento da lógica e da construção das estruturas do pensamento” (Piaget, 1970, p. 36). No mesmo sentido, em A equilibração das estruturas cognitivas (1976), o autor destaca que a brincadeira opera como uma ferramenta fundamental na superação de desequilíbrios cognitivos, permitindo à criança desenvolver raciocínio, flexibilidade mental e criatividade.

Já Vygotsky, ao considerar o brincar como uma prática cultural mediada, aponta em A Formação Social da Mente (1998) que o jogo representa a principal atividade que favorece o avanço da criança para além de seu estágio atual de desenvolvimento. Por meio da ludicidade, a criança projeta-se simbolicamente, assume papéis, internaliza normas sociais e exercita funções psicológicas superiores como a atenção voluntária, a memória lógica, a linguagem e o pensamento abstrato. A zona de desenvolvimento proximal, conceito-chave na teoria vygotskiana, expressa precisamente esse intervalo em que o sujeito, com mediação adequada, é capaz de realizar aprendizagens que ainda não domina de forma autônoma. Assim, o brincar adquire estatuto de ponte entre a experiência externa e a elaboração interna do conhecimento, sendo um território de experimentação, descoberta e subjetivação.

O estudo também mobiliza a leitura da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que estabelece diretrizes para a educação básica no Brasil. A BNCC afirma que o brincar é um dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças e deve estar presente cotidianamente nas práticas pedagógicas da creche e da pré-escola. A ludicidade, nesse contexto, é compreendida não apenas como expressão espontânea da infância, mas como eixo estruturante do currículo, por meio do qual as crianças constroem conhecimentos, exercitam a imaginação, desenvolvem a linguagem e aprendem a conviver. Segundo o documento, o brincar deve ser planejado, contextualizado e intencional, sempre considerando as singularidades de cada criança, seus interesses, suas necessidades e seus tempos de aprendizagem.

Autores como Kishimoto (1994) também reforçam a importância de compreender o brincar como linguagem legítima e produtiva da infância. A autora argumenta que as atividades lúdicas não são desvinculadas da aprendizagem, mas, ao contrário, representam formas sofisticadas de expressão, de pensamento e de elaboração simbólica. Salomão, Martini e Jordão (2007), ao abordarem as situações de ensino não direcionado, destacam que o brincar livre e mediado oportuniza à criança o desenvolvimento de habilidades superiores de maneira sensível e contextualizada, promovendo experiências que envolvem raciocínio lógico, autorregulação, cooperação e resolução de conflitos. No centro dessa dinâmica encontra-se o papel do educador, cuja função é essencial para que as atividades lúdicas se transformem em práticas pedagógicas eficazes. Paulo Freire (1996), adverte que “ensinar exige reconhecer que a educação é um processo dialógico, problematizador e afetivo”. Cabe ao professor, portanto, atuar como mediador sensível e planejador intencional das situações de aprendizagem, organizando ambientes ricos, instigantes e provocadores de experiências que respeitem a infância como tempo de criação e potência. A ludicidade, nesse sentido, é também um gesto ético-pedagógico de reconhecimento do direito da criança de aprender com prazer, segurança e sentido.

Ao longo da pesquisa, evidencia-se que as atividades lúdicas não devem ser tratadas como meros momentos de recreação ou como estratégias de distração entre conteúdos “mais sérios”. Quando bem estruturadas, essas práticas constituem um campo fértil para a aprendizagem significativa, estimulando a criança a pensar criticamente, a interagir com o mundo, a lidar com emoções e a consolidar saberes por meio da ação. O brincar, portanto, é simultaneamente forma de expressão da subjetividade e caminho de constituição do sujeito epistêmico.

Diante das reflexões teóricas e das evidências documentais analisadas, conclui-se que a ludicidade ocupa um lugar central na educação infantil, configurando-se como dimensão formativa essencial ao desenvolvimento humano. As contribuições de Piaget, Vygotsky, Freire e Kishimoto revelam que o brincar não é apenas uma estratégia pedagógica eficaz, mas um direito educativo que precisa ser garantido, respeitado e valorizado. O planejamento e a intencionalidade das atividades lúdicas devem ser assumidos pelas instituições educacionais como parte integrante do projeto político-pedagógico, orientando a prática docente e ressignificando o processo de ensinar e aprender.

A presente pesquisa reafirma que brincar é, antes de tudo, um ato de conhecimento, uma experiência estética, afetiva e cognitiva que articula a ação com o pensamento, a linguagem com o corpo, a individualidade com a coletividade. Que o brincar, como linguagem da infância, continue sendo reconhecido como fundamento legítimo de uma pedagogia da infância crítica, criativa e emancipadora.

QUAL A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM?

Para compreender a importância da ludicidade no processo de ensino-aprendizagem, sobretudo no âmbito da educação infantil, é necessário, antes de tudo, examinar o que se entende por “lúdico” e como esse conceito se articula com as práticas pedagógicas voltadas ao desenvolvimento integral da criança. A palavra lúdica, oriunda do latim ludus, significa “jogo” ou “brincadeira”, mas, no campo da educação, adquire um significado mais amplo e epistemologicamente denso: refere-se a um modo de experienciar e construir o conhecimento por meio de ações simbólicas, criativas, expressivas e prazerosas. As atividades lúdicas compreendem brincadeiras, jogos, cantigas, narrativas orais, dramatizações, dinâmicas interativas, experiências sensoriais e outras formas de engajamento simbólico que correspondem ao modo mais genuíno pelo qual as crianças pequenas aprendem e se relacionam com o mundo. Como destaca Piaget (1970), “a atividade lúdica é a mais espontânea forma de expressão da criança” (Piaget, 1970, p. 52). Para o autor, o brincar é uma ferramenta central no processo de construção do conhecimento, uma vez que permite à criança assimilar a realidade, reorganizar estruturas cognitivas e desenvolver capacidades simbólicas. Ao brincar, a criança interage com o meio, experimenta, formula hipóteses, erra, acerta, recomeça, tudo isso dentro de um campo seguro e afetivamente significativo. Em sua teoria da equilibração, Piaget afirma que a aprendizagem ocorre quando o sujeito é desafiado a reorganizar cognitivamente as estruturas anteriores, e o brincar representa um contexto ideal para que esses desequilíbrios cognitivos aconteçam de forma natural.

Complementando essa perspectiva, Lev Vygotsky (1998), em A Formação Social da Mente, propõe que o brincar opera como um espaço privilegiado de desenvolvimento das funções psicológicas superiores, tais como atenção voluntária, memória lógica, linguagem e pensamento abstrato. Na atividade lúdica, a criança age simbolicamente, representa papéis sociais, negocia regras e opera dentro de um campo de significações compartilhadas. Nesse sentido, o jogo é compreendido como espaço de mediação cultural e de construção de sentidos. É a partir da interação com o outro, colegas, adultos, educadores, que a criança amplia sua zona de desenvolvimento proximal e internaliza funções mentais que ainda não domina sozinha. Assim, o brincar torna-se ponte entre o mundo externo e a elaboração interna do conhecimento, entre a ação concreta e a abstração simbólica.

A ludicidade na educação infantil não se restringe às brincadeiras espontâneas. Ela deve ser compreendida como um dispositivo metodológico, planejado intencionalmente pelo professor, de modo a respeitar os interesses, os ritmos e as particularidades de cada criança. Como destaca a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o brincar é um dos direitos fundamentais da criança e deve ocupar lugar central no currículo da educação infantil, não como recurso complementar, mas como fundamento da prática pedagógica. A BNCC reconhece que, por meio da ludicidade, as crianças desenvolvem competências essenciais, como criatividade, imaginação, curiosidade, cooperação e autorregulação emocional. Ao brincar, a criança aprende sobre si, sobre os outros e sobre o mundo, integrando emoção e cognição em um mesmo movimento formativo. Nesse contexto, a função do educador é de extrema relevância. Cabe a ele criar ambientes educativos ricos em estímulos sensoriais, afetivos e simbólicos, capazes de favorecer a ação lúdica e significativa da criança. Freire (1996), em Pedagogia da Autonomia, afirma que “ensinar exige compreender que a educação é um ato de amor, de coragem, e de comprometimento com a realidade dos educandos” (Freire, 1996, p. 25). Portanto, o professor que reconhece a ludicidade como linguagem legítima da infância não apenas acolhe o modo de ser e aprender da criança, mas constrói com ela um espaço de diálogo, escuta e criação coletiva de significados. A mediação docente é indispensável para que as experiências lúdicas transcendam a mera diversão e se constituam como aprendizagens significativas e socialmente relevantes.

É importante ressaltar que a ludicidade também se manifesta em atividades como a leitura literária, o desenho livre, a música, a dança, a contação de histórias e o faz-de-conta, práticas que mobilizam a imaginação e possibilitam o desenvolvimento da linguagem oral e escrita, da empatia, da escuta ativa e da sensibilidade estética. Além disso, as atividades lúdicas promovem o desenvolvimento motor e psicomotor das crianças, especialmente em contextos escolares com carência de espaços adequados. Quando a criança tem a oportunidade de movimentar-se, explorar diferentes materiais e interagir com seu corpo de maneira expressiva, ela não apenas aprende, mas vivencia o conhecimento em sua dimensão integral. Nesse sentido, o brincar não deve ser compreendido como um intervalo entre momentos considerados mais “sérios” do currículo, mas como forma legítima de acesso ao conhecimento e de engajamento ativo no processo educativo. Como argumenta Kishimoto (1994), o lúdico é também uma forma de resistência pedagógica: ao valorizar a criatividade, a escuta, o afeto e a expressão simbólica, ele desafia a lógica da homogeneização, da rigidez disciplinar e da tecnocracia curricular. Brincar na escola é afirmar a infância como tempo de potência, e não como fase de preparação para o futuro. Além disso, o brincar, enquanto prática cultural, possibilita que a criança entre em contato com diferentes repertórios simbólicos, narrativas, linguagens e visões de mundo. Essa diversidade enriquece sua formação ética, política e estética, desenvolvendo o respeito às diferenças, a empatia, o pensamento crítico e a abertura para o novo. Como destaca Freire (2003), “a educação deve ser um ato de liberdade, e não de domesticação” (Freire, 2003, p. 75). Nesse horizonte, o lúdico deixa de ser mero adorno e assume o papel de prática libertadora.

Conforme demonstrado ao longo deste trabalho, a ludicidade não pode ser tratada como recurso opcional ou acessório no contexto da educação infantil. Ela constitui um dos pilares formativos mais relevantes na construção do conhecimento, no fortalecimento das relações interpessoais, no desenvolvimento da autonomia e na promoção de aprendizagens significativas. Ao integrar o brincar à prática pedagógica cotidiana, a escola reconhece a infância em sua especificidade e potencializa o processo educativo, tornando-o mais sensível, dialógico, plural e humanizador. Assim, urge que educadores, gestores e formuladores de políticas públicas assumam o compromisso ético e político de garantir o direito ao brincar como dimensão fundante do ato educativo. O lúdico não é apenas meio de ensinar: é forma de existir, de criar e de se relacionar com o mundo. Brincando, a criança aprende, e ao aprender, transforma-se e transforma o seu entorno.

BENEFÍCIOS DOS JOGOS E BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A ludicidade, enquanto categoria fundante da infância, constitui uma das expressões mais genuínas da construção do conhecimento nos primeiros anos de vida. Segundo o Dicionário Aurélio (Ferreira, 2003, p. 309), o termo "brincadeira" é definido como “a própria ação de brincar”, uma forma de “diversão”, “brinquedo ou jogo”, bem como um “passatempo agradável”. Entretanto, tais definições, ainda que pertinentes, tornam-se insuficientes quando confrontadas com os desdobramentos teóricos, afetivos e pedagógicos da prática lúdica no contexto educacional. A brincadeira não deve ser compreendida como um simples ato de entretenimento ou passatempo, mas como um processo simbólico, estruturado e intencional que mobiliza dimensões profundas do desenvolvimento infantil, articulando expressão, imaginação, socialização e aprendizagem.

O brincar se configura como prática universal, atravessando culturas, tempos históricos e contextos sociais. Sua importância transcende o plano da espontaneidade, consolidando-se como um fenômeno complexo de expressão da subjetividade e de mediação entre o indivíduo e o mundo. Ao brincar, a criança explora seu corpo, organiza pensamentos, manifesta afetos e experimenta papéis sociais, operando simbolicamente sobre os elementos da realidade e atribuindo-lhes novos sentidos. Assim, um objeto cotidiano é transfigurado: o cabo de vassoura torna-se cavalo, o palito vira espada ou microfone, o espaço é recriado em função da ação simbólica. Essa capacidade de ressignificação é própria do pensamento infantil, conforme afirmado por Piaget (1970), para quem a brincadeira é a forma mais autêntica de assimilação ativa do mundo.

Do ponto de vista cognitivo, a ludicidade propicia o desenvolvimento de capacidades fundamentais como atenção, memória, raciocínio lógico, criatividade e resolução de problemas. Durante o jogo, a criança formula hipóteses, testa estratégias, lida com regras, elabora narrativas e mobiliza estruturas mentais em constante reorganização. Em A equilibração das estruturas cognitivas (1976), Piaget sustenta que o conhecimento é resultado de um processo dinâmico de assimilação e acomodação, em que a criança reorganiza seus esquemas diante de desafios cognitivos. As brincadeiras, ao criarem situações instáveis, propiciam esse desequilíbrio necessário à construção do pensamento. Segundo o autor, "a atividade lúdica é a mais espontânea forma de expressão da criança" (Piaget, 1970, p. 52), sendo, portanto, condição epistemológica para a emergência de operações mentais cada vez mais complexas. No campo motor, o brincar estimula a coordenação motora ampla e fina, a lateralidade, o equilíbrio e a percepção espacial. Brincadeiras que envolvem correr, pular, desenhar, construir ou manipular objetos não apenas promovem o domínio corporal, mas também favorecem a constituição de um esquema corporal integrado. Isso é fundamental para a autorregulação, a orientação no espaço e o domínio do próprio corpo, que são requisitos básicos para o ingresso da criança nas práticas culturais escolarizadas.

Em relação à dimensão emocional, a brincadeira representa uma linguagem por meio da qual a criança expressa desejos, medos, angústias e afetos. O jogo simbólico permite à criança elaborar experiências vividas, ressignificar situações e representar conflitos internos de forma segura e criativa. Vygotsky (1998), ao enfatizar a função simbólica do brinquedo, afirma que “é no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de uma esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos” (Vygotsky, 1998, p. 126). A brincadeira, nesse sentido, possibilita o desenvolvimento do autocontrole emocional e da capacidade de internalizar regras, valores e limites. Ela oferece à criança a oportunidade de vivenciar emoções intensas dentro de um campo simbólico, elaborando-as de forma socialmente compartilhada. No que se refere à dimensão social, o brincar é o lugar da alteridade, do encontro com o outro, da construção de vínculos afetivos e da aprendizagem da convivência. Ao brincar em grupo, a criança negocia papéis, escuta diferentes pontos de vista, compartilha objetos e espaços, respeita regras coletivas e aprende a cooperar. A ludicidade, portanto, é também formação ética, pois introduz a criança na experiência democrática e relacional. Os jogos colaborativos e as dramatizações coletivas são práticas que estimulam a empatia, a solidariedade e o senso de pertencimento, valores fundamentais para a formação de sujeitos sociais conscientes de si e do outro.

Essas múltiplas dimensões do brincar indicam que os jogos e brincadeiras devem ser compreendidos como instrumentos pedagógicos potentes e indispensáveis ao processo de ensino-aprendizagem. Quando intencionalmente planejadas, as práticas lúdicas favorecem o protagonismo infantil e conferem à criança o papel de sujeito ativo da própria formação. Ao mesmo tempo, ampliam os espaços de escuta e acolhimento no ambiente escolar, tornando-o mais sensível às singularidades do desenvolvimento infantil. Freire (1996), ao propor uma pedagogia baseada na autonomia e na escuta, reforça a ideia de que o ato de ensinar exige sensibilidade ao modo de ser e aprender do educando. Em sua visão, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (Freire, 1996, p. 47). Nesse sentido, o brincar é condição para que o educador se aproxime do universo da criança, reconheça seus saberes e construa, com ela, experiências educativas que façam sentido. A escola, ao incorporar a ludicidade como eixo estruturante de sua prática pedagógica, não apenas respeita o direito da criança de brincar, como propõe um modelo de educação que valoriza a criatividade, a diversidade e o prazer de aprender. Conforme Kishimoto (1994), o lúdico é mais do que uma técnica pedagógica: é uma linguagem que integra razão e emoção, corpo e mente, sujeito e cultura. Assim, brincar não é “pausa” no processo educativo, é o próprio processo.

A análise empreendida ao longo deste texto evidencia que a brincadeira deve ser compreendida como fundamento da ação pedagógica na educação infantil. Longe de se configurar como atividade meramente recreativa, o brincar se revela como mediação epistemológica, ética e estética do desenvolvimento humano. Ao mobilizar simultaneamente dimensões cognitivas, afetivas, motoras e sociais, a ludicidade constitui um dispositivo formativo completo, que possibilita à criança construir significados, desenvolver autonomia e estabelecer relações com o mundo e com os outros. Assim, torna-se urgente que educadores, instituições escolares e políticas públicas reconheçam o brincar como direito e como princípio organizador do currículo. Garantir espaços, tempos e materiais que favoreçam experiências lúdicas de qualidade é assegurar o pleno exercício da infância e da cidadania. Ao brincar, a criança aprende, e, ao aprender brincando, transforma-se, amplia sua consciência e potencializa seu ser no mundo.

O brinquedo constitui-se como um elemento essencial no universo lúdico infantil, funcionando não apenas como objeto de diversão, mas como catalisador de experiências simbólicas, afetivas e cognitivas profundamente significativas. Ao interagir com brinquedos, a criança é inserida em um universo de imaginação, descobertas e fantasias, no qual recria situações, assume diferentes papéis sociais e experimenta uma ampla gama de emoções. Dessa forma, o brinquedo transcende a noção de mero passatempo, consolidando-se como um dispositivo pedagógico potente, que potencializa o desenvolvimento integral da criança.

Como afirma Kishimoto (1994), o brinquedo é uma mediação fundamental entre o mundo real e o simbólico, possibilitando à criança elaborar sentidos, internalizar normas sociais e ampliar suas formas de expressão e pensamento. Segundo Kishimoto;

O brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas. Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los. Duplicando diversos tios de realidade presentes, o brinquedo metamorfoseia e fotografa a realidade, não reproduz apenas objetos, mas uma totalidade social (Kishimoto, 1994, p. 108-109).

Ao envolver-se em brincadeiras, a criança tende a reproduzir, de forma simbólica, situações vivenciadas em seu cotidiano, o que lhe permite interpretar, reconstruir e atribuir novos sentidos ao mundo que a cerca. Esse processo favorece uma aprendizagem ativa, na qual a criança elabora compreensões sobre pessoas, lugares, objetos e dinâmicas sociais por meio de sua própria experiência. As atividades lúdicas promovem o desenvolvimento integrado das dimensões cognitivas, motoras, afetivas e sociais, ao passo que estimulam a linguagem, a imaginação, a autonomia e a capacidade de estabelecer vínculos afetivos. O ato de brincar, ainda que aparentemente simples, constitui uma prática complexa que fortalece a comunicação, amplia o repertório simbólico e favorece o desenvolvimento da identidade. Por meio da simulação e do faz-de-conta, a criança compreende e incorpora normas sociais, aprende a lidar com frustrações e desenvolve estratégias para a resolução de problemas cotidianos. Nesse sentido, o brincar revela-se como um caminho espontâneo, prazeroso e profundamente eficaz para a construção de saberes, consolidando-se como uma das formas mais autênticas e significativas de aprendizagem na infância.

O PAPEL DO EDUCADOR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A atuação do educador na Educação Infantil transcende a transmissão de conteúdos e se configura como prática ética, política e cultural profundamente implicada na constituição subjetiva, social e cognitiva da criança. Conforme preconiza a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o professor da primeira infância deve assumir o lugar de sujeito reflexivo, sensível e comprometido com o desenvolvimento integral das crianças, entendendo-as como protagonistas de suas experiências e como sujeitos de direitos. Essa função exige do educador uma escuta atenta, uma postura afetiva e uma intencionalidade pedagógica capaz de articular ludicidade, conhecimento e cuidado em uma prática educativa significativa. Ao reconhecer o brincar, a convivência, a escuta e a exploração como eixos estruturantes das práticas pedagógicas na infância, a BNCC reforça a necessidade de que o educador crie condições para que as crianças vivenciem a infância em sua plenitude. Isso implica não apenas acolher o modo de ser e estar da criança no mundo, mas planejar e mediar experiências que promovam o desenvolvimento das múltiplas dimensões do sujeito, cognitiva, física, emocional, social, ética e estética. A função do professor, nesse sentido, não se limita à execução de atividades, mas envolve a construção de uma prática pedagógica fundamentada em observações sistemáticas, registros sensíveis e intervenções intencionais. Ao acompanhar o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança, o educador deve interpretar suas manifestações, reconhecer seus ritmos e propor experiências alinhadas aos direitos de aprendizagem e aos campos de experiência delineados pela BNCC.

Como destaca Freire (1996), “ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando” (Freire, 1996, p. 67). Assim, o professor da Educação Infantil deve valorizar os saberes prévios da criança, acolher sua linguagem própria e favorecer sua inserção crítica e criativa no mundo. Essa postura exige não apenas formação teórica sólida, mas também uma sensibilidade ética e estética que permita ao educador atuar como mediador, e não como mero transmissor de informações. Dessa forma, espera-se que o educador:

  • Elabore e execute o planejamento pedagógico com intencionalidade e coerência, promovendo experiências significativas que articulem os campos de experiência da BNCC;

  • Proporcione um ambiente seguro, acolhedor e afetivo, no qual as crianças sintam-se pertencentes, valorizadas e emocionalmente amparadas;

  • Observe, registre e analise continuamente os processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, com vistas a propor intervenções que respeitem a singularidade de cada sujeito;

  • Promova o bem-estar integral da criança, considerando suas necessidades físicas, emocionais e sociais;

  • Estabeleça vínculos afetivos consistentes, condição necessária para que se configure um espaço de confiança, escuta e aprendizagem.

A escuta ativa e o olhar atento são, portanto, instrumentos centrais na atuação do professor da Educação Infantil. Vygotsky (1998), ao propor a noção de zona de desenvolvimento proximal, evidencia que o desenvolvimento não ocorre de forma linear ou isolada, mas na relação mediada com o outro. O educador, nesse contexto, atua como ponte entre o nível de desenvolvimento atual da criança e as possibilidades que ela pode alcançar com a devida mediação.

A formação docente, nesse cenário, precisa ser contínua, dialógica e crítica. O professor deve manter-se atualizado em relação às abordagens contemporâneas da pedagogia da infância, mas também revisitar constantemente os fundamentos teóricos que sustentam sua prática. Como destaca Piaget (1976), o processo educativo deve respeitar os estágios do desenvolvimento cognitivo da criança, favorecendo a construção ativa do conhecimento por meio da interação com o meio físico e social. Em Science of Education and the Psychology of the Child, Piaget (1970) sustenta que a aprendizagem significativa ocorre quando a criança manipula objetos, investiga fenômenos e reconstrói mentalmente as estruturas da realidade. Nesse sentido, o planejamento pedagógico deve contemplar situações que promovam experimentação, descoberta, expressão simbólica, resolução de conflitos e interação entre pares.

A BNCC exemplifica essas possibilidades nos seguintes campos de experiência:

  • “O eu, o outro e o nós”: o educador pode organizar rodas de conversa, dramatizações e brincadeiras coletivas que incentivem o respeito, a empatia e a construção da convivência ética e democrática.

  • “Traços, sons, cores e formas”: ao oferecer materiais diversos, tintas, argila, papéis, instrumentos musicais —, promove-se a experimentação estética, o pensamento simbólico, o desenvolvimento da coordenação motora e o prazer pela criação.

  • “Escuta, fala, pensamento e imaginação”: ao contar e recontar histórias, propor cantigas, poemas e brincadeiras verbais, o educador contribui diretamente para o desenvolvimento da linguagem oral, da imaginação e da capacidade de expressão das crianças.

Além disso, é imprescindível que o professor reconheça o brincar como linguagem legítima da infância e como prática epistemológica de construção do conhecimento. Kishimoto (1994) afirma que o lúdico é mediação simbólica entre o real e o imaginário, entre a experiência concreta e a abstração. Ao brincar, a criança interpreta o mundo, elabora emoções e projeta possibilidades. Trata-se, portanto, de um fazer profundamente formativo, que deve ser respeitado, estimulado e integrado ao currículo.

O papel do educador na Educação Infantil é complexo, desafiador e central para a construção de uma escola verdadeiramente comprometida com a infância. Longe de ser um executor de rotinas, o professor é mediador de sentidos, construtor de vínculos e articulador de experiências significativas. Com base nos princípios da BNCC e nas contribuições de teóricos como Piaget, Vygotsky, Freire e Kishimoto, compreende-se que a formação desse profissional deve ser contínua, crítica e sensível às múltiplas dimensões do desenvolvimento infantil. Investir na valorização do professor da infância não é apenas uma exigência institucional, mas um compromisso ético com a construção de uma sociedade mais justa, democrática e humanizada. Valorizar o papel do educador é, em última instância, reconhecer a potência da infância como tempo de formação integral, de encantamento com o mundo e de possibilidades infinitas de aprendizagem.

O BRINCAR COMO EIXO ESTRUTURANTE DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

O brincar, tradicionalmente compreendido como atividade espontânea e desvinculada de finalidades pedagógicas, vem sendo, ao longo das últimas décadas, ressignificado no campo da educação e do desenvolvimento humano. Essa atividade, aparentemente simples, encarna uma complexa rede de mediações simbólicas, afetivas e sociais, constituindo-se como eixo estruturante da formação do sujeito na infância. Brincar não é apenas uma manifestação da energia vital infantil, mas um dispositivo formativo que mobiliza funções psicológicas superiores, constrói sentidos e estrutura modos de estar e interagir no mundo. Lev Vygotsky, ao longo de suas obras, notadamente A formação social da mente (2007) e Pensamento e linguagem (1988), demonstrou que o brincar é um campo de desenvolvimento potencial da infância. É na brincadeira simbólica, por exemplo, que a criança atua em níveis superiores aos que já domina, experimentando papéis sociais, internalizando normas culturais e operando transformações na realidade. "No brinquedo, a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de uma esfera visual externa" (Vygotsky, 1998, p. 126), ou seja, o brinquedo permite que ela ultrapasse o imediatismo sensório e avance para operações mentais mais complexas, articulando linguagem, representação simbólica e regulação do comportamento. Essa compreensão dialética do desenvolvimento, em que o brincar é mediado pela cultura e pela interação social, distancia-se de visões individualistas e espontaneístas, colocando em evidência o papel do outro (educador, par, contexto) como elemento formador. Nessa perspectiva, a escola deve ser compreendida como espaço que legitima e potencializa o brincar, reconhecendo-o como linguagem fundante da infância. Paulo Freire, embora não tenha centrado suas reflexões específica e diretamente sobre a educação infantil, oferece valiosas contribuições para a compreensão do brincar como ato pedagógico humanizador. Em Pedagogia da autonomia (1996), ao afirmar que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção" (Freire, 1996, p. 47), Freire posiciona o educador como mediador dialógico, comprometido com a escuta ativa, com o respeito à singularidade do educando e com a construção coletiva do saber. Essa pedagogia, centrada na liberdade, no afeto e na experiência, encontra eco na prática lúdica, que valoriza a espontaneidade e a criatividade sem renunciar à intencionalidade formativa.

Freire reconhece que a educação deve partir da realidade concreta do sujeito, considerando seu universo simbólico, seu contexto cultural e suas formas de expressão. O brincar, enquanto expressão autêutentica da cultura infantil, torna-se, assim, um campo privilegiado para o exercício de uma pedagogia libertadora. Ao brincar, a criança reelabora o mundo, vivência valores, assume papéis, comunica-se e constrói sentidos. Trata-se de um ato criador e transformador, no qual o sujeito infantil é protagonista da própria formação, e não um mero receptor de conteúdos.

Jean Piaget, em sua obra A equilibração das estruturas cognitivas (1976), também oferece contribuições fundamentais para a compreensão do brincar como instrumento de construção do conhecimento. Para Piaget, o brincar é uma forma privilegiada de assimilação da realidade, na qual a criança integra, ao seu modo, as experiências que vivencia. Por meio da atividade lúdica, ela exercita esquemas mentais, testa hipóteses, organiza seu pensamento e se prepara para operações lógicas mais complexas. O jogo simbólico, em especial, é compreendido como etapa intermediária entre o pensamento sensório-motor e o pensamento operatório, funcionando como campo de mediação entre a ação e a representação. Dessa forma, o brincar não apenas acompanha o desenvolvimento, mas o impulsiona, funcionando como dispositivo epistemológico, afetivo e social. Quando a escola reconhece essa função estruturante do brincar, passa a valorizar o tempo da infância, respeitando seus processos, seus ritmos e sua linguagem própria. Cabe ao educador, nesse contexto, não apenas permitir o brincar, mas planejá-lo, mediá-lo e potencializá-lo, a partir de uma escuta atenta e de uma prática pedagógica intencional, crítica e sensível.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (2017) reforça essa visão ao definir o brincar como um dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento, defendendo sua integração aos campos de experiência da educação infantil. Essa diretriz institucionaliza a compreensão do brincar como prática pedagógica fundamental, assumindo sua centralidade no processo educativo e reconhecendo-o como linguagem estruturante da formação humana.

O brincar, quando compreendido para além da espontaneidade e do entretenimento, revela-se como prática epistemológica, estética e ética profundamente articulada ao desenvolvimento humano. À luz dos pensamentos de Vygotsky, Freire e Piaget, compreende-se que o ato de brincar não é acessório, mas constituinte da formação subjetiva, cognitiva e social da criança. Trata-se de um espaço de liberdade, de experimentação e de construção de sentido, em que o conhecimento é gerado a partir da interação com o outro e com o mundo. Valorizar o brincar é, portanto, uma exigência pedagógica e política, que desafia as instituições educativas a reconhecerem a infância como tempo de formação plena, de experiência e de expressão criadora. Investir em práticas lúdicas de qualidade é afirmar o direito da criança a uma educação humanizadora, dialógica e transformadora, capaz de respeitar e potencializar sua forma singular de ser e aprender no mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo evidencia a centralidade das atividades lúdicas no contexto da educação infantil, reconhecendo o brincar não apenas como prática espontânea, mas como um eixo estruturante do desenvolvimento humano nos primeiros anos de vida. As brincadeiras, os jogos simbólicos e as atividades criativas funcionam como dispositivos de mediação entre a subjetividade da criança e o mundo social, mobilizando processos cognitivos, afetivos, motores e sociais de forma integrada. A partir do suporte teórico de autores como Jean Piaget e Lev Vygotsky, compreende-se que a ação lúdica transcende o mero entretenimento, operando como forma privilegiada de construção de conhecimento e internalização de significados culturais.

Segundo Piaget (1976), a criança, ao brincar, assimila o mundo à sua maneira, reorganizando a realidade de modo ativo, por meio da interação com objetos, espaços e pares. Essa experiência simbólica permite à criança testar hipóteses, elaborar relações lógicas, construir esquemas mentais e desenvolver sua capacidade de pensar, criar e resolver problemas. Como destaca Piaget em Science of Education and the Psychology of the Child (1970), o conhecimento não é simplesmente transmitido, mas construído ativamente por meio da interação com o meio. Vygotsky (1998), por sua vez, enfatiza que o brincar é um campo de desenvolvimento potencial da infância, pois é no jogo simbólico que a criança atua em níveis superiores aos já consolidados, exercitando funções psicológicas superiores como linguagem, memória, atenção e pensamento abstrato. Ao representar papéis sociais, reproduzir situações da vida cotidiana e manipular objetos simbólicos, a criança amplia sua zona de desenvolvimento proximal, mediada pelo outro e pelo contexto cultural. Dessa forma, o brincar assume um caráter profundamente formativo, que alia expressão, aprendizagem e desenvolvimento. Nesse cenário, o papel do educador torna-se fundamental, pois é ele quem media as experiências lúdicas e propõe situações pedagógicas alinhadas ao estágio de desenvolvimento das crianças, respeitando seus ritmos, singularidades e interesses. Como salienta Freire (1996), “o educador deve ser um sujeito de escuta e intervenção crítica, comprometido com a formação autônoma do educando”. Assim, a mediação docente, quando planejada com intencionalidade e fundamentada nos direitos de aprendizagem, transforma o espaço educativo em um ambiente acolhedor, criativo e intelectualmente provocativo.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) corrobora essa compreensão ao reconhecer o brincar como um dos direitos fundamentais das crianças, ressaltando sua importância para o desenvolvimento integral. Os campos de experiência propostos pela BNCC (2017) valorizam a ludicidade como prática pedagógica estruturante, promovendo a interação, a expressão simbólica, a investigação e o protagonismo infantil. Incorporar o lúdico ao planejamento educativo é, portanto, uma estratégia que potencializa a aprendizagem, estimula a autonomia, fortalece os vínculos afetivos e desenvolve competências essenciais para a vida em sociedade. Ainda, as contribuições de Kishimoto (1994) reforçam a compreensão do brinquedo e da brincadeira como linguagens privilegiadas da infância, cuja natureza simbólica permite a reelaboração de experiências, o contato com a diversidade cultural e a ampliação do repertório expressivo das crianças. A brincadeira, nesse sentido, é também meio de comunicação, de afirmação da identidade e de construção coletiva de significados.

Dessa forma, conclui-se que investir em atividades lúdicas na educação infantil é assegurar uma formação mais humanizada, significativa e eficaz, capaz de contemplar a complexidade do desenvolvimento infantil. Promover o brincar como parte estruturante do processo educativo é afirmar a criança como sujeito de direitos, cuja aprendizagem ocorre de maneira ativa, afetiva e criativa. Garantir o acesso a experiências lúdicas qualificadas é, portanto, um imperativo pedagógico e ético para uma educação que respeita, valoriza e potencializa a infância.

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1 Discente do Curso de Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis).

2 Discente do Curso de Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis).

3 Docente dos Cursos de Pedagogia, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Ciências da Computação (UNESA-RJ). Doutorando em Educação pela Universidade Nacional de Rosário (UNR-ARG). Mestrado em Educação (UNESA-RJ). MBA em Data Warehouse e Business Intelligence (FI - PR). Pós-Graduado em Engenharia de Software, Antropologia, Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Educação no Campo, Filosofia e Ciência da Religião (FAVENI-MG). Historiador pela Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP). E-mail: [email protected]